Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0679/16
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
RGIT
Sumário:I - Aos factos que ocorreram em Abril de 2009 há que aplicar a actual redacção da alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT (introduzida pelo art. 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e que, nos termos do art. 174.º da mesma Lei, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009), da qual decorre que deixou de ser elemento constitutivo do tipo legal de contra-ordenação aí prevista que a arguida tenha recebido o IVA em questão, pelo que a não indicação dessa circunstância ou da dedução do imposto nos termos legais, no auto de notícia ou na decisão de aplicação de coima, não integra nulidade insuprível de tal decisão.
II - O art. 79.º, n.º 1, do RGIT exige, sob pena de nulidade, cominada pela alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do mesmo Regime, que a decisão de aplicação da coima contenha ou respeite determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, com vista a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se o mesmo tiver conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que se enquadram.
III - Assim, é nula a decisão de aplicação da coima que imputa à arguida a prática da contra-ordenação p. e p. no arts. 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT que tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei e que não consta da factualidade dada como provada, sendo certo que a factualidade apurada integra a contra-ordenação p. e p. no art. 114.º, n.º 5 do RGIT, mas esta norma não é indicada na decisão de aplicação da coima.
Nº Convencional:JSTA00070365
Nº do Documento:SA2201710110679
Data de Entrada:05/30/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CONST05 ART32 N10 ART268 N3.
RGIT01 ART26 N4 ART63 N1 D ART79 N1 B C ART114 N2 N5.
RGCO ART2 ART3 ART19 ART32 ART72-A.
CP95 ART20 N2 ART79.
CIVA08 ART27 N1 ART41 N1 A.
L 64-A/08 DE 2008/12/31.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01406/16 DE 2017/03/08.; AC STA PROC0881/16 DE 2017/01/25.; AC STA PROC01290/15 DE 2016/11/30.; AC STA PROC0753/15 DE 2016/02/03.; AC STA PROC0382/15 DE 2015/06/25.; AC STA PROC01064/12 DE 2013/01/16.; AC STA PROC0160/12 DE 2012/05/01.; AC STA PROC0593/09 DE 2009/11/18.; AC STA PROC0540/09 DE 2009/09/16.; AC STA PROC0268/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC0241/09 DE 2009/04/29.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 4ED PAG517 PAG 812-815.
ISABEL MARQUES DA SILVA - NULLA POENA SINE LEGE OU A NÃO PUNIBILIDADE DA NÃO ENTREGA DO IVA NÃO RECEBIDO ANOTAÇÃO AO ACÓRDÃO DO STA PROC0279/08 DE 2008/05/28 - REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANO1 N3 PAG239 E SGTS.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 1337/14.7BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença por que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, concedendo provimento ao recurso judicial, anulou, com base na nulidade prevista no art. 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por falta dos requisitos legais consignados na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime, a decisão administrativa que aplicou à sociedade denominada “A…………., Lda.” (adiante Arguida ou Recorrida) uma coima em processo de contra-ordenação tributária.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- Ao determinar a anulabilidade de decisão recorrida, incorreu o tribunal em erro de julgamento.

II- Analisada a petição inicial de recurso de contra-ordenação verifica-se que a arguida, percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título de ilícito contra-ordenacional, pelo que não lhe foram coarctados quaisquer direitos de defesa.

III- A decisão sancionatória não enferma de nulidade, porque a decisão contém os elementos bastantes, quer quanto aos factos típicos, quer quanto à medida da coima, bem como o auto de notícia, que lhe foi levantado, permitia e permitiu, à Recorrida aperceber-se de toda a imputação e defender-se dela.

IV- No caso sub judice, a factualidade imputada à Recorrida traduz-se no não pagamento de 70.480,97€, montante de IVA exigível respeitante ao período de Fevereiro de 2009, sendo que as normas legais tidas como violadas pela decisão administrativa são as dos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1 alínea a), do CIVA, infracção punida pelo artigo 114.º, n.º 2 do RGIT.

V- Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no art. 79.º, n.º 1, al. b) do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça».

1.3 O recurso foi admitido.

1.4 O Ministério Público apresentou resposta, que rematou com a formulação de conclusões do seguinte teor:

«a) Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, a decisão que aplica a coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;

b) No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada;

c) Conforme jurisprudência uniforme, pacífica e reiterada do STA:

1) O facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do art. 114.º do RGIT é o tipificado no n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, constituindo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.

2) Não preenche o tipo legal de contra-ordenação previsto e punido nos números 1 e 2 do art. 114.º do RGIT a falta de entrega da prestação tributária de IVA, pois no IVA a prestação a entregar é, não a prestação tributária deduzida, mas a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito;

d) Em sede de decisão de aplicação da coima, as normas punitivas indicadas foram os arts. 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT. Ao não ter sido, na descrição sumária dos factos, feita qualquer referência à prestação tributária deduzida, aquela decisão viola o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, o que determina a nulidade insuprível a que se refere a al. d) do n.º 1 do RGIT.

e)A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, motivo pelo qual a mesma deverá ser mantida na ordem jurídica».

1.5 O Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se no sentido da sua incompetência em razão da hierarquia para conhecer do recurso, declarando como tribunal competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual remeteu os autos.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, se bem que por fundamentos diversos dos adoptados na sentença recorrida. Depois fazer o resumo da posição assumida na sentença e dos fundamentos do recurso jurisdicional e enunciar a questão a dirimir como sendo «a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a decisão de aplicação de coima padece de nulidade por não conter a descrição sumária dos factos integradores da contra-ordenacão p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, e 114.º, n.º 2, do RGIT, em violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT», começou por salientar, após pormenorizada exposição sobre a evolução jurisprudencial e legislativa, que a sentença não levou em conta que, após a alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, já em vigor à data em que se consumou a infracção – e que, por isso, é aplicável –, deixou de relevar a referência ao facto de o imposto ter ou não sido recebido, pois se passou também a tipificar como contra-ordenação de falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser, ou seja, deixou de ser elemento constitutivo de tipo legal da contra-ordenação ali prevista o recebimento do imposto a entregar ao Estado por parte do arguido.
Apesar disso, o Procurador-Geral Adjunto considerou, tal como a sentença mas por fundamentação diversa da aí aduzida, que a decisão administrativa de aplicação da coima enferma da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT. Se bem entendemos a posição do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, amplamente exposta no seu parecer, ela passa pelo entendimento de que, para que se considere satisfeito o requisito da descrição sumária dos factos imposto pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, não basta a possibilidade de os factos serem inferidos do enquadramento jurídico dado à infracção na decisão administrativa, sendo necessário uma enunciação dos factos praticados ou omitidos pelo arguido e que integram os elementos típicos da contra-ordenação e sua imputação ao agente a título de dolo ou negligência. Assim, prosseguindo na análise do caso e em síntese, considerou que a decisão administrativa de aplicação da coima não dá cumprimento às exigências da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e põe em causa os direitos de defesa do arguido, por um lado, porque não menciona a alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, não bastando a indicação como normas violadas dos arts. 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do mesmo Regime e, por outro lado, porque não fixou «os factos dos quais se possa extrair a obrigação da entrega do imposto, o que no caso do IVA, passaria por referir que o arguido, na qualidade de sujeito passivo de IVA, apresentou declaração periódica relativa ao mês de Fevereiro de 2009 no qual apurou determinado montante de imposto (IVA) a entregar ao Estado».
Concluindo, entendeu o Procurador-Geral Adjunto que no caso não foi respeitada a exigência de «que a descrição dos factos e a indicação das normas punitivas permita ao arguido tomar conhecimento da conduta que lhe é censurada e ao abrigo de que norma lhe é imputada a contra-ordenação, de modo a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa», o que configura a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.

1.7 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de factos nos seguintes termos:

«A) Em 13/07/2009, foi proferida decisão de aplicação da coima, ora sob recurso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a presente decisão:

«Descrição Sumária dos Factos

Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos:
1. Montante de imposto exigível: 73.217,56,
2. Valor da prestação tributária entregue: 2.736,59;
3. Valor da prestação tributária em falta: 70.480,97;
4. Data de cumprimento da obrigação: 2009-04-08;
5. Período a que respeita a infracção: 2009/02;
6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-04-13, os quais se dão como provados.

Normas Infringidas e Punitivas

Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Tributação
Data
Infracção
CódigoArtigoCódigoArtigo
CIVAArt. 27 n.º 1 e 4 n.º 1 a) CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P. s/ meio de pagamento ou c/ pagamento insuficiente (M)RGITArt. 114.º n.º 2 do RGIT – Falta entrega prest. tributária dentro prazo (M)
200902
2009-04-08
(…)
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art. 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 14.096,19 cominada no(s) Art(s) 114º n.º 2, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00) nos termos do N.º 2 do Dec-Lei N.º 29/98 de 11 de Fevereiro(…)».

B) A decisão a que se refere a alínea anterior foi notificada à Recorrente por carta registada com aviso de recepção, recebida em 15/07/2009, cfr. fls. 18 e 19.

C) O requerimento de interposição de recurso foi apresentado em 10/08/2009, cfr. fls. 21.».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da notificação de que lhe fora aplicada uma coima pela prática de um ilícito contra-ordenacional de natureza tributária prevista pelos arts. 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e punida pelos arts. 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT – apresentação dentro do prazo da declaração periódica de IVA respeitante ao mês de Fevereiro de 2009, desacompanhada de meio de pagamento da totalidade do imposto exigível, pois do montante exigível de € 73.217,56, a Arguida só entregou € 2.736,59, sendo que o prazo para cumprimento da obrigação terminou em 8 de Abril de 2009 –, a Arguida fez dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa recurso judicial dessa decisão administrativa, ao abrigo do art. 80.º, do RGIT.
No recurso judicial alegou, em síntese, que a decisão recorrida
i) padece de nulidade insuprível, nos termos do art. 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, quer por falta de menção dos elementos que contribuíram para a fixação do montante da coima e das custas, quer por falta de indicação dos elementos essenciais da «descrição sumária dos factos», uma vez que não se refere que a prestação não entregue foi uma prestação deduzida nos termos da lei, como o exigia o n.º 1 do art. 114.º do RGIT, tudo em violação do disposto no art. 79.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGIT;
ii) está ferida de nulidade, porque não levou em conta que, à data em que a decisão administrativa foi proferida, a Arguida já entregara por conta da dívida € 23.558,36 e requerera o pagamento em prestações do valor restante, de € 50.000,00;
iii) enferma de ilegalidade por «violação dos arts. 19.º do RGCO, 20.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal, aplicáveis por força dos artigos 3.º, al. b) do RGIT e 32.º do RGCO» porque a AT não atendeu a que a Arguida tinha sido condenada por uma outra contra-ordenação pela prática de idêntica infracção e não procedeu, como devia, à aplicação de uma coima única pela prática de ambas as infracções.
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, apreciando o recurso e louvando-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (A sentença refere os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 29 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 241/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c1eaaa3bf3ef5d77802575b600422d5f;
- de 8 de Julho de 2009, proferido no processo n.º 268/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00fc6d6f172d2ab0802575f20055cd23;
- de 16 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 540/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f33f7954ce26b3748025763b004a0e82;
- de 18 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 593/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/176fe58578e2b8898025767a004ea5bf.), julgou-o procedente por considerar que ocorria a nulidade da decisão administrativa, nos termos do disposto nos arts. 63.º, n.º 1, alínea d) e 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, por nela não se mencionar o efectivo recebimento, por parte da Arguida, do montante do IVA que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado.
Em resumo, considerou que o facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do art. 114.º do RGIT se reporta à tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue; assim sendo, a falta de entrega da prestação tributária de IVA não preenche o tipo legal de contra-ordenação acima referido, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Concluiu, pois, que «a prévia dedução da prestação tributária constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra “descrição sumária dos factos” […] terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto de a prestação ter sido deduzida». Porque essa referência não foi feita na decisão administrativa recorrida, verifica-se a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
A Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença. Sustenta, em síntese, que a decisão administrativa de aplicação da coima não enferma da nulidade que a sentença lhe apontou, uma vez que «a decisão contém os elementos bastantes, quer quanto aos factos típicos, quer quanto à medida da coima, bem como o auto de notícia que lhe foi levantado, permitia e permitiu à Recorrida aperceber-se de toda a imputação e defender-se dela».
Cumpre apreciar e decidir, começando pela questão de saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa, de acordo com o art. 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, com o fundamento de que nela não foi feita referência à prévia dedução da prestação tributária não entregue, ou seja, com o fundamento de que, porque essa dedução constituía elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa, para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.

2.2.2 DA NULIDADE POR FALTA DOS REQUISITOS PREVISTOS NA ALÍNEA B) DO N.º 1 DO ART. 79.º DO RGIT

2.2.2.1 Salvo o devido respeito, e como bem assinalou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a sentença não atentou que, à data em que se consumou a infracção – 13 de Abril de 2009, termo do prazo para a entrega do IVA respeitante ao mês de Fevereiro de 2009 –, já estava em vigor a nova redacção dada ao art. 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), que veio alargar o âmbito da previsão da alínea a) do n.º 5 do artigo (Esta nova redacção dada ao art. 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega total ou parcial do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços.
Neste sentido, JORGE DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, nota 6 ao art. 114.º, págs. 813 a 815).), de modo a incluir no tipo de contra-ordenação falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário de imposto devido que tenha sido liquidado ou o que o devesse ser.
Assim, com referência aos factos ulteriores a de 1 de Janeiro de 2009 – data em que entrou em vigor aquela alteração ao art. 114.º do RGIT (cfr. art. 174.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) –, o facto de na decisão administrativa de aplicação da coima não haver referência à circunstância de o imposto ter ou não sido recebido deixou de relevar (Antes, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o recebimento da prestação tributária era, em face do tipo legal de infracção, pressuposto essencial desta, pelo que o dever fiscal de entrega de IVA não recebido não gozava de protecção punitiva, por atipicidade do facto (cfr. ISABEL MARQUES DA SILVA, Nulla poena sine lege ou a não punibilidade da não entrega do IVA não recebido, Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Maio de 2008, proferido no processo n.º 279/08, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, n.º 3, pág. 239 e segs.).), pois a partir da referida alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT pela Lei do Orçamento do Estado para 2009, passou também a estar tipificada como contra-ordenação de falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser e em relação à qual, contrariamente ao que sucede com o tipo previsto no n.º 3 do art. 114.º do RGIT, não é elemento essencial da infracção que o imposto tenha sido recebido. Do mesmo modo, da referida alteração decorre, também, que a prévia dedução da prestação tributária não entregue deixou de constituir elemento essencial do tipo legal da contra-ordenação em causa e, consequentemente, para que se cumpra a “descrição sumária dos factos”, que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, deixou de se impor a referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.
Assim, a tese que a sentença sustentou, com base na jurisprudência deste Supremo Tribunal, apenas lograria aplicação caso a infracção se tivesse consumado até 31 de Dezembro de 2008, inclusive, o que não ocorreu (Neste sentido, existe abundante jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo recente os seguintes acórdãos:
- de 3 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 753/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/36753883ec59c1aa80257f5c003950da;
- de 30 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1290/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/JSTA.NSF/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f59b39f5827612280258087003c5571;
- 25 de Janeiro de 2107, proferido no processo n.º 881/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fa8bf2062891fa0f802580bb004ac461.). Na verdade, a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende [cfr. art. 3.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável por força do disposto no art. 3.º, alínea b), do RGIT].

2.2.2.2 Será, no entanto, que, como sustenta o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a decisão administrativa sempre se deverá ter como nula por não reunir os requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT, já não por falta de menção ao recebimento do IVA por parte da Arguida, mas por falta de menção à alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT (Tenha-se presente que em processo de contra-ordenação tributária, o tribunal de recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido [cfr. art. 75.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT], sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea d), do RGIT], ou seja, da impossibilidade de ser modificada a sanção aplicada em prejuízo de qualquer arguido, seja ou não o recorrente (cfr. art. 72.º-A, n.º 1, do RGCO).)?
Vejamos.
O art. 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. O objectivo de tal exigência é o de assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se o mesmo tiver conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que se enquadram. Assim, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a considerar que as exigências do n.º 1 do art. 79.º do RGIT «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» e, tendo «em conta que a Constituição assegura o direito dos cidadãos a uma fundamentação expressa e acessível dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3, da CRP), […] aquelas exigências só devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício do direito de defesa, isto é, a decisão deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta», sendo que «é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (art. 32.º, n.º 10, da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do art. 63.º, n.º 1, al. d), do RGIT» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517.).
É certo que a decisão de aplicação da coima não indica a alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, mas apenas o n.º 2 do mesmo preceito legal. A esse propósito, vamos seguir o que ficou dito no recente acórdão de 8 de Março de 2017, proferido no processo n.º 1406/16 (() Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/280120a281677770802580e200389562. ), que, retomando posição já assumida por este Supremo Tribunal Administrativo (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, também citados no parecer do Procurador-Geral Adjunto:
- de 1 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 160/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/83786ddc81f5f81c80257a0600490fa6;
- de 16 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 1064/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/87f369c0a4a8b9ca80257afb004fa214.), faz uma síntese dos termos em que a questão se coloca e que acompanhamos. Passamos a citar:
O facto de no caso sub judice, por força da alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não se poder aplicar a jurisprudência invocada pela sentença recorrida, «não quer dizer, porém, que depois de tal alteração legislativa tenha passado a ser pacificamente aceite pela jurisprudência deste STA que uma decisão de aplicação de coima por falta de entrega da prestação tributária de IVA que não faça menção ou ao prévio recebimento da prestação ou à norma do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT (depois de tal alteração legislativa), não enferme de nulidade insuprível.
É que, como ainda recentemente se consignou no Acórdão deste STA de 1 de Fevereiro último – rec. n.º 723/16 – e bem salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, não obstante o não recebimento do imposto não seja agora (após a redacção introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, na al. a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT) elemento do tipo legal de contra-ordenação p. e p. nesse n.º 5 do art. 114.º do RGIT, no presente caso, as decisões administrativas de aplicação de coima imputam à arguida a prática da contra-ordenação p. e p. no n.º 2 desse mesmo art. 114.º, e esta tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei, factualidade que não consta provada; sendo certo, por outro lado, que apesar de factualidade apurada poder eventualmente integrar a contra-ordenação p. e p. naquele n.º 5 do art. 114.º do RGIT, não é essa a norma indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima.
Ou seja, por um lado, os factos descritos não integram a contra-ordenação prevista e punida no n.º 2 do art. 114.º do RGIT que foi a imputada à arguida [sendo que esse normativo visa as situações de retenção na fonte, quer a título definitivo, quer por conta do imposto devido a final (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, RGIT anotado, 4.ª ed., 2010, p. 812.)] mas, antes, eventualmente, a contra-ordenação p. e p. no n.º 5 do art. 114.º do RGIT (norma que, no entanto, como se viu, não é indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima).
É certo que, outros casos há – cfr. o Acórdão deste STA de 25 de Junho de 2015, rec. n.º 0382/15, por nós relatado [(Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96227826215066e080257e770035334c.)] –, em que se entendeu que a omissão de referência à norma do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, por si mesma, desde que cumpridos os demais requisitos essenciais da decisão administrativa de aplicação da coima, não determinava a nulidade insuprível dessa decisão.
Entendemos, porém, reponderando a questão à luz do escopo fundamental da exigência de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima – a tutela dos direitos de defesa do arguido –, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, em particular a linha argumentativa de defesa da recorrente que parte dos elementos essenciais do tipo legal previsto no n.º 1 e 2 do artigo 114.º para alicerçar a sua defesa, que a orientação que emana do Acórdão deste STA que supra citámos é a que se afigura mais adequada, pois que mais garantista, sendo as garantias de defesa no processo de contra-ordenação dignas de tutela jurídica designadamente constitucional (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República).
No caso dos autos, como no Acórdão neste STA de Fevereiro último que supra citámos e bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, a decisão de aplicação da coima imputa à arguida recorrida a prática da contra-ordenação p.p. no artigo 114.º/2 e 26.º/4 do RGIT que tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei e que não consta da factualidade dada como provada, sendo certo que a factualidade apurada integra a contra-ordenação p. e p. no artigo 114.º/5 do RGIT, norma essa que não é indicada na decisão de aplicação da coima. Esta realidade põe, claramente em causa os direitos de defesa da recorrida, como também decidido no Acórdão do STA, de 16/5/2012, rec. n.º 160/12.
Daí que, a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima à recorrida padeça de nulidade, nos termos do estatuído nos artigos 63.º/1/b) do RGIT».
Seguindo esta jurisprudência, entendemos que o recurso não pode ser provido, devendo manter-se a decisão, mas com a presente fundamentação.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Aos factos que ocorreram em Abril de 2009 há que aplicar a actual redacção da alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT (introduzida pelo art. 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e que, nos termos do art. 174.º da mesma Lei, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009), da qual decorre que deixou de ser elemento constitutivo do tipo legal de contra-ordenação aí prevista que a arguida tenha recebido o IVA em questão, pelo que a não indicação dessa circunstância ou da dedução do imposto nos termos legais, no auto de notícia ou na decisão de aplicação de coima, não integra nulidade insuprível de tal decisão.
II - O art. 79.º, n.º 1, do RGIT exige, sob pena de nulidade, cominada pela alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do mesmo Regime, que a decisão de aplicação da coima contenha ou respeite determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, com vista a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se o mesmo tiver conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que se enquadram.
III - Assim, é nula a decisão de aplicação da coima que imputa à arguida a prática da contra-ordenação p. e p. no arts. 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, do RGIT que tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei e que não consta da factualidade dada como provada, sendo certo que a factualidade apurada integra a contra-ordenação p. e p. no art. 114.º, n.º 5 do RGIT, mas esta norma não é indicada na decisão de aplicação da coima.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.