Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01480/13
Data do Acordão:01/22/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
Sumário:I – Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II – Não se verifica o 1.º requisito se os acórdãos em confronto, pese embora alguma semelhança nas situações de facto, divergem numa questão fáctica essencial, motivo por que não está em causa o mesmo fundamento de direito.
III – Ainda que assim não fosse, sempre seria de julgar findo o recurso, por falta de verificação do 2.º requisito, se o acórdão recorrido perfilhou a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, decidindo de acordo com a orientação adoptada (por unanimidade) em acórdão do Pleno da Secção de data recente, e não tendo havido entretanto alterações à composição da Secção, nem a verificação de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado.
Nº Convencional:JSTA000P16922
Nº do Documento:SAP2014012201480
Data de Entrada:10/02/2013
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por oposição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal no processo n.º 1780/07

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………………., S.A.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso do acórdão proferido nestes autos em 21 de Fevereiro de 2012 pelo Tribunal Central Administrativo Sul, invocando oposição com o acórdão do mesmo Tribunal Central, proferido em 15 de Maio de 2007 no processo n.º 1780/07.

1.2 Admitido o recurso, a Recorrente apresentou, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 284.º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados

1.3 O Juiz Desembargador Relator no Tribunal Central Administrativo Sul entendeu existir a invocada oposição de acórdãos e ordenou a notificação das partes para deduzirem alegações, nos termos do disposto no art. 284.º, n.º 5 CPPT.

1.4 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

i. A RECORRENTE interpôs o presente recurso, por oposição de acórdãos, com fundamento na oposição entre o Acórdão proferido no Processo n.º 05329/12, que correu os seus termos no 2.º Juízo, 2.ª Secção (Contencioso Tributário) do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão recorrido) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Maio de 2007, proferido pelo 2.º Juízo, 2.ª Secção (Contencioso Tributário) no processo n.º 1780/07 (Acórdão fundamento).

ii. Com efeito, perante uma situação de facto substancialmente idêntica e perante a mesma questão de direito, o Tribunal Central Administrativo Sul tomou, de forma expressa, decisões opostas.

iii. Subjacente às decisões proferidas pelo Acórdão recorrido e Acórdão fundamento está o ónus da prova do último requisito legal do artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária – ou seja, de que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado –, previsto no artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária para suspensão do processo de execução fiscal com dispensa de prestação de garantia.

iv. No caso vertente, a RECORRENTE requereu, ao abrigo do artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, a suspensão do processo de execução fiscal n.º 1546201001063880 e Apensos.

v. Através de Sentença proferida em 11 de Novembro de 2011, o Tribunal Tributário de Lisboa considerou que incumbia à ora RECORRENTE demonstrar que a insuficiência ou inexistência de bens não é da sua responsabilidade, decisão esta corroborada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão recorrido, proferido no recurso n.º 05329/12, do 2.º Juízo. 2.ª Secção.

vi. A procedência deste entendimento implicará a impossibilidade de suspensão de qualquer processo de execução fiscal com dispensa garantia.

vii. Com efeito, a demonstração de que a inexistência ou insuficiência de bens não decorre de culpa sua, enquanto facto negativo, é impossível.

viii. Não é possível demonstrar que ao longo de toda a sua existência nunca foi praticado nenhum acto que implicasse culpa na insuficiência patrimonial

ix. A previsão de um ónus de prova impossível redunda, na prática, na impossibilidade de acesso ao direito, assim violando o disposto no artigo 20.º e 264.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

x. O princípio constitucional de acesso ao direito implica não só a existência, em abstracto, de meio processual, mas também que as regras aplicáveis permitem, à partida, mais do que uma decisão.

xi. Ora, o entendimento sustentado pelo Tribunal no acórdão recorrido implica a impossibilidade de uma decisão distinta da de improcedência, pelo que tudo se passa como se não existisse possibilidade – que assim não existe, de facto – de o contribuinte fazer valer o seu direito à dispensa de prestação de garantia.

xii. Com efeito, como bem se decidiu no Acórdão “fundamento” é impossível que um contribuinte demonstre que, em momento algum da sua existência, contribuiu com culpa para a insuficiência patrimonial.

xiii. Neste sentido, e no caso concreto tem inteira aplicação o disposto no artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil, que, em processos análogos ao que aqui está em causa, determina que cabe ao Réu, neste caso à Autoridade Tributária e Aduaneira, a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga – “o de exigir garantia” –, disposição legal esta também violada no caso concreto.

xiv. E bem se compreende que assim seja pois um facto negativo é de muito mais difícil prova do que um facto positivo – aqui é mesmo uma prova impossível.

xv. As pessoas, singulares ou colectivas, não conseguem, por natureza, provar o que não fizeram, mas apenas prestar contas pela sua actuação.

xvi. Deverá, pois, considerar-se que, no que respeita ao último pressuposto legal para dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4, do artigo 52.º, da Lei Geral Tributária deve operar a inversão do ónus da prova, recaindo sobre a Administração tributária o respectivo ónus.

xvii. Por outro lado, o princípio do inquisitório, impõe quer à Administração tributária (cfr. artigos 266.º da CRP e 58.º da Lei Geral Tributária), quer ao Tribunal (cfr. artigos 99.º, da LGT e 23.º do CPPT) a quo diligenciar, junto da Administração tributária, para que esta estabelecesse o nexo causal entre os concretos actos de gestão da EXECUTADA ora RECORRENTE e a inexistência de bens penhoráveis, o que em clara violação das referidas normas legais não foi feito.

xviii. Deste modo, está-se, na prática, a esvaziar todo o conteúdo do pedido de dispensa de prestação de garantia regulado pelo disposto no artigo 52.º, n.º 4, de Lei Geral Tributária, que em face das exigências probatórias não tem aplicabilidade prática.

xix. Ou seja, ao fazer recair, exclusivamente, sobre a RECORRENTE o ónus de provar o segmento final do n.º 4 do artigo 52.º da LGT (demonstração essa impossível para a RECORRENTE ou para qualquer contribuinte em iguais circunstâncias), o Tribunal a quo esvaziou, na prática, o instituto da dispensa da prestação de garantia.

xx. O entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido encontra-se em clara oposição com Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal no âmbito do processo n.º 1780/07, no qual foi apreciada igual questão, quer de facto, quer de direito, e no qual foi decidido que “Apesar do segmento final do art.º 54.º /4 da LGT, se apresentar, a nosso ver, como um elemento constitutivo do direito que o executado, a coberto de tal norma, pretende fazer valer, ainda assim cremos que, neste domínio em especial, se deve operar uma verdadeira inversão daquele ónus probatório. 2. Desta forma, impende sobre a administração tributária, a prova do facto positivo que é o de que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável, por os ter dissipado em prejuízo dos credores.” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 1780/07 – Acórdão fundamento).

xxi. Resulta, pois, da douta jurisprudência do Acórdão fundamento que na apreciação dos requisitos legais para dispensa de prestação de garantia ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, deverá considerar-se que, no que respeita à demonstração do último requisito legal para dispensa de prestação de garantia – de que a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não foi culposamente provocado pela Executada –, deverá recair sobre a Administração tributária a prova deste facto positivo, operando, nesta sede, a inversão do ónus da prova.

xxii. Deverá, pois, concluir-se, acolhendo a douta jurisprudência do Acórdão fundamento (a única consentânea com as normas e princípios aplicáveis nesta matéria que incumbia à Administração tributária demonstrar que a insuficiência ou inexistência de bens para suspensão do processo de execução fiscal foi provocada por comportamento culposo da EXECUTADA, ora RECORRENTE;

xxiii. Prova essa que a Administração tributária não logrou, em momento algum, produzir nos presentes autos, devendo, pois, ser revogado o Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 21 de Fevereiro de 2012.

Nestes termos […], deverá o presente recurso ser julgado procedente e, assim, revogado, por erro de julgamento, o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 05329/12, com as demais consequências legais, nomeadamente, a suspensão do processo de execução fiscal n.º 1546201001063880 e apensos com dispensa de prestação de garantia».

1.6 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo deu-se vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral adjunto emitiu parecer no sentido de que deve julgar-se não verificada a oposição de acórdãos e, em consequência, julgar-se findo o recurso. Isto com a seguinte fundamentação (Por facilidade de exposição, as notas de rodapé serão referidas no próprio texto, entre parêntesis rectos.):

«[…]
São requisitos do prosseguimento do recurso por oposição de julgados:
1. Identidade de situações fácticas;
2. Trânsito em julgado do acórdão fundamento;
3. Quadro legislativo substancialmente idêntico;
4. Acórdãos proferidos em processo diferentes ou incidentes diferentes do mesmo processo.
5. Necessidade de decisões opostas expressas 1[1Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2007, II volume, página 808/812, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa].
6. A decisão recorrida não estar em sintonia com a jurisprudência mais recente consolidada do STA.

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se sempre que as eventuais modificações legislativas possam ser valoradas para determinada solução 2[2 Acórdãos do PLENO da SCT- STA, de 1992.06.19 e 2005.05.18, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente].
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma totalidade identidade de factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais 3 [3 Obra citada, página 809 e acórdão do STJ de 1995.04.26 proferido no recurso n.º 87156].
A oposição de soluções exige, ainda, pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta 4[4 Acórdão do PLENO SCT-STA, de 2009.05.06, proferido no recurso n.º 617/08].
Ora, é certo que não se verifica o requisito apontado em 6.
Na verdade, a decisão recorrida está em plena sintonia com a jurisprudência mais recente consolidada do STA, exarada nos acórdãos do PLENO da SCT do STA, 17/12/2008 e 17/10/2012, no sentido de que incumbe ao interessado na dispensa da prestação de garantia o ónus da prova de que não foi por culpa sua que se verificou a situação de inexistência/insuficiência de bens para pagar a obrigação exequenda e acrescido 5 [5 Proferidos nos recursos números 0327/2008 e 0414/12, ambos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.]».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário.

1.7 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, antes do mais, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, das infracções imputadas ao acórdão recorrido [cfr. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Embora este preceito legal se refira à «infracção imputada à sentença», é manifesto o lapso, que aliás perpassa também os n.ºs 3, 5 e 6 do mesmo art. 152.º do CPTA, onde se alude a sentença quando se deveria dizer acórdão, que é a denominação legal das decisões dos tribunais colegiais (cfr. art. 156.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na versão anterior à aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota de rodapé n.º 3 na anotação 44 c) ao art. 279.º, pág. 402.)], sendo a questão a apreciar e decidir a da distribuição do ónus da prova da falta de responsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens para pagar a obrigação exequenda e o acrescido enquanto requisito para a dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52.º, n.º 4, in fine, da Lei Geral Tributária (LGT) A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».).

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto: «

1- Em 21 de Agosto de 2010, foi instaurado contra “B………………, Lda.” o processo de execução fiscal n.º 1546-2010/106388.0 para cobrança coerciva de dívidas de I.V.A. (cfr. documentos juntos a fls. 4 a 14 dos presentes autos);

2- A reclamante foi citada para o processo de execução fiscal referido no n.º 1 e apensos, no dia 7 de Outubro de 2010 (cfr. documentos juntos a fls. 25 a 28 dos presentes autos);

3- Em 20 de Outubro de 2010, a reclamante deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal identificado no n.º 1 e apensos (cfr. documento junto a fls. 63 dos presentes autos);

4- Por ofício de 22 de Outubro de 2010, do Serviço de Finanças de Mafra, a reclamante foi notificada para prestar garantia no valor de € 1.450.377.12 (cfr. documentos juntos a fls. 32 e 33 dos presentes autos);

5- Em 11 de Novembro de 2010, a reclamante apresentou pedido de dispensa da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal identificado no n.º 1 (cfr. documentos juntos a fls. 36 a 43 dos presentes autos);

6- Por despacho do substituto legal do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, de 2 de Dezembro de 2010, o pedido de dispensa de prestação da garantia identificado no n.º 5 foi indeferido (cfr. documentos juntos a fls. 89 a 96 dos presentes autos);

7- Por ofício de 13 de Dezembro de 2010, a reclamante foi notificada do despacho referido no n.º 6 (cfr. documentos juntos a fls. 99 e 100 dos presentes autos);

8- No exercício de 2009, o resultado líquido do exercício da reclamante foi de € 98.972.35 (cfr. documento junto a fls. 216 dos presentes autos);

9- No mês de Dezembro de 2009, a reclamante dispunha de depósitos no valor de cerca de € 100.000,00 (cfr. documento junto a fls. 215 dos presentes autos);

10- Em 18 de Setembro de 2009, a reclamante celebrou contrato de dação em cumprimento com C……………………. nos termos do qual fez a dação da fracção autónoma designada pela letra B, sita na freguesia do ……….., concelho de Vila Nova de Saia, com o artigo matricial n.º 5060 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Saia sob o n.º 1611, para pagamento parcial de dívida de suprimentos (cfr. documentos juntos a fls. 338 a 342 dos presentes autos);

11- A propriedade da fracção autónoma identificada no n.º 10 encontra-se registada, desde 30 de Novembro de 2009, em nome de C………………… (cfr. documentos juntos a fls. 344 a 348 dos presentes autos);

12- A reclamante não pode prosseguir a sua actividade sem os veículos de transporte e de apoio (cfr. depoimento da testemunha D…………………. o qual se encontra gravado em CD apenso aos presentes autos).

13- O processo de execução fiscal n.º 1546-2010/106388.0 e apensos, ao qual se refere o n.º 1 da matéria de facto, tem por objecto a cobrança coerciva de dívidas de IVA relativas aos anos de 2002 a 2005, sendo a quantia exequenda no total de € 1.124.555,44, a que acrescem juros de mora e custas no montante de € 34.855,90 (cfr. documentos juntos a fls. 25 a 28 dos presentes autos);

14- À data de 31/12/2009 a sociedade executada, “B……………….., Lda.”, era detentora de imobilizado corpóreo avaliado no montante de € 13.655.049,29 (cfr. cópia do mapa de reintegrações e amortizações que foi entregue com a declaração anual de I.R.C. relativa ao ano de 2009 e junta a fls. 424 a 440 dos presentes autos)».

2.1.2 O acórdão fundamento deu como assente a seguinte matéria de facto: «

A) Em 7 de Agosto de 2006, o Reclamante foi notificado pelo Serviço de Finanças de Oeiras-3 para prestar garantia bancária no montante de € 64.816,75, no âmbito da execução fiscal instaurada contra E………………, SA e contra si revertida – fls. 73 e 253;

B) Em 22 de Agosto de 2006 o Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Oeiras-3, dirigido ao Chefe de Serviço, um requerimento em que solicitou a dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no art. 170.º do CPPT, e art. 52.º, n.º 4, da LGT – fls. 78 e ss.;

C) O requerimento referido em B), fundamenta-se na incapacidade patrimonial do Reclamante para prestar a garantia e na verificação de um prejuízo irreparável, para si, em consequência da prestação da garantia – fls. 78 e ss.;

D) Na sequência de tal requerimento foi elaborada a informação de fls. 219 onde, além do mais, se lê:
“... Desta forma entende-se estar preenchido o presente requisito relativo ao prejuízo irreparável”
Na mesma informação conclui-se pela não verificação do requisito da manifesta falta de meios económicos por o Recorrente não ter demonstrado a inexistência de responsabilidade sua na insuficiência de bens penhoráveis.

E) Em 24 de Novembro de 2006 foi proferido o despacho reclamado, do seguinte teor:

Em face da informação supra, e atendendo ao disposto no art. 52.º, n.º 4, da LGT e do art. 170.º do CPPT, indefiro o pedido, por falta de preenchimento dos requisitos legais – fls. 222».

*
2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito alegadamente decidida em sentido divergente nos acórdãos em confronto: a da distribuição do ónus da prova da falta de responsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens para pagar a obrigação exequenda e o acrescido enquanto requisito para a dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52.º, n.º 4, in fine, da LGT.
Alega que a questão foi decidida no acórdão recorrido em contradição com o decidido pelo acórdão de 15 de Maio de 2007 da mesma Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 1780/07 (Acórdão cujo texto pode ser consultado em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/41d390b62f1cafa9802572dd003330e3?OpenDocument.), que foi o indicado como acórdão fundamento.
Apesar de o Juiz Desembargador que relatou o acórdão recorrido ter proferido, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT, despacho em que admite a existência da alegada oposição de acórdãos (No sentido de que o relator a que alude o n.º 5 do art. 284.º do CPPT é o do tribunal recorrido vide, por todos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo o segundo do Pleno da Secção:
- de 19 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n.º 26.769, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32210.pdf), págs. 376 a 380, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e16c69322ac2f6e80256cde0037eb95?OpenDocument;
- de 29 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 1234/03, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Julho de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2003/32400.pdf), págs. 346 a 349, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b0b6ac6dfb8ee12e80256de9004cc7ae?OpenDocument.), importa verificar se a mesma ocorre (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, nota 15 c) ao art. 284.º do CPPT, pág. 482.), pois essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal ad quem de a reapreciar, em conformidade com o disposto no art. 641.º, n.º 5, do novo Código de Processo Civil A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».)-(Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.) (CPC) – que corresponde ao anterior art. 685.º-C, n.º 5.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 O presente processo de execução fiscal iniciou-se no ano de 2010, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro, dos quais decorre que a data da entrada em vigor do novo Estatuto ocorreu em 1 de Janeiro de 2004
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que os dois acórdãos em confronto decidiram.

2.2.2.2.1 O acórdão recorrido negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação deduzida pela Executada, nos termos do art. 276.º e segs. do CPPT, contra a decisão administrativa proferida em sede de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia por ela formulado ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 4, da LGT e no art. 170.º do CPPT, na sequência da oposição que deduziu à execução fiscal e após ter sido notificada para o efeito, nos termos do n.º 6 do art. 169.º do CPPT.
Para negar provimento ao recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul considerou, em síntese que «de acordo com a matéria de facto provada (cfr. n.ºs 4, 13 e 14 da matéria de facto provada), a executada/reclamante revela manifestas possibilidades financeiras para prestar a garantia fixada (€ 1.450.377,12), assim não se tornando necessário aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa de prestação da caução (v.g. se a executada/reclamante efectivamente teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens)».

2.2.2.2.2 No acórdão fundamento, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso interposto de uma sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a reclamação deduzida por um executado, nos termos do art. 276.º e segs. do CPPT, contra a decisão administrativa proferida em sede de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia por ele formulado ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 4, da LGT e no art. 170.º do CPPT, após ter sido notificado para o efeito, nos termos do n.º 6 do art. 169.º do CPPT.
Nesse aresto, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, considerando verificado o prejuízo irreparável que adviria para o executado da prestação da garantia – requisito que a própria AT admitiu verificado [cfr. alínea D) dos factos provados, que transcrevemos supra em 2.1.2] –, entenderam que, relativamente ao requisito a que alude a parte final do n.º 4 do art. 52.º da LGT – de que «a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado» –, se impõe a inversão do ónus da prova: apesar desse requisito «se apresentar […] como um elemento constitutivo do direito que o executado, a coberto de tal norma, pretende fazer valer», a excessiva dificuldade ou impossibilidade de efectuar essa prova deve levar ao afastamento da regra do n.º 1 do art. 342.º do Código Civil Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».) (CC), fazendo que o ónus probatório passe a recair sobre a AT. Assim, concluiu-se naquele acórdão: «dado por verificado um dos dois requisitos exigidos pelo art. 52.º/4 da LGT, no caso o do prejuízo irreparável, por parte da autora do despacho reclamado, e não tendo a AT demonstrado que a insuficiência/inexistência de bens se deve a uma actuação ilegal do recorrido nesse sentido e com o objectivo de diminuir ou afastar a garantia dos credores, forçoso se impunha o deferimento do pedido de isenção da garantia em causa».

2.2.2.2.3 A questão de direito que a Recorrente identifica como tendo sido decidida de forma antagónica refere-se à distribuição do ónus da prova da falta de responsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens para pagar a obrigação exequenda e o acrescido enquanto requisito para a dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52.º, n.º 4, in fine, da LGT. Sustenta a Recorrente que a melhor interpretação é a que foi sustentada no acórdão fundamento, no sentido de que impende sobre a AT a prova do facto positivo, que é o de que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável. Isto, em síntese, porque apesar desse requisito «se apresentar […] como um elemento constitutivo do direito que o executado, a coberto de tal norma, pretende fazer valer», a excessiva dificuldade ou impossibilidade de efectuar essa prova deve levar ao afastamento da regra do n.º 1 do art. 342.º do CC, regra que tem paralelo no art. 74.º, n.º 1, da LGT O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».). Ou seja, no acórdão fundamento entendeu-se que impende sobre a AT a prova do facto positivo, que é o de que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável.
Mas, salvo o devido respeito, examinados os arestos em confronto, verificamos que, apesar de em ambos estar em discussão a dispensa de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal, a questão do ónus da prova só foi determinante para a decisão no caso do acórdão fundamento e já não no caso do acórdão recorrido, por força da diferente matéria de facto que foi dada como assente: enquanto no acórdão recorrido da matéria de facto provada extraiu-se a conclusão de que «a executada/reclamante revela manifestas possibilidades financeiras para prestar a garantia fixada», no acórdão fundamento ficou assente que a prestação da garantia constituiria um prejuízo irreparável para a aí executada.
Na verdade, no acórdão recorrido ficou dito expressamente que, demonstrado que estava que a Executada «revela manifestas possibilidades financeiras para prestar a garantia fixada», não cumpria averiguar «da verificação dos demais requisitos da dispensa de prestação da caução (v.g. se a executada/reclamante efectivamente teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens)». Ou seja, porque o acórdão entendeu que não cumpria passar à verificação do requisito da dispensa da prestação de garantia previsto na parte final do n.º 4 do art. 52.º da LGT – «que […] a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado» – não teve que decidir sobre quem recai o ónus da prova da falta de responsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens para pagar a obrigação exequenda e o acrescido enquanto requisito para a dispensa de prestação de garantia.
É certo que encontramos no acórdão recorrido uma longa exposição em torno dessa questão, como é certo também que encontramos aí a afirmação de que «[f]ace ao disposto no art. 342.º, do C.Civil, e no art. 74.º, n.º 1, da L.G.Tributária, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, contrariamente ao que defende a reclamante/recorrente», de que «[a] eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao mesmo do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras consagradas no art. 344.º, do C.Civil» e de que «[a] acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário somente, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, assim aplicando a máxima latina “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”». Mas, uma e outra feitas apenas no âmbito do enquadramento geral da matéria da isenção da prestação de garantia, sendo que o acórdão não recorreu às regras do ónus da prova para decidir a questão da responsabilidade na situação de insuficiência ou inexistência de bens para pagar a obrigação exequenda e o acrescido, pois entendeu que, em face da comprovada capacidade financeira para prestar a garantia fixada, a questão não se colocava.
Na verdade, como deixámos já registado supra e aqui reiteramos, o acórdão recorrido não chegou a apreciar a questão do ónus da prova sobre a responsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens porque entendeu que nem sequer se colocava a questão, afirmando expressamente: «de acordo com a matéria de facto provada (cfr. n.ºs 4, 13 e 14 da matéria de facto provada), a executada/reclamante revela manifestas possibilidades financeiras para prestar a garantia fixada (€ 1.450.377,12), assim não se tornando necessário aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa de prestação da caução (v.g. se a executada/reclamante efectivamente teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens)».
Acresce que, como também deixámos já dito, apenas é relevante para fundamentar o recurso por oposição de julgados, a oposição entre soluções expressas, sendo que a oposição deverá existir relativamente às decisões propriamente ditas e não em relação aos seus fundamentos, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Neste sentido, vide, por mais recentes, os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 483/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32440.pdf), págs. 282 a 288, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/65850eb6a6dc7d4580257ae7004dbf72?OpenDocument;
– 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 364/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 13 de Novembro de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2013/32410.pdf), págs. 50 a 57, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/71f9757d4e58056180257b2b005a08eb?OpenDocument.).
Em conclusão, sendo certo que ambos os arestos decidiram a mesma questão da isenção da prestação de garantia, não pode dizer-se que o tenham feito de forma distinta por força da divergência de entendimentos jurídicos, mas, ao invés, por força de diferentes quadros factuais que julgaram provados. Ou seja, resulta da análise do julgamento feito no acórdão recorrido e no acórdão fundamento que não existe entre eles divergência e incompatibilidade que justifiquem e sirvam de fundamento ao presente recurso por oposição de acórdãos.
Assim sendo, por falta dos pressupostos do recurso de oposição de julgados, este deve ser considerado findo, atento o disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT.

2.2.2 SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA MAIS RECENTEMENTE CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

Sem prejuízo de tudo quanto deixámos dito, acresce que mesmo que se entendesse que ocorre a invocada oposição de acórdãos, o presente recurso também não poderia prosseguir, pois que também não se verificaria o segundo requisito de que depende a admissibilidade do recurso por oposição de julgados, qual seja o de que o acórdão recorrido não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como este Supremo Tribunal tem vindo a entender (Cfr. os recentes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 19 de Setembro de 2012, proferido no recurso n.º 1075/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Maio de 2013 (https://dre.pt/pdfgratisac/2012/32430.pdf), págs. 187 a 193, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/94a5eb6a7d13630180257a8700375a1a?OpenDocument;
– de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 410/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a2c01d969ed0e5ef80257c2400415bdd?OpenDocument
– de 11 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 1331/13, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e09aac22452feed80257c47004df608?OpenDocument.), a existência de uma jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o n.º 2 do art. 17.º do ETAF O julgamento no pleno compete ao relator e aos demais juízes em exercício na secção».)) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção.
Ora, quanto à quanto à aludida questão da distribuição do ónus da prova da falta de responsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens para pagar a obrigação exequenda e o acrescido enquanto requisito para a dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52.º, n.º 4, in fine, da LGT, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se já, em Pleno, pelo menos por duas vezes, sempre no mesmo sentido e por unanimidade, sendo que da última vez com a intervenção de todos os Conselheiros actualmente em exercício de funções na Secção (Vide os seguintes acórdãos do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em que o acórdão fundamento invocado foi o mesmo dos presentes autos (acórdão de 15 de Maio de 2007 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 1780/07):
– de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 327/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 27 de Janeiro de 2009 (https://dre.pt/pdfgratisac/2008/32440.pdf), págs. 161 a 166, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7b3a9814f7dd411980257538005a88dc?OpenDocument;
– de 17 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 414/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32440.pdf), págs. 223 a 230, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/86b2a435c02a6f8a80257aa30038c0fc?OpenDocument.), sendo a posição adoptada, nos termos do sumário doutrinal do acórdão de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo 327/08, a seguinte:

«I - É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

II - A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC.

III - Na situação referida, não se está perante uma situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, que, a existir, poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, como são as reais causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.

IV - Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»».

Ou seja, mesmo que se entendesse que ocorre oposição de acórdãos – e entendemos que não –, o presente recurso também não poderia prosseguir, pois, nessa hipótese, haveríamos de concluir que o acórdão recorrido adoptou a posição assumida, por unanimidade, no referido acórdão do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Dezembro de 2008 (referido expressamente no acórdão recorrido) e reiterada no acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de Outubro de 2012, no processo n.º 327/08, este com intervenção dos Conselheiros que actualmente exercem actividade na Secção de Contencioso Tributário, não sendo, pois, previsível qualquer alteração do sentido decisório aí assumido.
Assim, na perspectiva que o acórdão recorrido perfilhou a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, sempre haveríamos de julgar findo o recurso, por falta de verificação do 2.º requisito de admissibilidade.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

II - Não se verifica o 1.º requisito se os acórdãos em confronto, pese embora alguma semelhança nas situações de facto, divergem numa questão fáctica essencial, motivo por que não está em causa o mesmo fundamento de direito.

III - Ainda que assim não fosse, sempre seria de julgar findo o recurso, por falta de verificação do 2.º requisito, se o acórdão recorrido perfilhou a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, decidindo de acordo com a orientação adoptada (por unanimidade) em acórdão do Pleno da Secção de data recente, e não tendo havido entretanto alterações à composição da Secção, nem a verificação de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 22 de Janeiro de 2014. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Pedro Manuel Dias DelgadoDulce Manuel da Conceição NetoJoão António Valente TorrãoJoaquim Casimiro GonçalvesIsabel Cristina Mota Marques da SilvaJosé da Ascensão Nunes Lopes.