Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01780/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2007
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:RECLAMAÇÃO - DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA - INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL – CULPA - ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. Apesar do segmento final do art.º 52.º/4 da LGT, se apresentar, a nosso ver, como um elemento constitutivo do direito que o executado, a coberto de tal norma, pretende fazer valer, ainda assim cremos que, neste domínio em especial, se deve operar uma verdadeira inversão daquele ónus probatório.

2. Desta forma, impende sobre a administração tributária, a prova do facto positivo que é o de que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável, por os ter dissipado em prejuízo dos credores.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- O EMMP , por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Sintra e que julgou procedente a reclamação deduzida por E... , com os sinais dos autos , contra despacho do CSFinanças de Oeiras 3, datado de 2006NOV24 e que lhe indeferiu pedidos de dispensa de prestação de garantia, dela veio interpor o presente recurso apresentando , para o efeito , as seguintes conclusões;

1. Os pressupostos da isenção de prestação de garantia são a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar. Todavia, em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado;

2. Daqui decorre, a nosso ver, que existem não dois, mas sim três requisitos, uma vez que se exige sempre que o executado não seja responsável pela situação, ou seja, que não houve dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores;

3. É ao executado que cabe alicerçar o pedido em razões de facto e de direito e que o mesmo tem que instruir o pedido com toda a prova documental necessária para a sua apreciação;

4. Ora, no caso presente, o recorrido não demonstra o preenchimento dos pressupostos requeridos, nem invoca factos susceptíveis de evidenciar a impossibilidade prática de apresentação de prova documental;

5. O executado não demonstra qual o destino dado aos lucros recebidos da empresa G... SA, nos anos de 1993 a 1997, sendo certo que a mesma teve um volume de negócios, no referido período, de € 44.660.409,97;

6. Nem teve a iniciativa de explicar o destino dado a tais lucros, nem que desse acto de aplicação dos lucros que lhe couberam não poderá ter resultado para ele qualquer responsabilidade relativamente à actual situação de insuficiência ou inexistência de bens garantidores da dívida exequenda.

7. Pelo exposto, revogando a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a reclamação interposta V. Exas. farão Justiça.

- Contra-alegou o recorrido E..., do mesmo passo que requereu a ampliação do âmbito do recurso , a coberto do preceituado no art.º 684.º-A/2 do CPC , nos termos do seguinte quadro conclusivo;


A DA RATIO DO ARTIGO 52.º, N.º 4, DA LGT

A) O artigo 52.º, n.º 4, da LGT não impõe a cumulação do requisito relativo ao prejuízo irreparável com os restantes requisito enumerados pelo Ministério Público, a saber: insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis e não contribuição do comportamento do recorrido para a verificação da referida situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis;

B) O accionamento da dispensa de garantia –com fundamento em prejuízo irreparável .- pressupõe, só e apenas, o preenchimento do requisito relativo à eventual ocorrência de uma situação de prejuízo irreparável provocada pela obrigatoriedade de prestação de garantia;

C) Se o legislador tivesse pretendido cumular os requisitos relativos ao prejuízo irreparável e à ausência de responsabilidade do Recorrido em matéria de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não teria, em simultâneo, colocado os requisitos referentes ao prejuízo irreparável e à falta de meios económicos – revelada pela insuficiência ou inexistência de tais bens – numa relação de alternatividade, uma vez que a verificação da ausência de responsabilidade – ou melhor, da questão prévia referente á insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis – é, por si só, reveladora da falta de meios económicos;

D) Por outro lado, não faz sentido fazer depender a concessão de dispensa de garantia –com fundamento na eventual verificação de uma situação de prejuízo irreparável – da ocorrência de uma situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis e da ausência de responsabilidade do Recorrido no que à verificação das mesmas respeita, uma vez que pode não existir uma relação directa entre a verificação do prejuízo irreparável e a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis. Isto é, pode o recorrido possuir bens susceptíveis de penhora e, mesmo assim, a obrigatoriedade de prestação de garantia – com a consequente recusa do pedido da sua dispensa – conduzir a uma situação de prejuízo irreparável;

E) O preenchimento cumulativo dos requisitos supra expostos – prejuízo irreparável, insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis e ausência de responsabilidade do Recorrido na insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis – revelar-se-ia excessivo, tornando o accionamento do artigo 52.º, n.º 4, da LGT demasiado apertado e desproporcionado;

F) No entendimento do Recorrido, a redacção do artigo 52.º, n.º 4, da LGT pressupõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
i.) Que a prestação de garantia seja susceptível de causar ao Recorrido prejuízo irreparável, ou
ii.) Que a prestação de garantia seja susceptível de causar ao Recorrido uma manifesta falta de meios económicos – revelada pela insuficiência de bens penhoráveis – para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e que a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não lhe possa ser imputável, a título de responsabilidade;

G) Em consequência, o artigo 52.º, n.º 4, da LGT deve ser lido da seguinte forma: «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos da sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido desde que em qualquer dos casos» de insuficiência ou inexistência de bens não haja responsabilidade do executado.

B Do Objecto do Recurso e do Papel do Ilustre Magistrado do Ministério Público

H) O âmbito material dos recursos encontra-se circunscrito à factualidade desencadeadora de conflito entre as partes, ou seja, as matérias não submetidas a juízo – por não reflectirem qualquer divergência entre as mesmas – não podem ser objecto de recurso, na medida em que a sua submissão ao poder jurisdicional implicaria uma pronúncia ex-novo, não sujeita, a título prévio, ao crivo do tribunal de primeira instância;

I) A não consideração pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público do preenchimento do requisito relativo à existência de prejuízo irreparável revela-se inadmissível por não possuir natureza controvertida, uma vez que em sede de despacho relativo ao pedido de dispensa de garantia, a Administração Tributária admite expressamente que «entende-se estar preenchido o [...] requisito relativo ao instituto do prejuízo irreparável»;

J) O Ministério Público não pode substituir-se à Administração Tributária e ao Recorrido, carreando para o processo factos não considerados controvertidos pelos mesmos, uma vez que tal comportamento restringiria a disponibilidade das partes quanto ao objecto de reclamação e do subsequente recurso jurisdicional;

L) Em consequência, o Ilustre Magistrado do Ministério Público não pode, através da introdução de uma questão não controvertida, ampliar o objecto do recurso – previamente delimitado pelas partes – à verificação do requisito relativo à existência de prejuízo irreparável;

M) Não estando em causa a existência de prejuízo irreparável, na medida em que o preenchimento de tal requisito foi expressamente admitido pela Administração Tributária, em sede de despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, e bastando, nos termos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT, o seu preenchimento para a concessão da referida dispensa, dúvidas não podem restar quanto à conformidade à lei da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo;

N) Em consequência, o Ilustre Magistrado do Ministério Público, ao longo das suas alegações de recurso, incorreu em dois erros;
i.) Pronunciou-se sobre matéria não controvertida e, como tal, insusceptível de recurso;
ii.) Interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 52.º, n.º 4, da LGT ao considerar que o mesmo pressupõe o preenchimento cumulativo de três requisitos: prejuízo irreparável, insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis e não contribuição do comportamento do Recorrido para a verificação da referida situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis;

C DO ENTENDIMENTO PROPUGNADO PELO ILUSTRE MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O) Mesmo que se admita – o que se concede por mera cautela de patrocínio – o entendimento sustentado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público relativo à necessidade de preenchimento, para concessão do pedido de dispensa de garantia, da totalidade dos requisitos alternativamente elencados no âmbito das suas alegações de recurso é de manter a sentença proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que a posição adoptada pelo Ilustre Magistradodo Ministério Público não é susceptível de desencadear a sua alteração.

P) À excepção do requisito relativo à existência prejuízo irreparável, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é omissa quanto à verificação do preenchimento dos restantes requisitos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT, não obstante o Recorrido ter, no âmbito da reclamação acima mencionada, propugnado pela sua verificação e deduzido o respectivo pedido de dispensa de garantia;

Q) Apesar da sentença do tribunal a quo ser omissa quanto à verificação de tais requisitos, o Ilustre Magistrado do Ministério Público não requereu, nas suas alegações de recurso,a sua nulidade com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC;

R) Perante o supra exposto – e atento o facto da interposição de recurso estar limitada à matéria objecto de sentença -, o Ilustre Magistrado do Ministério Público não tem como subsumir o seu entendimento da norma ao caso em apreço, na medida em que a factualidade passível de propiciar tal exercício não consta da sentença e, como tal, não pode ser objecto de recurso;

S) Em face da ausência de arguição de nulidade da sentença – por omissão de pronúncia – pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, e da sua insusceptibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal (cfr. artigo 668.º, n.º 2, a contrario, do CPC), a posição sustentada no âmbito das obrigações de recurso revela-se inócua, sem repercussões no caso concreto;

T) Em sentido contrário não é possível invocar o teor dos artigos 715.º, n.º 2 e 753.º, n.º 1, do CPC;

D DA ESPECIFICIDADE DAS REGRAS RELATIVAS AO ÓNUS DA PROVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

U) Ainda que se admita – por mera cautela de patrocínio, como se referiu – a necessidade de preenchimento dos requisitos elencados pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, cumpre atentar às especificidades das regras de distribuição do ónus da prova em matéria tributária e, em consequência, ao âmbito de aplicação do artigo 170.º, n.º 3, do CPPT;

V) A existência de meios económicos, designadamente de bens susceptíveis de penhora, e a responsabilidade do executado na sua dissipação representam facto impeditivos do direito à dispensa de garantia, uma vez que coarctam o seu exercício;

X) Nestes termos, o artigo 342.º, n.º 2, do CC impõe que a sua prova pertença àquele contra quem a invocação do direito – que se pretende fazer valer – é feita;

Z) Em consequência, a prova da matéria de facto acima referida terá necessariamente de pertencer à Administração Tributária, entidade contra quem o Recorrido invocou o seu direito à dispensa de garantia, nos termos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT;

AA) Caso o Tribunal ad quem discorde do entendimento exposto, sempre será de considerar que a falta de meios económicos, a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis e a ausência de responsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis – requisitos elencados no artigo 52.º, n.º 4, da LGT – constituem factos negativos;

BB) A oneração do Recorrido com os factos negativos supra expostos constitui uma situação de probatio diabolica, na medida em que a matéria em apreço não se baseia em quaisquer comportamentos empiricamente comprováveis, mas em omissões;

CC) Nestes termos, tal ónus – a admitir-se – será de difícil concretização por parte do Recorrido, sendo altamente propenso a despoletar as consequências jurídicas decorrentes do seu incumprimento, in casu o indeferimento do pedido de dispensa de garantia;

DD) Perante o exposto, as regras de distribuição do ónus da prova em matéria fiscal devem ser interpretadas e aplicadas com cautela, sob pena de desprotecção jurídica dos contribuintes;

EE) Assim sendo, sobre o Recorrido não pode recair o ónus de provar tout court – de forma rígida – o preenchimento dos requisitos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT;

FF) Na verdade, sobre o Recorrido – na qualidade de executado –impende o dever de alegar a factualidade em que alicerça o preenchimento de tais requisitos e de coadjuvar a Administração Tributária a demonstrar a sua verificação;

GG) Os princípios da colaboração e do inquisitório assumem plena acuidade: Administração Tributária e Recorrido devem cooperar entre si com vista á descoberta da verdade material – in casu a comprovação dos requisitos desencadeadores do direito à dispensa de garantia – sendo certo que sobre aquela impende um dever acrescido de verificação do seu preenchimento, até porque possui uma forma privilegiada de obtenção de informação;

HH) É neste contexto que deve ser interpretado e aplicado o artigo 170.º, n.º 3, do CPPT, o qual dispõe que «O pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária»;

II) O preceito em apreço não tem a virtualidade de restringir a admissibilidade de meios probatórios no procedimento, nem de conferir aos factos subsumíveis á previsão do artigo 52.º, n.º 4, da LGT – mormente aos factos negativos – a natureza de factos que só possam ser provados documentalmente;

JJ) Por outro lado, «quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária» - cfr. artigo 74.º, n.º 2, da LGT;

LL) Trata-se de uma norma de dispensa de prova no que ao procedimento tributário em particular diz respeito, dispensando os interessados de produzirem prova sobre factos que a Administração Tributária pode comprovar através dos seus serviços. Impondo-se a sua aplicação ao caso concreto;

MM) Sempre que a Administração Tributária nada faça – ou fazendo-o não consiga contraditar os elementos probatórios apresentados pelo executado – impõe-se a aplicação do princípio in dubio pro libertate; em consequência, o executado deve ser dispensado de prestar garantia, sob pena de violação do seu direito de propriedade, consagrado no artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa;

NN) No presente caso, não só a Administração Tributária admite o preenchimento do requisito0 referente à falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis - «através da pesquisa efectuada no sistema informático CEAP verifica-se a existência de bens susceptíveis de penhora que, no entanto, são claramente insuficientes para garantir a dívida e acrescido» [...] -, como o Recorrido logrou provar o preenchimento da totalidade dos requisitos elencados no artigo 52.º, n.º 4, da LGT, como bem o demonstram os elementos probatórios – nomeadamente as declarações de rendimentos – juntos à reclamação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia;

OO) Em consequência, mostra-se inadmissível que, tendo a Administração Tributária considerado verificada a falta de meios económicos do Recorrido, ainda assim lhe exija a sua prova. No fundo, a Administração Tributária impõe ao Recorrido que prove o que a própria lei já conhece e considerou verificado, violando de modo inadmissível o princípio da boa fé, subvertendo o princípio da primazia da materialidade subjacente;

PP) Por outro lado, no que concerne aos alegados «lucros recebidos da empresa G... SA», cumpre referir que o Recorrido não exerceu funções de administrador de facto daquela sociedade, desconhecendo que tenham sido distribuídos quaisquer lucros, nos anos de 1993 a 1997, sendo certo que o mesmo não os recebeu a qualquer título, aliás, como bem o demonstram as suas declarações de rendimentos, na posse da Administração Tributária, sendo a situação patrimonial da G... irrelevante para aferir do preenchimento dos pressupostos da dispensa de garantia por parte do Recorrido;

E DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITODO RECURSO

QQ) Caso o Tribunal ad quem venha a considerar que a sentença recorrida não pode ser mantida –por a dispensa de garantia não se bastar com o preenchimento do requisito relativo á existência de prejuízo irreparável – e que a contestação do Ilustre Magistrado do Ministério Público não se afigura inócua – na medida em que o preenchimento da previsão do artigo 52.º, n.º 4, da LGT pressupõe a verificação dos requisitos elencados nas suas alegações de recurso, os quais podem ser objecto de preenchimento no presente caso – o Recorrido pretende que o objecto do recurso, delimitado pelas alegações do Ilustre Magistrado do Ministério Público, seja ampliado à verificação do preenchimento dos seguintes requisitos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT:
i.) Falta de meios económicos revelada pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis;
ii.) Ausência de responsabilidade do Recorrido na insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis;

RR) Em consequência, o Recorrido reitera a factualidade e a argumentação jurídica constantes da sua reclamação – referente ao despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia – e da presente resposta às alegações de recurso;

SS) Nestes termos, o Recorrido requer que – a título prévio – o Tribunal ad quem considere a sentença proferida pelo Tribunal a quo nula, na parte relativa à omissão de pronúncia sobre a verificação dos requisitos acima elencados, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

- Conclui;
1. A título principal;
a) que pela improcedência do recurso , com manutenção da decisão recorrida na ordem jurídica;

2. A título subsidiário;
b) que , em caso de procedência do recurso;
i.) se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia, limitada aos requisitos estatuídos no art.º 52.º/4 da LGT , relativos à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis do Recorrido e à sua responsabilidade quanto à insuficiência ou inexistência dos mesmos;
ii.) se amplie o âmbito do recurso á apreciação da verificação dos aludidos requisitos postulados pelo art.º 52.º/4 da LGT , e ,
iii.) na medida em que as suas pretensões sejam deferidas , a o reembolso de custas de parte.

*****


- Com dispensa de vistos vêem , os autos , à conferência para decisão.

- Com suporte na prova documental e nas informações oficiais carreadas para os autos , a decisão recorrida deu , por provada , como relevante à decisão final a proferir , a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). Em 7 de Agosto de 2006, o Reclamante foi notificado pelo Serviço de Finanças de Oeiras-3 para prestar garantia bancária no montante de € 64 816,75 , no âmbito da execução fiscal instaurada contra G..., SA e contra si revertida – fls. 73 e 253;

B). Em 22 de Agosto de 2006 o Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Oeiras-3 , dirigido ao Chefe de Serviço , um requerimento em que solitou a dispensa de prestação de garantia , ao abrigo do disposto no art. 170.º do CPPT , e art. 52.º , n.º 4 , da LGT – fls. 78 e ss;

C) O requerimento referido em B , fundamenta-se na incapacidade patrimonial do Reclamante para prestar a garantia e na verificação de um prejuízo irreparável , para si , em consequência da prestação da garantia – fls. 78 e ss.;

D) Na sequência de tal requerimento foi elaborada a informação de fls. 219 onde , além domais , se lê:
“... Desta forma entende-se estar preenchido o presente requisito relativo ao prejuízo irreparável”
Na mesma informação conclui-se pela não verificação do requisito da manifesta falta de meios económicos por o Recorrente não ter demonstrado a inexistência de responsabilidade sua na insuficiência de bens penhoráveis.

E) Em 24 de Novembro de 2006 foi proferido o despacho reclamado , do seguinte teor:
Em face da informação supra , e atendendo ao disposto no art. 52, nº 4 do da LGT e do art. 170º do CPPT, indefiro o pedido, por falta de preenchimento dos requisitos legais – fls. 222.

*****
- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Nas conclusões das suas contra-alegações , o recorrido E...suscita questão formal na dupla vertente da inadmissibilidade da respectiva apreciação , por se tratar de questão não controvertida entre as partes e que , nessa medida , o recorrente não pode submeter à apreciação do Tribunal de recurso [cfr. conclusões H) a N)] e , concomitantemente , de se tratar de questão que , apesar de suscitada pelo recorrido , na sua reclamação para o Tribunal “a quo” , não foi , no entanto , objecto de julgamento pela decisão recorrida , pelo que apenas era susceptível de ser colocada em sede de recurso na medida em que tivesse sido invocado e viesse a ser considerado que a decisão ora em crise padece , nessa matéria , de vício de omissão de pronúncia , uma vez que o mesmo não é de conhecimento oficioso [cfr. conclusões O) a T)].

- Porque aquela questão da inadmissibilidade de conhecimento de tal questão se apresenta como uma verdadeira questão prévia , dela cabe conhecer prioritariamente.

- Como é bem de ver , das conclusões do recorrido , o seu ponto de vista estriba-se no entendimento que faz das alegações de recurso do M.ºP.º , no sentido de que este questiona a verificação do requisito plasmado no art.º 52.º/4 da LGT relativo à ocorrência de “prejuízo irreparável” , quando é certo que a própria AT , pelo despacho reclamado , ao assumir por apropriação a informação para que remete , dá por verificado tal requisito; Daí que considere , por um lado , que tratando-se de questão pacificamente aceite pelas partes (a verificação do aludido requisito) , não pode o M.ºP.º vir colocá-la em causa através do recurso e , por outro , que apesar de ser certo que na reclamação que deduziu do despacho que lhe indeferiu a dispensa de prestação de garantia esgrimido com (a verificação de todos) todos os requisitos elencados no art.º 52.º/4 da LGT ,o certo é que a decisão recorrida apenas emite pronúncia relativamente ao dito “prejuízo irreparável”, pelo que qualquer pronúncia sobre os restantes , em sede de recurso , passa , necessariamente , pela eliminação da decisão recorrida da ordem jurídica por omissão de pronúncia , vício que , não sendo de conhecimento oficioso , não foi , contudo , suscitado pelo recorrente.

- Ou seja e dito de outra forma , o recorrido ou parte do pressuposto que o entendimento defendido pelo recorrente , no presente recurso , é o de que só ocorre “prejuízo irreparável” se , simultaneamente e verificarem os restantes ou algum dos restantes requisitos referidos na lei , ou então , como parece poder depreender-se da conclusão M) , que uma vez verificado aquele requisito do “prejuízo irreparável” , não podia deixar de ser atendida a sua pretensão já que ele é bastante ao efeito.

- Ora , o que o recorrente sustenta , como resulta do teor conjugado da duas primeiras conclusões de recurso , com as respectivas alegações (cfr. fls. 297 e 298) , é que o dito requisito do “prejuízo irreparável” , mesmo que verificado , ó é adequado a produzir os efeitos contemplados no art.º 52.º/4 da LGT , se e na medida em que , cumulativamente , se dê por assente que a insuficiência ou a inexistência de bens , desde logo para a prestar , não é da responsabilidade do executado.

- Mas , sendo assim , logo se tem de concluir que o recorrente não está a por em causa que o despacho reclamado tenha dado por assente que , no caso , ocorra o prejuízo irreparável e , nessa medida a considerá-lo como inverificado , e , nessa medida , não está a trazer para a discussão , por sua iniciativa e à revelia e mesmo contra a vontade das partes litigantes , a questão de saber se se verifica , ou não prejuízo irreparável; Por outro lado e como consequência do que se vem de referir , sendo certo que o Mm.º juiz recorrido veio a decidir como decidiu por considerar que , uma vez que a AT deu por assente a verificação do referido prejuízo irreparável , tal era , por si só , vinculante do deferimento do pedido de isenção de garantia , é manifesto que o que o recorrente faz é imputar à decisão recorrida erro de julgamento quanto à matéria de direito , na medida em que , como se referiu , considera o recorrente que não bastava ao efeito a constatação do referido prejuízo ,antes era necessário que , coadjuvantemente , se desse por assente que a insuficiência/inexistência de bens do recorrido , não lhe era imputável a título de responsabilidade.

- Falecem , por isso , a totalidade das conclusões H) a T) , das contra-alegações.

- Quanto ao mérito , sustenta , em síntese , o recorrente que os pressupostos para a isenção da prestação de garantia , são dois , mas de natureza complexa , na medida em que qualquer deles necessita da verificação cumulativa , de um terceiro elemento , comum a qualquer deles , para a pretensão da isenção referida possa operar.

- Dito de outra forma , e ainda que ali se refira que , a final de contas não são dois , mas três os requisitos de que a lei faz depender a isenção de prestação de garantia , o que sustenta é que sendo seus pressupostos a existência de prejuízo irreparável causado pela respectiva prestação e a manifesta falta de meios económicos para a prestar , qualquer deles não é , no entanto e de “per si” bastante para se alcançar aquele desiderato , antes sendo necessário também que , cumulativamente com qualquer deles , a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

- E , a nosso ver , na esteira , aliás , do entendimento do aresto citado no recurso do M.ºP.º o qual se insere na doutrina jurisprudencial deste Tribunal que , ao que se conheça , se iniciou com o Ac. tirado no Rec. n.º 155/03 , de 2003MAI06 , crê-se , no estrito do domínio dos pressupostos legais necessários à isenção de garantia , que a razão se encontra do lado do recorrente.

- Recordemos o preceito em causa (art.º 52.º/4 da LGT);

«A administração tributária pode , a requerimento do executado , isentá-lo da prestação da garantia nos casos DE a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável OU manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis desde que EM QUALQUER DOS CASOS A insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.» (realces da nossa responsabilidade).

- Ora , da mera literalidade do texto resulta a nosso ver que , o legislador estabeleceu , dois pressupostos , complexos e em alternativa , como condições necessárias à isenção da prestação de garantia , a saber o prejuízo irreparável dela decorrente e a manifesta falta de meios económicos para a prestar.

- Em alternativa porque o legislador deixou claro que a isenção pode ser concedida nos casos de prejuízo irreparável OU (e não e) manifesta falta de meios económicos; Complexos , porque a isenção não depende , tout court , da constatação daquele prejuízo irreparável , em resultado da prestação de garantia ou da evidenciação de o executado não tem bens , ou os tem em inferior medida ao necessário , para a prestação da garantia.

- De facto e como , uma vez mais , a redacção do preceito não deixa margens para dúvidas , o legislador impôs como condição ao pleno funcionamento daqueles requisitos que , relativamente a qualquer deles , ou no dizer da lei “em qualquer dos casos” , a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção; E não tem , a nosso ver , qualquer cabimento reportar tal exigência da lei , à insuficiência dos bens , de um lado , e à inexistência do outro , desde logo porque o legislador , para o efeito que aqui nos importa , fez equivaler , para estes efeitos , a insuficiência e a inexistência , enquanto índices reveladores da incapacidade quantitativa de assegurarem o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

- Dito de outra forma , a inexistência de bens e , por inerência , por mais abrangente , a sua insuficiência , equivalem-se , para efeitos da lei , enquanto elementos de ponderação pelo decisor , no sentido de deferir , ou não , a pretensão de isenção de garantia , como bem se compreende , aliás , já que não faria qualquer sentido que o executado pudesse , voluntária e intencionalmente , colocar-se em tal situação , em prejuízo dos seus credores(1) , e , ainda assim e posteriormente , vir pedir a dispensa de garantia.

- Aqui chegados tudo apontaria que se concluísse no sentido de que a decisão recorrida padece de vício de violação de lei implicante da respectiva eliminação da ordem jurídica.

- A questão não é , no entanto e a nosso ver , assim tão simples.

- Tomando por referência os arestos deste Tribunal já acima referenciados , propende-se no sentido de que o segmento final do n.º 4 do art.º 52.º da LGT , relativo à responsabilidade do executado na insuficiência/inexistência de bens , não constitui , na esteira da teoria das normas de Rosenberg , uma qualquer “contra-norma” , ou seja , uma circunstância impeditiva do direito de que o executado peticionante se pretende fazer valer na isenção de prestação de garantia.

- Antes , e independentemente do alcance a dar a tal segmento da norma , o mesmo configura-se como fazendo parte da norma , enquanto hipótese estatuída que é pressuposto daquele referido direito(2).

- Na tese daquele autor(3) , a separação entre a norma , ou norma base e a contranorma “(...) é feita muitas vezes pela lei através do uso de expressões como «a não ser que» , «excepto se» , «isto não vale se» , «este preceito não se aplica quando» , etc.. É este normal de se exprimirem excepções (em alemão , como em português). Ao invés , há apenas uma norma , indicando-se mais alguns dos seus pressupostos , quando a lei usa «se» , «quando» , «na medida em que» , «desde que» , etc. , seguindo-se um «não» se esses pressupostos forem negativos.”(4).

- Ou seja e dito de outra forma , o segmento final do art.º 52.º , n.º 4 , da LGT , na medida em que estatui “(...) desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado” consubstancia , ainda ,um elemento constitutivo do direito que o executado pretende fazer valer de isenção de prestação de garantia.

- E sendo assim , a regra geral é a de que é ao executado que incumbe a prova da factualidade pertinente à extrapolação do conceito consubstanciado naquele segmento da norma , nos termos do que dispõe o art.º 342.º/1 do C.C..

- É nesta sede , ou seja , no âmbito do ónus da prova objectivo , que aqui importa considerar , não só porque o ónus de produção de prova ou subjectivo tem hoje , no nosso ordenamento jurídico , um peso pouco considerável , como porque , sempre tal peso era diminuto no âmbito do direito em que nos movemos em que impera o princípio do inquisitório e da livre investigação(5) , que o nosso entendimento se apresenta divergente do sustentado pelo recorrente , na linha do defendido pela AT e acobertado , designadamente , naqueles referidos arestos.

- É que , apesar do referido segmento final do art.º 52.º/4 da LGT , se apresentar , a nosso ver , como um elemento constitutivo do direito que o executado , a coberto de tal norma , pretende fazer , valer , ainda assim cremos que , neste domínio em especial , se deve operar uma verdadeira inversão daquele ónus probatório , por forma a que impenda sobre a administração tributária , a prova do facto positivo que é a que a insuficiência ou inexistência de bens do executado lhe é imputável , por os ter dissipado em prejuízo dos credores.

- É certo que o Prof. Manuel de Andrade(6) sustenta que é ao autor que cabe a prova dos pressupostos negativos , quando constitutivos do direito que se arroga , na medida em que no caso de divórcio por injurias graves(7) são as injúrias , mas apenas enquanto de qualificar como graves , que constituem o direito ao divórcio , pelo que àquele cabe o ónus da prova das “(...) circunstâncias de facto bastantes (...) que deponham a favor da gravidade das injúrias.” , mas também a da “(...) não existência de elementos factuais contrários à gravidade das «injúrias»”.

- Só que aquele ilustre Mestre subscreve tal entendimento , na consideração de o ónus assim imposto não constitui , para o autor “uma carga probatória tão intolerável” , na medida em que faz decorrer da prova positiva de injúrias graves , um grau de probabilidade próximo da certeza história imposta pelas regras da prova , de aquelas circunstâncias de facto negativas não ocorreram.

- Ora , no caso em análise , a situação é de todo diversa , já que se não descortina qual ou quais os factos positivos que o executado esteja obrigado a demonstrar que induzam a que a insuficiência ou a inexistência de bens não corresponde a conduta voluntária , intencional , sua , com o intuito de diminuir a garantia dos credores.

- A impor-se tal demonstração ao executado , o que está a sufragar é que a ele impende a demonstração de uma verdadeira clásula geral , e ainda por cima de sentido negativo , qual seja a da falta de responsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens, que configura uma verdadeira “prova diabólica” ou impossível na prática.

- Exemplificativamente , note-se , no caso , que o recorrente , para consubstanciar este ónus probatório do recorrido , sustenta que ele não demonstra o destino dado aos lucros auferidos da executada originária , nos anos de 1993 a 1997 , em que teve um volume de negócios de mais de € 44.000.000 e , mais do que isso , que da aplicação que possa ter dado a esses lucros , não decorre qualquer responsabilidade que lhe seja imputável na actual situação de insuficiência ou inexistência de bens garantidores da dívida exequenda.

- Tal entendimento , atesta a natureza de claúsula geral negativa que consubstancia o referido segmento legal , uma vez que se destina a determinar o que não é previsível , reclamando do decisor um preenchimento casuístico do que deva , ou não , ser considerado como responsabilidade do executado na aludida insuficiência/inexistência de bens; Ora , citando uma vez mais Pedro Múrias(8) a propósito das cláusulas gerais como «justa causa» , «desobediência ilegítima» ou «injúrias graves» e e reportando-se a estudo de Bernardo Lobo Xavier que “(...) a vastidão e diversidade dos factos cuja jurisdicidade é acolhida nestes trechos legais não pode ter um regime de non liquet que onere unilateralmente a parte que invoca em seu favor a clausula geral.” , na medida em que “(...) as cláusulas gerais visam prever o que não pode ser previsto , no bom sentido de que reclamam doaplicador do direito uma tarefa redobrada de identificação dos «factos» e dos pontos de vista jurídicos pertinentes , com pouco maior ajuda do que a resultante de decisões anteriores em casos semelhantes.”.

- Diga-se , aliás e , a nosso ver patenteando a natureza diabólica da prova em causa , que , admitindo por comodidade de raciocínio , que , no caso vertente , o recorrido lograva a prova positiva acusada em falta pelo recorrente , relativa aos referidos lucros (que se não sabe , sequer , se foram ou não distribuídos e , na afirmativa , em que medida) e , ainda, que se produzia prova do facto negativo de que não dissipou tais lucros com o intuito de diminuir a garantia dos credores , uma vez que está em causa a insuficiência/inexistência de bens do recorrido enquanto revertido , fica a pergunta se tal prova era suficiente à satisfação das exigências da lei , uma vez que e em abstracto , tal não demonstra que o recorrido não tivesse sido titular de quaisquer outros bens de que tenha , eventualmente , deixado de o ser entretanto e , nesta hipótese , em que medida é que a perda de tal titularidade não significou a referida insuficiência/inexistência e , na afirmativa e uma vez mais , que tal não foi com o intuito de prejudicar a garantia dos credores.

- Nesta linha de entendimento afigura-se-nos que , a sufragar-se o entendimento sustentado pelo recorrente , neste domínio , estar-se-á , na prática , a inviabilizar ou a tornar excessivamente difícil a prova em causa por parte do executado ,-não sendo , sequer e em sentido contrário , aqui convocável a prova que incumbe aos responsáveis subsidiários de que não foi por culpa deles que o património das executadas originárias se tornou insuficiente para satisfação dos créditos fiscais , seja porque , em tal caso é a própria lei que impõe tal ónus probatório (o que não sucede no caso vertente) o que deixa entender que à sua míngua a prova não impenderia sobre eles , seja porque , tal prova é susceptível de ser alcançada pela demonstração positiva do exercícios dos cargos societários dos quais a lei faz decorrer aquela responsabilidade-, e nessa medida , justificante bastante para que se inverta o respectivo ónus , na esteira do que defende(u) o ilustre Prof. Vaz Serra(9) ao doutrinar que quando a prova não for possível ou se tornar extremamente difícil àquele que , nos termos do artigo 342.º do CC , couber fazê-la , o ónus probatório deixa de impender sobre ele para passar a recair sobre a outra parte.

- Diga-se , aliás , que o entendimento sustentado pelo M.ºP.º se nos afigura como afrontador do principio da proporcionalidade , como assento constitucional , aos menos nas suas vertentes da necessidade e do equilíbrio já que se nos não afigura como o mais adequado e , nessa medida , não execessivo , na ponderação entre os interesses sacrificados do executado e o fim que se visa alcançar , ou seja , de não permitir uma “recompensa indevida” a quem , voluntária e intencionalmente se colocou na situação de não pode prestar a garantia , uma vez que , não só se crê que a eventual concessão da isenção de garantia não significa a sua irrevogabilidade (da mesma forma que , quando prestada , se se vier a tornar insuficiente , deve ser decidido o seu reforço) , em caso de supervenientes circunstâncias que atestem que ela deve ser mantida , como porque , há que não perder de vista que , no domínio jurídico que nos movemos , vigora ,-onde a lei não disponha em sentido contrário-, a presunção de boa fé na actuação dos contribuintes , hoje plasmada em forma de letra no n.º 2 do art.º 59.º da LGT , mas já decorrente do ordenamento jurídico anterior (cfr. ponto 1 do preâmbulo do DL 154/91ABR23 , onde se alude à substituição da presunção de verdade dos actos do fisco pela presunção de verdade dos actos do contribuinte.); Ora tal presunção de boa fé é colidente com a aceitação de que o executado se não provar que não agiu de forma dissipadora dos seus bens com o intuito de prejudicar os credores ,o tenha , de facto , feito.

- Significa isto e em resumo que , em nosso entender , no caso sub judice não cabia ao recorrido demonstrar a verificação da condição que constitui o segmento final do art.º 52.º/4 da LGT , para que lhe fosse concedida a isenção de garantia solicitada.

- Uma última e sucinta palavra que , é nosso entendimento , como já sustentámos noutras decisões(10) , que a prova que ao executado se impõe fazer ,o que concerne aos requisitos necessários à isenção de prestação de garantia , nos termos acima aduzidos , pode ser concretizada por recurso ao todos e cada um dos meios probatórios admitidos em direito.

- Na realidade , sendo certo que , ao que aqui nos importa , o n.º 3 do art.º 170.º do CPT , dispõe que o pedido de dispensa de garantia deve , para além do mais , ser instruído com a prova documental necessária , a verdade é que se entende que com tal referência , o legislador não pretendeu excluir outros meios de prova admitidos em direito , para além dos documentais , mas antes e ao invés , tão só pretendeu estabelecer o momento processualmente oportuno para a junção de tais (eventualmente existentes) documentos , enquanto relevantes à demonstração de alguma da factualidade em que se tivesse feito repousar o pedido de dispensa de garantia.

- E sendo assim , temos por conclusivo que o facto de o executado não juntar , ou não juntar todos , os elementos documentais de que disponha , nos termos do disposto pelo art.º 170.º/3 do CPPT , na medida em que relevantes á decisão a proferir , o que tal acarreta é apenas e só que o não possa vir a fazer posteriormente com as inerentes e próprias implicações ao nível da prova , por referência ao ónus que sobre ele impende.

- E , assim sendo , conclui-se que , ainda que por caminhos distintos se aporta ao mesmo juízo conclusivo da decisão ora recorrida , isto é que , dado por verificado um dos dois requisitos exigidos pelo art.º 52.º/4 da LGT , no caso o do prejuízo irreparável , por parte da autora do despacho reclamado , e não tendo a AT demonstrado que a insuficiência/inexistência de bens se deve a uma actuação intencional do recorrido nesse sentido e com o objectivo de diminuir ou afastar a garantia dos credores , forçoso se impunha o deferimento do pedido de isenção de garantia em causa.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da secção de contencioso tributário do TACS , com a fundamentação acima expressa , em negar provimento ao recurso , assim se confirmando a decisão recorrida que , nessa medida , se mantém na ordem jurídica.
- Sem custas.

LISBOA, 15/05/2007
LUCAS MARTINS
PEREIRA GAMEIRO
VALENTE TORRÃO


(1) Na linha do que se sustentam DLCampos , BSRodrigues e JLSousa , in LGT comnetada e anotada , quando sustentam que a responsabilidade do executado em questão “(...) se deve entender em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores ,e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens.”.
(2) Cfr. Manuel de Andrade em anotações às RLJ’s n.ºs 3064 e 3065.
(3) Ainda que não integralmente aceite pelo nosso ordenamento jurídico , mesmo na evolução operada à teoria das normas , e denominada por “teoria das normas modificada” , mas que , neste domínio não parece ser postergada.
(4) Crf. Pedro Ferreira Múrias , in “Por uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova.”.
(5) Cfr. Pedro Múrias , obra citada , 19 e segs..
(6) Cfr. anotação citada.
(7) Objecto da anotação.
(8) Obra citada , 156.
(9) Cfr. RLJ’s , anos 103/509 e 106/314 e Bol. 110/112 , n.º 17 (estudo sobre Provas).
(10) Cfr. Ac tirado no Rec. n.º 1.715/07 de 07MAI03.