Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0885/11
Data do Acordão:02/29/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS VENCIDOS APÓS DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
Sumário:I - Nada obsta a que após a declaração de insolvência sejam instauradas execuções fiscais contra a sociedade insolvente, possibilidade que constitui um regime especial para os processos de execução fiscal (afastando a regra geral do art. 88.º, n.º 1, do CIRE), sendo que
- se para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência, deverão ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de falência (art. 180.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, e art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE);
- se para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, prosseguindo a execução, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência (cfr. art. 180.º, n.º 6, do CPPT, interpretado tendo em conta a unidade do sistema jurídico, como imposto pelo art. 9.º, n.º 1, do CC)
II - Um crédito considera-se vencido quando puder ser exigido pelo credor.
Nº Convencional:JSTA00067448
Nº do Documento:SA2201202290885
Data de Entrada:10/03/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART36 N1 ART85 N1 N2 ART180 N1 N2 N6
CIRE04 ART85 N1 N2 ART88 N1
CCIV66 ART9 N1
LGT98 ART36 N1 ART77 N6
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC625/06 DE 2006/11/05; AC STA PROC603/06 DE 2006/11/29; AC STA PROC51/10 DE 2010/04/14; AC STA PROC981/10 DE 2011/04/06
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG255
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG323-324
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A……, S.A.” (adiante Executada, Oponente ou Recorrente), anteriormente “B……, Lda.”, deduziu oposição à execução fiscal que o Serviço de Finanças de Guimarães 2 instaurou contra ela para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis do ano de 2005.
Invocando as alíneas a) e i) do art. 204.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a Oponente alegou, em síntese, o seguinte:
– a sociedade apresentou-se à insolvência e foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em Julho de 2007 no âmbito de processo em que a Administração tributária (AT) não reclamou os créditos que ora pretende cobrar coercivamente, motivo por que os mesmos não constam do plano de insolvência que foi homologado por aquela sentença;
– porque a AT não reclamou o crédito exequendo nesse processo, «ficou irremediavelmente precludido o seu direito de ver esse crédito ser pago» (() (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.));
– a AT já sabia que era titular desse crédito pelo menos desde 2006, data em que tiveram lugar as avaliações dos prédios adquiridos pela ora Oponente originaram as liquidações que estão na origem da dívida exequenda;
– de igual modo, esse crédito existe desde essa data, uma vez que este «não nasce com a emissão da liquidação, mas sim com o facto tributário consubstanciado na transmissão dos imóveis, ou em última instância com a avaliação do valor patrimonial tributário».
Concluiu pedindo a extinção da execução fiscal.
1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, depois de eleger como questão a apreciar a de saber «se após a declaração de insolvência, pode, ou não, ser instaurada e prosseguir uma execução fiscal para cobrança de imposto entretanto liquidado», considerou, em síntese, o seguinte:
– à situação sub judice é aplicável o disposto no art. 180.º do CPPT, interpretado conjuntamente com as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);
– assim, porque os créditos exequendos se venceram após a insolvência, nada obsta à instauração de execução fiscal para cobrança dos mesmos, ainda que se refiram a impostos relativos a períodos anteriores.
Em consequência, julgou a oposição improcedente,
1.3 A Oponente recorreu da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«1. Ora, a questão que aqui se coloca é a de saber (i) se o crédito se venceu antes do trânsito em julgado da Sentença de declaração de insolvência, (ii) e caso assim não se entenda se a Administração Fiscal pode, ou não, dar início a um processo de cobrança coerciva de um crédito tributário, que se constitui depois da data em que a Oponente foi declarada Insolvente.
2. Ao contrário do que considera a Administração Fiscal o vencimento do crédito fiscal deve ser aferido não a partir da data de pagamento voluntário constante da liquidação administrativa, mas sim a partir do momento em que a Administração Fiscal adquire o direito ao crédito.
3. A data de vencimento de um crédito é a data em que o credor adquire o direito de exigir o seu pagamento ao devedor. Sendo certo, que no caso dos impostos, o Estado adquire esse direito logo que ocorre a realização dos factos tributários e a sua subsunção automática na norma de incidência.
4. Assim, é com a ocorrência dos factos previstos na norma de incidência e a sua integração ou subsunção no conteúdo da norma, que se preenche, se concretiza, e se individualiza, o direito do Administração Fiscal ao crédito tributário.
5. É partir dessa data, e desse momento, que o Estado adquire o direito de exigir ao sujeito passivo o seu pagamento, e é a partir dessa data, e desse momento, que o sujeito passivo fica obrigado ao seu pagamento.
6. O acto de “lançamento” ou “Liquidação”, não tem uma função constitutiva, mas meramente declarativa.
7. São antes meros instrumentos administrativos de formalização do direito do Estado de exigir o crédito tributário e do dever do contribuinte em cumprir com a sua obrigação tributária.
8. Assim, considerando que o facto tributário ocorreu em Junho de 2005, e a Sentença que declarou a insolvência é de Julho de 2007, podemos e devemos concluir que o crédito venceu-se antes da data do trânsito em julgado desta última.
9. Por outro lado, atendendo que a Administração Fiscal não reclamou o crédito em causa, nos termos e no prazo previsto no artigo 128º do CIRE, nem deduziu acção contra a massa insolvente para a verificação ulterior de créditos, prevista no artigo 146º do CIRE, podemos e devemos concluir pela inexigibilidade da quantia exequenda, e como tal pela ilegalidade do presente processo de execução fiscal.
10. Sem prejuízo do supra exposto, e caso se considere que de facto os créditos subjacentes ao processo de execução fiscal se venceram após o trânsito em julgado da Sentença que decretou a insolvência, o que só por mera hipótese se aceita, ainda assim não se pode concluir que a Sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 180º, nº 6 do CPPT.
11. O artigo 180º, nº 6 do CPPT ao estabelecer que os créditos vencidos após a declaração de falência seguem os seus termos normais, claramente introduz um regime de excepção em relação ao disposto no CIRE.
12. Contudo, isso não significa que a aplicação do disposto no artigo 180º, nº 6 do CPPT deva ser efectuada de forma cega, sem ter em consideração as regras e os propósitos do disposto no CIRE.
13. Nos termos do disposto no artigo 1º, do CIRE, o processo de insolvência visa proteger os interesses dos credores.
14. Contudo, os credores só poderão tomar decisões decisão avalizadas de qual a melhor forma de proteger os seus interesses, se pela descontinuidade da sociedade ou se pela sua recuperação através de um plano de insolvência, e só poderão definir os termos e condições desse plano, se tiverem uma informação correcta em relação à situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor.
15. A segurança na informação é conseguida através de normas que impõe aos credores a obrigação de reclamarem os seus créditos, como é o caso do disposto nos artigos 128º e 146º do CIRE, sob pena de preclusão do direito de verem os seus crédito serem pagos, e ainda de normas que proíbem aos credores, uma vez declarada a insolvência, de instaurarem ou prosseguirem qualquer acção executiva (cfr. art. 88º do CIRE).
16. Ora, é precisamente neste contexto e tendo em consideração tais propósitos que deve ser interpretado o disposto no artigo 180º, nº 6 do CPPT.
17. E a interpretação daquele nº 6, que se compagina com a unidade do sistema, jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9º, nº 1, do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por, créditos vencidos após a declaração de falência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não aprendidos naqueles processos de falência ou recuperação da empresa (cfr. Acórdão do STA nº 26344, in AP-DR de 13/10/2003. pág. 2431).
18. Ora, considerando que no caso verificando a situação subsumível no disposto no artigo 180º, nº 6, de acordo com a interpretação a que o mesmo está sujeito, o presente processo de execução fiscal pode e deve ser considerado como ilegal, o que desde já se requer com os consequentes efeitos legais.
19. Face ao supra exposto podemos e devemos concluir que a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 180º, nº 6 do CPPT, 128º e 146º do CIRE.
[…]
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser considerado procedente anulando-se, em consequência, a Sentença recorrida, com os legais efeitos».
1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
«1. A sustação dos processos de execução fiscal pendentes e dos que vierem a ser instaurados após a declaração de falência [actualmente insolvência] não se aplica aos créditos vencidos após esta declaração, os quais seguirão os termos normais até à extinção da execução (art. 180º nº 6 CPPT).
Porém, o prosseguimento da tramitação normal não deve inutilizar o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores, interesses públicos e sociais subjacentes à instauração dos processos especiais de recuperação da empresa e de insolvência.
“Assim, a interpretação razoável daquele nº 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9º nº 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência (...) se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência (…)” (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 2007 p. 233)
Este entendimento tem sido sufragado por jurisprudência consolidada (acórdãos STA-SCT 24.10.2001 processo nº 26 344; 15.11.2006 processo nº 625/06; 12.11.2009 processo nº 102/09; 14.04.2010 processo nº 51/10; 6.04.2011 processo nº 981/10; 7.09.2011 processo nº 326/11).
2. A relação tributária constitui-se com o facto tributário, configurado no preenchimento da previsão de uma norma de incidência tributária (art. 36º nº 1 LGT)
Distinta do facto tributário, a obrigação tributária nasce no termo do procedimento de liquidação, com a quantificação da prestação tributária devida, por determinação da colecta mediante aplicação da taxa à matéria colectável.
O vencimento da obrigação corresponde ao momento em que o devedor deve cumprir a sua obrigação (Ana Prata Dicionário Jurídico 2ª edição Almedina p. 607).
Nas obrigações pecuniárias com prazo certo a constituição em mora ocorre no termo do prazo para pagamento voluntário (art. 804º nº 2 CCivil; art. 86º nº 1 CPPT).
A realização coactiva da prestação tributária, mediante instauração de execução fiscal com base em certidão de dívida, exige o decurso do prazo para pagamento voluntário (art. 817º CCivil; arts. 88º nº 1 e 162º al. a) CPPT).
Neste contexto as obrigações tributárias exequendas emergentes de liquidações de IMT, cujos prazos para pagamento voluntário findaram em 31.1.2008, 9.05.2008 e 30.06.2008 correspondem a créditos da Fazenda Pública vencidos após a declaração de insolvência, proferida por sentença transitada em julgado em 11.07.2007 (probatório nºs 2 e 5).
Em consequência do vencimento e exigibilidade não existe obstáculo legal à sua cobrança coerciva em processo de execução fiscal».
1.7 Foram colhidos os vistos dos Juízes adjuntos.
1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que os créditos exequendos se venceram em data ulterior à da declaração de insolvência da Executada e, por isso, que nada obsta a que seja instaurada e prossiga execução fiscal para cobrança dos mesmos.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
«Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:
1. No dia 31 de Janeiro de 2007, foi instaurada acção judicial contra B……, Lda., com vista à dissolução judicial da sociedade – cfr. inscrição n.º 8 da certidão permanente a fls. 136.
2. A sociedade foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 11 de Julho de 2007 – cfr. averbamento 1 à inscrição n.º 10 da certidão permanente a fls. 137.
3. Em 10 de Março de 2009, foram registadas alterações ao contrato de sociedade, tendo esta adoptado a firma A……, SA – inscrição nº 16 da certidão permanente a fls. 140.
4. Em 16 de Junho de 2008, foi encerrado o processo, tendo sido homologada a decisão de regresso à actividade, com base no plano de insolvência inscrição n.º 14 da certidão permanente a fls. 140.
5. No dia 10 de Outubro de 2009, foram emitidas as certidões de dívida n.º 2009/11182, 2009/11675 e 2009/11722, todas relativas a IMT do ano de 2005, sendo que o prazo para pagamento voluntário da dívida terminara, respectivamente, em 31 de Janeiro de 2008, 9 de Maio de 2008 e 30 de Junho de 2008 – cfr. certidões a fls. 98, 99 e 100.
6. No dia 11 de Outubro de 2009, foi autuado o processo executivo n.º 3476200901068849, contra A……, SA, para cobrança de dívida relativa a IMT do ano de 2005, no valor de € 22.801,12 – cfr. documento a fls. 97.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos, referenciados em cada facto.
Não resultam provados ou não provados outros factos com interesse para a decisão».
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
“A……, S.A.” deduziu oposição a uma execução fiscal que foi instaurada contra ela para cobrança de dívidas de IMT que se referem ao ano de 2005, mas que, na sua tese, se venceram anteriormente à declaração judicial de insolvência, que transitou em julgado em 2007.
A Oponente, que aceita, como excepção ao princípio da preclusão do direito à cobrança dos créditos que não hajam sido reclamados no processo de insolvência, que podem ainda ser cobradas em execução fiscal as dívidas por impostos que se tenham vencido após a declaração da insolvência, considera que a data do vencimento dessas dívidas é a data do facto tributário (ou, quando muito, no caso sub judice, a data da avaliação da matéria tributável). Assim, e porque as dívidas ora em cobrança coerciva respeitam a factos tributários ocorridos em 2005, sustenta que as mesmas se venceram em data anterior à da declaração de insolvência, motivo por que, não as tendo a AT reclamado no processo de insolvência, não pode agora pretender cobrá-las fora desse processo.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a oposição improcedente. Para tanto, em síntese, considerou que as dívidas exequendas se venceram após a declaração de insolvência, pelo que nada obsta à instauração de execução fiscal para cobrança das mesmas, ainda que se refiram a imposto relativo a períodos anteriores.
A Oponente discorda desse entendimento, mantendo que as dívidas exequendas se venceram antes da data em que foi declarada insolvente, o que obsta à instauração de execução fiscal para a sua cobrança (cfr. conclusões 1 a 9) e que, mesmo que assim não se entenda, não pode a execução prosseguir senão sobre bens que não tenham sido apreendidos no processo de insolvência (cfr. conclusões 10 a 18).
Daí termos enunciado a questão a apreciar e decidir nos presentes autos nos termos que o fizemos em 1.8, adiantando que importa determinar em que momento se consideram vencidas as dívidas exequendas, uma vez que na tese da Recorrente o vencimento dá-se com a verificação dos factos tributários que lhe deram origem, enquanto na tese da sentença essas dívidas se venceram, respectivamente, em 31 de Janeiro, 9 de Maio e 30 de Junho de 2008, ou seja, no termo do prazo para o seu pagamento voluntário (cfr. n.º 5 dos factos provados).
2.2.2 DA POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO E PROSSECUÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL APÓS A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nos termos do n.º 1 do art. 180.º do CPPT, «proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração».
No entanto, esta disposição não se aplica «aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa» que, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo art. 180.º, «seguirão os termos normais até à extinção da execução».
Embora o preceito se refira à falência ou recuperação de empresa, «[o] mesmo regime deverá aplicar-se à declaração de insolvência, por força do redireccionamento das remissões imposto pelo art. 11.º do DL n.º 53/2004» (() (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 7 ao art. 180.º, pág. 323.)), diploma que aprovou o CIRE.
Por sua vez, o art. 88.º, n.º 1, do CIRE (() (Diz o art. 88.º, n.º 1, do CIRE: «A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes».
Anteriormente, também o art. 154.º, n.º 3, do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência (CPEREF) estabelecia que «a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido». O CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, foi revogado pelo art. 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE.)) determina a suspensão de todas as execuções fiscais instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, bem como proíbe a instauração de novas execuções.
Verifica-se, pois, uma contradição entre os referidos preceitos legais: enquanto o art. 88.º, n.º 1, do CIRE, não admite a instauração ou prosseguimento de execuções contra o insolvente após a declaração de insolvência, o art. 180.º do CPPT, quer no seu n.º 1, quer no seu n.º 6, admite-as (() (Também a admite no n.º 5, mas aí a situação é diferente, pois o processo de falência já estará findo. A possibilidade prevista no n.º 5 – de continuação das execuções fiscais já instauradas contra o falido ou responsáveis subsidiários ou de instauração de novas execuções fiscais – tem aí como pressuposto a ulterior aquisição de bens pela falido os pelos responsáveis subsidiários.)).
Tratando-se de disposições literalmente contraditórias, há que procurar harmonizá-las, tendo nomeadamente em conta a unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil (() (Diz o n.º 1 do art. 9.º do CC:
«A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».)) (CC)).
JORGE LOPES DE SOUSA (() Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 7 ao art. 180.º, pág. 324.) indica-nos a melhor interpretação:
«Os novos processos relativos a dívidas vencidas antes da prolação do despacho de prosseguimento da acção de recuperação de empresa ou de declaração de falência ou insolvência deverão ser também avocados pelo tribunal competente e enviados pelos tribunais fiscais.
O mesmo não sucede, porém, com os processos de execução relativos a créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que, nos termos do n.º 6 deste art. 180.º, do CPPT, seguirão os termos normais até à extinção da execução.
No entanto, quanto a estes processos, apesar de aqui se referir o seu seguimento nos termos normais, deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles», pelo que:
«[…] a interpretação razoável daquele n.º 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência».
Assim, concluímos que é possível a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, sendo que,
– se para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência, deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo, ao qual deverá ser enviada pelo tribunal tributário;
– se para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, a execução prosseguirá, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.
É esta a doutrina que tem vindo a ser afirmada uniforme e reiteradamente pelo Supremo Tribunal Administrativo (() (Vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 15 de Novembro de 2006, proferido no processo com o n.º 625/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Novembro de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32240.pdf), págs. 1894 a 1901, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/217bb13afc58cc1880257230003d51b5?OpenDocument;
– de 29 de Novembro de 2006, proferido no processo com o n.º 603/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Novembro de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32240.pdf), págs. 2046 a 2055, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5eba140fb2b2f66e80257243004e299c?OpenDocument;
– de 31 de Janeiro de 2008, proferido no processo com o n.º 887/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32210.pdf), págs. 188 a 191, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f38acac3fd7d43f8802573ed0040ae68?OpenDocument.
– de 6 de Abril de 2008, proferido no processo com o n.º 249/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32220.pdf), págs. 699 a 702, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1pbb1e680256f8e003ea931/c125b391150eb1de8025746c0048879a?OpenDocument;
– de 12 de Novembro de 2009, proferido no processo com o n.º 102/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1712 a 1717, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e2aeb82ed61f339d80257677004b704c?OpenDocument;
– de 14 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 51/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 586 a 590, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6ef8be60395ae0988025770b0056dc05?OpenDocument
– de 6 de Abril de 2011, proferido no processo com o n.º 981/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 599 a 603, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/48810ab2bb3a729980257870004b7c1a?OpenDocument.)).
Foi também a doutrina adoptada na sentença recorrida.
Se bem interpretamos as alegações de recurso, a Recorrente dela não discorda. A discordância da Recorrente refere-se é ao momento em que se devem ter por vencidas as dívidas exequendas, situando-o em 2005 (ou, o mais tardar, em 2006), ou seja, antes da declaração de insolvência, transitada em julgado em 2007, enquanto a sentença recorrida situa esse momento em 2008, ou seja, após a declaração de insolvência.
2.2.3 DA DATA DE VENCIMENTO DAS DÍVIDAS EXEQUENDAS
Para a Recorrente, as dívidas exequendas venceram-se em 2005, pois foi nessa data que ocorreu o facto tributário, ou seja, as transmissões de imóveis que deram origem ao IMT ora em cobrança coerciva. Sustenta que «[a] data de vencimento de um crédito é a data em que o credor adquire o direito de exigir o seu pagamento ao devedor. Sendo certo, que no caso dos impostos, o Estado adquire esse direito logo que ocorre a realização dos factos tributários e a sua subsunção automática na norma de incidência», que «é com a ocorrência dos factos previstos na norma de incidência e a sua integração ou subsunção no conteúdo da norma, que se preenche, se concretiza, e se individualiza, o direito do Administração Fiscal ao crédito tributário» e que desde esse momento «o Estado adquire o direito de exigir ao sujeito passivo o seu pagamento» e «o sujeito passivo fica obrigado ao seu pagamento», sendo que «[o] acto de “lançamento” ou “Liquidação”, não tem uma função constitutiva, mas meramente declarativa».
Já para a sentença recorrida, as dívidas exequendas venceram-se em 2008, pois foi nesse ano que ocorreu o termo do prazo para o pagamento voluntário de cada uma delas.
Coloca-se, pois, a questão de saber em que data se vence uma dívida tributária.
Importa aqui recordar o ensinamento de SALDANHA SANCHES, que refere que importa distinguir «entre a existência de uma obrigação na forma de uma mera pretensão fiscal e uma obrigação que atingiu a fase da exigibilidade», sendo que esta só ocorre «depois de se ter verificado o momento de vencimento dessa mesma obrigação»; ou seja, «[e]nquanto a obrigação se não encontra vencida, aquilo que existe para o sujeito activo da obrigação tributária é uma mera pretensão fiscal – na altura, ainda destituída de exigibilidade. O facto legalmente previsto para o nascimento dessa pretensão já se verificou, mas não decorreu ainda o prazo legalmente previsto ou o facto exigido por lei para que se dê o vencimento desta obrigação» (() (Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 255.)).
Assim, no caso sub judice, em que, segundo a Oponente, estamos perante liquidações adicionais efectuadas na sequência de avaliação da matéria tributável, afigura-se-nos manifesto que o vencimento da obrigação de cumprir – de efectuar a prestação pecuniária correspondente ao montante do imposto – só se deu após a liquidação do imposto e depois do sujeito passivo ser notificado desse acto. Antes, apesar de o sujeito passivo saber que ocorreu um facto relevante para efeitos tributários, não existia qualquer dever de prestar, tanto mais que o sujeito passivo não sabia qual a quantificação da obrigação tributária, nem se a AT iria proceder à liquidação dentro do prazo que a lei lhe concede para o efeito.
Assim, a nosso ver, a resposta é inequívoca: a dívida tributária vence-se no momento em que o credor adquire o direito de exigir o seu pagamento ao devedor e esse momento, no caso sub judice, não é outro senão aquele a que se refere o termo final do prazo para o pagamento voluntário, prazo que, na ausência de lei em contrário, se inicia com a notificação ao contribuinte para pagamento (cf. art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).
Na verdade, sendo certo que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), a correspondente obrigação tributária só se torna certa com a liquidação e exigível com o conhecimento da mesma, sendo que a liquidação só produz efeitos relativamente ao contribuinte após lhe ter sido validamente notificada (cfr. art. 77.º, n.º 6, da LGT e art. 36.º, n.º 1, do CPPT).
Dito isto, podemos assentar em que os créditos exequendos se venceram em momento ulterior ao da declaração de insolvência, pelo que, nada obsta à instauração e prossecução de execução fiscal para cobrança dos mesmos, desde que sejam observadas na penhora as restrições acima referidas e que, nos presentes autos, não vêm questionadas.
Por tudo o que ficou dito, a sentença recorrida, que decidiu neste sentido, não merece censura.
2.2.4 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nada obsta a que após a declaração de insolvência sejam instauradas execuções fiscais contra a sociedade insolvente, possibilidade que constitui um regime especial para os processos de execução fiscal (afastando a regra geral do art. 88.º, n.º 1, do CIRE), sendo que
– se para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência, deverão ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de falência (art. 180.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, e art. 85.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE);
– se para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, prosseguindo a execução, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência (cfr. art. 180.º, n.º 6, do CPPT, interpretado tendo em conta a unidade do sistema jurídico, como imposto pelo art. 9.º, n.º 1, do CC).
II - Um crédito considera-se vencido quando puder ser exigido pelo credor.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs -Casimiro Gonçalves.

Segue acórdão de 14 de Março de 2012.
1. Na parte decisória do acórdão proferido nestes autos em 29 de Fevereiro de 2012, incorremos num lapso de escrita: escrevemos “Tribunal Central Administrativo” onde queríamos escrever “Supremo Tribunal Administrativo”.
2. Cumpre, pois, corrigir esse erro manifesto lapso material.
3. Assim, e ao abrigo do disposto no art. 667.º, n.º 1, e 716.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, rectificar o acórdão proferido nos autos em 29 de Fevereiro de 2012 nos termos acima expostos.
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Notifique e, após o trânsito, proceda à anotação no local próprio.
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Lisboa, 14 de Março de 2012. Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.