Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ FLORES | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA PRESCRIÇÃO ARTIGO 29º DA CONVENÇÃO CMR | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/29/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO DAS RÉS IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | No âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, a atuação com negligência grosseira por parte do transportador quanto à ausência dos procedimentos adequados a guardar a mercadoria é enquadrável no conceito de falta a que alude artº 29º, nº1, da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada. | ||
Decisão Texto Integral: | Assinado digitalmente por: Rel. – Des. José Flores 1º Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira 2º - Adj. - Des. Paula Ribas Recorrente(s): 1 - EMP01..., LDA.; 2 - EMP02..., LDA.; Recorrida: - EMP03..., LDA.. * Acordam os Juízes na 3ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:1. RELATÓRIO EMP03..., LDA., veio intentar ação declarativa de condenação contra EMP02..., LDA., e EMP01..., LDA.. Peticiona que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a efetuar o pagamento à A. do montante de 13.093,55 euros, acrescido de 2.724,66 euros a título de juros de mora vencidos e vincendos e, subsidiariamente, a concluir-se que a referida responsabilidade não é solidária, que seja a 1.ª Ré condenada no pagamento das aludidas quantias ou, se assim não se entender, a 2.ª Ré. Devidamente citadas, as RR. apresentaram contestação, invocando, em suma, que o direito da A. se encontra prescrito, acrescentando ainda que, mesmo que assim não se entenda, não assiste qualquer razão à A. e que, como tal, a ação deve improceder. Foi admitida a intervenção principal acessória da COMPANHIA DE SEGUROS EMP04..., S.A., EMP05..., CORRETORES DE SEGUROS, S.A. e EMP06... LIMITED, que apresentaram contestação, alegando também que não assiste razão à A. e, nesse pressuposto, a ação deve improceder. A interveniente EMP05..., CORRETORES DE SEGUROS, S.A. foi absolvida da instância, em sede de despacho saneador, com fundamento na sua ilegitimidade. A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a ação e, em consequência, condenar as Rés EMP02..., LDA. e EMP01..., LDA., solidariamente, no pagamento à A. EMP03..., LDA. da quantia de 13.093,55 euros, acrescida de juros moratórios vencidos desde o dia ../../2016, bem como de juros moratórios vincendos, à taxa comercial, até efetivo e integral pagamento. Custas a cargo das RR., que deram causa à ação (artigos 527.º, n.º1 e 2 e artigo 535.º, n.º1 a contrario do CPC) e, ainda, das intervenientes acessórias, atendendo ao decaimento das assistidas (artigo 538.º, n.º1 do Código de Processo Civil).” Inconformadas com esta decisão, as Rés recorreram, formulando as seguintes Conclusões Recurso de EMP01... 1º (…) B - A Douta Sentença padece de vícios graves, designadamente: No que respeita à matéria considerada como “Factos provados” e “Factos não provados” e à respetiva “motivação da matéria de facto”, pois o Tribunal fez uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos e resultantes da audiência de discussão e julgamento e da prova documental. Porque o Tribunal “a quo” fez uma inadequada interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a causa de pedir nos autos, violando, assim, o disposto nos artº 3º do C.Comercial, 342º, 343º, 405º e 406º do CC, artº 3º nº 1 e nº 3, do CPC, 607º nº 4 e 5, 608º nº 2 do CPC, artº 17º nº 2, e artº 23º nº 3 da CMR. Vícios, esses, que conduzem à anulabilidade da sentença proferida, que deverá ser substituída por outra, em sentido diverso, absolvendo-se a recorrente do pedido. C - Numa leitura genérica da sentença, verifica-se uma violação do disposto no artº 342º e 344º do CC, porquanto não foi feita prova, quanto ao teor das faturas juntas pela A., e que sustentam o negócio celebrado entre a A. e a 1ª R. D - Para além disso, ao classificar a conduta da 2ª R. como dolosa, fez errada apreciação da prova dos factos e consequente errada aplicação do Direito. E - O Tribunal “a quo” ao valorar a prova, quer a testemunhal, quer a documental, as declarações de parte do Autor, não teve em conta determinados elementos fundamentais para a boa decisão da causa e/ou tendo considerados outros, não fez uma correcta apreciação dos mesmos, sob o ponto de vista legal. F - Se a matéria considerada como provada nos pontos nos pontos nº 1 a 3, 6, 9 a 17, 19 a 24, se considera adequada à prova produzida nos autos já a restante matéria, merece, salvo o devido respeito, censura, porque baseada numa incorrecta apreciação e valoração dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como, da prova documental existente nos autos. DOS FACTOS: G - Quanto aos factos vertidos na matéria dada como provada, no ponto nº 4 e 5, na audiência de julgamento, não foi produzida prova quanto aos referidos factos. (…) U - A matéria constante dos pontos 4 e 5, dos factos provados, deveria estar elencada nos factos não provados. V - Pelo que, atenta a falta de prova, relativamente às faturas juntas pela autora, sem qualquer outra prova, para sustentar o contrato de transporte de mercadorias, não podia ter sido proferida a sentença recorrida. X - Pelo que, nos merece censura, a sentença recorrida, ao condenar a ora recorrente em “ Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a ação e, em consequência, condenar as Rés EMP02..., LDA. e EMP01..., LDA., solidariamente, no pagamento à A. EMP03..., LDA. da quantia de 13.093,55 euros, acrescida de juros moratórios vencidos desde o dia ../../2016, bem como de juros moratórios vincendos, à taxa comercial, até efetivo e integral pagamento.” dada a ausência da produção de prova quanto ao teor das referidas faturas e ao subsequente contrato de transporte de mercadorias, devendo a sentença proferida sê-lo em sentido diverso, julgando-se totalmente improcedente a acção. Z – A testemunha da autora AA, mediador de seguros desta, declarou (…) Y - A recorrente participou o furto da mercadoria à sua seguradora, EMP07..., através da intermediária existente em Portugal, a EMP05.... AA – A referida testemunha AA, tinha na sua posse todos os documentos necessários para reclamar a indemnização dos prejuízos, o que se pode constatar, pelos doc. nº ...0, ...4 e ...5, juntos pela autora na p.i. BB – O referido depoente tinha cópia das declarações de expedição, das faturas, da participação policial e fotografias do estado do veículo furtado, tendo, ainda, informação dos números dos processos de averiguação. CC – A testemunha da autora AA, tinha conhecimento, que uma das lesadas (EMP08..., LDA.), no âmbito do mesmo sinistro, tinha sido ressarcida. DD – O depoente enquanto mediador de seguros, tem a obrigação de saber quais são os procedimentos a realizar, para se reclamar o pagamento de uma indemnização a uma seguradora, e ao não fazer a reclamação necessária, deixou esgotar o prazo legal de 1 ano para o fazer. EE – A sentença recorrida fez errada interpretação da matéria de facto e consequente errada aplicação do Direito, ao julgar procedente a acção, pois do depoimento da testemunha da autora, AA, verificamos que a autora não reclamou os prejuízos no tempo oportuno, pelo que, a recorrente, nunca deveria ter sido condenada. FF – Da audição da testemunha BB, arrolada pela 1ªRé, constatamos que a recorrente cumpriu as suas obrigações, pois participou de imediato o sinistro à 1ª Ré, e à sua seguradora (EMP07...), tendo fornecido os documentos necessários, para accionar as apólices (…). GG – Esta testemunha declarou que a seguradora da 1ª Ré, EMP04..., declinou a sua responsabilidade, por entender que responsabilidade era da EMP07..., seguradora da recorrente, declarando que tinha conhecimento de que uma das empresas lesadas com o furto ocorrido, tinha sido indemnizada (EMP08..., LDA.). HH – A sentença de que se recorre, não considerou o furto como um caso fortuito ou de força maior, classificando a conduta da recorrente como dolosa, o que nos termos do disposto no artº 32 da CMR, alarga o período da prescrição, que passa a ser de 3 anos. II – A testemunha BB, com um depoimento incisivo, honesto e credível, informou o Tribunal que (…) JJ – Rede essa, que tem uma altura de cerca de 2 metros e que impossibilita o corte da lona. No furto in casu, pode-se constar pelas fotos juntas na p.i., que o furto foi efectuado pela parte superior, junto ao teto do reboque, zona em que não tem rede de aço, para permitir a movimentação das lonas (…) LL – A testemunha BB, também declarou que são os lesados que depois das participações efectuadas às seguradoras, são os lesados, que têm de peticionar o pagamento das indemnizações. MM – Declarou, ainda, que os motoristas têm de pernoitar nos camiões, sob pena de as seguradoras declinarem responsabilidades. NN – Pelo que, no nosso modesto entendimento, a sentença recorrida, quanto a à imputação da conduta a título de dolo, pois, quer dos pontos 12 e 13 dos Fatos Provados, conjugados com a conduta da recorrente, designadamente, o facto de o motorista ter dormido no veículo, estacionou junto à cafetaria que é a zona mais frequentada, do parque de estacionamento, que está aberta de dia e de noite, o reboque usado pela recorrente tem um sistema anti furto em aço e a estação de serviço denominada ..., localizada na auto estrada em ..., tendo tido todos os cuidados necessários, para que o sinistro não acontecesse, merece-nos censura. OO – Pelo que, a sentença recorrida, deveria ter classificado tal ocorrência, como um caso fortuito ou de força maior. PP – O motorista da recorrente CC, motorista há mais de 40 anos, conhecedor dos locais mais seguros para parquear o transporte, afirmou de forma categórica que a estação de serviço ..., localizada no lugar..., junto à auto-estrada, iluminada e com uma cafetaria que funciona de dia e de noite, com camiões de toda a Europa lá estacionados, sendo uma estação de serviço em que a Guarda Civil patrulha várias vezes ao dia é considerado um dos parques de estacionamento mais seguros. QQ – O motorista da recorrente estacionou o seu veículo por volta da 1,15 horas da madrugada, junto da zona da cafetaria, com camiões à sua frente e camiões atrás do seu, pois é comum estacionarem em fila, por questões de segurança (…). RR – O motorista afirmou que o parque de estacionamento é na via circular da cidade ... e quando chegou dormiu no camião, bem como a gerente da recorrente – D. DD – , tendo de manhã quando se levantou por volta das 8 horas, ao dar a volta ao camião, para verificar o estado do mesmo, viu que tinha a lona da parte de cima do camião, rasgada. SS – Na altura em que deu conta do assalto, a Guarda Civil Espanhola, aproximou-se para saber o que se estava a passar (…). TT – Afirmou que (…) UU – O motorista verificou que as portas de trás do reboque também estavam arrombadas, sem o aloquete (…). VV – O motorista CC declarou, ainda que o reboque, tem um sistema de anti furto, com uma rede em aço, por dentro da lona, para impedir que os furtos, pois ainda que tentem rasgar a lona, não conseguem cortar o aço. XX – Confirmou o que a testemunha anterior tinha declarado quanto à existência da protecção em fio de aço, no interior da lona, garantindo que em todos os camiões que conduz, utiliza sempre um aloquete, nas portas traseiras (…). ZZ – Declarou que costuma estacionar ao pé da gasolineira, pois a cafetaria está sempre aberta e estacionam em fila, uns camiões atrás dos outros, e lembra-se que tinha à sua frente cerca de 4 ou 5 veículos e trás de si uns dois ou três. YY – O motorista declarou que não deu conta de nada, mas disse que os motoristas dos outros transportadores também não deram conta de nada, sendo certo que os motoristas dormem dentro dos camiões, sob pena de as seguradoras declinarem responsabilidades (…) AAA – A testemunha CC, declarou que andou com a Guarda Civil Espanhola, a ver se encontravam o aloquete, tendo transmitido que foi a Guarda Civil que levou a gerente da recorrente, ao posto da Guarda Civil, para esta apresentar queixa. Também tem conhecimento que uma das empresas, cuja mercadoria foi furtada (EMP08..., LDA), foi indemnizada pela seguradora da recorrente. BBB – Sabe que a referida gerente participou a ocorrência, no próprio dia do furto, quer junto da autoridade policial, quer junto da 1ª Ré, quer junto da sua seguradora. CCC – A instâncias da Mtmª Juíz “a quo”, em resposta a uma questão colocada sobre a utilização de reboques mais seguros, sem ser em lona, o motorista, de forma categórica, referiu, que tinha as portas seladas e as portas foram arrombadas. Não é a cobertura rígida que vai impedir os furtos, pois como a testemunha disse “eles querendo roubar, roubam igual”. DDD – Referiu, ainda, que só cerca de duas paletes é que foram furtadas, pois o reboque possuía muita mais mercadoria. EEE – O motorista CC, esclareceu, ainda sobre os procedimentos normais, do motorista (…) FFF – A testemunha da seguradora da recorrente, EE, que exerce a função de gestor de sinistros, afirmou que não recebeu qualquer reclamação da recorrida. Confirmou que pagaram uma indemnização à outra lesada (EMP08..., LDA), no valor de € 6.450,27; GGG – Referiu que a intermediária entre a seguradora da recorrente e os lesados, era a EMP05..., designadamente através da Sra. FF. A testemunha EE, referiu que contactou diversas vezes a EMP05..., por causa da falta da reclamação da recorrida. HHH – Referiu que a lesada EMP08..., reclamou o pagamento da indemnização junto da EMP05..., que depois encaminhava para a EMP07..., que era a seguradora da recorrente. III – Referiu, ainda, que foi informado pela intermediária EMP05..., que existiam duas empresas lesadas e que recebeu os documentos referentes às duas empresas, só a EMP03..., Lda. é que não fez a reclamação. (…) JJJ– Assim, quer do depoimento da testemunha da autora, AA, quer do gestor de seguros da seguradora (EMP07...) da recorrente, constatamos que a autora não reclamou o pagamento dos prejuízos sofridos, nos termos do disposto no artº 32 da CMR, junto da seguradora, segundo os formalismos usuais e a propositura dos presentes autos, com a invocação da conduta dolosa da recorrente, foi a alternativa possível, para tentarem obter algum ressarcimento. LLL – Assim entendemos que o Tribunal recorrido fez errada interpretação da matéria de facto e errada aplicação do Direito, ao julgar procedente a acção, com base na conduta dolosa da recorrente, não tendo valorado a prova testemunhal produzida e os pontos 12 e 13 dos Factos Provados, sem qualquer motivo, atribuindo somente responsabilidade à recorrente. MMM – O argumento da conduta dolosa, carece de fundamento, pois a fazer sentido, a seguradora nunca teria pago qualquer indemnização. NNN – Para além disso, o Parque de estacionamento utilizado pela recorrente, é um parque de estacionamento localizado na via circular urbana da cidade ..., na auto estrada, que possui a estação de serviço denominada ... – M50 Num/Km: 67,5 em .... Este parque de estacionamento vem referenciado na listagem dos parques de estacionamentos onde existe parqueamento de transportes pesados. OOO – Em ... e Portugal parques de estacionamento fechados, são quase inexistentes, sendo que na zona de ... não existem parques fechados para veículos que transportam mercadorias, o que se pode constatar pela informação existente nas plataformas públicas espanholas. PPP – A recorrente não pode ser responsabilizada por não parquear o seu camião num parque aberto, quando não existem parques fechados. QQQ – Para além da questão do parque, várias testemunhas confirmaram que o reboque do transporte da recorrente, possui uma protecção anti furto, constituída por uma rede em fio de aço, que está colocada entre a lona exterior e a lona interior, que possui uma altura de cerca de 2 metros. RRR – A protecção anti furto existente no reboque, está patente nas fotos juntas pela autora na p.i., (Doc. ...2, fls 1 e fls. 2), tendo o motorista referido que no dia do sinistro, estariam lá estacionados cerca de 300 veículos pesados. SSS – O motorista CC, referiu que tinha vários camiões à sua frente, em fila e vários camiões atrás de si. Declarou, ainda, que foi o próprio depoente que fechou as duas portas traseiras com o aloquete. TTT – O parque de estacionamento, supra referido, é um parque que é patrulhado pela Guarda Civil Espanhola, que passam na estação de serviço várias vezes durante a noite e durante o dia, atento o movimento intenso que existe de veículos de transporte de mercadorias. UUU – O motorista e a gerente da recorrente dormiram no tractor, ou seja, na parte da frente do TIR e não deram conta de nada. Os camionistas parados junto ao veículo da recorrente também não deram conta de nada. VVV – A recorrente teve uma conduta prudente, cuidadosa, tendo adotado todos os cuidados necessários, que um bom pai de família, nas mesmas circunstâncias teria feito, para impedir este tipo de situação. XXX – A recorrente não podia evitar as circunstâncias em que o furto ocorreu e cujas consequências não podia obviar. ZZZ - O uso do veículo que a recorrente utilizou, não foi posto em causa pela recorrida, o que podia ter feito e exigido o transporte noutro tipo de veículo, que teria de ser expresso na declaração de expedição, o que não aconteceu. YYY - A recorrida não se opôs a que a mercadoria fosse transportada no veículo da recorrente, até porque o referido veículo foi carregado nas instalações da recorrida. AAAA - Não pode, na sentença a quo, dizer-se que a recorrente, podia ter utilizado um reboque rígido, sendo que tal opção, designadamente as características do veículo, tinham de ser assumidas pela recorrida, e constar das clausulas negociais, cfr. o disposto no artº 18 da CMR, pelo que a sentença a quo, fez errada interpretação da matéria de facto e errada aplicação do direito. BBBB - A CMR não impõe que os transportadores de mercadorias, sejam obrigados a estacionar em parques fechados e vigiados, pois, ainda, existem poucos parques com essas características e que permitam albergar a quantidade de veículos de transportes que circulam nas estradas portuguesas e espanholas. CCCC - Assim, não foi feita uma análise critica das provas, nem foram extraídas dos factos provados, em audiência de julgamento, as presunções impostas por lei ou pelas regras de experiência, DDDD - Merece-nos censura, a convicção do Julgador, ao decidir no sentido de existir conduta dolosa, pois todos os factos sobre os quais as testemunhas depuseram, conjugados com os pontos 12 e 13 dos Factos Provados, são segundo as regras da experiência, a conduta de um bom pai de família, que nas mesmas circunstâncias, não podiam ter feito mais, para evitar o furto. EEEE- Pelo que, deve a sentença proferida, ser anulada e proferida outra em sentido diverso, designadamente, quanto à não existência de dolo, absolvendo-se a recorrente do pedido. Violou, a sentença recorrida, o disposto nos artigos 3 do C.Comercial, artº 342º, 343º, 405º e 406º do CC, artº 3º nº 1 e nº 3, do CPC, 607º nº 4 e 5, 608º nº 2 do CPC, artº 17º nº 2, 23º nº 3 da CMR, que se invocam para os devidos efeitos legais. Pelo que, operando os vícios invocados, a errada apreciação da prova de facto e ainda a alegada errada aplicação do Direito, deverá, o recurso ser julgado procedente: a) Proferindo-se sentença em sentido diverso, designadamente, quanto à total ausência de prova, do teor das faturas, juntas pela recorrida e que suportavam o contrato de transporte celebrado entre a recorrida e a 1ª R., pelo que o negócio celebrado, falece por falta de prova, devendo a ação ser jugada improcedente e em consequência a recorrente absolvida do pedido; b) A não se entender assim, o que não se concebe, nem concede, quanto à classificação da conduta da recorrente como dolosa, atenta a prova produzida nos autos, quanto à existência dos deveres de cuidado, zelo e medidas adoptadas pelo motorista da recorrente, que não podia evitar a ocorrência do sinistro, nem lhe ser atribuída qualquer responsabilidade, deverá a sentença ser proferida em sentido diverso, dada a errada interpretação da matéria de facto e consequente errada aplicação do Direto, devendo em consequência operar a prescrição invocada e a recorrente ser absolvida do pedido; Por tudo isso, Deve conceder-se provimento, ao presente recurso, assim se fazendo uma correcta aplicação da Lei e a mais elementar justiça. Recurso da EMP02... 1) (…) 2) A Douta Sentença padece de vícios graves, designadamente: a) No que respeita à matéria considerada como “Factos provados” e “Factos não provados” e à respetiva “motivação da matéria de facto”, pois o Tribunal fez uma incorrecta apreciação da prova produzida nos autos e resultantes da audiência de discussão e julgamento e da prova documental. b) Porque o Tribunal “a quo” fez uma inadequada interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a causa de pedir e o pedido nos autos, violando, assim, o disposto no artº 3º do C.Comercial, 342º, 344º, 405º, 406º e 804º todos do CC, artº 607º nº 4 e 5, 608º nº 2 e 615º todos do CPC e artsº 6º, 17º nº 2, 18º, 23º nºs 1 a 3, 27º e 32º todos da CMR. c) Vícios, esses, que conduzem à anulabilidade da sentença proferida, que deverá ser substituída por outra, em sentido diverso, absolvendo-se a recorrente dos pedidos. 3) Quanto aos factos dados como provados nos pontos 4) e 5): (…) 10) Ao dar como provados os factos supra alegados, apesar de terem sido impugnados, há uma subversão do ónus de prova, cfr. Art. 342º nº 1 do CC, violando também o disposto nos artº 615º, nº 1, alínea d) do CPC. 11) A matéria constante dos pontos 4 e 5, dos factos provados, deve estar elencada nos factos não provados, e consequentemente; 12) A sentença a proferir, deve ser em sentido diverso, julgando-se a acção totalmente improcedente, absolvendo-se a recorrente do pedido. 13) Quanto, aos factos dados como provados nºs 11), 18), 19), 25 e os factos não provados das alíneas b) e c). 45) Atenta a prova produzida e documentos juntos, e que supra se referiu, devem ser alterados as redações dos pontos 11), 18) e 19) da matéria de facto, mas com as seguintes decisões: “11) O furto ocorreu na estação de serviço da ..., situada na localidade de ... (...), durante o período noturno e de descanso dos ocupantes do camião que faziam o transporte das mercadorias, sendo que estes só se aperceberam que a lona do camião estava cortada, e que tinham sido furtadas as mercadorias da A. e da sociedade EMP08..., Lda. pela manhã do dia 27 de junho de 2016, cerca das 08h:45m, momento em que se iniciaria o novo período de condução.”. “18) O local onde o camião ficou estacionado durante a noite não era um parque fechado, mas uma estação de serviço referida em 11), bem iluminada, onde a Guarda Civil Espanhola efectuava ronda permanentes de vigia, onde pernoitam todas as noites cerca de 300 camiões, sendo que nenhum dos ocupantes ficou a vigiar o mesmo durante o período da noite, embora tenham pernoitado dentro do camião”. “19) O acesso à mercadoria ocorreu pelas portas traseiras do camião, depois de rebentado o aloquete, e já dentro do camião foi feito na parte superior do camião um rasgo da lona através de um objeto cortante, por onde foi retirada a mercadoria furtada”. 46) Já no que toca ao facto 25) dado como provado: “Não obstante a assunção da responsabilidade pelas consequências do delito, e apesar das várias interpelações, quer telefónicas, quer pessoais, promovidas pela Autora, até à presente data, esta ainda não foi ressarcida dos danos sofridos em virtude do furto das ditas mercadorias”. E, analisando a alínea b) dos factos não provados: “Em resposta à missiva referida em 25), a l.ª Ré referiu que não realizaria o referido pagamento, porquanto a sua seguradora não assumiria qualquer responsabilidade pela não entrega das mercadorias”. (…) 49) Atenta prova produzida, alegação/confissão da própria recorrida e documento por ela junto, deve ser alterado a redação do ponto 25) da matéria de facto, com a seguinte decisão: “25) A 1ª R. retirou a assunção da responsabilidade pelas consequências do delito, e apesar de a Autora ter conhecimento desde ../../2016 que a Companhia EMP04... ter declinado a sua responsabilidade, e que era a Companhia de Seguros EMP07... a que assumiu a responsabilidade, até à presente data, esta ainda não foi ressarcida dos danos sofridos em virtude do furto das ditas mercadorias” 50) E deve ser retirado a alínea b) dos factos não provados. (…) 53) Atenta a prova produzida, deve ser dado como provado a alínea c) (dos factos não provados), passando para o número 28) dos factos provados, e com a seguinte decisão: “28) A Companhia de Seguros EMP07..., esta da 2ª R., tinha conhecimento dos valores, só não ressarciu a Autora porque esta não reclamou”. 54) Dever ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, quer quantos aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, devendo os pontos supra impugnados serem decididos nos termos supra expostos e apontados os termos, de harmonia com o disposto nos arts. 640º e 662º ambos do CPC. 55) No presentes autos estamos perante um contrato de transporte de mercadorias para ..., pelo que, se aplica a Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra em 19/05/1956 e aprovada em Portugal pelo DL nº. 46.235 de 18/03/1965, publicado no Diário do Governo, I Série, nº. 65. 56) Foi entre a recorrida e a recorrente celebrado um contrato de transporte de mercadorias para ..., tendo esta subcontrato a 2º R. para a realização desse transporte, conforme CMR´s com os nºs ...04 e ...05, e que foram junto aos autos pela recorrente na sua contestação – docs. nºs ... e .... 57) A mercadoria transportada quando já se encontrava em ..., foi furtada do camião da 2º R., que efectuava o transporte, isto no dia 27 de Junho de 2016. 58) A recorrente subcontratou a 2ª R., pelo que é esta a responsável pelo sinistro, neste caso pelo pagamento de qualquer quantia a que a recorrida tenha direito. 59) Aliás, aquando do assalto, para além da mercadoria da recorrida, foi também furtada mercadoria de uma outra empresa, a sociedade EMP08... – Confecções, Lda., e tendo a 2ª R. participado o sinistro à sua companhia de seguros a EMP05..., agora a interveniente acessória EMP07..., dando conta dos furtos das mercadorias da recorrida e da referida EMP08..., esta foi indemnizada pela companhia de seguros EMP07... da 2ª R., pois esta assumiu a responsabilidade do sinistro. 60) A recorrente não é responsável pelo sinistro, e consequentemente não é responsável por qualquer pagamento à recorrida, pois nos casos de o transporte ter sido subcontratado por quem o contratou com o expedidor, é entendimento que essa responsabilidade se transfere para o subcontratado ao abrigo do princípio da eficácia externa das obrigações. Isto é, em relação ao expedidor considera-se um só o transporte que for executado sob o mesmo contrato por transportadores sucessivos, caso em que, nas suas relações entre si, tomam a posição de expedidor/transportador subsequente. 61) Deve a sentença proferida, ser anulada e proferida outra em sentido diverso, atenta a exclusão da responsabilidade por parte da recorrente, absolvendo-se esta dos pedidos. 62) A decisão recorrida, erradamente, não considerou o furto dos autos um caso fortuito ou de força maior, o entendimento na sentença recorrida, foi no seguinte sentido: “…/ Considerando que, in casu, a recorrente não tomou as medidas que poderia ter tomado para evitar o furto que veio a ocorrer. Desde logo porque o local no qual o veículo foi imobilizado para descanso do motorista, não era vedado, sendo acessível por qualquer pessoa e apesar disso, e do facto de estarem presentes duas pessoas, ambas dormiram no interior do camião e no mesmo horário. Note-se que estamos perante uma carga facilmente removível, composta por produtos têxteis e que o reboque em causa nos autos era apenas protegido por uma lona que, como tal, poderia ser cortada (como foi), a fim de se aceder ao seu interior. Neste circunstancialismo, e por muito movimentada que fosse a estação de serviço em que imobilizou o veículo, julga-se que os seus ocupantes não poderiam confiar que a carga estaria segura enquanto ambos dormiam no seu interior. De facto, o local em que optaram por imobilizar o veículo era de acesso livre e sabiam os presentes que um eventual sistema de segurança colocado na lona não impediria, como não impediu, que a mesma fosse cortada (ainda que em local específico), a fim de se aceder ao seu interior e de se remover o respetivo conteúdo – Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 10.03.2015, proc. n.º 4562/13.4TBMAI.P1, relator: Henrique Araújo, disponível em www.dgsi.pt. Em concreto, sempre poderia a 2.ª R. ter optado por um reboque rígido, que dificultasse o acesso à carga, bem como pelo estacionamento, em período noturno, em parque fechado e vigiado, podendo ainda ambos os ocupantes fazer turnos de vigilância nos períodos de descanso, sem prejuízo da possibilidade de colocação de alarmes. Não o tendo feito, em benefício do seu interesse económico, bem sabendo que era sua obrigação preservar a segurança da carga, para garantir a sua entrega no destino, tem que concluir-se que o dano ocorrido resultou de uma conduta dolosa da 2.ª Ré Aliás, atenta a equiparação entre dolo e negligência que, no âmbito do nosso ordenamento jurídico, se verifica, no âmbito da responsabilidade civil contratual, julga-se que não podem as RR. prevalecer-se das disposições legais previstas na Convenção que limitam ou excluem a respetiva responsabilidade, pelo que devem ser condenadas no pagamento à A. de indemnização calculada nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º1 da Convenção e artigo 564.º do Código Civil, segundo a teoria da diferença – nesse sentido Ac. Do Tribunal da Relação do Porto de 22.02.2022, proc. 2462/16.5T8MTS.P1, relator: Anabela Dias da Silva, disponível em www.dgsi.pt.../” 63) Na hipótese de ter havido dolo, o que não se concebe, nem concede, a Companhia de Seguros EMP07..., companhia de seguros da 2ª R., não teria ressarcido a outra lesada (EMP08...) a quem, também, foi furtada mercadoria na mesma altura. 64) O Parque de estacionamento, escolhido pelo motorista da 2ª R:, foi o ..., em ..., onde existe uma estação de serviço (...), localizada na auto-estrada – M50 Num/Km: 67,5 em ..., a cerca de 20 Kms de .... 65) A referida estação de serviço é escolhida por motoristas de toda a Europa, dada a sua localização, junto à cidade ..., tendo em conta, a enorme área de aparcamento, o facto de ser uma zona bem iluminada, pois está à face da autoestrada, possuir cafetaria que funciona de dia e de noite e ainda, por ser uma estação de serviço, que é patrulhada pela Guarda civil Espanhola. 66) O reboque do veículo que transportou a mercadoria, possui por dentro da lona, que cobre a totalidade do reboque, uma protecção anti furto, constituída, por uma rede em aço, com uma altura de cerca de dois metros, para impedir o corte da lona, conforme fotos juntas com a p.i. (Doc. nº ...2, fls 1 e fls 2) que o local cortado foi na zona superior, e que na zona inferior, tem a referida rede por dentro da lona, em fio de aço, com uma altura de cerca de 2 metros, acrescida de uma estrutura ripada metálica, que suporta a lona. 67) Para além disso, a guarda civil espanhola, patrulha várias vezes, esse parque de estacionamento, com a referida estação de serviço, por ser junto à auto estrada e ainda pela existência de muitos veículos de transporte de mercadorias aí estacionados. 68) O motorista da 2ª R. não abandonou o veículo, dormiu no interior do veículo. 69) Fez errada interpretação da matéria de facto, o Tribunal “a quo”, quando classifica a conduta da 2ªR. como dolosa, pois pelos depoimentos prestados, fica claro e de forma inequívoca, que a conduta do motorista da 2ª R. foi prudente e cuidadosa, tendo adotado todas as cautelas necessárias, que um bónus pater familias, nas mesmas circunstâncias faria, para impedir a ocorrência deste tipo de sinistros. 70) O uso do veículo que a 2ª R. utilizou, não foi posto em causa pela recorrida, o que podia ter feito e exigido o transporte noutro tipo de veículo, que teria de ser expresso na declaração de expedição, o que não aconteceu. A recorrida nada escreveu na declaração de expedição CMR, ou seja, não se opôs a que a mercadoria fosse transportada no veículo da 2ª R., até porque o referido veículo foi carregado nas instalações da recorrida. 71) A sentença “a quo”, não pode dizer que a 2ª R., podia ter utilizado um reboque rígido, sendo que tal opção, designadamente as características do veículo, tinham de ser assumidas pela recorrida, e constar das clausulas negociais, cfr. o disposto nos arts. 6º e 18º ambos da CMR, 72) O furto foi perpetuado pelos meliantes, rebentando o aloquete colocado nas portas traseiras do camião, e foi por aqui que entraram, e não pela lateral que tem lona, e onde os rasgos foram na parte de cima (2m) de altura. 73) A sentença “a quo” fez errada interpretação da matéria de facto e errada aplicação do direito, para além de excesso de pronúncia. 74) A CMR não impõe que os transportadores de mercadorias, sejam obrigados a estacionar em parques fechados e vigiados, pois existem poucos parques com essas características e que permitam albergar a quantidade de veículos de transportes que circulam nas estradas portuguesas e espanholas. 75) A 2ª R. não tinha como evitar o furto, até por que o motorista e a gerente da recorrente estavam dentro do veículo, não tendo o furto acontecido por omissão de deveres de cuidado, pois tomaram todas as providências, designadamente a protecção anti-furto existente no veículo e as portas traseiras fechadas com aloquete e estacionaram junto à cafetaria que é a zona mais frequentada e iluminada e patrulhada pela Guarda Civil Espanhola. 76) Merece-nos censura, a convicção do Julgador, ao decidir no sentido de existir conduta dolosa, pois todos os factos sobre os quais as testemunhas depuseram, são segundo as regras da experiência, a conduta exigível ao bónus pater familias, que nas mesmas circunstâncias, não podiam ter feito mais, para evitar o furto. 77) A 2ª R. logrou provar, como era seu ónus (artº 18º, nº1, da CMR), que não podia evitar a subtracção da mercadoria nos termos em que ocorreu, ou seja, com introdução pelas portas traseiras no interior do camião em que era transportada. 78) A recorrente não é responsável pela reparação de qualquer dano da recorrida, atento o art. 17, nº 2, do CMR, pelo que deve a sentença proferida, ser anulada e proferida outra em sentido diverso, designadamente, quanto à não existência de dolo, absolvendo-se assim a recorrente dos pedidos. 79) Fez errada interpretação da matéria de facto e consequente aplicação errada do Direito, o Tribunal a quo, ao não julgar procedente a exceção da prescrição invocada, pois a 2ª R. ilidiu a presunção do nº 1, do art. 18º da CMR. 80) Atento o disposto no art. 32º da referida Convenção CMR, as ações que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção, prescrevem no prazo de um ano, só em caso de dolo é que passa para 3 anos, e o prazo começa a contar a partir e que se aplica no caso da presente acção (nº1, alínea b)), a partir do 60º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador. 81) A mercadoria foi entregue no dia 23 de Junho de 2016, conforme CMR´s juntos quer pela recorrida (docs. nºs ... e ...) tendo decorrido assim, já 34 meses atento o início da contagem do prazo (24 de Junho de 2016) até à data da propositura da presente acção (18 de Junho de 2019), isto é mais de um ano. 82) Encontra prescrito o direito de indemnização deduzido pela recorrida, devendo em consequência ser a recorrente absolvida dos pedidos. 83) Sem prescindir, segundo o art. 23º da Convenção CMR, o valor da indemnização a que recorrida terá direito, tem limites, não sendo o que peticiona. 84) E segundo e referido normativo, os limites de responsabilidade do transportador por perdas ou avarias ou demoras é calculado da seguinte forma: Perdas ou Avarias: Transporte Nacional: 10 euros por kg de mercadoria/Transporte Internacional: 8,33 DSE (+/-10,38 euros) por kg de mercadoria. (A cotação da DSE encontra-se no site do Banco de Portugal, pois tem uma cotação diária). 85) Dos CMR´s juntos quer pela recorrida (docs nºs 8 e ...) quer agora pela recorrente (docs. nºs ... e ...), o peso da mercadoria furtada é o seguinte: i) CMR nº ...05 – 250kg e ii) CMR nº ...04 – 108Kg. 86) Atenta a cotação no dia de hoje (21 de Novembro de 2023) no Banco de Portugal do DSE é 1,24593. 87) Por mera cautela de patrocínio, a recorrida terá direito a uma indemnização no valor de 3.715,54€ = (8,33 X 1,24593 X 358Kg). 88) A Douta Sentença recorrida, julgou a acção totalmente procedente e, em consequência: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a ação e, em consequência, condenar as Rés EMP02..., LDA. e EMP01..., LDA., solidariamente, no pagamento à A. EMP03..., LDA. da quantia de 13.093,55 euros, acrescida de juros moratórios vencidos desde o dia ../../2016, bem como de juros moratórios vincendos, à taxa comercial, até efetivo e integral pagamento. 89) O Tribunal “a quo” ao condenar a recorrente em juros moratórios desde o dia ../../2016, faz uma erra interpretação da Lei, para além de ser contraditório com os factos dados como provados. 90) Dando como provado como deu a agora Decisão em crise, no seu número 20) que: “A A. beneficia de contrato de seguro de mercadoria transportada celebrado com a seguradora EMP09... - Companhia de Seguros S.A., com a finalidade de esta garantir todos os riscos respeitantes à mercadoria, e deu conhecimento da ocorrência à sua seguradora, por missiva datada de 06 de julho de 2016”. 91) E o facto de a recorrida ter junto com a sua P.I., os documentos com os números 14, 15 e 18, e onde nos dois primeiros constam dizeres escritos pelo mediador de seguros da recorrida, a testemunha AA, conforme o seu depoimento, dizeres estes, onde se constata que a recorrida sabia desde pelo menos o dia 27 de Outubro de 2016, dos números dos processos da Companhia de Seguros EMP04..., esta da recorrente, e da Companhia de Seguros da 2ª R., a interveniente acessória EMP07.... 92) Mas nunca reclamau, principalmente, à da Companhia de Seguros da 2ª R., a interveniente acessória EMP07..., que assumiu a responsabilidade pelo sinistro, mas fê-lo, para a Seguradora EMP09... - Companhia de Seguros S.A., sua seguradora, a quem deu conhecimento da ocorrência à sua seguradora, por missiva datada de 06 de julho de 2016. 93) A recorrida intentou a presente acção em 18 de Junho de 2019, isto é, três anos depois. 94) Não pode a recorrente ser condenada nos juros nos termos da Decisão agora em crise, isto é, desde ../../2016, pela inércia da recorrida, quando em Outubro de 2016, já estava na posse de todos os dados, desde o nomes das Companhias de Seguros da recorrente e da 2ª R., quais as suas apólices, e os números dos processos. 95) Por mera cautela de patrocínio, caso a recorrente não seja absolvida dos pedidos como supra se alegou, deve apenas ser condenada em juros moratórios a partir da instauração da presente acção, isto é, desde ../../2019. 96) Sentença recorrida, a manter os seus termos e factos e consequências - colide, com os direitos fundamentais que à recorrente assiste, e, que de forma evasiva injustificada, desproporcional inclusive aos factos considerados como tal, o Tribunal “a quo” erroneamente Decidiu de forma precipitada. 96) A Decisão agora em crise violou, o disposto no artº 3º do C.Comercial, 342º, 344º, 405º, 406º e 804º todos do CC, artº 607º nº 4 e 5, 608º nº e 615º todos do CPC e artsº 6º, 17º nº 2, 18º, 23º nºs 1 a 3, 27º e 32º todos da CMR. 97) Deve a Douta Sentença recorrida ser alterada: i) a matéria constante dos pontos 4 e 5, dos factos provados, deve estar elencada nos factos não provados, ii) Ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que deu como provados os pontos 11), 18), 19) e 25) devendo ser alteradas as suas decisões com a redacção que supra se alegou; iii) e, bem assim, quanto à materialidade considerada como não provada, considerando a contradição absoluta por não corresponder com a matéria de facto c) - deve, ser alterado e considerado como provado, nos termos, de harmonia com o disposto nos arts. 640º e 662º ambos do CPC. 98) Deve a sentença proferida, ser anulada e proferida outra em sentido diverso: i) atenta a exclusão da responsabilidade por parte da recorrente; ii) quanto à não existência de dolo; iii) que se encontra prescrito o direito de indemnização deduzido pela recorrida. 99) Caso assim não se entenda, e por mera cautela de patrocíno, deve a sentença proferida: i) fixar à recorrida o direito a uma indemnização no valor de 3.715,54€ = (8,33 X 1,24593 X 358Kg); ii) apenas condenar em juros moratórios a partir da instauração da presente acção, isto é, desde ../../2019. 100) E aplicando da Lei aos factos, deve a mesma ser revogada, e substituída por douto Acórdão que julgue a acção improcedente em todos os seus pedidos nos termos aqui alegados e, em consequência ser a recorrente absolvida dos mesmos. Pelo exposto, E pelo mais que mui doutamente será suprido, concedendo-se provimento ao recurso será feita uma correcta aplicação da Lei e a mais elementar justiça. A Recorrida não respondeu aos recursos. 2. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da catividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3] As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma: - Modificação da decisão da matéria de facto; - Imputação da responsabilidade contratual às Rés e prescrição da mesma; - Cálculo dos juros de mora. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios - «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). Como refere Abrantes Geraldes[4], sendo certo que atualmente a possibilidade de alteração da matéria de facto é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra, certo é que nessa operação “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislado optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente. De acordo com este mesmo autor e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, em síntese, o sistema atual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenha sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos[5]; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos[6], exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;(…). Sublinha ainda o mesmo autor que não existe, quanto ao recurso da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento. Tendo em mente esta exigência do dispositivo do citado art. 640º, entende ainda Abrantes Geraldes que, mediante uma apreciação rigorosa, decorrente do princípio da autorresponsabilidade das partes[7], sempre com respeito do princípio da proporcionalidade, da letra e espírito da lei, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: A falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (cf. arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g., documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); Falta de indicação exata, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente cada segmento da impugnação.” Sobre esta última exigência temos seguido po*sição, em consonância com o que tem sido a evolução da jurisprudência deste Tribunal da Relação de Guimarães e de outros tribunais de recurso, que, como ficou dito em Ac. de 19.11.2020[8], por nós subscrito, é a seguinte: “Em síntese, as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento. Deste modo, sendo a impugnação de matéria de facto uma autêntica questão fundamental, suscetível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação expressa e precisa dos pontos de facto impugnados e com as correspondentes conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio.[9]” Essa leitura veio entretanto a ser mitigada com o Ac. uniformizador de jurisprudência proferido pelo S.T.J., em , no qual ficou dito que, sic: “O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do nº 1, c), do art. 640º, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que, do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.” Ficou por isso expressa uniformização de jurisprudência nos seguintes termos: Nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações. Decorre também dessa leitura, conforme jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que devemos ter em conta, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil, que não são admissíveis impugnações em bloco que avolu-mem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar. É exemplo disso o recente Ac. do S.T.J., de 20.12.2017, onde, em sumário, se escreveu o seguinte: sic: I- A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos[10]. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. Nesse sentido o mesmo Supremo Tribunal considerou, em acórdão inédito de 14.06.2018, relatado pelo Conselheiro A. Joaquim Piçarra, em apreciação e confirmação de acórdão relatado por nós que envolvia essa matéria, no Proc. 2926/16.0T8BRG.G1.S1, em síntese e a propósito, que, sic: Não observa o ónus impugnatório fixado no art. 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o impugnante da decisão da matéria de facto que, de forma confusa, prolixa e ambígua, não indica com precisão e certeza o sentido decisório a adotar[11], nem correlaciona a parte concreta dos depoimentos ou documentos oferecidos relativamente a cada um do conjunto alargado de factos impugnados[12]. Além disso, como já acima se foi adiantando e afirma Ana Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”,: « (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afetados por perjúrio. Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.” Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06[13], afirmou-se, relativamente ao regime semelhante do art. 690ºA, do Código de Processo Civil revogado, que: «Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos. Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto. Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis. Resulta deste excurso pela doutrina e jurisprudência que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar – sem mais – nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo. Com efeito, o tribunal de primeira instância – no âmbito do contexto de justificação – elabora uma motivação-documento em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objetivável e intersubjetiva[14]. O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa[15]. Assim sendo, cabe ao apelante – para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida – argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo - a versão aceite pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante colocar-se na posição do juiz a quo e exercitar - ele próprio - a apreciação crítica da prova, hierarquizando a credibilidade dos meios de prova (enunciando os parâmetros que majoram ou diminuem a credibilidade de cada meio de prova), concluindo por uma versão alternativa dos factos. Deste modo, este exercício não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com tal enunciação singela. É incumbência do apelante atuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, limitando-se a assinalar que existe um meio de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo mesmo tribunal. Com refere Abrantes Geraldes[16] - As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se a final, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Tendo em mente a interpretação do art. 640º, que acima enunciamos, analisemos a pretensa impugnação dos Apelantes. * Descendo ao caso.A Apelante DD sindica a decisão dos itens 4. e 5. dos factos provados. Entende que é matéria não provada. Em suma, esta Apelante defende que não foi produzida prova sobre esses pontos 4 e 5, dado que os documentos juntos (as faturas anexas à petição inicial) são meros documentos particulares e foram impugnados, tendo, por isso, sido violados os dispositivos dos arts. 342º, 344º, 405º e 405º, do Código Civil, e 3º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil. Será assim? O Tribunal a quo motivou essas duas decisões nos seguintes termos: “Os factos n.º 4 a 9 resultaram demonstrado atendendo ao teor dos documentos n.º ... a ... anexos à Petição Inicial, bem como das declarações prestadas pelas testemunhas CC (motorista da 2.ª R.) e GG (funcionário da A.) e pelo legal representante da A., HH.” Posto isto, diversamente do que alega a Apelante, a decisão recorrida atendeu a diversos elementos de prova que vão para além da prova documental alegada, sem que tenha havido da sua parte qualquer tentativa de escrutinar esses outros dados probatórios de natureza pessoal e gravada, com o rigor exigido pelo art. 640º, nº 2, al. b), do C.P.C.. Deste modo, conforme se adiantou supra, esta Recorrente não respeitou o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, limitando-se a colocar em causa um dos elementos probatórios citados pela sentença. Se isso não bastasse para colocar em causa o mérito da sua impugnação, acresce, neste caso, que a simples análise dos documentos juntos convence-nos no sentido da decisão proferida. É que esses documentos particulares estão neste caso sujeitos à livre apreciação do julgador quanto ao seu relevo probatório, inexistindo qualquer limitação a esse princípio que decorra das normas invocadas pela Apelante. Nessa medida, ainda que alguma das Rés os tivesse impugnado (e a Apelante não disse quando o fez), essa seria a regra. Sucede ainda que esses mesmos documentos ou faturas, estão literalmente relacionados com os documentos que titulam (esses sim), os transportes contratados (cf. declarações de expedição de fls. 24 v., 25, 52 e 54), juntos não só pela Autora mas também pela Ré EMP02..., tendo igualmente sido juntos por esta Ré, como documentos que historicamente correspondiam à mercadoria transportada, as mesmas faturas. Por tudo o exposto, julgamos não ter havido qualquer violação das normas indicadas e ser improcedente a impugnação desta Recorrente. Mais adiante, ainda no capítulo que intitulou “Dos Factos”, a mesma Apelante alinha uma série de conclusões que pecam por falta de utilidade e/ou clareza. Desde logo porque se reúnem, de modo inadmissível e injustificável, nas mesmas conclusões, questões de direito, de facto e de apreciação da sua prova, sem distinção capaz. Com efeito, logo depois de debater as decisões dos apontados itens 4 e 5, a Ré conclui (itens Z a GG) que a Autora foi negligente na sua demanda junto das seguradoras que poderiam ter ressarcido os prejuízos que aqui reclama, sem extrair daí qualquer resultado prático para a solução da lide, quer no plano factual, quer no plano do direito. Nesta medida, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, nº 1, 6º e 130º, do Código de Processo Civil, decide-se não conhecer dessa matéria que, de resto, no plano do direito nem está devidamente enquadrada nos termos exigidos pelo art. 639º, nº 2, do Código de Processo Civil. De seguida (itens HH e ss.) a mesma Recorrente discute factos e elementos probatórios alegadamente relacionados com a questão da exceção de prescrição apreciada em primeira instância, também aqui sem qualquer referência que, à luz da previsão do citado art. 640º, do Código de Processo Civil, permita modificar alguma da matéria de facto enumerada no rol de factos provados ou não provados da sentença em crise. Razão pela qual, se era propósito da Apelante impugnar alguma dessas decisões, se rejeita essa impugnação por incumprimento do preceituado no citado art. 640º, nº 1, als. a) e c), do Código de Processo Civil. Se não era o seu propósito, de qualquer modo estamos aqui, no plano dos factos, limitados pela previsão dos arts. 640º e 662º, do Código de Processo Civil, o que não permite nesta instância a revisão desse julgamento. No plano do direito, infra, iremos abordar as conclusões que para tanto se mostrarem pertinentes. Já no âmbito da apelação formulada pela Ré EMP02..., a primeira discordância assinalada prende-se igualmente com a matéria dos itens 4 e 5, dos factos provados. Com argumentos que parecem copiar os enunciados pela co-Ré, esta Apelante também conclui que devem ser julgados não provados (item 11). Contudo, com acima assinalámos, com apreciação e motivação que aqui, por economia, damos por renovadas, essa argumentação não colhe e, por isso, também esta impugnação se julga improcedente. Adiante, nos itens 14. e ss., das suas conclusões, a Apelante questiona a decisão dos itens provados nºs 11), 18), 19), 25 e os factos não provados das alíneas b) e c). Sucede que nesta impugnação a Apelante engloba um conjunto de factos distintos na mesma discussão, indicando diversos e extensos elementos probatórios gravados para esse efeito, sem concretizar, relativamente a cada um deles, qual a prova que, em particular, deveria ser apreciada. Ora, conforme entendimento que vimos seguindo e está, por demais, expresso na jurisprudência publicada deste Tribunal de apelação, esse modo genérico de rever o julgamento ou parte substancial do mesmo não é admissível, pelas razões que acima ficaram expressas. Por isso, rejeita-se essa impugnação, ao abrigo do disposto no art. 640º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil. Ainda que assim não se entenda, deverá notar-se que as modificações instrumentais pretendidas são essencialmente impertinentes para as diversas soluções plausíveis do julgado. O que está aqui em causa é tão-somente saber se as demandadas que permanecem em juízo são responsáveis pelo crédito reclamado à luz do enquadramento legal que nenhuma das partes discute e não, v.g., o que se passa ou passou com terceiras, seguradoras, virtual ou potencialmente envolvidas no sinistro em causa. E, como se afirma em arresto deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 1.3.2018, relatado pela Des. Maria João Matos[17], a jurisprudência veio precisar que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma. “Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo). Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma catividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura catividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12.0T2AVR.C1). Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a catividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma catividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação»).” Nesta medida, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, nº 1, 6º e 130º, do Código de Processo Civil, sempre não seria conhecida esta particular impugnação. 3.2. FACTOS A CONSIDERAR a) Factos provados. Resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos: 1) A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, com caráter e intuito lucrativo à atividade de confeção de roupa interior. 2) A l.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social consiste na atividade de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem e no aluguer de veículos automóveis ligeiros e pesados sem condutor. 3) A 2.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica, com carácter habitual e intuito lucrativo, ao transporte rodoviário de mercadorias. 4) A Autora, no exercício da sua atividade comercial, vendeu, sem reserva de propriedade, a EMP10..., S. A., com sede em ..., 2, ...08 ..., ..., ..., variada mercadoria, que se encontra devidamente descriminada nas faturas juntas sob os docs. n.º ... a ... anexos à Petição Inicial e que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais. A saber: a. Fatura ...91, no montante global de €3.167,05 (três mil, cento e sessenta e sete euros e cinco cêntimos); b. Fatura ...92, no montante global de €4.218,80 (quatro mil, duzentos e dezoito euros e oitenta cêntimos); c. Fatura ...93, no montante global de €1.135,20 (mil, cento e trinta e cinco euros e vinte cêntimos); Ação de Processo Comum d. Fatura ...95, no montante global de €4.572,50 (quatro mil, quinhentos e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos); 5) A mercadoria a que se alude em 4) foi vendida pelo valor global de €13.093,55. 6) Para o transporte da mercadoria em causa, por via rodoviária, entre Portugal e ..., foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Autora e a l.ª Ré, no âmbito do qual esta se obrigou a transportar e entregar a mercadoria nas instalações da cliente espanhola da Autora, designadamente em II 3, ...10 ..., ..., .... 7) A 1.ª Ré subcontratou com a 2.ª Ré a realização do transporte físico da aludida mercadoria. 8) No dia 23 de junho de 2016, foi a mercadoria em causa, composta por 21 caixas 60x40x30 (1 europalete) e 10 caixas 60x40x30, carregada nas instalações da Autora e no veículo com o modelo ...30 e matrícula ..-ON-.., tendo sido emitidas as "Declarações de Expedição Internacional'; vulgo Declaração CMR com os n.º ...04 e ...05. 9) A mercadoria deveria ser entregue em ..., na morada indicada em 6), correspondente às instalações em que a Autora se obrigou a entregar a mercadoria por efeito do contrato de compra e venda e que se encontra identificada nas faturas a que se aludiu supra. 10) Na madrugada do dia 27 de junho de 2016, a mercadoria, que já se encontrava em território espanhol, foi furtada do interior do camião que efetuava o aludido transporte. 11) O furto ocorreu na área de terreno adjacente à estação de serviço da ..., situada na localidade de ... (...), durante o período noturno e de descanso dos ocupantes do camião que faziam o transporte das mercadorias, sendo que estes só se aperceberam que a lona do camião estava cortada, e que tinham sido furtadas as mercadorias da A. e da sociedade EMP08..., Lda. pela manhã do dia 27 de junho de 2016, cerca das 08h:45m, momento em que se iniciaria o novo período de condução. 12) Encontravam-se também naquele local, a descansar, motoristas de camiões de outras empresas que não se aperceberam do sucedido. 13) A estação de serviço referida em 11) estava aberta 24 horas, era bem iluminada e a Guarda Civil Espanhola efetuava ali rondas permanentes, exatamente devido ao facto de aí se encontrarem vários camiões imobilizados para os motoristas descansarem. 14) A ocorrência foi participada no dia 27 de junho de 2016 à Guarda Civil Espanhola. 15) Aquando do assalto suprarreferido, para além da mercadoria da A., foi também furtada mercadoria de uma outra empresa, a sociedade «EMP08..., Lda.». 16) A referida EMP08... – Confecções, Lda., celebrou com a R., um contrato de transporte de mercadorias para ..., tendo a R. subcontratado a 2ª R. para realizar o transporte. 17) A 2ª R. participou o sinistro à sua companhia de seguros EMP11... LIMITED, representada em Portugal pela EMP05..., Corretores de Seguros S.A., com sede na Praça ..., da cidade ..., com a qual celebrou um seguro de responsabilidade de Transportador (CMR), e com o número de apólice ...20, dando conta dos furtos das mercadorias da A. e da referida EMP08..., tendo esta empresa sido indemnizada pela companhia de seguros da 2.ª Ré. 18) O local onde o camião ficou estacionado durante a noite não era um parque fechado, nem vigiado, sendo que nenhum dos ocupantes ficou a vigiar o mesmo durante o período da noite. 19) O acesso à mercadoria ocorreu pelo rasgo da lona do camião através de um objeto cortante. 20) A A. beneficia de contrato de seguro de mercadoria transportada celebrado com a seguradora EMP09... - Companhia de Seguros S.A., com a finalidade de esta garantir todos os riscos respeitantes à mercadoria, e deu conhecimento da ocorrência à sua seguradora, por missiva datada de 06 de julho de 2016. 21) A 1.ª R. celebrou com a Companhia de Seguros EMP04... S.A., C.F. ...14, com sede na Rua ... (...) ..., um contrato de seguro de Responsabilidade Civil Transportador de Mercadoria (CMR), Apólice nº ...30. 22) A Companhia de Seguros EMP04... S.A. foi informada do ocorrido e realizou de imediato as suas averiguações através da empresa EMP12..., Lda., por referência ao processo de sinistro n.º ...06. 23) A companhia de seguros da 1.ª R. (EMP04...) declinou a responsabilidade, alegando em síntese que teria de ser a seguradora da 2º R. a resolver o sinistro, mais, dizendo que não existia qualquer razão para que a apólice da R. fosse acionada. 24) A 2.ª R. declarou na denúncia do facto criminoso que a sua companhia de seguros EMP05... cobria os danos ocasionados pelo crime. 25) Não obstante a assunção da responsabilidade pelas consequências do delito, e apesar das várias interpelações, quer telefónicas, quer pessoais, promovidas pela Autora, até à presente data, esta ainda não foi ressarcida dos danos sofridos em virtude do furto das ditas mercadorias. 26) Em 28 de janeiro de 2019, foi endereçada uma missiva à l.ª Ré, contratante do contrato de prestação de serviços de transporte celebrado com a Autora, interpelando ao pagamento do supramencionado montante, bem como dos juros comerciais à taxa legal calculados até àquela data, no prazo de (dez) dias, sob pena de ser intentada a competente ação judicial 27) A A. não foi ressarcida de qualquer prejuízo decorrente dos sobreditos factos pela Companhia de Seguros EMP09..., S.A. b) Factos não provados. Com relevo para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos: a) O transporte contratado pela A. foi realizado por dois motoristas de forma alternada. b) Em resposta à missiva referida em 25), a l.ª Ré referiu que não realizaria o referido pagamento, porquanto a sua seguradora não assumiria qualquer responsabilidade pela não entrega das mercadorias. c) A Companhia de Seguros da 2ª R., a EMP05..., notificou a A. para esta indicar o valor dos danos. 3.3. DO DIREITO APLICÁVEL 3.3.1. Prescrição do direito da Autora A Apelante DD, ainda em sede de alegações questiona o julgamento da exceção de prescrição realizada pela sentença recorrida, defendendo que não ocorreu qualquer conduta dolosa da sua parte que permita a aplicação do art. 32º, da CMR (Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada de 19 de Maio de 1956, conhecida por C.M.R.). Essa mesma conclusão é formulada pela Apelante EMP02.... Sobre esta questão a decisão recorrida expendeu os seguintes argumentos: “No caso concreto, julga-se que, efetivamente, a 2.ª R. não tomou todas as medidas que poderia ter tomado para evitar o furto que veio a ocorrer. Desde logo porque o local no qual o veículo foi imobilizado para descanso do motorista não era vedado, sendo acessível por qualquer pessoa e, apesar disso, e do facto de estarem presentes duas pessoas, ambas dormiram no interior do camião e no mesmo horário. Note-se que estamos perante uma carga facilmente removível, composta por produtos têxteis e que o reboque em causa nos autos era apenas protegido por uma lona que, como tal, poderia ser cortada (como foi), a fim de se aceder ao seu interior. Neste circunstancialismo, e por muito movimentada que fosse a estação de serviço em que imobilizou o veículo, julga-se que os seus ocupantes não poderiam confiar que a carga estaria segura enquanto ambos dormiam no seu interior. De facto, o local em que optaram por imobilizar o veículo era de acesso livre e sabiam os presentes que um eventual sistema de segurança colocado na lona não impediria, como não impediu, que a mesma fosse cortada (ainda que em local específico), a fim de se aceder ao seu interior e de se remover o respetivo conteúdo – Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 10.03.2015, proc. n.º 4562/13.4TBMAI.P1, relator: Henrique Araújo, disponível em www.dgsi.pt. Em concreto, sempre poderia a 2.ª R. ter optado por um reboque rígido, que dificultasse o acesso à carga, bem como pelo estacionamento, em período noturno, em parque fechado e vigiado, podendo ainda ambos os ocupantes fazer turnos de vigilância nos períodos de descanso, sem prejuízo da possibilidade de colocação de alarmes. Não o tendo feito, em benefício do seu interesse económico, bem sabendo que era sua obrigação preservar a segurança da carga, para garantir a sua entrega no destino, tem que concluir-se que o dano ocorrido resultou de uma conduta dolosa da 2.ª Ré. Aliás, atenta a equiparação entre dolo e negligência que, no âmbito do nosso ordenamento jurídico, se verifica, no âmbito da responsabilidade civil contratual, julga-se que não podem as RR. prevalecer-se das disposições legais previstas na Convenção que limitam ou excluem a respetiva responsabilidade, pelo que devem ser condenadas no pagamento à A. de indemnização calculada nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º1 da Convenção e artigo 564.º do Código Civil, segundo a teoria da diferença – neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 22.02.2022, proc. n.º 2462/16.5T8MTS.P1, relator: Anabela Dias da Silva, disponível em www.dgsi.pt.” Vejamos… Antes de mais, temos de deixar claro que esta apreciação do julgado no plano do direito tem apenas por base a factualidade julgada que acima se reproduz e não qualquer outra que não foi introduzida no devido tempo ou pela forma prevista, na discussão desta apelação. São, portanto, impertinentes e despropositadas as alegações e conclusões das Apelantes na parte em que recorrem a elementos probatórios nesta fase do julgamento e invocam factos que não foram sujeitos ao referido e oportuno escrutínio. Dito isto, está assente (art. 635º, nº 5, do C.P.C.) a existência entre as partes aqui envolvidas de um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, ao qual se aplica o regime previsto a referida Convenção (CMR). Essa Convenção, dita o seu art. 1º, n.º 1, aplica-se a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes. Em particular, no que diz respeito à exceção de prescrição, estipula o art. 32º, dessa CMR, que: (1.) As ações que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos no caso de dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado: a) A partir do dia em que a mercadoria foi entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora; b) No caso de perda total, a partir do 30.º dia após a expiração do prazo convencionado, ou, se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60.º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador; c) Em todos os outros casos, a partir do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte. O dia indicado acima como ponto de partida da prescrição não é compreendido no prazo. 2. Uma reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeitar a reclamação por escrito e restituir os documentos que a esta se juntaram. No caso de aceitação parcial da reclamação, a prescrição só retoma o seu curso para a parte da reclamação que continuar litigiosa. A prova da receção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete à parte que invoca este facto. As reclamações ulteriores com a mesma finalidade não suspendem a prescrição. 3. Salvas as disposições do parágrafo 2 acima, a suspensão da prescrição regula-se pela lei da jurisdição a que se recorreu. O mesmo acontece quanto à interrupção da prescrição. No caso, a discussão centra-se na natureza dolosa ou culposa dos factos apurados e o seu relevo para a norma acima citada. Esta questão está abundantemente debatida na jurisprudência como foi dito em Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 14.11.2019[18], no qual ficaram de modo lapidar enunciadas as duas posições em discussão: i) uma primeira, tem recusado a aplicação do art. 29.º do CMR, por considerar que se não for provada a prática de conduta dolosa, mas tão só negligente, as causas exonerativas e limitativas da responsabilidade não devem ser excluídas, estribando-se para o efeito no facto de o nosso ordenamento jurídico não permitir a equiparação entre dolo e negligência. i) uma segunda posição, expressa por exemplo no Acórdão do STJ de 14/06/2011 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt., onde se entendeu que “uma falta que segundo a lei da jurisdição que julgar o caso seja considerada equivalente ao dolo, como acontece com a jurisdição nacional, não pode deixar de ser, manifestamente, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa lato sensu”. Esta última posição é a que aqui adotamos pelas razões expostas nessa jurisprudência que aqui reproduzimos de acordo com a previsão do art. 8º, nº 3, do Código Civil, aplicada que foi a caso semelhante. “Esta jurisprudência vem sendo predominantemente seguida no Supremo Tribunal de Justiça, como se evidencia no acórdão do STJ de 5/06/2012 (relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt., no qual se decidiu que uma «falta que, segundo a lei portuguesa, seja considerada equivalente ao dolo, para efeito do art. 29, nº 1, da CMR, não pode deixar de ser, face à legislação nacional, enquanto elemento do nexo de imputação do facto ao agente, a negligência ou mera culpa que, conjuntamente com o dolo, faz parte da culpa em sentido lato». De igual modo, no Acórdão do STJ de 15/05/2013 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt., foi explicitado tratar-se de duas modalidades de culpa lato sensu, sendo certo que tal equivalência a nível contratual flui logo do art. 798º do Código Civil, em que para existir responsabilidade contratual é indiferente uma conduta dolosa ou negligente, apenas se exigindo como pressuposto a culpa lato sensu. E, nos termos do mais recente Acórdão do STJ de 30/04/2019 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt., de “forma expressa e genérica – artigo 494º do Código Civil –, a lei portuguesa apenas prevê no âmbito da responsabilidade extracontratual que o julgador possa fixar uma indemnização em montante inferior aos danos causados, segundo a equidade e atendendo a certos critérios que enumera – entre os quais se encontra o grau de culpabilidade do lesante –, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa; mas não se pode ignorar que o mesmo Código Civil considera relevante a distinção entre dolo e negligência em outros casos de responsabilidade contratual (cfr. os exemplos indicados por Antunes Varela, op. e vol. cits., pág. 99: “artigos 814º e 815º (mora do credor); 835º, 1, al. a) (exclusão da compensação); 956º e 957º (responsabilidade do doador); 1134º (responsabilidade do comodante); 1151º (responsabilidade do mutuante), sendo naturalmente de responsabilidade contratual que estamos a falar, no caso; nem que o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado por diversas vezes que a possibilidade de redução da indemnização, prevista no artigo 494º do Código Civil, é também aplicável no domínio da responsabilidade contratual” (40). O fundamento em que se estriba esta segunda conceção enfatiza, assim, o princípio basilar erigido no nosso sistema jurídico de que também a mera culpa está abrangida pelo juízo de reprovabilidade que se erige como pressuposto da responsabilidade. Propendemos para esta última corrente jurisprudencial porque julgamos ser a que melhor se coaduna com a letra e espírito da Convenção. Na verdade, diremos – socorrendo-nos da fundamentação explicitada no citado Ac. da RP de 26/06/2014 (relator Araújo Barros), in www.dgsi.pt. – que “a equiparação entre dolo e mera culpa constante do nº 1 do artigo 483º do Código Civil é princípio que, embora apenas expressamente formulado por referência à responsabilidade civil extracontratual, se estende seguramente à responsabilidade contratual, abrangendo o conceito de “falta culposa” aludido no artigo 798º daquele código. Ninguém podendo seriamente sustentar que resulte elidida a presunção do nº 1 do artigo 799º, relativa à culpa do devedor que falta ao cumprimento da prestação, com a demonstração por este de que esse incumprimento não resultou de ato seu doloso mas tão só negligente. Como expressamente se fez constar do nº 2 do mesmo preceito - «a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil». Remissão inequívoca para os preceitos do nº 1 do artigo 483º e do nº 2 do artigo 487º. Ou seja, «dolo ou mera culpa», a ser «apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso». Nas palavras de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 4ª Edição, II Vol., pág. 96, “quer isto dizer que vigoram para a responsabilidade contratual, tanto os critérios de fixação da inimputabilidade estabelecidos no artigo 488º, como o princípio básico de que a culpa do devedor se mede em abstrato, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família, e não em concreto, de acordo com a diligência habitual do obrigado, ao contrário do que preconizava a doutrina dominante em face do Código de 1867”. Assim, ao conceito genérico de culpa para efeitos civis não interessa a distinção entre dolo e negligência que, atendendo aos momentos intelectivo e volitivo, estabelece uma graduação que vai do dolo direto à negligência inconsciente. Antes relevando como seu critério delimitativo, dentro da mera culpa, a referida diligência do bonus pater familias. Julgamos, por outro lado que, ao complementar no referido nº 1 do artigo 29º o “dolo” do transportador com outra “falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”, o legislador da Convenção CMR quis remeter para a ordem jurídica nacional a definição do nexo de imputação ao agente da responsabilidade efetivamente apurada”, apenas “deixando de lado os casos em que a mesma se não tenha conseguido estabelecer”. Nesse circunstancialismo residual, em que se não consiga apurar factos tendentes à responsabilização do transportador, “segundo a lei da jurisdição que julgar o caso”, este continuará todavia a ser responsabilizado, com os limites estabelecidos no nº 3 do artigo 23º, se não provar nenhuma das circunstâncias de tal excludentes, previstas no nº 2 do artigo 17º - que a perda, avaria ou demora teve por causa “uma falta do interessado”, “uma ordem deste que não resulte de falta do transportador”, “um vício próprio da mercadoria” ou “circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar”. Com efeito, não poderá perder-se de vista que, no âmbito da atividade transportadora, o transporte é realizado por profissionais, que como tais têm um dever acrescido de realizar o transporte observando todas as precauções e diligências necessárias ao completo e perfeito transporte das mercadorias, prevendo eventuais situações de risco que podem surgir e que, por serem profissionais da arte, compete-lhes saber evitá-los, agindo de acordo com os interesses do expedidor. Donde se entenda que, perante circunstâncias que evidenciem um comportamento de tal forma grave e temerário do transportador, um comportamento revestido de negligência consciente e de culpa grave deverá ser aplicado o brocardo culpa lata dolo aequiparatur, e consequentemente quer o transportador quer os seus empregados, agentes, representantes e outras pessoas a quem recorra para a execução do contrato vejam afastadas as causas que excluem ou limitam a sua responsabilidade (41).” Este entendimento já havia sido expresso em Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.4.2016, no qual se concluiu que[19]: 1. No âmbito do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, a atuação com negligência grosseira por parte do transportador quanto à ausência dos procedimentos adequados a guardar a mercadoria é enquadrável no conceito de falta a que alude artº 29º, nº1, da Convenção relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR). 2. Pratica tal falta o transportador que, face ao percurso longo do transporte, ao tipo de mercadoria (de fácil descaminho), ao seu elevado valor, faz transportar a mercadoria num semirreboque com cobertura exterior em lona (o que potencia muito o acesso ao seu interior), ficando este estacionado durante a noite, ao longo de 10 horas, em parque não fechado nem vigiado, existindo apenas um motorista, sem ajudante ou pessoa que o revezasse na vigia ao veículo e sem quaisquer mecanismos (alarmes, sensores, cabos ou cadeados) para evitar a intrusão neste. Nesse mesmo sentido ficou dito no recente Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.03.2022[20], que: 1 – O artigo 17º, nº 1, da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR) estabelece uma presunção de responsabilidade do transportador pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega. 2 – Se o transportador não lograr ilidir a presunção que sobre ele recai, ainda assim, em princípio, beneficia de um regime próprio de limitação da sua responsabilidade. 3 – Tal regime de limitação da responsabilidade, nos termos do artigo 29º, nº 1, da CMR, é afastado se o dano provier de dolo do transportador ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo. 4 – A CMR endossou à ordem jurídica nacional a definição do nexo de imputação ao transportador da responsabilidade efetivamente apurada; como para o nosso ordenamento o nexo de imputação é estabelecido tanto no caso de comportamento doloso como no de comportamento negligente, a falta em que este se traduz é equivalente àquele no quadro do artigo 29º da CMR. 5 – Para efeitos de definição da responsabilidade contratual, é indiferente que a falta de cumprimento ou a execução defeituosa da prestação se fique a dever a dolo ou a negligência do obrigado. O direito nacional lei equipara a negligência ao dolo no âmbito da responsabilidade contratual, enquanto pressuposto desta. 6 – A culpa em sentido lato abrange tanto o dolo como a negligência, pelo que, uma vez definida a culpa do transportador, este responde pela totalidade do prejuízo. É certo que o aqui Relator já subscreveu decisão dissonante[21] com esta solução, no entanto uma nova análise leva-o a adotar esta outra posição. Atendendo ao exposto, não temos dúvidas em subsumir à previsão do citado art. 32º, nº 1, que estabelece um prazo alargado de 3 anos para prescrição de demandas que envolvam, como refere essa norma, dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. Reafirma-se aí aquilo que o art. 29º, nº 1, da CMR, estabelece: (1.) O transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou de falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo. Como acentuou a decisão recorrida, estamos perante situação em que o prestador de serviços negligenciou de forma grosseira os cuidados a ter perante um risco que, dita o senso comum e as circunstâncias particulares do caso, eram previsíveis (cf. art. 349º, do Código Civil): quer no que diz respeito ao local escolhido para pernoitar/parar, de livre acesso: quer no recetáculo que protegia a mercadoria furtada, uma simples lona; quer, por fim, no (in)cumprimento de um dever de vigilância acrescida, exigido por um bom pai de família, colocado em circunstâncias semelhantes e perante obrigações contratuais que impunham outro nível de zelo que não a simples fé na desconhecida regularidade da patrulhas policiais no local. Neste conspecto e atendendo a matéria de facto apurada, não nos encontramos, perante caso que desobrigue as Apelantes nos termos previstos no art. 17º, nº 2, da CMR, não tendo sido cumprido o ónus previsto no citado art. 18º, nº 1, dessa CMR. De resto, esta “falta” não necessita, como pressupõem as recorrentes de ser dolosa, basta, como ficou acima explicitado que envolva um culpa relacionada com um incumprimento fundamental do contrato em apreço, como acima ficou dito e aqui foi demonstrado, o que prejudica a questão da existência ou não de uma conduta dolosa neste caso. Por fim, repita-se, é completamente irrelevante para esse efeito ou para a responsabilidade das Apelantes que não tenham sido envolvidas as seguradoras potencialmente responsáveis pelo sinistro ou que outra contratante tenha obtido compensação por sinistro ocorrido na mesma viagem ou ocasião, bem como é impertinente, à luz da legislação citada, a inexistência de regra contratual ou convencional que concretamente previsse tais questões. Improcedem, portanto, as conclusões das Apelantes que defendiam a aplicação do prazo de prescrição de 1 ano, previsto no referido nº 1, do art. 32º. 3.3.2. Da suposta irresponsabilidade do subcontratante A Apelante EMP02... defende ainda que (60) não é responsável pelo sinistro, e consequentemente não é responsável por qualquer pagamento à recorrida, pois nos casos de o transporte ter sido subcontratado por quem o contratou com o expedidor, é entendimento que essa responsabilidade se transfere para o subcontratado ao abrigo do princípio da eficácia externa das obrigações. Contudo, esta alegação, que as conclusões da Recorrente não subsumem a qualquer norma de direito, carece de sustento. Com efeito, apesar de o transporte ter sido realizado pela có-Apelante, esta circunstância não isenta a EMP02... da responsabilidade, enquanto transportador contratual ou de direito propriamente dito, dado que de acordo com o disposto no art. 3º, da CMR, o transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos atos e omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorre para a execução do transporte, quando esses agentes ou essas pessoas atuam no exercício das suas funções. Improcede assim esta outra conclusão. 3.3.2. Dos juros moratórios A final, a Apelante EMP02..., (89) conclui que o Tribunal “a quo” ao condenar a recorrente em juros moratórios desde o dia ../../2016, faz uma errada interpretação da Lei, para além de ser contraditório com os factos dados como provados. Em suma, nesta parte do seu recurso, a Apelante insiste em produzir alegações que carecem de qualquer referência legal, tal como era exigido pelo citado art. 639º, nº 2, do Código de Processo Civil, renovando aqui argumento, segundo o qual, a alegada falta da Autora em ter demandado oportunamente as seguradoras potencialmente envolvidas, isenta ou desresponsabiliza a aqui Recorrente, neste caso, dos juros moratórios que a primeira instância considerou serem devidos. Ora, esta alegações, carecendo de qualquer fundamento legal ou convencional, devem improceder. Com estes argumentos, com prejuízo para o conhecimento de outros invocados (art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil), improcedem ambas as apelações em apreço. Assim as custas serão suportadas pelas Apelantes (cf. art. 527º, do C.P.C.). 4. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação. Custas de cada um dos recursos pela respetiva Apelante. * Voto de vencida da 1º Adjunta, Desembargora Anizabel Sousa PereiraVoto vencida, por discordar da posição adotada no acórdão, na parte em que considerou ser aplicável o art. 29º CMR. Com efeito, conforme já sustentei no AC desta RG de 23-11-2023, proc. 572/21.6T8EPS.G1, publicado in dgsi, defendo, na senda dos ensinamentos do Prof. Januário Gomes e de alguma jurisprudência do STJ, que o dolo é um dos elementos da culpa, mas mais exigente, cuja concretização implica um maior grau de censurabilidade, pelo que deve ter um tratamento diferente no contexto da Convenção. A sua referência no artigo 29 n.º 1 tem como objectivo punir o transportador que agir com dolo ou algo equivalente, na medida em que lhe retira o critério limitador do cálculo da indemnização previsto no artigo 23 n.º 3, que é a regra em caso de actuação negligente. E isto deve-se à natureza excepcional da norma, dentro do contexto da Convenção, que tenta equilibrar o risco do transporte internacional via terreste por veículos automóveis. Quem quiser maior protecção poderá lançar mão dos expedientes previstos nos artigos 24 e 26 da Convenção, pagando um suplemento. Só no caso de dolo deixa de haver necessidade de proteger o transportador, que deverá assumir o custo global do prejuízo sofrido com a perda das mercadorias, porque interveio de forma directa, necessária ou pelo menos aceitou o resultado previsto. Aquele ilustre professor alerta para o equívoco da tese defendida no acórdão em apreço e defendida pela maioria da jurisprudência: “ O equívoco …está em ter transposto para a matéria específica da perda do direito à limitação nos termos do artigo 29.º da CMR o facto de entender que, no direito português, a circunstância de o devedor ter um comportamento meramente negligente não lhe permitir limitar a responsabilidade. … Ademais, como é lógico, a remissão feita no artigo 29.º da CMR não é para os regimes internos no que tange à admissibilidade de limitação: se assim fosse, a própria uniformização que é pretendida pela CMR sofreria um rude golpe, para mais numa das matérias mais sensíveis como é a da perda do direito à limitação. O artigo 29.º não abre mão da nevrálgica definição das situações em que o transportador “perde o direito de aproveitar-se” da limitação e não as remete para a lex fori, diversamente do que parece sustentar o STJ: essa perda só acontece no caso de dolo ou, então, de uma “falta” que, no direito interno, esteja ao nível do dolo em termos de gravidade. … A lógica do artigo 29.º da CMR é, antes, que o transportador só perca o direito à limitação da responsabilidade quando tenha atuado com dolo ou quando, nos termos do direito interno, a “falta” cometida seja, como se disse, equivalente ao dolo, em termos de gravidade”. No caso vertente, como resulta dos factos provados, o autor não fez a prova do dolo, nem das circunstâncias concretas em que se verificou o furto da mercadoria, pelo que a decisão teria de calcular o montante da indemnização de acordo com o disposto no artigo 23º da Convenção. Dito de outro modo, não teria aplicação o disposto no nº 1 do artº 29º, nem se vislumbra qualquer razão para se aplicar o art. 24º da CMR porquanto a situação apurada simplesmente não se enquadra em tal normativo, de todo em todo, pelo que a indemnização a pagar pela ré à autora teria de ser calculada dentro dos limites impostos pelo artº 23º. Pelo exposto, decidiria julgar o recurso parcialmente procedente. * Guimarães, 29-02-2024 [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. [2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. [4] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Ed., p. 155 e ss. [5] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.2015, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza :II - A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013). V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objecto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respectivo conhecimento. – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83d97510a180fd5f80257df1005b598c?OpenDocument [6] Com se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiçam, de 27.9.2018, infra citado: “Por outro lado, não basta transcrever os depoimentos que se invocam para alterar as respostas dadas. É necessário dizer porquê. Qual a razão pela qual deve ser num sentido e não noutro. Essa análise crítica também não foi feita pela Recorrente”. [7] E, como acentua o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça infra citado, do princípio da cooperação, pretendendo-se que, por essa via, a 2ª instância facilmente aceda à informação tida pelo recorrente como interessante, em lugar de despender tempo nessa actividade – “há um mínimo de exigência e rigor a impor ao recorrente que impugna a matéria de facto, sob pena de, perante a ambiguidade, inconcludência e prolixidade na elaboração da peça recursória, transferir para a 2ª instância tarefas funcionais desmesuradas, exorbitantes e desproporcionadas que, nos termos legais, àquele cabem. [8] In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9484dd49e64d74d28025863a00574f6a?OpenDocument [9] No mesmo sentido vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLSB.L1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes; Ac. 07.07.2016, proc. 220/13.8TTBCL.G1.S1, relator Gonçalves Rocha; Ac. STJ de 16.05.2018, proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, relator Ribeiro Cardoso; Ac. STJ de 06.06.2018, proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1, relator Pinto Hespanhol; Ac. STJ de 31.10.2018, proc. 2820/15.2T8LRS.L1.S1 e Ac. STJ de 06.11.2019, proc. 1092/08.0TTBRG.G1.S1, ambos relatados por Chambel Mourisco, todos acessíveis em www.dgsi.pt. [10] Nesse sentido ainda o recente Ac. do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 27.9.2018, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9cd6ef26b3a23d8f8025831500549377?OpenDocument : I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso. II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados. – “Ora, é a própria recorrente que admite que não constam – como se lhe impunha – expressamente das conclusões os pontos concretos da matéria de facto não provada e impugnado (…). “Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).” [11] “Acresce que, na definição do sentido decisório a ser tomado, a recorrente manteve, em especial, nos pontos em que ocorreu rejeição liminar do recurso, clara ambiguidade e incerteza, isto mesmo no corpo alegatório em que sugere um conteúdo ou qualquer outro diferente do que foram assumido pela 1ª instância.”, assim se considerando frustrado o propósito legislativo subjacente à previsão da al. a), do nº 2, do art. 640º do Código de Processo Civil, “já que prática, transpôs para a Relação o ónus de discernir, em concreto, quais os meios probatórios e real sentido decisório relativamente aos blocos de questões que agrupou, sem os relacionar com cada facto concreto, como seria ajustado.” / “Era mister que, perante tais circunstâncias, fosse precisa e concisa na indicação dos factos concretos, com reporte directo aos meios probatórios, análise crítica dos mesmos e expressa definição do sentido decisório que caberia a cada um desses factos. [12] Salienta-se que “a recorrente não se afadigou em fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o (s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas” (…) concluindo que é inviável estabelecer uma concreta correlação entre estes e aquelas. [13] In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8e86daac001d58518025799f00505946?OpenDocument [14] cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330 [15] cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª ed., pp. 165-180. [16] Ob.cit., p. 159 [17] In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/e59018c01102be3e80258257004d9b55?OpenDocument [18] In http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/0c875aa6b4f00795802584c50035c387 [19] https://jurisprudencia.pt/acordao/1770/ [20] In https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/86873dc9236dc133802588100038c0f0?OpenDocument [21] Cf. Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 23.11.2023, in https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/153b9223c459713880258a7e003b3620?OpenDocument |