Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2611/12.2TBSTS.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
RECURSO DE APELAÇÃO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, p. 167.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, 636.º, N.º 2, 639.º, N.º 3, 640.º, N.ºS 1, 2 E 3, 652.º, N.º 1, ALÍNEA A)
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 18.º, N.º 2 E 20.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA 67/548/CEE DO CONSELHO, DE 27 DE JUNHO DE 1967.
DIRECTIVA 97/69/CE DA COMISSÃO, DE 5 DE DEZEMBRO DE 1997.
Sumário :
I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.

II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.

III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l. A Autora, AA, S.A., intentou acção contra as rés, BB, S.A., CC, S.A. e DD Portugal - Unipessoal, Lda alegando, em síntese:

Em 2003 solicitou a um dos dois únicos laboratórios no mundo preparados para os ensaios de biopersistência a que alude a nota Q da Directiva 97/69/CE da Comissão, de 5.12.1997, de modo a poder comercializar os seus produtos sem o rótulo "produto cancerígeno", tendo o resultado obtido em 2004 sido afirmativo.

Os seus produtos são sujeitos aos testes exigidos e têm obtido os certificados exigidos pelas autoridades, não tendo quaisquer reclamações.

Apenas as RR. transmitem em Portugal e Espanha, que o produto da A. É cancerígeno e exigem que o mesmo seja vendido com o rótulo "produto cancerígeno", defendendo publicamente que os produtos comercializados pela A. não cumprem as normas comunitárias.

Pondo assim em causa o bom nome dos produtos comercializados pela A. E tornando difícil a sua comercialização, tendo já sofrido uma diminuição do seu volume de vendas de cerca de 10% em Portugal e de 30% em Espanha.

Conclui pedindo que:

- Seja declarado que os produtos por si fabricados com as marcas ROCTERM e ECOTERME podem e devem ser comercializados quer em Portugal quer em toda a comunidade europeia, sem o rótulo "produto cancerígeno";

- As RR. sejam condenadas a pagar uma indemnização à A., a liquidar em execução de sentença.


2. Regularmente citados, contestaram ambas as rés.

A ré DD Portugal, Lda., invocou a ineptidão da petição inicial, a incompetência territorial do Tribunal (da comarca de …, onde a acção foi intentada), a sua ilegitimidade para ser demandada nesta acção e a incompetência internacional do Tribunal.

Quanto ao mérito da acção, defendeu a sua improcedência, alegando nunca ter exigido que os produtos da A. fossem comercializados com a aposição do rótulo em questão, nem defendido publicamente que os produtos da A. não cumprem as regras comunitárias.

Quanto às perdas alegadas pela A., sustenta que são consequência da situação de crise.

A ré, BB e a ré, CC vieram arguir a nulidade da sua citação, a qual veio a ser indeferida por despacho de fls. 126 e 127 dos autos.

Após, a ré CC sustentou na sua contestação a ineptidão da petição inicial, a incompetência do Tribunal, em razão da nacionalidade e do território e ainda a falta de interesse em agir da A.

Quanto ao mérito da acção, alegou que por sentença de um Tribunal de Barcelona, de 29.03.2010, transitada em julgado, foi declarado que o produto lã de rocha da marca ROCTERM, produzido pela A. e comercializado em Espanha, não reúne os requisitos para a isenção da menção "produto cancerígeno", tendo a A. sido condenada a cessar a sua comercialização em Espanha e a retirar do mercado todo o produto ROCTERM que não tenha o referido rótulo, e ainda a rectificar todas as informações contidas nos rótulos e a publicidade e informação que divulga.

Não obstante, alega, a R., que é líder de mercado em Espanha, não divulgou ou defendeu publicamente que os produtos da A. eram cancerígenos, nem divulgou junto de clientes e compradores que os produtos da A. não cumprem as regras comunitárias.

Quanto aos danos invocados pela A., alega que são resultado da crise financeira que se vive por toda a Europa.

Na sua contestação a ré, BB sustentou também a ineptidão da petição inicial e a incompetência do Tribunal, em razão da nacionalidade e do território.

Quanto ao mérito, defendeu a improcedência da acção em moldes idênticos aos da R. CC.


3. A A. replicou, reduzindo o primeiro pedido formulado para a declaração de que os produtos fabricados pela A. com as marcas ROCTERM e ECOTERME podem e devem ser comercializados em Portugal sem o rótulo "produto cancerígeno".


4. As rés, BB e DD Lda., treplicaram.


5. Por saneador-sentença, proferido de fls. 569 a 574 dos autos, foi declarada a incompetência em razão da matéria e absolvidas as rés da instância.

O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedentes os recursos interpostos, apreciando as excepções suscitadas pelas RR. e a final declarada a incompetência do Tribunal (instância local - … - Comarca do Porto), em razão da matéria, para conhecer da presente acção.


6. Remetido o processo ao Tribunal da Propriedade Intelectual, foi realizada a audiência prévia e proferido despacho saneador, onde foram apreciadas e julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de falta de interesse em agir da A.

Na mesma audiência prévia, com o acordo das partes, o objecto do litígio foi circunscrito à questão da responsabilidade civil das RR. decorrente da prática de actos de concorrência desleal.

Foram elaborados os temas de prova de fls. 709 e 710 dos autos.

Prosseguiram os autos para julgamento, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:

«Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo as RR. dos pedidos contra elas formulados».


7. Inconformada, apelou a Autora para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão, decidiu em «julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida».


8. Inconformada a Autora, interpôs RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

 A) Nas conclusões a recorrente delimitou o âmbito da impugnação que fez da matéria de facto e enunciou as verdadeiras questões que suscitou em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entendendo-se perfeitamente qual o objecto do recurso.

B) Não obstante não constar expressamente das conclusões o ponto concreto da matéria de facto não provado e impugnado, tal consta da motivação do recurso e implicitamente das conclusões, sendo tal suficiente que a contraparte e julgador apurar o que se impugna.

C) O facto de, nas conclusões, a Recorrente não indicar qual o ponto concreto na matéria de facto que impugna, não afectou o exercício do contraditório por parte dos Recorridos, dado que estes apresentaram as suas contra-alegações respondendo às alegações sem suscitar a existência de qualquer vício, contrapondo os depoimentos que, em seu entender, sustentavam a respostas impugnadas.

D) Na alegação, são criticamente analisadas as provas produzidas, indicados os concretos meios probatórios que impunham diverso julgamento da matéria de facto impugnada.

E) Entende a Apelante que só com uma análise global será possível levar a cabo uma correta, completa, cabal, justa e ponderada apreciação da matéria de facto impugnada, por isso, é apresentada a transcrição total dos depoimentos.

F) Na motivação a Recorrente refere de forma inequívoca, quais os pontos de facto quer considerou incorrectamente julgados, e também indicou os meios probatórios e concretos e constantes das gravações (transcrição do depoimento das testemunhas) e indicada a decisão para cada impugnação.

 G) O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640° do CPC." - Vide Acórdão STJ 01.10.2015.

H) O recurso sobre a decisão da matéria de facto da Apelante respeita os requisitos previstos no artigo 640° do C.P.C.

I) A interpretação do Douto Acórdão é essencialmente formal e impede-a de obter um segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.

J) A interpretação feita no Douto Acórdão do artigo 640° do C.P.C, é mesmo inconstitucional pois viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20° da CRP, bem como o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 2o e 18°, n°2 2a parte da CRP.

K) O Tribunal da Relação não tendo conhecido da impugnação feita pela Apelante sobre a decisão da matéria de facto, com base na circunstância de aquela não ter especificado, nas conclusões quais os factos impugnados, estando tal implico das mesmas e expressamente referido na motivação, no Acórdão Recorrido cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d), do n° 1 do artigo 615° do C.P.C.

L) Deve assim ser revogada a decisão constante no Douto Acórdão em recurso proferido pelo Tribunal da Relação de …, terminando-se a remessa dos autos a esse tribunal, a fim de conhecer do recurso de apelação na parte relativa á reapreciação da decisão da matéria de facto e serem apreciadas as demais questão jurídicas suscitadas no âmbito do presente recurso.


7. A Recorrida CC, S.A., apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

A. O acórdão recorrido confirmou a decisão de 1.a instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que a revista não pode ser admitida atento o disposto no artigo 671°, n.° 3, do C.P.C, (dupla conforme).

B. Acresce que o referido recurso não pode também ser tido como uma Revista Excepcional, por não preencher os pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 672.° do CPC, e nem tampouco foram os mesmos alegados, o que só por si deveria levar à sua imediata rejeição atento o disposto no n.° 2 do mesmo artigo.

C. O Tribunal a quo não deixou de não conhecer qualquer questão que devesse apreciar, pelo que o mesmo não é nulo por violação do disposto no artigo 615.°, n.° 1 d) do CPC, uma vez que a Recorrente não cumpriu com os formalismos inerentes à impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.° do CPC, seja nas suas alegações, seja nas suas conclusões.

D. O não cumprimento dos requisitos previstos no artigo 640.° do CPC não deverá ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, somente a sua rejeição fará jus à lei processual.

E. Donde se conclui que não assiste razão à Recorrente e, em consequência, não deve a revista ser admitida, ou, caso assim não se entenda, deverá a mesma ser julgada improcedente.

 

8. A Recorrida DD, COMÉRCIO DE ISOLAMENTOS, UNIPESSOAL, LDA, R. apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

I - A Recorrente interpôs recurso de revista excepcional perante uma dupla conformidade de decisões, pois a decisão da Ia instância foi confirmada pela Relação sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, considerando que a questão da não apreciação da matéria de facto pela Relação constituiu um tema novo, (sublinhado nosso)

II - A Recorrente conclui que "... a questão da não apreciação da matéria de facto pela Relação constitui um tema novo e por essa razão o recurso de revista será, quanto a essa questão, possível".

III - Ora, havendo dupla conforme, a admissibilidade da revista excepcional depende da verificação dos pressupostos enunciados nas várias alíneas do n° 1 do artigo 672° CPC, os quais devem ser alegados pelo Recorrente.

IV - Ora, no caso em apreço, não podemos considerar que estejam preenchidos os pressupostos supra mencionados, razão pela qual a ora Recorrente não indicou em qual das alíneas insere o recurso interposto.

V - Ademais, o Recorrente nas suas alegações não concretizou os pressupostos previstos nas alíneas do n° 1 do artigo 672° CPC nem fundamentou adequadamente a admissibilidade do recurso.

VI - Ora, a concretização e fundamentação constituem um ónus do Recorrente, cujo cumprimento determina a inadmissibilidade do recurso de revista expecional.

VII - Pelo que, o recurso de revista interposto pelo Recorrente deverá ser rejeitado, por violação do disposto no artigo 672° do CPC.

VIII - Acresce que, de acordo com o disposto no n°3 do artigo 46° Código da Propriedade Industrial, "Do acórdão do Tribunal da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível."

IX - Veja-se a este propósito o mui douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016, processo n° 314/14.12YHLSB.L1.S1, disponível em www.dosi.pt, que se transcreve:

"Primeiro há que ver se a revista, em termos gerais, é possível. Com efeito, a revista excepcional tem de ter todos os requisitos da revista normal, com excepção da dupla conforme. Ora, acontece que a revista normal não era possível precisamente devido ao citado art.46, n° 3 do CPI. Logo nunca será possível a revista excepcional".

X - Ou seja, da conjugação do disposto nos art. 46°, n° 3 do Código da Propriedade Industrial, 671, n° 3, segunda parte e 672°, ambos do Código de Processo Civil, decorre que não é admissível recurso de revista excepcional das decisões da Relação sobre a propriedade industrial.

XI - A Recorrente considerou a interpretação do douto acórdão essencialmente formal, retirando à Recorrente a possibilidade de obter um segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.

XII - Mais considerou a Recorrente que, a interpretação feita no douto Acórdão do artigo 640° CPC é inconstitucional, pois viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, bem como o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 2° e 18°, n°2, 2a parte da CRP.

XIII - Com efeito, é unanimemente reconhecido peia doutrina e pela jurisprudência, que há lugar ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões, sempre que esteja em causa recurso sobre a matéria de direito (cfr. Artigo 639°, n° 2 e 3 do CPC).

XIV - Efectivamente a Recorrente não preencheu os requisitos constantes do artigo 640° CPC.

XV - Sendo assim, resulta claro do artigo 640° CPC que a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.

XV - No sentido de que não cabe legalmente convite ao aperfeiçoamento das conclusões em sede de recurso da matéria de facto se tem pronunciado a doutrina, designadamente, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código Processo Civil, 2a ed., p.134; Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, p.462; Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3a ed., 2015, p.820) e a jurisprudência do STJ (citando o mais recente, Ac. De 14 de julho de 2016, processo n° 111/12.0TBAW.G1.S1, ou o acórdão de 7 de Julho de 2016, processo n° 220/13.8TTBCLG1.S1, ambos disponíveis em www.dqsi.pU

XVII - Como refere, António Júlio Cunha, "Atento o princípio da auto-responsabilidade das partes, aos sujeitos processuais são imputadas as consequências negativas da sua conduta. O direito processual civil impõe às partes mais do que um conjunto de deveres uma série de ónus. Ou seja, coloca com muita frequência as partes numa situação jurídica que implica a necessidade de as mesmas adoptarem uma conduta para que assim possam alcançar um certo resultado, que se pode traduzir no afastar de uma desvantagem ou no alcançar uma utilidade. As partes, em regra, não se encontram obrigadas a adoptar certos comportamentos, mas se o não fizerem não obterão determinadas vantagens ou daí poderá decorrer um prejuízo. Mas se assim é, (...) são as mesmas que respondem pelos resultados negativos (para os seus próprios interesses) da sua conduta", como é o caso, (sublinhado nosso)

XVIII - De facto, o princípio da auto-responsabilidade das partes, serve para evitar os recursos como meios dilatórios e sem qualquer sentido, o que é manifestamente o caso.

XIX - Mais, a inércia processual das partes (seja por inércia ou impreparação sua em termos técnico-processuais, seja por negligencia, seja intencionalmente em função de uma certa interpretação do direito aplicável) produz consequências negativas (desvantagens ou perda de vantagens) para elas, só havendo lugar à desvalorização do princípio da sua auto responsabilização mediante a intervenção tutelar, assistencial, ou correctiva do tribunal quando a lei o preveja.

XX - Não resta qualquer dúvida que a impugnação da matéria de facto efectuada pela ora Recorrente não passa de uma manifestação genérica, destituída de qualquer especificidade, de desacordo com a factualidade dada como privada na sentença proferida peia Ia instância.

XXI - Conforme acórdão do Supremo Tribunal de justiça, de 26-05-2015, proc. n° 1426/08.7TCSNT.L1.S1: " A lei é clara ao impor, quanto à impugnação da matéria de facto, o cumprimento dos requisitos supra referidos, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, não se encontrando legalmente previsto qualquer paliativo que permita à Relação, perante o incumprimento do ónus a que se refere o artigo 640° do CPC, supor quais são os concretos fundamentos da impugnação da matéria de facto",

XXII - Face ao exposto, retira-se imediatamente que o acórdão recorrido, ao ter rejeitado a impugnação da matéria de facto, não enferma da nulidade que a Recorrente lhe assaca sob a invocação da alínea d) do n° 1 do artigo 615° CPC.

XXIII- Por último, refere a ora Recorrente que a interpretação feita no douto acórdão do artigo 640° do CPC a privou da possibilidade da defesa (acesso ao recurso), de acesso aos tribunais e à realização do direito, invocando uma situação de denegação de justiça, violando o art. 20° da CRP.

XXIV - Na realidade, e parafraseando Abrantes Geraldes (obra citada, p. 134), "... pretendendo o Recorrente a modificação da decisão da Ia instância em matéria de facto e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas".

XXV - Nesse sentido, o Acórdão de 7 de Julho de 2016 (Proc. n° 220/13.8TTBCL.G1.S1, observa-se o seguinte: "(…) para que a Relação possa apreciar a decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o Recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640° CPC, n° 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na línea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).

XXVI - Ora, o incumprimento deste ónus tem a cominação prevista no n° 1 do mencionado preceito - rejeição do recurso nessa parte.

XXVII - Por conseguinte, bem decidiu a Relação ao considerar que a Recorrente, não só não indicou quais os concretos factos que pretendia ver alterados, como, nenhuma apreciação crítica fez sobre a prova, limitando-se a transcrever os depoimentos das testemunhas, sem qualquer apeio sobre onde residia o erro de julgamento, apenas colocando a tónica de que fizeram depoimentos seguros e consistentes.

XXVIII - Quanto ao facto de a Recorrente alegar que o douto acórdão limitou o seu direito ao recurso e o direito à tutela jurisdicional efectiva e direito de acesso aos tribunais, consubstanciando uma violação do art. 20° CRP, também não tem razão.

XXIX - Pelo que, também não tem razão a Recorrente, nesta questão da conformação constitucional, quando suscita a questão de saber se as normas ínsitas no artigo 640, n° 1 coarctam inadequada e irrazoavelmente o direito ao recurso.

XXX - Na verdade, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela Ia instância.

XXXI - Face ao exposto, sem necessidade de mais considerações, forçoso se torna concluir que a posição da Relação de não tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto por incumprimento dos ónus legais não viola o princípio do acesso ao direito invocado pela Recorrente.

XXXII - Relativamente à revogação do douto Acórdão, dado que se verifica uma situação de dupla conformidade decisória das instâncias quanto à decisão de facto e de direito que foi tomada, o recurso foi interposto, face ao disposto no n° 3 do artigo 671° CPC, sob a invocação da excepcionalidade recursória prevista no art. 672° do CPC.

XXXIII - Contudo, conforme referido, a revista excepcional também não deverá ser admissível.

XXXIV - Pelo que, não existe no caso em apreço, uma omissão de pronúncia, prevista na línea d) do n° 1 do artigo 615° CPC.

XXXV - E consequentemente, deverá ser mantido o douto acórdão, julgando-se improcedente o presente recurso de revista.


9. A Recorrida BB apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

I - A Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação de … da decisão proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual, no âmbito do processo n° 2611/12,2TBSTS.

II - A referida decisão versou sobre a questão de violação ou não pela Recorrida e outras Rés do artigo 317° do Código da Propriedade industrial, que estipula quais os comportamentos que podem enquadrar uma situação de concorrência desleal,

III - Veio o Tribunal da Relação de … proferir Acórdão que confirmou a decisão proferido pelo Tribunal ad quo, sem voto de vencido e sem fundamentação diversa da decisão proferida em Ia instância,

IV - Do Acórdão do Tribunal da Relação de … não há lugar à revista normal, verificando-se a dupla conforme, conforme previsto no n° 3 do artigo 671° do

Código de Processo Civil.

V - A mera não reapreciação da matéria de facto não constitui por si só matéria nova, nem põe em causa a dupla conformidade das decisões, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 23 de Outubro de 2010, incidente n° 882/08.8TBCBR.C1.S1-2a secção, em que é Juiz Relator Tavares da Paiva,

VI - Do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu assim a Recorrente, alegadamente ao abrigo e nos termos do artigo 672° do Código de Processo Civil, lançando mão do recurso de revista excepcional.

VII - Em resposta às alegações de recurso, a Recorrida entende que o recurso de revista excepcional intentado pela Recorrente deve ser considerado inadmissível por diversos fundamentos.

VIII -  O recurso de revista excepcional deve ser julgado inadmissível à luz do Código de Propriedade Industrial, nos termos e para os efeitos tidos no n° 3 do artigo 46°, que veda à parte o recurso de revista excepcional da decisão da Relação que mantém a decisão do tribunal de Propriedade Intelectual.

IX - Caso assim V. Exas. Mui ilustres Venerandos Conselheiros não entendam, o que se concede apenas a título de precaução de patrocínio, o recurso de revista deve ser julgado inadmissível à luz do Código de Processo Civil, uma vez que no presente caso verifica-se a dupla conforme, nos termos e para os efeitos tidos no n° 3 do artigo 671° do Código de Processo Civil, encontrando-se vedada a revista normal.

X - A verificação da dupla conforme é inclusive expressamente admitida pela Recorrente no corpo das alegações do presente recurso, confissão que a Recorrida aceita.

XI - No caso em apreço, verificando-se a dupla conforme, só é admissível o recurso de revista excepcional se preenchida uma das alíneas a) a c) do referido artigo 672° do Código de Processo Civil, atendendo ao carácter, como o próprio nome indica, excepcional do recurso.

XII - A recorrente não preencheu nenhuma das alíneas do artigo 672° do Código de Processo Civil.

XIII - A Recorrente, para além de não ter preenchido nenhuma das alíneas do supracitado artigo, também não invoca, nem alega em qual das alíneas se baseia e não fundamenta de forma especificada e concisa a excepcionalidade do recurso de revista, também neste recurso, não cumpre assim a Recorrente com o ónus de alegação especificada, nos termos e para os efeitos tidos no n° 2 do artigo 672° do Código Processo Civil, sendo por este motivo igualmente inadmissível o recurso.

XIV - Sem prescindir, a Recorrida verifica que a Recorrente não preenche a alínea a) do referido artigo 672° do Código de Processo Civil, não estamos perante uma questão que tenha um grau de complexidade relevante, nem que gere controvérsia na doutrina ou jurisprudência, nem se trata de uma questão nova ou imediata, que faça sentido uma apreciação, que possa via a ser uniformizadora, peio Supremo Tribuna) de Justiça.

XV - A Recorrida verifica que a fundamentação do recurso da Recorrente também não preenche a alínea b) do referido artigo 672° do Código de Processo Civil, o presente caso não trata uma causa que por si só tenha uma relevância social que ponha em causa valores sócio económicos importantes, estamos a falar de uma causa vulgar de direito de propriedade industrial, de alegada violação do direito da concorrência por alegadas falsas afirmações, com o alegado fim de desacreditar a Recorrente, sendo certo que ficou provado que não existiram afirmações e se existiram (o que se concede apenas a título de precaução de patrocínio), as afirmações não eram falsas por resultarem de uma sentença transitada em julgado proferida em território espanhol, nem tão pouco, se algo foi afirmado, teve como fim o acima referido, Não se trata no fundo de uma questão que tenha interesse para além do concreto processo em que foi levantada, isto é, não tem interesse para a sociedade em geral.

XVI - A Recorrida verifica ainda que a fundamentação do recurso da Recorrente também não preenche a alínea c) do referido artigo 672° do Código de Processo Civil, não foi invocado pela Recorrente qualquer acórdão contraditório ou em oposição ao proferido pela Relação, nem junto qualquer documento com o referido Acórdão(s).

XVII - Sem prescindir, ainda que V. Exas, Mui ilustres Venerandos Conselheiros não entendam que o recurso é inadmissível à luz do Código de Propriedade Industrial ou ainda inadmissível à luz do Código de Processo Civil, o alegado "tema novo" da Recorrente não se verifica.

XVIII - A não reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não põe em causa a dupla conforme, o Tribunal pronunciou-se sobre a verificação ou não de concorrência desleal pela Recorrida, julgando que não, absolvendo-a do pedido, verificando-se porquanto que não existe qualquer censura ao juízo do Tribunal ad quo,

XIX - Mais, mui douto foi o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ao não reapreciar a matéria de facto dada como provada, atendendo ao não cumprimento do ónus de impugnação especificada pela Recorrente, nos termos e para os efeitos tidos no artigo 640° do Código de Processo Civil.

XX - Conforme douto Acórdão proferido a Recorrente "não só não indicou quais os concretos factos que pretendia ver alterados, como, nenhuma apreciação crítica fez sobre a prova, limitando-se a transcrever os depoimentos das testemunhas sem qualquer apelo sobre onde residia o erro do julgamento, apenas colocando a tónica de que fizeram depoimentos seguros e consistentes."

XXI - E não se diga como alega a Recorrente que as Recorridas sabiam o objecto do recurso já que apresentaram contra-alegações sem invocar qualquer vício, dado que a Recorrida indirectamente invocou os referidos vícios e outra Ré, a CC, expressamente invocou violações graves, de forma, das alegações, situação que aproveita à Recorrida.

XXII - De facto, a Recorrente não cumpriu com um ónus que era seu e que bem sabia qual a consequência legalmente prevista, que era a rejeição do recurso, como aconteceu.

XXIII - Não há lugar ao aperfeiçoamento das alegações somente à rejeição do recurso, nesse sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça acima citados, Revista n.° 3798/1 L7TBPTM-A,E1.SI e Revista n.° 3176/11.8TBBCLG1.S1 - 6.

XXIV - O Tribunal da Relação ao rejeitar o recurso nessa parte da decisão está a fazê-lo ao abrigo do princípio da legalidade, não existindo qualquer denegação da justiça ou qualquer violação do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

XXV - A questão em apreço foi objecto de um duplo grau de jurisdição não se justificando um terceiro.

XXVI - Não se verificou qualquer omissão de pronúncia ou nulidade a assacar ao referido Acórdão do Tribunal da Relação, não deve, consequentemente o processo baixar ao Tribunal úa Relação para reapreciação da matéria de facto.

XXVII - Pelo acima exposto, deverão V. Exas. mui ilustres Venerandos Juízos Conselheiros, julgar o presente recurso inadmissível ao abrigo do disposto no n° 3 do artigo 46° do Código de Propriedade Industrial;

XXVIII - Caso V. Exas. Mui ilustres Venerandos Juízos Conselheiros assim não entendam, o que apenas se concede a título de precaução de patrocínio, deve o presente recurso ser julgado inadmissível ao abrigo do n° 3 do artigo 671° do Código de Processo Civil, verificando-se a dupla conforme, e tendo a própria Recorrente admitido que estava perante a dupla conforme (confissão que a Recorrida aceita), encontrando-se vedado o acesso do recurso de revista normal,

XXIX - Consequentemente, só haveria lugar à revista excepcional, ao abrigo do artigo 672° do Código de processo Civil, no entanto, a Recorrente não obstante invocar o referido artigo, não justifica sequer qual a alínea ou os motivos que fundamentaram a interposição do recurso, devendo corno tal ser o presente recurso objecto de apreciação preliminar sumária e ser julgado como inadmissível, nos termos do n° 2 do referido artigo 672° do Código de Processo Civil.

 

XXX - Mais, a Recorrente não preencheu qualquer das alíneas a) a c) do artigo 672° do Código de Processo Civil,

XXXI - Sem prescindir, deve o presente recurso ser julgado improcedente por infundado e não provado, de facto, a Recorrente não cumpriu com o ónus de alegação especificada previsto no artigo 640° do Código de Processo Civil, no recurso de apelação que interpôs, tendo como cominação legal a rejeição do mesmo nesta parte, pelo que, mui douto foi o Acórdão proferido ao entender rejeitar o recurso nessa parte.

XXXII - Pelo acima exposto, deve ser confirmado o Acórdão de Apelação proferido pelo Tribunal da Relação, que por sua vez confirmou a decisão proferida pelo Tribunal ad quo, considerando que a mesma não merecia qualquer reparo, decaindo na totalidade as conclusões do recurso de revista apresentado, absolvendo-se a Recorrida BB do pedido.

 

10. O Tribunal da Relação de … não admitiu o recurso, tendo a Autora apresentado Reclamação a qual foi deferida por decisão de 14 de Junho de 2018.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a factualidade a ponderar

1 - No exercício da sua actividade a A. produz e comercializa la de rocha;

2 - Assinalando aqueles produtos com as marcas ROCTERM e ECOTERME;

3 - A lã de rocha tem na sua composição basalto e calcário, estando incluída como lã mineral na lista de substâncias perigosas que consta do anexo I da Directiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas, com as alterações introduzidas pela Directiva 97/69/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 1997;

4 - A A. comercializa aquele produto em Portugal sem o rótulo de "produto cancerígeno";

5 - Em 22.07.2004, a "Associacion de empresas fabricantes de lanas minerales aislantes" (AFELMA), de que as RR. CC e BB são associadas, intentou em Espanha um "procedimento ordmário por competência desleal" contra a A. e outros;

6 - Por sentença, núm. 90/10, de 29 de Março de 2010 do "Juzgado de Primera Instancia núm. 35" de Barcelona, proferida naquela acção, foi declarado que as RR. praticam actos de concorrência desleal, prejudicando os interesses da A. e qualquer consumidor, e em consequência, foram condenadas a:

1) Cessar a comercialização em Espanha do produto denominado ROCTERM com a apresentação com a qual se está a comercializar, proibindo-o mesmo assim a sua comercialização em todo o mercado espanhol, de todo o produto que não faça constar devidamente na etiquetagem e em todo o seu material publicitário, em conformidade com a legalidade vigente, a sua classificação como produto da Categoria 3.

2) A remoção do produto ROCTERM que não esteja etiquetado como produto cancerígeno da Categoria 3, devendo retirá-lo imediatamente do tráfico económico, com retenção e depósito dos materiais usados para a sua produção e publicidade que existam nas suas dependências (etiquetas, folhetos, anúncios, etc).

3) Rectificar todas as informações contidas nas etiquetas e publicações, assim como a rectificar convenientemente as publicações e informações contidas nas suas páginas web.

7 - A A. interpôs recurso da sentença para a Audiência Provincial de Barcelona, que foi julgado improcedente, e interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Supremo, que foi indeferido;

8 - A A. comercializa o produto lã de rocha em Espanha sob a marca ECOTERME;

9 - A DD Portugal tem por objecto social o comércio por grosso de materiais de isolamento;

10 - Designadamente lã de rocha, sendo distribuidora em Portugal dos produtos produzidos pela BB (com a marca ISOVER) e pela CC;

11 - A CC e a BB são dos maiores fabricantes de lã de rocha na Europa.

Matéria de facto não provada

I - que as RR. transmitam em Portugal e Espanha que o produto lã de rocha produzido pela A. é cancerígeno;

ii - que as RR. exijam que o produto lã mineral ROCTERM produzido pela A. seja vendido com o rótulo "produto cancerígeno";

iii - que as RR. defendam publicamente em Portugal que os produtos comercializados pela A. não cumprem as normas comunitárias e devem ter o rótulo "produto cancerígeno";

iv - que a A. tenha tido:

. no exercício de 2009 um volume de vendas de €22.243.516,12 relativos a 37.253 toneladas de uma capacidade instalada de 40.000 toneladas;

. no exercício de 2010 um volume de vendas de €21.317.883,32, correspondendo €5.725.139,68 ao mercado português e €3.910.262,16 ao mercado espanhol, e relativos a 37.586 toneladas de uma capacidade instalada de 60.000 toneladas;

. no exercício de 2011 um volume de facturação de €19.202.103,78, correspondendo €6.272.631,57 ao mercado português e €2.687.851,79  ao mercado espanhol;

. até Junho de 2012 um investimento superior a 65 milhões de euros;

v - que a A. tenha tido no primeiro trimestre de 2012 e por comparação com o período homólogo anterior, uma diminuição, de 23,42% em Portugal e de 24,82% em Espanha, em virtude de as RR. transmitirem aos possíveis compradores e nos mercados português e espanhol que os seus produtos são cancerígenos; vi- que a A. tenha ao seu serviço 168 trabalhadores;

vii - que o nome da A. e a sua capacidade para vender os produtos fabricados tenha sido destruída.



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:


1ª- O Tribunal da Relação, no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, devia ter conhecido do recurso de apelação interposto pela recorrente?


B) Vejamos

A questão concreta pode e deve ser colocada nos seguintes termos: terá a Recorrente cumprido os ónus que se lhe impunham, uma vez que impugna a matéria de facto provada pretendendo a sua alteração?

O Tribunal da Relação não conheceu da apelação na parte em que a Recorrente pretendia a alteração da decisão sobre a matéria de facto, tendo rejeitado o recurso, por incumprimento dos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, do CPC.

Nos termos do n.º 1 desse normativo, relativo aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Acrescenta o n.º 2 que «No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes».

E, nos termos do n.º 3 «o disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.art. 640º, do CPC que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (caso a prova tenha sido gravada, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, nessa parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes).

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tendo em consideração o teor deste normativo será que a Recorrente satisfez os ónus a seu cargo?

Entendemos que não.

A Recorrente pretende que determinada matéria seja aditada à factualidade que foi dada como provada, transcrevendo, como fundamento, o depoimento de várias testemunhas.

Na decisão recorrida entendeu-se, e em nosso entender bem, que não foram cumpridos os requisitos exigidos no supra citado artigo 640.

O Acórdão recorrido entendeu que «a apelante quer no corpo das suas alegações, quer nas consequentes conclusões, não indicou quais os concretos factos que colocava em impugnação.

Mas mais se dirá, já que, permitem concluir, não ter havido uma devida impugnação fáctica.

.......

Assim, não poderemos concluir que a apelante impugnou a factualidade, pois, das respectivas conclusões do recurso, não constam os requisitos legais para o efeito, nem ainda qualquer remissão a este respeito para o corpo das alegações, o que aliás, não seria possível, dado das mesmas também nada lá constar».

A Recorrente defende que delimitou o âmbito da impugnação que fez da matéria de facto e enunciou as verdadeiras questões que suscitou em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entendendo-se perfeitamente qual o objecto do recurso.

Entendemos que a razão está manifestamente do lado da decisão recorrida.

Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.

 Também o Recorrente não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.

E, para que o ónus a cargo do recorrente seja cumprido é também necessário, isto é, exige-se ao recorrente, uma análise crítica da prova invocada, em confronto com o que consta da motivação da sentença, que permita justificar a alteração da decisão proferida sobre os factos.

Ora, é a própria recorrente que admite que não constam – como se lhe impunha – expressamente das conclusões os pontos concretos da matéria de facto não provada e impugnado (cl. B)

Mas não foi só nas conclusões, pois que também no corpo das alegações não estão indicados os concretos pontos impugnados.

Por outro lado, não basta transcrever os depoimentos que se invocam para alterar as respostas dadas.

É necessário dizer porquê. Qual a razão pela qual deve ser num sentido e não noutro.

Essa análise crítica também não foi feita pela Recorrente

Verifica-se que a recorrente, na apelação, não deu cabal cumprimento ao disposto no art. 640º, nº1, do CPC, como correctamente se decidiu no acórdão recorrido.

Nem se diga que esta é uma perspectiva demasiado formalista ou exigente para a Recorrente pois que as sucessivas alterações legislativas vieram acentuar esta exigência a cargo da Recorrente, no que concerne à impugnação da matéria de facto, tanto que se o Recorrente não cumprir os ónus que lhe estão cometidos, deverá o recurso ser rejeitado imediatamente.

Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).

E nem se diga que este entendimento é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20 da CRP bem como o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 2º e 18º, n.º 2, 2ª parte, da CRP.

Na verdade, desde logo não há lugar ao convite uma vez que o art. 652º, nº 1, al. a), do CPC apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do nº 3, do art. 639º, ou seja quanto á matéria de direito e já não quanto á matéria de facto.

Na verdade, relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações.

Este é o entendimento unânime da jurisprudência deste Supremo Tribunal, posição que também é defendida na doutrina (cf. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, 167).

Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, designadamente as invocadas violações do princípio de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade - que, aliás a recorrente também não concretiza – tendo a decisão recorrido feito uma interpretação conforme à CRP.

Podemos, pois afirmar, com segurança que o Acórdão recorrido nenhuma censura merece na parte em que, em sede de reapreciação da decisão de facto, não conheceu do recurso de apelação interposto pela ora recorrente, não se mostrando, consequentemente, violados quaisquer preceitos legais, concretamente os indicados pela recorrente.

Deste modo e em conclusão, impõe-se a improcedência das conclusões do recurso da Recorrente e, consequentemente, impõe-se a improcedência da revista. 



III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.  


Lisboa, 27 de Setembro de 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Oliveira Abreu