Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:088/23.6BALSB
Data do Acordão:11/22/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PEDIDO DE REVISÃO
Sumário:I - O conhecimento do mérito do recurso com base na oposição de acórdãos, previsto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, tem como um dos requisitos que exista oposição entre as decisões em confronto (a recorrida e que serve de fundamento ao recurso) quanto à mesma questão fundamental de direito, o que exige, para além do mais, que haja identidade substancial das situações fácticas nelas sub judice.
II - Se o acórdão fundamento decidiu a questão do termo inicial a considerar no direito ao pagamento dos juros indemnizatórios no pressuposto de que o pedido de revisão não foi formulado no prazo da impugnação graciosa e dos factos dados como provados na decisão recorrida resulta que a revisão de uma das duas liquidações em causa foi requerida dentro desse prazo, não existe, na parte correspondente a essa liquidação, oposição entre as decisões em confronto.
III - Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o acto a ser anulado por decisão judicial, os juros indemnizatórios apenas serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT], motivo por que se a decisão anulatória for proferida dentro desse prazo de um ano, não há lugar a juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA000P31595
Nº do Documento:SAP20231122088/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso para uniformização de jurisprudência
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrido: AA

1. RELATÓRIO

1.1 A AT (adiante também Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pedindo a revogação da decisão arbitral proferida em 3 de Dezembro de 2021, no processo n.º 387/2021-T ( Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=5911.), por oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 22/18.5BALSB ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a483fda3886e1bcd802583bd005456c9.), tendo apresentado alegações do seguinte teor:

«A. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral de 03/12/2021, emitida no Processo n.º 387/2021-T do CAAD, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 27/02/2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do respectivo pagamento do imposto até à data do integral reembolso;

B. A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27/02/2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte;

C. O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do despacho de rejeição e de indeferimento prolatado em 23/07/2021, após o pedido de revisão oficiosa, apresentado em 18/12/2020, das liquidações n.º ...85, com data limite de pagamento em 29/09/2017 e n.º 2020/...13, com data limite de pagamento em 18/09/2020, de Imposto sobre Veículos, pela Alfândega de Aveiro, que sustentou a tempestividade da pretensão da Requerente junto da instância arbitral.

D. A Decisão Arbitral sob recurso entendeu, na parte em que se refere aos juros indemnizatórios, serem devidos pela AT, a contar da data do pagamento do imposto.

E. A Decisão Arbitral recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao não enquadrar o direito a juros indemnizatórios, como devia, no artigo 43.º, n.º 3, c) da LGT, que consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios.

F. No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art. 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.

G. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 6, do artigo 152.º do CPTA.

H. A infracção a que se refere o n.º 2, do artigo 152.º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto no n.º 3, alínea c), do artigo 43.º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

I. Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

J. No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152.º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21/04/2016, proferido no processo n.º 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02/02/2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.

K. Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso n.º 87156, de 26/04/1995.

L. Resulta claro da jurisprudência assente desse Alto Tribunal que a norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, que se aplica aos casos de revisão, como o dos autos, que não se enquadra na situação típica em que há impugnação da liquidação após o pagamento do imposto em causa.

M. Concluindo-se que ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, a Decisão Arbitral recorrida, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo Pleno do STA:

- no Acórdão convocado como fundamento, de 27/02/2019, proferido no Proc. n.º 022/18.5BALSB;

- e com a sua Jurisprudência mais recente, designadamente a firmada no acórdão, de 26/05/2022, no Processo n.º 159/21.3BALSB, também do Pleno, sobre a mesma matéria e em que estava em causa situação fática absolutamente idêntica e tendo por objecto o mesmo Imposto sobre Veículos, pelo que deve ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido, por se mostrar verificada a contradição entre a mesma Decisão Arbitral proferida no Proc. n.º 387/2021-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no Proc. n.º 022/18.5BALSB, de 27/02/2019, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por decisão consentânea com o quadro legal vigente, de acordo com o qual não existe direito a juros indemnizatórios».

1.2 O recurso foi admitido.

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no qual, depois de considerar verificados os requisitos de admissibilidade do recurso, se pronunciou no sentido de que se julgue verificada a oposição e se anule a decisão recorrida na parte em que contraria o que decidiu o acórdão invocado como fundamento do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

3.1.Tendo presente as duas posições divergentes importa tomar posição sobre a orientação jurisprudencial que deve ser fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A decisão arbitral recorrida assenta no pressuposto que, nos termos do artigo 100.º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial/arbitral a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o princípio geral de direito de que devem ser apagados todos os efeitos jurídico consequentes do acto ilícito, reconstituindo-se a situação que existiria se ele não houvera ocorrido.
No presente caso, a situação hipotética actual, consistirá na situação que existiria caso não tivesse sido praticado o acto anulado no âmbito da decisão arbitral porquanto, caso não tivesse a AT erroneamente procedido ao cálculo de ISV, a recorrida teria tido na sua esfera aquele montante, resultante da parcela do imposto que foi indevidamente pago.

3.2. É inequívoco que os tribunais superiores têm decidido que devem ser atribuídos juros indemnizatórios ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito e que os juros indemnizatórios se destinam a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.
Todavia, a questão colocada nos presentes autos, consiste em saber se, não tendo o contribuinte questionado a legalidade da liquidação nos prazos legalmente estabelecidos para a reclamação graciosa ou para a impugnação judicial, vindo a utilizar o meio excepcional previsto no artigo 78.º da LGT, que permite a revisão oficiosa do acto tributário, a pedido do contribuinte, nos quatro anos subsequentes à liquidação, os juros indemnizatórios devidos pela AT devem ser contabilizados desde a data do pagamento indevido, ou seja, desde o dia seguinte ao pagamento do tributo.
Ou, ao invés se, como defende a recorrente, não haver lugar a juros indemnizatórios, considerando ter o pedido de revisão do acto tributário sido decidido em período inferior a um ano, contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art. 43.º, n.º 3, alínea c) da Lei Geral Tributária. Ou ainda, como tem decidido a jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, serem devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano, após o pedido de revisão oficiosa.

3.3. A jurisprudência do STA tem entendido que, decorrendo um período (mais ou menos) extenso entre a data da liquidação e a data do pedido de revisão, em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não impulsionou, tal justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida (acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 23.05.2018, proferido no processo n.º 01201/17).
Tendo o citado acórdão decidido que o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do acto tributário, em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.
No mesmo sentido, apenas com a especificidade de se tratar de situações em que houve indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA de 29.01.2020 (proferido no processo n.º 045/19.7BALSB) decidiu que os juros indemnizatórios apenas são devidos, depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada.
Bem assim, como se decidiu no acórdão do STA de 6.12.2017 (P. 0926/17) “ […] o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito, para além do prazo de um ano, junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.”
Esta jurisprudência tem sido reiterada e confirmada em diversos acórdãos que lhe seguiram, no sentido de que tendo sido requerida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (artigo 78.º, n.º 1 da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que na sequência de decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT (vejam-se, entre outros, os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 26.5.2022, no processo n.º 0159/21.3BALSB e de 29.09.2022, no processo n.º 064/22.6BALSB).

3.4. Na verdade, considerou o legislador ser o período de um ano o prazo razoável para os serviços da administração tributária analisarem e decidirem o pedido de revisão e executarem a decisão favorável ao contribuinte.
Dado que à data da prolação da decisão arbitral – 3.12.2021 – não havia decorrido o referido prazo de um ano (o pedido de revisão oficiosa foi formulado em 21.12.2020), teremos que concluir que não há lugar ao pagamento dos juros indemnizatórios. Ou seja, o legislador só prevê a constituição da obrigação de juros a partir do decurso daquele prazo de um ano, condição que àquele data não se mostrava verificada.
Questão diversa será se a AT não efectuar a restituição da importância indevidamente paga pelo contribuinte, no prazo de cumprimento da decisão arbitral, mas aí já estaremos perante juros moratórios.
Pelo exposto, deve a decisão arbitral, no segmento indicado, ser revogada e substituída por outra que julgue não serem devidos juros indemnizatórios».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«[…] Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A) O Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2017/...28, de 23/12/2020, na qual declarou o veículo da marca ..., movido a gasóleo, n.º de motor ...23, cilindrada 1995 cc e com emissão de gases CO2 de 137 g/km e de emissão de partículas 0.0002 g/km.

B) O veículo, identificado na alínea anterior, é proveniente da Alemanha (data da 1.ª matrícula: 08-09-2011) entrou no território nacional, em 01-12-2016, com 102131 kms percorridos, tendo sido emitida, em 19-09-2017, a matrícula ..-TO-.. pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes – Delegação Distrital de Viação de Aveiro.

C) No Quadro R da DAV, identificada na alínea A) supra, foi efectuado o cálculo do ISV, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), tendo sido apurado um valor total de € 6.383,62.

D) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente cilindrada é de € 4.431,50 ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 60% do seu montante, ou seja, € 2.658,90, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados.

E) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental é de € 4.591,02, ao qual não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

F) A liquidação do ISV, conforme consta do Quadro T da DAV, sob o n.º 2017/...85 foi efectuada, em 15-09-2017, devendo o montante de € 6.363,62 ser pago até 29-09-2017.

G) O Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) 2020/...42, de 17/09/2020, na qual declarou o veículo da marca ..., movido a gasolina, n.º de motor ...09, cilindrada 1198 cc e com emissão de gases CO2 de 140 g/km.

H) O veículo, identificado na alínea anterior, é proveniente da Alemanha (data da 1.ª matrícula: 30-06-2009) entrou no território nacional, em 01-09-2020, com 61000 kms percorridos, tendo sido emitida, em 16-09-2020, a matrícula ..-..-TX pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes – Delegação Distrital de Viação de Aveiro.

I) No Quadro R da DAV, identificada na alínea G) supra, foi efectuado o cálculo do ISV, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), tendo sido apurado um valor total de € 1.420,10.

J) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente cilindrada é de € 510,55 ao qual foi deduzida a quantia correspondente a 80% do seu montante, ou seja, € 408,44, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D, prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aplicável aos veículos usados.

K) O montante respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental é de € 1.317,99, ao qual não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.

L) A liquidação do ISV, conforme consta do Quadro T da DAV, sob o n.º ...13 foi efectuada, em 06-09-2020, devendo o montante de € 1.420,10 ser pago até 18-09-2020.

M) O Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de ISV, identificadas nas alíneas F) e L) supra.

N) O Requerente, em 21-12-2020, apresentou, junto da Alfândega de Aveiro, um pedido de revisão oficiosa dos dois actos de liquidação do ISV, identificados nas alíneas F) e L) supra, que recebeu o n.º ...10.

O) Através do ofício n.º ...23, de 30-03-2021, o Requerente foi notificado do projecto de decisão relativo ao pedido de revisão oficiosa dos dois actos de liquidação do ISV para efeitos do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT.

P) O Requerente, em 12-04-2021, exerceu o seu direito de audição.

Q) O Director da Alfândega de Aveiro, em 23-07-2021, proferiu despacho com o seguinte teor: “Visto. Concordo, pelo que rejeito o pedido de revisão no que respeita à DAV n.º ...28, por se mostrar extemporâneo, e Indefiro o pedido de revisão no que respeita à DAV n.º ...42, nos termos e com os fundamentos expostos

R) O despacho de indeferimento, referido na alínea anterior, foi notificado ao Requerente através do ofício da Alfândega de Aveiro com n.º ...13, de 23-07-2021.

[…] Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado».

2.1.2 No acórdão fundamento, considerou-se a seguinte factualidade, com referência ao então acórdão recorrido:

«1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o n.º…, da Freguesia de…, Concelho ..., Distrito ....

2. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013), de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.

3. Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):

4. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança n.º ...13…

5. Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a dívida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) n.º …2014…, instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.

6. O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR 229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.

7. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:

8. A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a dívida evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em 30 de Junho de 2014, nos seguintes termos (montantes em Euros):

9. A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015, requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé …, no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “(…) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (…) realizadas para garantia das alegadas dívidas (…), bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido lugar (…)”.

10. A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a “(…) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (…)”; e em consequência, requerer “(…) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(…) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (…) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (…) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.

11. A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação nº ...17…, de 04-05-2017 (processo nº ...16… relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação nº ...17…, de 04-05-2017 (processo nº ...16… relativo ao Imposto do Selo de 2013), ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “(…) o deferimento parcial da (…) revisão oficiosa (…)” para cada um dos actos, “(…), com as seguintes consequências”:
a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;
b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pugnando pela revogação da decisão arbitral proferida em 3 de Dezembro de 2021, no processo n.º 387/2021-T, por oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 22/18.5BALSB, relativamente ao momento a partir do qual são devidos juros indemnizatórios quando a decisão anulatória da liquidação seja proferida após o indeferimento do pedido de revisão oficiosa desse acto tributário formulado pelo sujeito passivo.
Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, enquanto no regime previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) o prazo para interposição do recurso se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do art. 152.º desse Código, no regime do RJAT o recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230. ).
Já quanto ao acórdão invocado como fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso sub judice.
Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 Nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos, pois, o que decidiram a decisão arbitral recorrida e o acórdão deste Supremo Tribunal em confronto, tendo sempre presente como pano de fundo a questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, qual seja a da eventual atribuição de juros indemnizatórios nas situações em que a anulação da liquidação foi decretada após ter sido pedida a revisão oficiosa da liquidação.

2.2.2.2.1 O ora Recorrido, em 21 de Dezembro de 2020, pediu a revisão oficiosa de duas liquidações de Imposto sobre Veículos (ISV), na parte respeitante à componente ambiental do imposto, pedido que foi indeferido por decisão de 23 de Julho de 2021.
Na sequência desse indeferimento, apresentou no CAAD pedido de declaração da ilegalidade dessas liquidações, requerendo a anulação parcial desses actos e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à restituição dos montantes indevidamente pagos.
O pedido formulado pela ora Recorrida ao CAAD foi deferido, por decisão proferida em 3 de Dezembro de 2021. No que respeita aos juros indemnizatórios, o Tribunal arbitral deixou escrito o seguinte: «[…]
O Requerente procedeu ao pagamento das liquidações em causa nos presentes autos arbitrais (vd., alínea M) do n.º 18 supra) e solicita que lhe seja restituído o montante pago e que também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.
A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.
No presente caso, a AT tinha pleno conhecimento da jurisprudência do TJUE acerca da aplicação do artigo 110.º do TFUE a nível da tributação automóvel. Ao ter negado provimento ao pedido de revisão oficiosa, apresentado pelo ora Requerente, relativamente aos dois actos de liquidação de ISV a actuação da AT traduziu-se num “erro imputável aos serviços”, conforme o disposto no artigo 43.º da LGT.
Nestes termos, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, por força da anulação parcial dos dois actos de liquidação de ISV e, ainda, a ser indemnizado pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso».

2.2.2.2.2 Por sua vez, no acórdão fundamento a situação refere-se ao pedido de revisão de liquidações de Imposto de Selo efectuadas nos anos de 2012 e 2013. Esse pedido foi parcialmente deferido por decisão de 11 de Maio de 2017, mas a AT recusou a atribuição de juros indemnizatórios.
O sujeito passivo formulou junto do CAAD, para além do mais, pedidos de declaração de ilegalidade (anulação) das liquidações na parte subsistente e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios. Porque as liquidações foram entretanto anuladas, o CAAD julgou extinta a instância quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações e, quanto ao pedido de juros indemnizatórios, condenou a Requerida (AT) «no pagamento dos juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante do Imposto do Selo indevidamente pago, relativo às liquidações do ano de 2012 e 2013 (entretanto anuladas), contados nos termos legais», ou seja, no seu entendimento, contados desde a data do pagamento até ao seu reembolso.
No acórdão fundamento, proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em sede de uniformização de jurisprudência, estabeleceu-se como objecto do recurso a questão de saber qual «a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de procedência total ou parcial do pedido de revisão do acto tributário», questão a propósito da qual deixou dito:
«A leitura do disposto no art. 61.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações sendo que, tratando-se de entidade a quem compete decidir o pedido de revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, situação destes autos, tal entidade apenas pode reconhecer esse direito se não for cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios.
Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art. 43.º n.º 3 que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c) do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 26 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário.
Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação.
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação. Com efeito, […], não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art. 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária. […]».

2.2.2.2.3 Do que deixámos exposto e sempre em ordem a indagar da contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, resulta que devemos distinguir duas situações na decisão recorrida: a que respeita à liquidação efectuada em 15 de Setembro de 2017 e a que respeita à liquidação efectuada em 6 de Setembro de 2020 [cfr., respectivamente, as alíneas F) e L) dos factos provados]
Quanto a esta última, quando o pedido de revisão foi formulado, em 18 de Dezembro de 2020 pelo ora Recorrido [cfr. alínea N) dos factos provados] estava ainda a decorrer o prazo para a reclamação graciosa (cfr. art. 70.º, n.º 1, do CPPT)
Ora, como o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal já afirmou em situação idêntica, no acórdão de 20 de Maio de 2020, proferido no processo n.º 5/19.8BALSB ( Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/888b847304b3d53e802585760062c0ad.), esse facto não é irrelevante, uma vez que se entende que o pedido de revisão apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa deve ter o tratamento desta (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 65/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/04c500a0579f5bd88025759f00508122;
- de 11 de Outubro de 2023, proferido no processo n.º 745/23.7BELRS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c148af0aa58981c380258a47004a40d6;
- de 25 de Outubro de 2023, proferido no processo com o n.º 241/23.2BELRS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/7fe6af7cdeb92c4580258a55003ad51f.).
Aliás, o acórdão fundamento relevou esse facto, afirmando expressamente que «[a] situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c) do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 27/08/2004, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 23/11/2007, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário».
Ou seja, como ficou dito no referido acórdão de 20 de Maio de 2020, em que o acórdão invocado como fundamento era o mesmo que no presente recurso, «o acórdão fundamento não deixou de relevar o facto de, quanto a ambas as respectivas liquidações, o sujeito passivo ter deixado decorrer os prazos de impugnação respectivos. E de justificar com esse facto a aplicação da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária».
Ora, tal facto (o decurso do prazo de impugnação) não se mostra ter ocorrido quanto à liquidação com o n.º ...13, que integrou o objecto da decisão arbitral recorrida.
Pelo que deixámos dito, concluímos que, quanto a essa liquidação, não se verifica a identidade substancial das situações de facto. Por conseguinte, o recurso não pode ser admitido na parte correspondente, como decidiremos a final.

2.2.2.2.4 Quanto à liquidação com o n.º ...13, como resulta do que deixámos exposto supra, as situações factuais nos presentes autos e no processo em que foi proferido o acórdão fundamento são em tudo idênticas: na sequência da procedência do pedido de anulação de uma liquidação de um imposto ( Embora o pedido formulado no CAAD seja de declaração de ilegalidade, enquanto o pedido formulado junto do Tribunal Tributário seja de anulação, a diferença é mais de terminologia do que de conteúdo, uma vez que a declaração de ilegalidade da liquidação por parte do CAAD terá, necessariamente, que comportar efeitos anulatórios. Sobre a questão, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, págs. 110/116.), efectuado na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa efectuado pelo sujeito passivo, depois de estarem esgotados os prazos para a impugnação graciosa e judicial desses actos, ambos os tribunais concederam juros indemnizatórios ao sujeito passivo.
No entanto, como resulta também do que deixámos dito, as decisões em confronto deram resposta divergente à questão que a Recorrente erigiu como decidenda no presente recurso por oposição de julgados: a da medida dos juros indemnizatórios que arbitraram ao sujeito passivo. Enquanto a decisão arbitral concedeu juros indemnizatórios, de acordo com o peticionado pela Requerente, nos termos dos arts. 43.º e 100.º da LGT, decidindo que os juros indemnizatórios devem ser contados «desde a data [do] pagamento, até ao seu reembolso»», o acórdão fundamento decidiu que o art. 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios devidos na sequência de pedido de revisão do acto tributário, sendo os mesmos devidos apenas depois de decorrido um ano após o pedido de revisão.
Verifica-se, pois, a divergência que justifica a prossecução do recurso.
Por outro lado, também não é de ponderar como obstáculo à admissão do recurso que a orientação perfilhada pela decisão arbitral esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que essa jurisprudência, como veremos adiante, é de sentido contrário à perfilhada naquela decisão.
Passemos, pois, ao conhecimento do mérito do recurso.

2.2.3 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção ( A título de exemplo e por mais recentes, referimos os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 29 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2cffe7a2f22e0a8f8025887500390aa2;
- de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 1/22.8BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b89dfad60ba58535802589630041477d;
- de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 154/21.2BASLSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/8d726d303443ed4680258960004e0843;
- de 28 de Setembro de 2023, proferido no processo com o n.º 22/23.3BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/fd18e5683a47fbbf80258a3900367fb8.). Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 11 de Dezembro de 2019 no processo n.º 58/19.9BALSB ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/67db23f4f3310fb9802584dd0056c46a.), dispensando a junção deste aresto porque indicamos onde está disponível.
Nesse acórdão ficou decidido que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.
Acolheu-se aí a fundamentação de acórdão anterior na mesma Secção (o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 27 de Fevereiro de 2019, no processo n.º 22/18.5BALSB, no presente recurso invocado como acórdão fundamento). No que ora releva, reafirmou-se o entendimento – que, de resto, já vinha uniformizado – no sentido de que não devem distinguir-se, para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, as situações em que é deduzido o pedido de revisão e a administração revê o acto mais de um ano após a dedução desse pedido, daquelas em que a administração não revê o acto mas este vem a ser anulado judicialmente após mais de um ano a contar desse pedido.
No caso sub judice, a liquidação com o n.º ...85, efectuada em 15 de Setembro de 2017, foi objecto de pedido de revisão em 18 de Dezembro de 2020, o qual foi indeferido por decisão de 23 de Junho de 2021 [cfr. alíneas F), N) e Q) dos factos provados], mas a liquidação veio a ser anulada por decisão do CAAD proferida em 3 de Dezembro de 2021.
Ou seja, a decisão anulatória foi proferida (em 3 de Dezembro de 2021) dentro de um ano após a apresentação do pedido de revisão (que ocorreu em 18 de Dezembro de 2020), motivo por que, nos termos da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, não são devidos juros indemnizatórios.
Assim sendo, não pode deixar de ser anulada a decisão arbitral, no que se refere à liquidação com o n.º ...85 [cfr. alínea F) do probatório constante da decisão arbitral recorrida], na parte em que concedeu juros indemnizatórios e fixou o termo inicial da contagem dos mesmos na data do pagamento do imposto, como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O conhecimento do mérito do recurso com base na oposição de acórdãos, previsto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, tem como um dos requisitos que exista oposição entre as decisões em confronto (a recorrida e que serve de fundamento ao recurso) quanto à mesma questão fundamental de direito, o que exige, para além do mais, que haja identidade substancial das situações fácticas nelas sub judice.

II - Se o acórdão fundamento decidiu a questão do termo inicial a considerar no direito ao pagamento dos juros indemnizatórios no pressuposto de que o pedido de revisão não foi formulado no prazo da impugnação graciosa e dos factos dados como provados na decisão recorrida resulta que a revisão de uma das duas liquidações em causa foi requerida dentro desse prazo, não existe, na parte correspondente a essa liquidação, oposição entre as decisões em confronto.

III - Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o acto a ser anulado por decisão judicial, os juros indemnizatórios apenas serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT], motivo por que se a decisão anulatória for proferida dentro desse prazo de um ano, não há lugar a juros indemnizatórios.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em

a) não tomar conhecimento do mérito do recurso quanto à liquidação com o n.º ...13 [cfr. alínea L) do probatório constante da decisão arbitral recorrida];

b) tomar conhecimento do mérito do recurso na parte restante (ou seja, quanto à liquidação com o n.º ...85) e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral no segmento recorrido (respeitante aos juros indemnizatórios) e reafirmar a jurisprudência fixada pelo acórdão fundamento.

Custas pelo Recorrente e pelo Recorrido – sendo que este não paga taxa de justiça porque não contra-alegou o recurso – na proporção do decaimento (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

Comunique-se ao CAAD.


*
Lisboa, 22 de Novembro de 2023. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - José Gomes Correia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Fernanda de Fátima Esteves.