Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | DIOGO RAVARA | ||
| Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR CONTRADITÓRIO NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/24/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA | ||
| Sumário: | I– Verificando-se os pressupostos previstos no art. 726.º n.º 2 do CPC para ser proferido despacho de indeferimento liminar, não há que dar cumprimento prévio ao contraditório relativamente ao exequente para decidir da verificação da exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria. II– Tratando-se de questão de Direito, de conhecimento oficioso, que à data da propositura da execução já tinha sido apreciada pelos tribunais, já o exequente tinha informação suficiente para saber que o Tribunal poderia conhecer da referida exceção no despacho liminar, pelo que tendo tal sucedido, não pode a decisão recorrida ser qualificada como uma “decisão-surpresa”. III– A violação do princípio do contraditório é suscetível de constituir uma nulidade secundária, ou relativa, nos termos previstos no art. 195.º n.º 1 do CPC, sempre que se demostrar que se a formalidade omitida tivesse sido observada, a decisão poderia ser diversa. IV– No caso vertente tal requisito não se verifica, porquanto inexiste tutela do contraditório prévio à prolação de despacho liminar de indeferimento e porque estava em causa a incompetência dos tribunais judiciais para apreciar uma ação executiva para cumprimento coercivo da obrigação de contribuição de advogado para o sistema de Segurança Social privativo dessa classe profissional por iniciativa da CPAS, que é pessoa coletiva pública, sendo que de acordo com jurisprudência uniforme os tribunais competentes para tais ações são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal [arts. 212.º n.º 3 da Constituição da República e 1.º n.º 1 e 4.º n.º 1 al. o), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais]. V– Não se verifica, contudo, fundamento bastante para sancionar a exequente com taxa de justiça excecional, porquanto o seu comportamento processual não denuncia negligência nem intenção dilatória, e porque à data da propositura da execução a orientação adotada na decisão liminar ainda não se podia considerar uniforme, atenta a escassez de decisões publicadas nesse sentido. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. I–RELATÓRIO: Em 29-10-2016 a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores intentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra a Sr.ª Dr.ª B., indicando como quantia exequenda € 10.708,63, montante correspondente a contribuições para aquela instituição e juros de mora vencidos. Para tanto sustentou que a executada é advogada de profissão e se encontra inscrita naquela instituição de previdência, mas não pagou as contribuições devidas, conforme decorre dos arts. 79.º e seguintes do Regulamento da CPAS[1]. Apresenta como título executivo uma certidão de dívida emitida nos termos previstos no referido diploma. Aberta conclusão à Mmª Juíza titular, em 24-01-2018 foi proferida decisão julgando o Tribunal incompetente em razão da matéria, e absolvendo a executada da instância. A exequente veio arguir a nulidade da decisão proferida com fundamento na violação do princípio do contraditório (arts. 195º, e 3º, nº 3 do CPC), tendo essa reclamação sido indeferida, e tendo a exequente sido condenada em taxa sancionatória excecional (arts. 531.º do NCPC e 10º do Regulamento das Custas Processuais[2]). Inconformada com tal decisão, veio a executada interpor o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizou através das seguintes conclusões[3]: “ 1– A decisão de que se recorre viola os artigos 3°, n° 3 e 531° ambos do Código de Processo Civil. 2– A recorrente arguiu a nulidade de ato processual por omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve (artigo 195°, n° 1 do C.P.C.), in casu por violação do princípio do contraditório. 3– A decisão de que se recorre defende que não havia que dar cumprimento ao princípio do contraditório por quanto esta não era uma decisão surpresa para a exequente face à existência de diversos acórdãos que entendem que os Tribunais Judicias não são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que a exequente é a CPAS. 4– É certo que a questão jurídica controvertida da incompetência material dos tribunais judiciais nas execuções propostas pela CPAS, tem vindo a ser colocada no âmbito de vários processos de execução intentados pela exequente, mas, também é certo, que até à data da decisão de que se recorre, uma grande parte dos Tribunais do país (de várias comarcas do país) proferiram despachos liminares de citação, pelo que se julgaram competentes para prosseguirem com as execuções. 5– Aliás, o próprio Tribunal donde emana a decisão recorrida, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada - Juiz 1, já após ter proferido a decisão que foi objeto de reclamação, proferiu em 28.02.2018 despacho de citação numa execução em tudo similar à atual (Proc. n° 5617/17.1T8ALM). (Doc.1) 6– Por outro lado, assiste razão à Recorrente para arguir a nulidade por omissão de ato - omissão do princípio do contraditório - uma vez que a questão da competência dos tribunais judiciais para julgar e tramitar as execuções propostas pela CPAS não é tão unânime como quer fazer crer a decisão de que se recorre. 7– Tanto assim, que o Tribunal da Relação de Lisboa - proc. 143/2018- 15 Secção - por Acórdão de 13-07-2018, proferido no âmbito do processo n.° 3930/17.7T80ER.L 1, acolheu a argumentação da CPAS, e julgou que «... os Tribunais Comuns e nomeadamente os Juízos de Execução, são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que, como a presente, é exequente a CPAS». 8– Uma vez que o presente recurso tem como objeto o despacho que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de ato ou de formalidade que a lei preveja e não a questão controvertida da competência do Tribunal, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citada, é a prova de que a jurisprudência já não é toda contrária à argumentação da CPAS e que esta deveria ser ouvida antes da tomada de decisão. 9– Não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente ação, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório previsto no art.° 3.°, n.° 3 do CPC. 10– Aliás já existe numerosa jurisprudência que, em casos em tudo idênticos ao presente, decidiu a favor da arguida nulidade por violação do contraditório. Veja-se neste sentido Ac. TRP, de 29—05—18 (proc. n°2484/17.9T8MAI.P1), Ac. TRL de 17—01—18 (proc. n° 16591/17.4T8LSB.L1), Ac. TRE, de 30—04—18 (proc. n° 1508/17.4T8SLV.E1), Ac. TRP, de 21—02—18 (proc. n° 2878/17.0T8LOU.P1) e Ac. TRC, de 30—02—17 (proc.n°6097/17.7T8CBR.C1). 11– Face a tudo o supra argumentado não pode deixar de se entender que a condenação da CPAS numa taxa sancionatória excecional, nos termos do artigo9 531° do C.P.C. não tem qualquer fundamento. 12– É que, ao contrário do que a decisão recorrida defende, o recorrente agiu com a prudência e diligência devidas conforme atesta a vária jurisprudência citada, que decidiu que a CPAS deve ser previamente notificada para se pronunciar sobre a competência do Tribunal em razão da matéria. 13– A decisão que condena a CPAS no pagamento de uma taxa sancionatória viola o artigo 531° do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada.” Não foram apresentadas contra-alegações. Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos. II–QUESTÕES A DECIDIR Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[4]). Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[5]. Assim, as questões a equacionar e decidir, reordenadas por ordem de precedência lógica, residem em determinar: A)– Se ocorreu nulidade processual por preterição do contraditório, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 195º e 3º, nº 3 do CPC (Conclusões 1- a 10-); B)– Se o comportamento processual da exequente justificava a sua condenação em taxa sancionatória excecional (Conclusões 11- a 13-). III–OS FACTOS Os factos a considerar são os seguintes: 1.- Em 29-10-2016 a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores intentou contra a Sr.ª Dr.ª B. a presente execução para pagamento de quantia certa, o que fez mediante a apresentação do requerimento executivo de fls. 2 a 7, no qual consignou o que segue: “1.º- A executada, sendo advogada de profissão, encontra-se obrigatoriamente inscrita na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, doravante designada CPAS, nos termos do disposto no art.º 29.º, n.º 1 do Regulamento da CPAS, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, e anteriormente nos termos do art.º 5.º, n.º 1 da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril. 2.º- E estando inscrita na CPAS, a executada tem de pagar mensalmente as contribuições para a Caixa, a que se refere o art.º 79.º e seguintes do Regulamento da CPAS, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho (e anteriormente art.º 72.º e seguintes da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção introduzida pela Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro). 3.º- Sucede que a executada não tem pago as contribuições para a CPAS, a que está obrigada, devendo, em 9 de Setembro de 2016, a quantia de 10.708,63 (dez mil, setecentos e oito euros e sessenta e três cêntimos), sendo 9.482,47 € (nove mil, quatrocentos e oitenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos) de contribuições em dívida e 1. 226,16 € (mil, duzentos e vinte e seis euros e dezasseis cêntimos) a título de juros, conforme certidão de dívida emitida pela Direcção da CPAS, de 9 de Setembro de 2016, que se junta e aqui se dá por reproduzida (Doc. 1). 4.º- A executada devidamente interpelada pela CPAS a efectuar o pagamento das contribuições em dívida, não o fez. 5.º- Pelo que a CPAS se viu forçada a recorrer aos meios judiciais para cobrar a dívida de contribuições. 6.º- Assim, com a presente execução, a CPAS pretende haver da executada a quantia de 10.708,63 (dez mil, setecentos e oito euros e sessenta e três cêntimos), acrescida dos juros moratórios, sobre o valor das contribuições em dívida, contados à taxa de 5,168% (em 2016), e nos anos subsequentes à taxa de juros que for fixada nos termos do disposto no art.º 81.º, n.º 4 do D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, até ao integral e efectivo pagamento. 7.º- A certidão de dívida emitida pela Direcção da CPAS, de 9 de Setembro de 2016, constitui título executivo nos termos do disposto no art.º 703.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C. e do art.º 81.º, n.º 5 do regulamento aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho. 8.º- Termos em que se requer a V. Exa se digne ordenar a citação da executada para pagar à CPAS a quantia exequenda de 10.708,63 (dez mil, setecentos e oito euros e sessenta e três cêntimos), titulada pela certidão de dívida emitida pela CPAS em 9 de Setembro de 2016, acrescida dos juros moratórios, vencidos e vincendos, sobre o valor das contribuições em dívida, no ano de 2016, contados à taxa de 5,168%, e nos anos subsequentes à taxa de juro que for fixada nos termos do disposto no art.º 81.º, n.º 4 do D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, até ao integral e efectivo pagamento, acrescido ainda das despesas com a presente acção, nas quais se incluem as custas judiciais e as despesas com o agente de execução, sob pena do prosseguimento da execução, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.” 2.– Em 24-01-2018 , sem que tenha sido praticado pela secretaria qualquer outro ato processual, e sem que a executada tenha sido citada, ou a exequente tenha sido convidada a pronunciar-se sobre qualquer questão, foi proferido o despacho de fls. 9 a 11, em cuja parte dispositiva se consignou: “Em face do exposto, declaro incompetente, em razão da matéria, o Juízo de Execução de Almada – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para a tramitação dos autos e, consequentemente, absolvo a executada (…) da instância executiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 64.º, 96.º, alínea a), 97.º, 98.º, 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), ex vi do artigo 551.º, n.º 1, todos do NCPC. Custas a cargo da exequente (cfr. artigo 527.º, n.º 1 do NCPC). Registe e notifique (as partes, o Ministério Público e o Agente de Execução).”. 3.– Notificada da decisão referida em 2., em 01-03-2018 a exequente apresentou o requerimento de fls. 12 a 16, no qual invoca a nulidade prevista no art. 195º do CPC, decorrente do que considera constituir uma violação do princípio do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3 do mesmo código, na medida em que aquela decisão foi proferida sem que a exequente tenha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a incompetência material, razão pela qual configuraria uma decisão-surpresa. 4.– No mesmo requerimento referido em 3. conclui a exequente que “deve o despacho/sentença ser anulado e em consequência da nulidade decorrente da omissão de pronúncia por parte da CPAS sobre a competência do tribunal judicial para dirimir o presente litígio”. 5.– Em 03-10-2018 foi proferido o despacho de fls. 21 a 22, no qual se julgou improcedente o incidente de arguição de nulidade, tendo a exequente sido condenada em taxa sancionatória especial, que foi fixada em 10 UCs. IV–OS FACTOS E O DIREITO A– Da nulidade processual decorrente de preterição do direito ao contraditório (conclusões 1- a 10-) A principal questão a equacionar e decidir reside em determinar se no caso em apreço era lícito à Mmª Juíza a quo conhecer da exceção dilatória de incompetência absoluta material sem audição prévia da exequente. Para tanto diremos desde logo que muito embora não resulte claramente do texto da decisão recorrida, a mesma deve ser qualificada como despacho de indeferimento limiar do requerimento executivo, na medida em que foi proferida antes da citação da executada, e sem que a secretaria judicial e/ou o agente de execução tenham praticado quaisquer atos relevantes. Tal despacho enquadra-se assim no disposto no art. 726º, nº 1, e nº 2, al. b) do CPC. Ora, sobre a questão acima enunciada se pronunciou recentemente esta Relação e seção, no ac. de 13-11-2018 (Carlos Oliveira), p. 15457/17.2T8LSB.L1[6], que o signatário subscreveu na qualidade de adjunto. Em tal aresto, relativo a execução movida pela aqui exequente contra outro causídico, para cobrança de créditos de natureza semelhantes aos invocados na presente execução, consignaram-se as seguintes observações, que temos por inteiramente aplicáveis ao caso vertente: “O que está em causa neste recurso é saber se era possível no caso concreto decidir o indeferimento liminar do requerimento executivo com fundamento na incompetência em razão da matéria sem audição prévia da exequente sobre essa questão. Para apreciar o objeto do recurso temos, em primeiro lugar, de partir da consideração de que estamos perante uma ação executiva para pagamento de quantia certa fundada em título executivo extrajudicial a que lei especial atribuiu força executiva (Art. 703.º n.º 1 al. d) do C.P.C. conjugado com o Art. 81.º n.º 5 do Regulamento da C.P.A.S., aprovado pelo Dec.Lei n.º 119/2015 de 29 de Junho). Em face do valor da dívida exequenda e da natureza do título que serve de base à execução, esta ação executiva segue o processo comum para pagamento de quantia certa sob a forma ordinária (Art. 550.º n.º 1 e n.º 2 “a contrario” - v.g. al.s c) e d) - do C.P.C.). No processo executivo comum, por oposição ao que sucede no processo declarativo comum, subsiste a figura jurídica do despacho liminar como regra. Mais precisamente, o despacho liminar é a regra no processo comum para pagamento de quantia certa sob a forma ordinária (Art. 726.º do C.P.C.), sendo a exceção na forma sumária (Art. 855.º n.º 1 do C.P.C.). O indeferimento liminar é uma vertente do despacho liminar que permite ao juiz logo indeferir o requerimento executivo, nos casos especialmente previstos na lei (v.g. Art. 726.º n.º 2 do C.P.C.). Esse despacho está reservado apenas para os casos em que seja manifesta a falta insuprível de pressupostos processuais de conhecimento oficioso, ou a atual inexistência da obrigação exequenda constante de título negocial por causa oficiosamente cognoscível (Vide: Lebre de Freitas in “A Ação Executiva Á Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª Ed., pág. 189). Prevendo a lei a possibilidade legal de indeferimento liminar é evidente que, desde que reunidos os pressupostos relativos à prolação de semelhante despacho, o juiz não está obrigado a ouvir as partes antes de decidir. O despacho de indeferimento liminar pressupõe a existência duma situação de tal forma manifesta que permite, só por si, tomar uma decisão de forma conscienciosa, sem necessidade de audição prévia das partes. Ou seja, o vício verificado é de tal modo grave que o juiz só pode indeferir liminarmente o requerimento executivo, sendo assim desnecessário ouvir o exequente. É certo que o Art. 3.º n.º 3 do C.P.C. consagra a obrigação de o juiz observar, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, mas logo salvaguarda os casos de «manifesta desnecessidade». No caso concreto, o que estava em causa era o conhecimento duma exceção dilatória de conhecimento oficioso relacionado com a competência em razão da matéria para os tribunais comuns julgarem ações executivas relacionadas com o incumprimento da obrigação de contribuição dos advogados para o sistema de Segurança Social privativo da sua profissão, que é gerido pelo exequente CPAS. A questão assim apreciada não carecia de produção de qualquer prova, sendo claramente de natureza meramente jurídica, cabendo no âmbito da previsão dos Art.s 64.º, 96.º a 100.º, 277.º al. a), 278.º n.º 1 al. a), 279.º, 549.º n.º 1 e n.º 2, 577.º al. a), 578.º e 726.º n.º 2 al. b) do C.P.C.. Ainda assim, há que ponderar o que Lebre de Freitas, em tese geral, decorre sobre o princípio do contraditório (Vide: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 3.ª Ed., pág.s 9 a 11). Escreve este Autor que: «no plano das questões de direito, é expressamente proibida, desde a revisão do CPC de 1961, a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamentos que não tenha sido previamente considerado pelas partes». Por isso, mesmo relativamente a questões de conhecimento oficioso, e não tendo as partes considerado essa possibilidade, advoga que o juiz deveria convidar as partes a sobre elas se pronunciarem. Apesar desta posição de princípio, o mesmo Autor teve o cuidado de relatar a sequência de avanços e recuos que o legislador assumiu sobre esta matéria. Assim, na “Comissão Varela” já se consagrava a proibição da decisão-surpresa “salvo caso de manifesta desnecessidade”. Depois terá sido proposta a observância do princípio do contraditório sem exceções, mas tal não passou para a letra da lei com a aprovação do Dec.Lei n.º 329-A/95 que apenas impedia a decisão sem que as partes tivessem tido oportunidade de, “agindo com a diligência devida”, sobre elas se pronunciarem. Só que, o Dec.Lei n.º 180/96, logo suprimiu a expressão “agindo com a diligência devida” e retomou a expressão “salvo caso de manifesta desnecessidade”. Também se tentou introduzir o princípio de que a “manifesta desnecessidade” tivesse de ser “devidamente fundamentada”, mas a Assembleia da República suprimiu essa exigência. Lebre de Freitas reconhece assim que pode não haver lugar ao convite para discutir questões de direito quando, embora a questão não tenha sido invocada expressamente pela parte: a)- Implicitamente a parte teve-a em conta, sem sombra de dúvidas, designadamente quando apresente versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia qualquer outra qualificação; b)- Quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou c)- Quando seja proferido despacho de aperfeiçoamento que convide a parte a sanar uma irregularidade ou insuficiência expositiva. A estes casos, acrescentamos nós as situações em que, dos termos da própria lei, decorre a evidente desnecessidade do contraditório, nomeadamente quando estando em causa uma situação patente – “manifesta” nos termos da lei (v.g. Art. 3.º n.º 3 do C.P.C.) – e de tal forma grave, que a decisão nos termos da lei deve ser logo a de indeferimento liminar (Vide: Marco Carvalho Gonçalves in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, pág. 187). É o dever de gestão processual, na vertente enunciada no Art. 6.º n.º 2 do C.P.C., que implica a necessidade do despacho de indeferimento liminar, embora apenas nos casos expressamente previstos no Art. 726.º n.º 2 do C.P.C. (Neste sentido: Rui Pinto in “A Ação Executiva”, 2018, pág. 353).”. Por outro lado entendemos que, como bem se apontou no ac. STJ 24-02-2015 (Ana Paula Boularot), p. 116/04.6YLSB, “não é admissível um despacho liminar prévio a um despacho liminar, seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso… A decisão surpresa, como os vocábulos indicam, faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela…”. No mesmo sentido cfr. acs. RL 21-02-2019 (Maria José Mouro), p. 5568/17.0T8ALM.L1-2 e RE 11-04-2019 (Rui Machado e Moura), p. 1501/17.7T8SLV.E1. Por outro lado, sufragamos igualmente o entendimento vertido no ac. RC 27-02-2018 (Jorge Arcanjo), p. 5500/17.0T8CBR.C1, onde se sublinhou que “No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes (…).” – vd. art. 629º, nº 3, al. c) do CPC. Finalmente, como salienta o ac. RL 10-05-2018 (Nuno Sampaio), p. 16173/17.0T8LSB.L1, a Lei processual salvaguarda em todos os casos a possibilidade de o exequente se pronunciar sobre a matéria da exceção dilatória de conhecimento oficioso que motivou o indeferimento liminar do requerimento executivo, ao consagrar a amissibilidade de recurso independentemente do valor da causa – art. 853º, nº 3 do CPC. Reconhecemos, contudo, que outros arestos se pronunciaram em sentido diverso, admitindo a possibilidade de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, com vista ao exercício do contraditório, pelo exequente, relativamente a exceção dilatória de conhecimento oficioso, e em consequência concluíram que a prolação de despacho de indeferimento liminar com fundamento em exceção dilatória de conhecimento oficioso sobre a qual o exequente não teve possibilidade de se pronunciar viola o disposto no art. 3º, nº 3 do CPC e por conseguinte constitui nulidade nos termos e para os efeitos previstos no art. 195º do mesmo código – cfr., por ex., os acs. RC 05-12-2017 (Arlindo Oliveira), p. 6097/17.7T8CBR.C1 e RC 29-01-2018 (Luís Cravo), p. 3550/17.6T8CBR.C1. Com todo o respeito que estas últimas decisões nos merecem, os argumentos nelas expostos não suplantam aqueloutros que acima expusemos. Assim, e retomando a argumentação expendida por este Tribunal e seção no acórdão de 13-11-2018, “Temos ainda de ter em conta que o que se passa no caso concreto dos presentes autos é que a questão da competência dos tribunais comuns para o julgamento destas ações executivas não era verdadeiramente nova, sendo que a exequente é sempre a mesma entidade e, portanto, estava perfeitamente a par da discussão que se suscitava e da possibilidade de ser proferida uma decisão sobre ela logo no despacho liminar, como sucedeu em muitos outros processos semelhantes ao presente. Serve o exposto para dizer que na verdade não houve uma “decisão-surpresa”, mas uma decisão perfeitamente expectável relativamente a uma matéria que é de conhecimento oficioso e que a exequente necessariamente anteviu que se iria colocar, como já sucedeu noutros processos em que é parte. Acresce ainda que, o vício apontado corresponde a uma nulidade relativa ou secundária, integradora da previsão do Art. 195.º n.º 1 do C.P.C.. Ou seja, corresponde a um alegado desvio procedimental à normal sequência de atos prescritos na lei, na perceção que a Recorrente dela tem. A alegada violação do princípio do contraditório – consagrado de forma ampla no Art. 3.º n.º 3 do C.P.C. –, por omissão do ato processual que permitiria à parte pronunciar-se sobre a questão a decidir antes da tomada de decisão judicial final, corresponderá a uma nulidade que vem estabelecida no Art. 195.º n.º 1 do C.P.C. (Neste sentido: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, 3.ª Ed., pág. 382) Sucede que, nos termos do Art. 195º n.º 1 do C.P.C., a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidades quando a lei o declare ou quanto a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Veja-se que, a propósito do teor do Art. 201º do C.P.C., que correspondia ao atual Art. 195º, escrevia Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2.º Vol., pág. 484) que: «O que (neles) há de característico e frisante é a distinção entre infrações relevantes e infrações irrelevantes. Praticando-se um ato que a lei não admite, omitindo-se um ato ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração, mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se ver fica um destes cases: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso — continua o mesmo Autor — «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa». Acresce que, como referia Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., pág. 391): «A nulidade de um ato, apesar da cadeia teleológica que liga todos os atos do processo, só arrastará consigo a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente». A prática do ato inadmissível ou a omissão do ato ou da formalidade prescrita influem no exame ou da decisão da causa quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento (Vide: Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, 1.º Vol., 3.ª Ed., pág. 381). De referir ainda que as nulidades secundárias ou relativas têm de ser arguidas pela parte através de reclamação (Art. 196º do C.P.C.). O que no caso foi observado, só que o Tribunal a quo indeferiu a alegada nulidade, mantendo a decisão reclamada (cfr. fls 17 a 22). Em consequência, deveria ser deste despacho – o que indefere a reclamada nulidade – é que caberia o recurso (Vide: Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, pág. 372). No caso, isso foi observado, porque a Recorrente põe em causa o despacho de indeferimento liminar, através da impugnação por via de recurso do despacho que conheceu da reclamação da nulidade. Aqui chegados já concluímos que o despacho de indeferimento liminar está previsto na lei no pressuposto de que não há lugar ao cumprimento prévio do contraditório. Também já vimos que a questão da competência dos tribunais era meramente jurídica e não carecia de prova. Acresce que é matéria de conhecimento oficioso, sendo que a possibilidade da sua apreciação não era verdadeiramente surpresa para a exequente. Finalmente cumpre agora ter em consideração que, mesmo que se entendesse que se verificou uma nulidade, ela é secundária ou relativa, e, portanto, só seria relevante se se demonstrasse que se tivesse sido cumprido o contraditório a decisão seria necessariamente outra. Sucede que, o que decorre claramente dos autos é que o Tribunal a quo manteria sempre a mesma decisão, mesmo que tivesse ouvido a parte que ficou prejudicada pelo indeferimento liminar. Aliás, manteria sempre a mesma decisão e fundadamente, porque esta matéria tem sido recorrentemente apreciada pelos tribunais superiores nesse mesmo sentido.”. Admite-se que, como aponta a exequente, para além dos acórdãos invocados no despacho liminar proferido nestes autos, outros arestos se tenham pronunciado no sentido da competência dos Tribunais Judiciais para tramitar execuções com as características da presente. Contudo, não localizámos na base de dados de acesso livre nenhum acórdão nesse sentido. Mas não tendo qualquer razão para duvidar da exequente, sempre diremos que em todas as ocasiões em que foram suscitados conflitos de jurisdição, sempre o Tribunal de Conflitos decidiu nos termos acima expostos, ou seja, no sentido de que a competência para tramitar execuções com as caraterísticas dos presentes autos é dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e não dos Tribunais Judiciais. Com efeito, já antes de ter sido proferido o despacho de indeferimento liminar proferido nos presentes autos tinha sido prolatado o ac. do Tribunal de Conflitos 24-04-2017 (Fonseca da Paz), p. 037/16, em cujo sumário se pode ler: “I– A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. II– Reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS, ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, para cuja apreciação são competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF. III– Estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aplicáveis, por força dos artºs. 106.º, da Lei n.º 4/2007, de 16/1 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, o disposto no art.º 60.º dessa Lei e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, de 9/2, pelo que será através do processo de execução fiscal nos mesmos termos que são estabelecidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.” E meses após a prolação do mesmo despacho de indeferimento liminar foram proferidos os acs. do Tribunal de Conflitos de 05-07-2018 (Costa Reis), p. 02/18, e de 01-12-2018 (José Raínho), p. 044/17, que reiteraram o mesmo entendimento. Neste último pode ler-se: ”A CPAS foi criada pelo DL n.º 36550, de 22/10/47, como instituição de previdência reconhecida pela Lei n.º 1884, de 16/3/35 e pertencente à categoria "caixas de reforma ou de previdência". A previdência social foi definida pela Base XXV, n.º 1, da Lei n.º 2115, de 18/6/62, como a atividade que, mediante o pagamento regular ou irregular de quantias fixas ou variáveis, se propunha conceder benefícios pecuniários ou de outra natureza, no caso de se verificarem factos contingentes relativos à vida ou à saúde dos interessados, à sua situação profissional ou aos seus encargos familiares. De acordo com a Base III, n.º 3, desta lei de bases do sistema de previdência social, as caixas de reforma ou de previdência eram as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exerciam determinadas profissões, serviços ou atividades. O art.º 63.º, n.º 1, da CRP, veio estabelecer que todos tinham direito à segurança social, sendo objetivo do sistema, nos termos do n.º 3 deste preceito, o de proteger os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Traduzindo-se a segurança social num direito a prestações pecuniárias destinadas a garantir as necessidades de subsistência, é manifesto que as instituições que se destinam a exercer a previdência - uma das componentes do sistema de segurança social - realizam uma função de segurança social. A Lei n.º 28/84, de 14/8 (Lei de Bases do Sistema de Segurança Social), dispôs que as instituições de previdência seriam gradualmente integradas no sistema de segurança social e que as criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, de 31/12 (Lei Orgânica da Segurança Social), ficavam sujeitas, com as adaptações necessárias, àquela lei e à legislação dela decorrente (cf. artºs. 68.º e 79.º). De acordo com o seu art.º 46.º, n.º 2, a cobrança coerciva das contribuições para a segurança social seria feita através do processo de execução fiscal, cabendo aos respetivos tribunais a competência para conhecer das impugnações ou contestações suscitadas pelas entidades executadas. A Lei n.º 17/2000, de 8/8, que revogou aquela Lei n.º 28/84, aprovando as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social, manteve que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 e estabeleceu que a cobrança coerciva dos valores relativos às quotizações e às contribuições era efetuado através de processo executivo e de secção de processos da segurança social (art.º 63.º, n.º 1) e que, enquanto não fosse legalmente definido o processo de execução previsto naquele art.º 63.º, n.º 1, a referida cobrança coerciva seria feita através do processo de execuções fiscais. O DL n.º 42/2001, de 9/2, apenas pretendendo aplicar o disposto no CPPT ao sistema de solidariedade e segurança social, "dando continuidade ao trabalho já realizado, deixando para mais tarde e depois de algum tempo de prática a alteração do quadro legislativo em vigor" (cf. preâmbulo), criou as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, estabelecendo, no seu art.º 2.º, o seguinte: "1– O presente diploma aplica-se ao processo de execução de dívidas à segurança social. 2– Para efeitos do presente diploma, consideram-se dívidas à segurança social todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares e coletivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas a contribuições sociais, taxas, incluindo os adicionais, juros, reembolsos, reposições e restituições de prestações, subsídios e financiamentos de qualquer natureza, coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contraordenações, custas e outros encargos legais”. A Lei n.º 32/2002, de 20/12, revogou a Lei n.º 17/2000, mas, tal como esta, estatuiu que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 (cf. art.º 126.º) e que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições seria efetuado através do processo executivo e da secção de processos da segurança social (cf. art.º 48.º). Esta Lei foi revogada pela Lei de bases da segurança social atualmente em vigor (Lei n.º 4/2007, de 16/1), a qual estabeleceu que a estrutura orgânica do sistema compreendia os serviços que faziam parte da administração direta e da administração indireta do Estado, que eram pessoas coletivas de direito público denominadas instituições de segurança social (cf. art.º 94.º). Quanto às quotizações e contribuições não pagas, como quaisquer outros montantes devidos, seriam objeto de cobrança coerciva nos termos gerais (cf. art.º 60.º). Relativamente às instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, estatuiu-se que se mantinham autónomas com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições dessa lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cfr. art.º 106.º). O novo regulamento da CPAS, publicado em anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, ao estabelecer o regime específico de segurança social dos advogados e solicitadores, reafirmou que essa Caixa era uma instituição de previdência autónoma, visando fins de previdência e de proteção social, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa que se regia por esse regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 1.º), estando sujeita à tutela do Governo (cf. art.º 97.º) e gozando das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e previdência (cf. art.º 98.º). Relativamente às contribuições não pagas, o art.º 81.º n.º 5, estatuiu que a certidão de dívida emitida pela direção constituía título executivo, devendo obedecer aos requisitos previstos no Código do Procedimento e Processo Tributário. Resulta do exposto que o pagamento forçado das contribuições para a segurança social, enquanto verdadeiras quotizações sociais que sendo imposições parafiscais apresentam grande semelhança com os impostos (cf. Ac. do T.Conflitos de 17/1/2008 – Conf. n.º 16/07) será feito através de processo de execução fiscal nas secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, cabendo aos tribunais tributários neles exercer a atividade de natureza jurisdicional (cf. art.º 151.º, n.º 1, do CPPT). Decorre ainda do que ficou referido, que a CPAS, tendo por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respetivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. Com a sua criação foi, pois, instituído, para os advogados e solicitadores, um verdadeiro regime de segurança social, embora de natureza especial, que ainda perdura. Independentemente da sua qualificação como uma verdadeira instituição de segurança social, tanto a doutrina (cf. Freitas do Amaral in "Curso de Direito Administrativo", 2012, págs. 370/371 e Mário Esteves de Oliveira in “Direito Administrativo”, Vol. I, 1984, pág. 213), como a jurisprudência deste Tribunal (cfr. Ac. De 2/10/2008, proferido no Conflito n.º 010/08) tem entendido que se trata de uma pessoa coletiva pública. E, efetivamente, cremos que não pode deixar de assim ser qualificada, atendendo a que foi criada por ato normativo e iniciativa estadual, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, na vertente da previdência, em benefício de um determinado universo delimitado funcionalmente, sendo dotada de prerrogativas de direito público, isto é, exorbitantes de direito privado. Assim, no caso vertente, reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS (pessoa coletiva de direito público), ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, dado que nela a Caixa intervém no exercício de um poder de autoridade que lhe é conferido diretamente pela lei sendo, em consequência, competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos Art.s 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF. E estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aqui aplicáveis, por força dos Art.s 106.º, da Lei n.º 4/2007 e 1.º do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, o disposto no Art.° 60.º da Lei n.º 4/2007 e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, pelo que será através do processo de execução fiscal nos termos que ficaram referidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.»”. Face a tal jurisprudência, não temos qualquer dúvida em concluir que para além de não ser legalmente admissível, a audição da exequente antes da prolação do despacho liminar constituiria um ato absolutamente desnecessário, na medida em que o resultado final seria rigorosamente o mesmo, ou seja, o indeferimento liminar do requerimento executivo. Nessa medida, ainda que não se entendesse, como entendemos, que nos casos de indeferimento liminar nunca há lugar à prévia audição do autor, requerente ou exequente, sempre se teria que concluir que sendo manifesta a verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, no caso a incompetência material dos Tribunais Judiciais, sempre o exercício do contraditório seria dispensável, nos termos previstos no art. 3º, nº 3 do CPC. Tanto basta para conduzir à conclusão de que no caso dos autos a preterição daquela formalidade não configura qualquer nulidade. B– Da taxa sancionatória especial (conclusões 11- a 13-) Estabelece o art. 531º do CPC que “por decisão fundamentada pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”. A medida da taxa-sanção em apreço é a prevista no 10º do RCP que dispõe que a mesma deve ser fixada pelo juiz, entre o mínimo de 2 e o máximo de 15 UCs. Interpretando o citado preceito do CPC, ensinam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA que a mencionada sanção se justifica “nas situações em que, apesar de a sua atuação não atingir gravidade que justifique a condenação como litigante de má-fé, se reflita na dedução de pretensões, meios de defesa, incidentes ou recursos manifestamente improcedentes e que, além disso, revelem a violação das regras de prudência ou diligência devida (…). O legislador sanciona comportamentos da parte praticados com negligência simples, considerando essas condutas contrárias ao sistema (…) sendo que a imprudência não advém da mera existência de jurisprudência em sentido inverso à pretensão (…)”[7] Aderem assim os referidos autores ao sustentado por PAULA COSTA E SILVA, no sentido de que aquela sanção pressupõe que “a pretensão, só por si, deve ser qualificada como manifestamente improcedente”[8]. São, pois, fundamento da aplicação desta taxa excecional a manifesta improcedência da dedução, oposição, incidente ou recurso, e a negligência simples da parte. No caso vertente, entendeu o Tribunal a quo que “Mais do que imprudência, com o requerimento apresentado a CPAS evidenciou o propósito de praticar um acto perfeitamente inútil e contra toda a Jurisprudência, e fazendo com que tivessem sido mobilizados meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo”. Pela nossa parte, estamos convencidos de que a situação justifica enquadramento diverso. Na verdade, em nosso entender, ajustam-se plenamente as considerações expendidas no ac. RL 16-05-2019 (Eduardo Petersen Silva), p. 5578/17.7T8ALM.L1-6, onde se escreveu: “Se pensarmos que à data de interposição do requerimento de arguição de nulidade não tinham sido prolatadas todas as decisões que o tribunal recorrido invocou, mas apenas o (…) Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, proferido no processo nº 6988/16.2T8PRT.P1 (…), e se pensarmos sobretudo que o que está em causa é a arguição de nulidade por violação do princípio do contraditório – é esta actividade que o tribunal recorrido foi chamado a ter – e que aqui a jurisprudência em sentido contrário não é assim tanta, menos sustento temos, apesar de tudo, para encontrar uma evidência do propósito da exequente em “praticar um acto perfeitamente inútil e contra toda a Jurisprudência, e fazendo com que tivessem sido mobilizados meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo”, uma negligência na invocação de fundamento manifestamente improcedente, uma intencionalidade dilatória – que aliás é perfeitamente incoerente com o facto da exequente querer obter o valor que reputa devido – um bloqueio da acção geral da Justiça, que deva por esta ser penalizado, nos termos do artigo 531º do CPC” (…)” – No mesmo sentido cfr. o já citado ac. RL 21-02-2019. Na verdade, importa reter que à data em que foi deduzido o incidente de arguição de nulidade (01-03-2018) já tinham sido proferidos acórdãos reconhecendo a nulidade invocada, como por ex. os já mencionados acs. RC 29-01-2018 (Luís Cravo), p. 3550/17.6T8CBR.C1, e RC 05-02-2017 (Arlindo Oliveira), p. 6097/17.7T8CBR.C1, cuja doutrina confere plausibilidade à tese da nulidade invocada pela recorrente. Nesta conformidade concluímos – como o fez o aresto citado – que no caso vertente não se verificam os pressupostos de que depende a condenação em taxa sancionatória excecional. Não obstante, tal não significa que o processado resultante da arguição de nulidades esteja isento de taxa de justiça. Com efeito, a arguição de nulidades constitui um incidente, previsto e regulado nos art. 195º a 202º do CPC. Por se tratar de um incidente expressamente previsto e regulado na Lei processual civil, o mesmo não configura um incidente anómalo, como é referido na decisão recorrida, mas um incidente típico, a integrar na rubrica “outros incidentes” da tabela II anexa ao RCP. A taxa de justiça deve, pois, ser fixada entre 0,5 e 5 UCs. No caso em apreço, considerando este Tribunal que a tramitação processual não prevê o exercício de contraditório prévio à prolação de despacho de indeferimento liminar, sendo também inequívoca a incompetência material do Tribunal, entendemos que a taxa de justiça deve ser fixada perto do seu limite máximo. Assim sendo, será a mesma fixada em 4 UCs. V–DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação parcialmente procedente, e em consequência: a)- Confirmar o decidido quanto ao mérito do incidente de arguição de nulidade invocado pela exequente; b)- Alterar a decisão recorrida, na parte relativa a custas, revogando a condenação da exequente no pagamento de taxa sancionatória excecional, fixando-se a taxa de justiça relativa ao incidente de arguição de nulidades em 4 U.C. (tabela II anexa ao RCP, rubrica (“outros incidentes”) Valor do incidente decidido na decisão recorrida: O da execução. Custas pela apelante, na proporção de 4/5 (art. 527º n.º 1 do CPC). Lisboa, 24 de setembro de 2019 [9] Diogo Ravara Ana Rodrigues da Silva Micaela Sousa [1]Aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29-06, e alterado pelo DL n.º 116/2018, de 21-12. [2]Aprovado pelo DL 34/2008, cuja redação mais recente foi conferida pela Lei 27/2019, de 28-03, e adiante mencionado pela sigla “RCP”. [3]Fls. 2 a 13. [4]Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117 [5]Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119 [6]Inédito. [7]“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2018, p. [8]“A litigância de má-fé”, Coimbra Editora, 2008, p. 445. [9]córdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |