Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:03/18
Data do Acordão:07/05/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Sumário:Estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aplicáveis, por força dos artºs. 106.º, da Lei n.º 4/2007, de 16/1 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, o disposto no art.º 60.º dessa Lei e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, de 9/2, pelo que será através do processo de execução fiscal nos mesmos termos que são estabelecidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.
Nº Convencional:JSTA000P23499
Nº do Documento:SAC2018070503
Data de Entrada:01/15/2018
Recorrente:CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA - JUÍZO DE EXECUÇÃO DE LISBOA - JUIZ 5 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos:

1. A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS) intentou, nos juízos de execução de Lisboa, contra A………………, acção executiva para cobrar a quantia de € 86.016,13, acrescida dos juros moratórios vincendos sobre o valor das contribuições em dívida, apresentando como título executivo a certidão de dívida emitida pela Direcção daquela Caixa.
Aquele Tribunal declarou-se materialmente incompetente para julgar o pedido formulado naquele requerimento, tendo absolvido o executado da instância.
A CPAS interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa mas este, por acórdão de 2/11/2017, negou-lhe provimento confirmando decisão recorrida.
A CPAS interpôs, então, ao abrigo do art.º 101.º, n.º 2, do CPC, recurso para este Tribunal de Conflitos tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso para o Tribunal dos Conflitos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão de primeira instância que indeferiu liminarmente a presente acção executiva, pelo facto de ter julgado o tribunal judicial como materialmente incompetente para a decisão e tramitação deste processo executivo.
2. O presente recurso é interposto nos termos do disposto no art.º 101.º, n.º 2, do CPC, uma vez que, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado incompetente o tribunal judicial para dirimir e tramitar a presente acção executiva, pelo facto de a mesma «pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal de Conflitos».
3. O tribunal competente em razão da matéria, para julgar e tramitar a acção executiva proposta pela CPAS para cobrar as contribuições devidas pelo Beneficiário A……………. é o tribunal judicial da comarca de Lisboa Norte – Juízo de Execução de Loures Juiz 3 pelo que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, deveria ter sido outra.
4. Julgando o tribunal judicial como materialmente competente, porquanto a decisão não tomou em conta as particularidades da natureza e regime jurídico da própria CPAS.
5. Por outro lado, o acórdão recorrido, não levou em devida conta a comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em que esta entidade se mostrou indisponível para propor os processos executivos para cobrança das contribuições em dívida à CPAS, por falta de norma habilitante para o efeito.
6. A CPAS, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística. Com efeito.
7. A CPAS «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. art.º 1.º, n.º 1, do regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/6) não fazendo parte do sistema público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in “Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva”).
8. A CPAS não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. art.º 97.º do regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/6), sendo essa tutela meramente inspectiva.
9. A CPAS não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado.
10. Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores».
11. Mas além disso, a CPAS não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
12. Pelo que a CPAS não deve ser qualificada como uma “mera pessoa colectiva de direito público”, mas antes como uma entidade (“sui generis”) de natureza mista.
13. Por outro lado, as contribuições para a CPAS não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.
14. De facto as contribuições para a CPAS assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.
15. A este facto acresce que, nos termos do disposto no art.º 80.º, n.º 4, do regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.
16. O que não sucede com as quotizações dos trabalhadores (por conta de outrem e por conta própria) para a Segurança Social que estão directamente dependentes da remuneração auferida e rendimento obtido.
17. O acórdão recorrido entendeu que «as relações jurídicas estabelecidas entre a CPAS e os seus associados são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al.ª o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF
18. Todavia, em face da natureza e regime pelo qual se rege a CPAS e tendo, igualmente, em atenção a natureza das contribuições, questiona-se se as relações entre a CPAS e os seus beneficiários serão, efectivamente, «relações de natureza administrativa» para o efeito do disposto na alínea o) do n.º 1 do art.. 4.º do ETAF.
19. Pelo que, tendo a CPAS uma natureza mista, questiona-se se as relações entre a Caixa e os seus beneficiários poderão, simplesmente, ser qualificadas como tendo «natureza administrativa».
20. E, desse modo, considerar excessivo qualificar as relações jurídicas entre a CPAS e os seus beneficiários como sendo de «natureza jurídica administrativa» para efeitos da competência atribuída pela nova al.ª o) do n.º 1 do art.º 42 do ETAF aos tribunais administrativos e fiscais.
21. Nos termos do Acórdão recorrido, a entidade competente para cobrar coercivamente as contribuições em dívida à CPAS seria a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), através do processo de execução fiscal.
22. Ora, o n.º 2 do art.º 148.º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
23. No novo regulamento da CPAS, aprovado pelo Dec. Lei n.º 119/2015, de 29/06, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à CPAS sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças.
24. O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da CPAS, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à Direcção da CPAS.
25. Ora, o Acórdão recorrido não se demoveu perante a impossibilidade prática enfrentada pela CPAS para cobrar as contribuições em dívida pelos seus Beneficiários.
26. Pois, não obstante o Tribunal da Relação de Lisboa ter reconhecido a dificuldade da CPAS para cobrar as dívidas de contribuições, entendeu que tal cobrança seria da competência da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a realizar em sede de execução fiscal, o que equivale a um verdadeiro “beco sem saída”.
27. Uma vez que a solução apontada pelo Acórdão recorrido foi já recusada pela AT, por falta de norma habilitante para o efeito.
28. Mas, além disso, caso a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) viesse a aceitar cobrar, no âmbito do processo de execução fiscal, as contribuições em dívida à CPAS, e dado que não existe norma habilitante para o efeito, o mais certo é que os beneficiários executados se viessem opor alegando, certamente com sucesso, que a AT não tinha competência para tal propósito.
29. E porque “não há direito sem acção”, não restaria à CPAS outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
30. Assim, a interpretação das referidas normas de modo a concluir pela incompetência do Tribunal a quo, acarretaria o incumprimento de preceito constitucional, constante do art.20.º, n.º 1, da CRP, que estipula que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses Iegalmente protegidos... »
31. Tendo em conta o princípio constitucional previsto no art.º 20.º, n.º 1, da CRP que dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos...», a interpretação conjugada da alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 32/2002, de 19/02) e do n.º 2 do art.º 148.º do CPPT, perfilhada na sentença recorrida, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a CPAS e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1, da CRP, na medida em que, como vimos, levará a um verdadeiro “beco sem saída” pois a CPAS ficaria, dessa forma, sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.
32. Pois, as dívidas à CPAS não poderão ser cobradas judicialmente nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela AT, nem por meio de execuções fiscais promovidas peta Segurança Social, por falta de norma habilitante para o efeito.
33. E, além do mais, nos termos do disposto no art.º 64.º do Código do Processo Civil, «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».
34. A sentença recorrida violou, assim, o art.º 2.º, n.º 2 do CPC, o art.º 179.º, n.ºs 1 e 2 do NCPA e o art.º 148.º, n.º 2, do CPTA; e o art.º 81.º, n.º 5 do RCPAS, a al.ª o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o art.º 20.º, n.º 1, da CRP.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Ex.ma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer onde considerou que, nos termos dos art.ºs 1.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF, a competência para julgar a presente acção executiva estava sediada na jurisdição administrativa e fiscal.

2. A questão que se suscita neste Conflito é, como se vê, a de saber a quem cabe a competência para julgar a acção executiva intentada pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores contra um dos seus beneficiários pelas dívidas por ele contraídas com o não pagamento das contribuições que lhe eram devidas. Execução cujo título executivo é a certidão prevista no art.º 81.º, n.º 5, do Regulamento da CPAS, publicado em anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, emitida por essa Caixa.
O acórdão recorrido entendeu que as relações jurídicas estabelecidas entre a CPAS e os seus associados eram de natureza administrativa e, por isso, que os conflitos por elas gerados deviam ser dirimidos na jurisdição administrativa com um discurso fundamentador de que se destaca o seguinte:
“Como é posto em evidência no Ac RP 20/6/2016, a CPAS tem traços de entidade pública, desde logo por ter sido criada pelo Estado - pelo DL n° 36.550, de 22/10/1947 - como constituindo uma instituição de previdência, sendo que a L 4/2007, de 16/1/ (Bases Gerais do Sistema de Segurança Social), a manteve em actividade, referindo no seu art.º 106° que, «mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/17, de 31/12, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações».
É indiscutível, e isso mesmo resulta expresso do art.º 1° do Regulamento da Caixa de Previdência dos CPAS publicado em anexo ao DL 119/2015, que a CPAS visa «fins de previdência e de protecção social», e embora autónoma, se rege, nos termos do n° 2 dessa norma, «pelo presente Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações». Não deixa de estar sujeita à tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social - artigo 97° do respectivo Regulamento - e goza das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e de previdência social e de previdência estabelecidas na al.ª c) do n° 1 do art.º 9° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - artigo 98° do seu Regulamento.
Daí que estas características públicas têm sido suficientes para conduzirem a uma firmada tendência jurisprudencial nos Tribunais Administrativos no sentido de os mesmos serem os competentes para dirimirem os conflitos entre a CPAS e os seus associados, não se vendo motivo material para se inverter esse enraizado entendimento: cf. jurisprudência citada no já referido acórdão desta Instância
Por outro lado, no que toca à “indisponibilidade “ da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) para propor os processos executivos para cobrança das contribuições em dívida à CPAS, entendemos que não está a ser considerada a remissão para «os requisitos previstos no CPPT», que resulta do n° 5 do art.º 81° do referido Regulamento - «disposição especial» que, nos termos da al.ª d) do art.º 703° CPC, visa permitir que a certidão de dívida de contribuições emitida pela direcção da CPAS valha como título executivo - não pode deixar de implicar a expressa previsão para a utilização do processo de execução fiscal a que alude o n° 2 do art.º 148° do CPPT, ao dispor que «poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: a) outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo».
Assim sendo, ficam prejudicadas as conclusões atinentes à violação do preceito constitucional constante do art.° 20 n°1 da CRP.”

3. A questão acima enunciada foi recentemente decidida neste Tribunal - Acórdão de 27/04/2017 (rec. 37/16) – e, por isso, concordando com o entendimento então adoptado, limitar-nos-emos a acompanhar o que então se escreveu.
Lê-se nesse Aresto:
“A CPAS foi criada pelo DL n.º 36550, de 22/10/47, como instituição de previdência reconhecida pela Lei n.º 1884, de 16/3/35 e pertencente à categoria “caixas de reforma ou de previdência”.
A previdência social foi definida pela Base XXV, n.º 1, da Lei n.º 2115, de 18/6/62, como a actividade que, mediante o pagamento regular ou irregular de quantias fixas ou variáveis, se propunha conceder benefícios pecuniários ou de outra natureza, no caso de se verificarem factos contingentes relativos à vida ou à saúde dos interessados, à sua situação profissional ou aos seus encargos familiares. De acordo com a Base III, n.º 3, desta lei de bases do sistema de previdência social, as caixas de reforma ou de previdência eram as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exerciam determinadas profissões, serviços ou actividades.
O art.º 63.º, n.º 1, da CRP, veio estabelecer que todos tinham direito à segurança social, sendo objectivo do sistema, nos termos do n.º 3 deste preceito, o de proteger os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
Traduzindo-se a segurança social num direito a prestações pecuniárias destinadas a garantir as necessidades de subsistência, é manifesto que as instituições que se destinam a exercer a previdência – uma das componentes do sistema de segurança social – realizam uma função de segurança social.
A Lei n.º 28/84, de 14/8 (Lei de Bases do Sistema de Segurança Social), dispôs que as instituições de previdência seriam gradualmente integradas no sistema de segurança social e que as criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, de 31/12 (Lei Orgânica da Segurança Social), ficavam sujeitas, com as adaptações necessárias, àquela lei e à legislação dela decorrente (cf. art.ºs 68.º e 79.º). De acordo com o seu art.º 46.º, n.º 2, a cobrança coerciva das contribuições para a segurança social seria feita através do processo de execução fiscal, cabendo aos respectivos tribunais a competência para conhecer das impugnações ou contestações suscitadas pelas entidades executadas.
A Lei n.º 17/2000, de 8/8, que revogou aquela Lei n.º 28/84, aprovando as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social, manteve que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 e estabeleceu que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições era efectuado através de processo executivo e de secção de processos da segurança social (art.º 63.º, n.º 1) e que, enquanto não fosse legalmente definido o processo de execução previsto naquele art.º 63.º, n.º 1, a referida cobrança coerciva seria feita através do processo de execuções fiscais.
O DL n.º 42/2001, de 9/2, apenas pretendendo aplicar o disposto no CPPT ao sistema de solidariedade e segurança social, “dando continuidade ao trabalho já realizado, deixando para mais tarde e depois de algum tempo de prática a alteração do quadro legislativo em vigor” (cf. preâmbulo), criou as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, estabelecendo, no seu art.º 2.º, o seguinte:
“1- O presente diploma aplica-se ao processo de execução de dívidas à segurança social.
2- Para efeitos do presente diploma, consideram-se dívidas à segurança social todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares e colectivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas a contribuições sociais, taxas, incluindo os adicionais, juros, reembolsos, reposições e restituições de prestações, subsídios e financiamentos de qualquer natureza, coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contra-ordenações, custas e outros encargos legais”.
A Lei n.º 32/2002, de 20/12, revogou a Lei n.º 17/2000 mas, tal como esta, estatuiu que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 (cf. art.º 126.º) e que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições seria efectuado através do processo executivo e da secção de processos da segurança social (cf. art.º 48.º).
Esta Lei foi revogada pela Lei de bases da segurança social actualmente em vigor (Lei n.º 4/2007, de 16/1), a qual estabeleceu que a estrutura orgânica do sistema compreendia os serviços que faziam parte da administração directa e da administração indirecta do Estado, que eram pessoas colectivas de direito público denominadas instituições de segurança social (cf. art.º 94.º). Quanto às quotizações e contribuições não pagas, como quaisquer outros montantes devidos, seriam objecto de cobrança coerciva nos termos gerais (cf. art.º 60.º). Relativamente às instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, estatuiu-se que se mantinham autónomas com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições dessa lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 106.º).
O novo regulamento da CPAS, publicado em anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, ao estabelecer o regime específico de segurança social dos advogados e solicitadores, reafirmou que essa Caixa era uma instituição de previdência autónoma, visando fins de previdência e de protecção social, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa que se regia por esse regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 1.º), estando sujeita à tutela do Governo (cf. art.º 97.º) e gozando das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e previdência (cf. art.º 98.º). Relativamente às contribuições não pagas, o art.º 81.º, n.º 5, estatuiu que a certidão de dívida emitida pela direcção constituía título executivo, devendo obedecer aos requisitos previstos no Código do Procedimento e Processo Tributário.
Resulta do exposto que o pagamento forçado das contribuições para a segurança social, enquanto verdadeiras quotizações sociais que sendo imposições parafiscais apresentam grande semelhança com os impostos (cf. Ac. do T. Conflitos de 17/1/2008 – Conf. n.º 16/07) será feito através de processo de execução fiscal nas secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, cabendo aos tribunais tributários neles exercer a actividade de natureza jurisdicional (cf. art.º 151.º, n.º 1, do CPPT).
Decorre ainda do que ficou referido, que a CPAS, tendo por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. Com a sua criação foi, pois, instituído, para os advogados e solicitadores, um verdadeiro regime de segurança social, embora de natureza especial, que ainda perdura. Independentemente da sua qualificação como uma verdadeira instituição de segurança social, tanto a doutrina (cf. Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo”, 2012, págs. 370/371 e Mário Esteves de Oliveira in “Direito Administrativo”, vol. I, 1984, pág. 213), como a jurisprudência deste Tribunal (cf. Ac. de 2/10/2008, proferido no Conflito n.º 010/08) tem entendido que se trata de uma pessoa colectiva pública. E, efectivamente, cremos que não pode deixar de assim ser qualificada, atendendo a que foi criada por acto normativo e iniciativa estadual, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, na vertente da previdência, em benefício de um determinado universo delimitado funcionalmente, sendo dotada de prerrogativas de direito público, isto é, exorbitantes de direito privado.
Assim, no caso vertente, reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS (pessoa colectiva de direito público), ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, dado que nela a Caixa intervém no exercício de um poder de autoridade que lhe é conferido directamente pela lei sendo, em consequência, competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos art.ºs 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF. E estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aqui aplicáveis, por força dos art.ºs 106.º, da Lei n.º 4/2007 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, o disposto no art.º 60.º, da Lei n.º 4/2007 e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, pelo que será através do processo de execução fiscal nos termos que ficaram referidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.”

4. Finalmente, ainda se dirá que o entendimento subjacente no transcrito Aresto a propósito das normas aqui aplicadas não se traduz na violação do preceito constitucional invocado pela Recorrente - art.20.º, n.º 1, da CRP, que estipula que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos... » - uma vez que dele não se pode retirar que o alegado direito da Recorrente a executar os seus devedores pelas dívidas contraídas seja posto em causa ou diminuído e isto porque a única questão que ora está em causa é, apenas e tão só, a identificação da jurisdição onde o mesmo pode ser exercido.
São, assim, improcedentes todas as conclusões do recurso.


DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento do recurso e julgar competentes para a presente execução os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Sem custas.

Lisboa, 5 de Julho de 2018. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Manuel Pereira Augusto de Matos – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Leones Dantas – António Bento São Pedro – Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão.