Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR CONTRADITÓRIO DECISÃO SURPRESA TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 - O processamento desenhado pela lei processual civil não prevê um despacho pré liminar ao indeferimento liminar com vista à parte (no caso ao exequente) se pronunciar sobre uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que no despacho liminar o tribunal venha a considerar verificada. 2 – A “decisão surpresa” consoante resulta da própria expressão, pressupõe que a parte possa ser “surpreendida” por uma decisão que embora juridicamente possível, não tivesse nem pudesse ser por ela configurada, o que não sucede no caso dos autos em que quando da propositura da execução haviam tido lugar diversos indeferimentos liminares de idênticas execuções intentadas pela exequente e pelo mesmo fundamento – incompetência absoluta do Tribunal. 3 - Exigindo-se para a aplicação da taxa sancionatória excepcional prevista no art. 531 do CPC, desde logo, a manifesta improcedência e não se verificando tal à exequente não pode ser aplicada a referida taxa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – A «Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores» intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa acção executiva contra J.... Alegou, em resumo, no requerimento executivo que apresentou: O executado, sendo advogado de profissão, encontra-se obrigatoriamente inscrito na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), nos termos do disposto no art. 29, n.º 1 do Regulamento da CPAS, aprovado pelo D.L. 119/2015, de 29 de Junho e anteriormente nos termos do art. 5, nº 1 da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril. Encontra-se, assim, obrigado a pagar mensalmente as contribuições para a Caixa, a que se referem os arts. 79 e seguintes do Regulamento da CPAS. Sucede que o executado não tem pago essas contribuições – apesar de interpelado para tal - devendo em 1-6-2017 a quantia de 106.286,73 €, sendo 91.704,75 € de contribuições em dívida e 14.5581,98 € a título de juros, conforme certidão de dívida emitida pela CPAS, certidão essa que constitui o título executivo Pretende a exequente haver aquela quantia de 106.286,73 €, bem como os juros vincendos. Foi proferido despacho liminar que decidiu nos seguintes termos: «...declaro incompetente, em razão da matéria, o Juízo de Execução de Almada – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para a tramitação dos autos e, consequentemente, absolvo o executado J... da instância executiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 64.º, 96.º, alínea a), 97.º, 98.º, 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), ex vi do artigo 551.º, n.º 1, todos do NCPC». Veio a CPAS arguir uma nulidade processual, dizendo essencialmente: A decisão supra referida foi proferida sem que a CPAS, previamente, pudesse exercer o direito ao contraditório ou pronunciar-se sobre a questão da competência material dos tribunais comuns para decidir e tramitar os processos de execução para cobrança das contribuições em dívida pelos seus beneficiários; que tal omissão, com influência na decisão, configura uma nulidade processual, prevista no nº 1 do art. 195 do CPC, tendo em conta o disposto no nº 3 do art. 3 do CPC, por violação do princípio do contraditório. Concluiu dever o «despacho/sentença ser anulado em consequência da nulidade decorrente da omissão de pronúncia por parte da CPAS sobre a competência do tribunal judicial para dirimir o presente litígio». Face a tal requerimento o Tribunal proferiu o seguinte despacho - despacho recorrido: «...Em primeiro lugar, o artº 3º, nº 3 aplica-se às decisões sobre o mérito da causa e nunca às decisões sobre a competência do tribunal. Em segundo lugar, mal se pode aferir que a decisão em causa constituísse surpresa para a CPAS face ao teor do Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no processo nº 037/16 (em que foi relator Fonseca da Paz), do Acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2017, proferido no processo nº 17398/15.9T8LRS.L1-2 (em que foi relatora Maria Teresa Albuquerque), do Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, proferido no processo nº 6988/16.2T8PRT.P1 (em que foi relator Alberto Ruço), do Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, proferido no processo nº 9354-16.6T8LSB.L1-8 (em que foi relatora Teresa Prazeres Pais), jurisprudência unânime, que foi entretanto seguida no Acórdão da Relação de Guimarães de 07.12.2017, proferido no processo nº 2825.17.9T8VCT.G1 (em que foi relator Espinheira Baltar); no Acórdão da Relação de Évora de 25.01.2018, proferido no processo nº 3485/17.2T8ENT.E1 (em que foi relator Vítor Sequinho); no Acórdão da Relação de Coimbra de 27.11.2017, proferido no processo nº 2077/17.0T8ACB.C1 (em que foi relator Manuel Capelo); no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, proferido no processo nº 6611/17.8T8CBR.C2 (em que foi relator António Domingos Pires Robalo); e no Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2018, proferido no processo nº 3303/17.1T8ENT.E1 (em que foi relatora Conceição Ferreira). Pelo exposto, temos que a decisão ora reclamada não padece de qualquer nulidade, motivo pelo qual se indefere o incidente». Foi, ainda, decidido: «Custas do incidente anómalo pela CPAS, fixando-se em 10 UC a taxa de justiça, a título de taxa sancionatória excepcional (artº 531º do NCPC e 10º do RCP)». Apelou a exequente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1- A decisão de que se recorre viola os artigos 3º, nº 3 e 531º ambos do Código de Processo Civil. 2- A recorrente arguiu a nulidade de ato processual por omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve (artigo 195º, nº 1 do C.P.C.-), in casu por violação do princípio do contraditório. 3- A decisão de que se recorre defende que não havia que dar cumprimento ao princípio do contraditório por quanto esta não era uma decisão surpresa para a exequente face à existência de diversos acórdãos que entendem que os Tribunais Judicias não são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que a exequente é a CPAS. 4- É certo que a questão jurídica controvertida da incompetência material dos tribunais judiciais nas execuções propostas pela CPAS, tem vindo a ser colocada no âmbito de vários processos de execução intentados pela exequente, mas, também é certo, que até à data da decisão de que se recorre, uma grande parte dos Tribunais do país (de várias comarcas do país) proferiram despachos liminares de citação, pelo que se julgaram competentes para prosseguirem com as execuções. 5- Aliás, o próprio Tribunal donde emana a decisão recorrida, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada – Juiz 1, já após ter proferido a decisão que foi objeto de reclamação, proferiu em 28.02.2018 despacho de citação numa execução em tudo similar à atual (Proc. nº 5617/17.1T8ALM). (Doc.1) 6- Por outro lado, assiste razão à Recorrente para arguir a nulidade por omissão de ato – omissão do princípio do contraditório – uma vez que a questão da competência dos tribunais judiciais para julgar e tramitar as execuções propostas pela CPAS não é tão unânime como quer fazer crer a decisão de que se recorre. 7-Tanto assim, que o Tribunal da Relação de Lisboa – proc. 143/2018- 1ª Secção – por Acórdão de 13-07-2018, proferido no âmbito do processo n.º 3930/17.7T80ER.L 1, acolheu a argumentação da CPAS, e julgou que «… os Tribunais Comuns e nomeadamente os Juízos de Execução, são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que, como a presente, é exequente a CPAS». 8-Uma vez que o presente recurso tem como objeto o despacho que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de ato ou de formalidade que a lei preveja e não a questão controvertida da competência do Tribunal, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citada, é a prova de que a jurisprudência já não é toda contrária à argumentação da CPAS e que esta deveria ser ouvida antes da tomada de decisão. 9- Não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente ação, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC. 10- Aliás já existe numerosa jurisprudência que, em casos em tudo idênticos ao presente, decidiu a favor da arguida nulidade por violação do contraditório. Veja-se neste sentido Ac. TRP, de 29-05-18 (proc. nº2484/17.9T8MAI.P1), Ac. TRL de 17-01-18 (proc. nº 16591/17.4T8LSB.L1), Ac. TRE, de 30-04-18 (proc. nº 1508/17.4T8SLV.E1), Ac. TRP, de 21-02-18 (proc. nº 2878/17.0T8LOU.P1) e Ac. TRC, de 30-02-17 (proc.nº6097/17.7T8CBR.C1). 11- Face a tudo o supra argumentado não pode deixar de se entender que a condenação da CPAS numa taxa sancionatória excecional, nos termos do artigoº 531º do C.P.C. não tem qualquer fundamento. 12- É que, ao contrário do que a decisão recorrida defende, o recorrente agiu com a prudência e diligência devidas conforme atesta a vária jurisprudência citada, que decidiu que a CPAS deve ser previamente notificada para se pronunciar sobre a competência do Tribunal em razão da matéria. 13- A decisão que condena a CPAS no pagamento de uma taxa sancionatória viola o artigo 531º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada. Dos autos não constam contra alegações. * II - Tendo em consideração o teor das alegações de recurso (que delimitam o âmbito da apelação) no seu confronto com a decisão recorrida, as únicas questões que se nos colocam são as referentes à ocorrência da invocada nulidade processual por violação do princípio do contraditório, bem como o circunstancialismo dos autos permitir a aplicação da taxa sancionatória prevista no art. 531 do CPC. * III – Os termos de facto da questão são os que decorrem do relatório supra enunciado. * IV – 1 - Sustenta a apelante que no caso dos autos foi violado o preceituado no nº 3 do art. 3 do CPC. Dispõe o nº 3 do art. 3 do CPC: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». Tal preceito consagra o princípio do contraditório – princípio estruturante do nosso direito processual civil - numa vertente proibitiva da decisão surpresa. Explica Lebre de Freitas ([1]) que a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões de direito material ou processual de que o tribunal pode conhecer oficiosamente; se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz que nelas entenda basear a decisão deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade. Estamos, porém, no âmbito de um despacho liminar – na realidade a absolvição do executado da instância executiva corresponde aqui a um indeferimento liminar, dada a verificação da incompetência em razão da matéria do Tribunal. No processo executivo, consoante decorre do nº 2-b) do art. 726 do CPC o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias não supríveis de conhecimento oficioso - como é o caso da incompetência absoluta (em razão da matéria), tal como resulta dos arts. 97, nº 1, 99, nº 1 e 577-a) do CPC. Ora, afigura-se-nos que o processamento desenhado pela lei processual civil não prevê um despacho pré liminar ao indeferimento liminar com vista à parte (no caso ao exequente) se pronunciar sobre uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que no despacho liminar o tribunal venha a considerar verificada. Como entendeu a Relação de Évora no seu acórdão de 28-6-2018 ([2]): «Não faz sentido a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar. Pela sua própria natureza e tal como a sua designação inculca, o despacho de indeferimento liminar não é precedido por qualquer outro despacho, nomeadamente com a função acima referida, sob pena de deixar de merecer o qualificativo de liminar. Não faria sentido e constituiria uma verdadeira contradição nos termos a prolação de despacho liminar depois de outro despacho. Já não estaríamos, obviamente, perante um despacho liminar. Ora, se é a própria lei a admitir a prolação de despacho de indeferimento liminar em determinadas situações, nomeadamente quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, é seguro que, nessas situações, não há lugar a contraditório prévio. Se fosse outra a intenção do legislador, certamente este teria cuidado de deixar de designar tal despacho de indeferimento como liminar». Aliás, já nesse sentido se pronunciara a Relação de Lisboa no acórdão de 10-5-2018 ([3]) ali se dizendo quanto aos despachos liminares «independentemente de incidirem sobre uma petição inicial, um requerimento executivo ou um recurso»: «A própria expressão logo inculca a ideia de que um tal despacho tem como antecedente directo, único e imediato um requerimento; e, no processo civil, quando uma parte formula um qualquer pedido está ciente da possibilidade da sua imediata rejeição, o que afasta ou pelo menos desvirtua o conceito de decisão-surpresa. Sabendo disso e de todo um passado em que o despacho liminar constituiu a regra nas acções declarativas e executivas, o legislador não se limitaria ao enunciado geral do princípio no art.º 3º se tivesse em mente a prévia audição das partes antecedendo o despacho liminar (cuja designação seria outra...); teria previsto expressamente aquilo que seria um despacho preliminar ao despacho liminar. Convenhamos que, em termos de política legislativa, seria uma forma de complicar a tramitação processual quando o objectivo prosseguido nas últimas reformas processuais tem sido precisamente o inverso. Para assegurar o contraditório em tais circunstâncias o mecanismo teria de ser diverso; e assim sucede, tanto ao nível da apreciação liminar em primeira instância quer em sede de admissibilidade, ou não, de um recurso: conferir às partes a possibilidade de recorrerem ou reclamarem. No caso específico da acção executiva a solução consta expressamente do n.º 3 do art.º 853º do Código de Processo Civil: “Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo…” É quanto basta, do nosso ponto de vista, para se considerar assegurado o contraditório nos casos excepcionais em que o despacho liminar seja de indeferimento». Também a Relação de Coimbra, no seu acórdão de 27-2-2018 ([4]) decidiu que no «caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes». Ali se dizendo: «Através da apresentação em juízo da petição ou requerimento inicial o autor exerce o direito de acção, iniciando-se a relação jurídico-processual apenas relativa ao autor, pois o “conflito de interesses que a acção pressupõe” (art.3 nº1 CPC) só se inicia com o chamamento à “lide” do réu, e por conseguinte apenas a partir daqui é que nasce o que é costume designar-se por “estrutura dialéctica do processo”. O despacho de indeferimento liminar é uma espécie dentro do género da “rejeição liminar”, e ocorre no caso de inviabilidade “lato sensu” da pretensão (onde se insere a falta insuprível de pressupostos processuais), em que a lei elenca taxativamente as causas relevantes da rejeição. Neste contexto, a imposição de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar parece ser em si mesmo contraditório porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faz sentido a parte ser ouvida preliminarmente». Aderimos a esta argumentação que transcrevemos. Por outro lado, transcrevendo as palavras do acórdão do STJ de 24-2-2015 ([5]) diremos que a «decisão surpresa, como os vocábulos indicam, faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela...» Ora, a presente execução foi intentada em 28-6-2017. Naquela data já haviam tido lugar diversos indeferimentos liminares de idênticas execuções intentadas pela exequente e pelo mesmo fundamento – incompetência absoluta do Tribunal. A eles se vieram a reportar diversos acórdãos, proferidos nesta e em outras Relações. Assim, nesta Relação e Secção, mencionamos o acórdão de 9-3-2017 proferido no processo nº 17398/15.9T8LRS.L1 ([6]) que concluiu pela incompetência absoluta do Tribunal. Outros acórdãos, no mesmo sentido, foram proferidos nas várias Relações ([7]), havendo que salientar a propósito, dada a sua relevância, o acórdão do Tribunal de Conflitos de 27-04-2017 ([8]) que decidiu: «I – A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. II – Reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS, ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, para cuja apreciação são competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF. III – Estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aplicáveis, por força dos artºs. 106.º, da Lei n.º 4/2007, de 16/1 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, o disposto no art.º 60.º dessa Lei e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, de 9/2, pelo que será através do processo de execução fiscal nos mesmos termos que são estabelecidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.» Deste modo, quando a execução foi intentada, a exequente forçosamente sabia que a sua perspectiva sobre a competência do Tribunal não era unívoca, sendo que a maioria da jurisprudência pendia em sentido contrário do por ela adoptado. Não poderia, assim, ignorar a exequente que a questão relativa à (in)competência do Tribunal em razão da matéria se colocava significativamente; querendo, poderia então aduzir os argumentos jurídicos atinentes, estando, como estava, alertada para o efeito – o que não fez. Certo é que em concreto, a decisão de indeferimento não poderia constituir para a exequente uma surpresa, atendendo a todas as outras decisões que já haviam sido proferidas em processos similares. Referia Lopes do Rego ([9]) que a «audição excepcional e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela». Dizendo, ainda, que a negligência da parte interessada que deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos «não merece naturalmente tutela». Neste contexto, foi entendido no acórdão da Relação do Porto de 13-6-2018 ([10]), sobre caso similar, que «não pode considerar-se estar em presença de uma questão jurídica inesperada ou surpreendente no apontado sentido, porquanto a questão da incompetência material dos tribunais judiciais, para além de conhecimento oficioso do tribunal, tem sido decidida no sentido defendido na decisão recorrida». Em termos semelhantes considerou o Tribunal da Relação de Coimbra no seu acórdão de 27-2-2018, acima citado: «A decisão-surpresa (art.3 nº3 CPC) pressupõe que a parte não possa perspectivar como sendo possível, ou seja, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse prognosticado no processo. Mas como se decidiu no Ac STJ de 17/6/2014, proc. nº 233/2000, em www dgsi.pt, “o art.3 do CPC não introduz no nosso sistema o instituto da proibição de decisões surpresa tal como foi configurado no direito alemão, mas apenas como possibilidade de, em plena igualdade as partes, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Constituindo a incompetência material do tribunal uma excepção dilatória insuprível (arts.577, 578 CPC) não se pode afirmar que a recorrente não pudesse prognosticar o seu conhecimento oficioso, tanto mais que a questão tem sido objecto de elaboração jurisprudencial que, de forma consolidada e uniforme, defere a competência material aos tribunais administrativos...» Pelo que concluímos que, no caso dos autos, não haveria o Tribunal de 1ª instância que proceder, previamente a ser proferido o despacho de indeferimento liminar, ao convite ao exequente a pronunciar-se sobre a questão da (in)competência em razão da matéria do Tribunal. Por nulidades do processo entendem-se quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais ([11]). Embora a violação do contraditório previsto no nº 3 do art. 3 seja susceptível de inclusão na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do nº 1 do art. 195 do CPC, essa violação não ocorreu, não havendo, pois, qualquer nulidade processual a considerar. * IV – 2 - O Tribunal de 1ª instância fixou em 10 UC’s a taxa de justiça, a título de taxa sancionatória excepcional. Dispõe o art. 531 do CPC que por «decisão fundamentada do juiz pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida». A actuação da parte não atingirá nestas hipóteses gravidade que justifique a condenação como litigante de má fé, sendo sancionados comportamentos da parte praticados com negligência simples, sendo a pretensão da parte manifestamente improcedente. No caso que nos ocupa o que está em causa é a arguição pela parte de nulidade processual por não haver sido dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 3 do CPC. Ora, afigurando-se embora que nas circunstâncias apontadas tal não se justifica – pelas razões a que acima aludimos – nem por isso a arguição da nulidade será qualificável como «manifestamente improcedente». Tanto assim é que há notícia de decisões em sentido diferente daquele que por nós foi assumido. Deste modo, na decisão singular proferida no Tribunal da Relação de Coimbra, datada de 29-1-2018 ([12]) foi entendido: «A decisão sobre a competência, em razão da matéria, proferida no despacho liminar sem que à Exequente tenha sido dada a oportunidade de sobre ela se pronunciar, viola o princípio do contraditório, constituindo uma “decisão-surpresa”, donde se o juiz proferiu decisão sobre uma tal questão sem conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a mesma, ao abrigo do art. 3º, nº 3, do novo CPC foi cometida a nulidade prevista no art. 195º do mesmo CPC». Como vimos, exige-se para aplicação da taxa sancionatória excepcional, desde logo, a manifesta improcedência – bem como que o acto da parte seja resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência; a improcedência é manifesta quando se revela óbvia, clara, indiscutível – o que não é o caso. Não se verificando a manifesta improcedência, à exequente não pode ser aplicada a taxa sancionatória em referência. * V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que aplica à parte a taxa sancionatória excepcional prevista no art. 531 do CPC, que assim deixa de ser aplicada e mantendo a decisão recorrida no demais. Custas da apelação pela apelante na proporção de 2/3. * Lisboa, 21 de Fevereiro de 2019 Maria José Mouro Jorge Vilaça Vaz Gomes [1] Em «Introdução ao Processo Civil», Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 133. [2] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 2621/17.3T8ENT.E1. [3] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 16173/17.0T8LSB.L1. [4] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 5500/17.0T8CBR.C1 . [5] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 116/14.6YLSB. [6] Podendo-se aceder a este último em www.dgsi.pt, proc. 17398/15.9T8LRS.L1-2. [7] Exemplificativamente enunciamos os seguintes acórdãos consultáveis em www.dgsi.pt: da Relação do Porto de 20-6-2016 proc. nº 6988/16.2T8PRT.P1; da Relação de Coimbra de27-11-2017, proc. 2077/17.0T8ACB.C1; da Relação de Guimarães de 7-12-2017, proc. 2825.17.9T8VCT.G1. [8] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. nº 37/16. [9] Em «Comentários ao Código de Processo Civil», Almedina, 1999, pags. 25-26. [10] Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. nº 15335/17.5T8PRT.P1. [11] Anselmo de Castro, «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, pag. 103. [12] Á qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. º 3550/17.6T8CBR.C1. |