Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5578/17.7T8ALM.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
DECISÃO SURPRESA
TAXA SANCIONATÓRIA ESPECIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Já tendo a parte conhecimento de decisões jurisprudenciais no sentido da incompetência material dos tribunais judiciais quando deu entrada de requerimento executivo nestes, já lhe era possível antever que a questão da competência seria discutível e por isso poderia adiantar os argumentos no sentido do convencimento do tribunal da sua competência.
II - De resto, quando está processualmente previsto um despacho liminar sobre um requerimento, a parte, a quem compete a verificação prévia dos pressupostos processuais, está consciente da possibilidade de indeferimento se os mesmos se não verificarem ou forem discutíveis, e por isso o despacho liminar que declara a incompetência do tribunal e que não mandou cumprir previamente a audição da parte em função do princípio do contraditório, não se apresenta como decisão-surpresa, não violando o referido princípio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Em 29.7.2017, a exequente A (…), com sede no (…), intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra B (…) ADVOGADA de profissão, pugnando pelo pagamento coercivo da quantia exequenda no valor de 12 622,91 €, por dívidas respeitantes a contribuições para a CPAS.
Sobre a petição executiva recaiu liminarmente despacho, apreciando a competência material do tribunal, e que a final decidiu, e citamos:
Em face do exposto, declaro incompetente, em razão da matéria, o Juízo de Execução de Almada – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para a tramitação dos autos e, consequentemente, absolvo a executada (…) da instância executiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 64.º, 96.º, alínea a), 97.º, 98.º, 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), ex vi do artigo 551.º, n.º 1, todos do NCPC.     Custas a cargo da exequente (cfr. artigo 527.º, n.º 1 do C.P.Civil)”.
Notificada, a exequente, veio esta “ao abrigo do disposto no art.º 195.º, n.º 1 do C.P.C., arguir a nulidade do acto processual – omissão que influiu na decisão da causa – pelo facto de a CPAS não ter sido previamente ouvida à decisão”, concluindo “Nestes termos e nos mais de direito, deve o despacho/sentença ser anulado em consequência da nulidade decorrente da omissão de pronúncia por parte da CPAS sobre a competência do tribunal judicial para dirimir o presente litígio. Por fim, deve a CPAS ser notificada para se pronunciar sobre a competência do tribunal em razão da matéria para decidir e tramitar as execuções para cobrança das contribuições em dívida à CPAS”.

O tribunal proferiu, sobre esta arguição, o seguinte despacho:
“Em requerimento datado de 07.12.2017, a CPAS vem arguir a nulidade da decisão de 21.11.2017 arguindo sucintamente que não foi cumprido o disposto no artº 3º, nº 3 do NCPC, o qual visa “impedir a denominada decisão-surpresa”.
A decisão de 21.11.2017 declara a incompetência absoluta deste Juízo de Execução, com os fundamentos dela constantes sendo competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais.
Cumpre decidir.
Em primeiro lugar, o artº 3º, nº 3 aplica-se às decisões sobre o mérito da causa e nunca às decisões sobre a competência do tribunal.
Em segundo lugar, mal se pode aferir que a decisão em causa constituísse surpresa para a CPAS face ao teor do Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no processo nº 037/16 (em que foi relator Fonseca da Paz), do Acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2017, proferido no processo nº 17398/15.9T8LRS.L1-2 (em que foi relatora Maria Teresa Albuquerque), do Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, proferido no processo nº 6988/16.2T8PRT.P1 (em que foi relator Alberto Ruço), do Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, proferido no processo nº 9354-16.6T8LSB.L1-8 (em que foi relatora Teresa Prazeres Pais), jurisprudência unânime, que foi entretanto seguida no Acórdão da Relação de Guimarães de 07.12.2017, proferido no processo nº 2825.17.9T8VCT.G1 (em que foi relator Espinheira Baltar); no Acórdão da Relação de Évora de 25.01.2018, proferido no processo nº 3485/17.2T8ENT.E1 (em que foi relator Víctor Sequinho); no Acórdão da Relação de Coimbra de 27.11.2017, proferido no processo nº 2077/17.0T8ACB.C1 (em que foi relator Manuel Capelo); no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, proferido no processo nº 6611/17.8T8CBR.C2 (em que foi relator António Domingos Pires Robalo); e no Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2018, proferido no processo nº 3303/17.1T8ENT.E1 (em que foi relatora Conceição Ferreira).
Pelo exposto, temos que a decisão ora reclamada não padece de qualquer nulidade, motivo pelo qual se indefere o incidente.
O artº 531º do NCPC preceitua que “por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.
A taxa sancionatória excepcional é fixada, pelo art. 10º do RCP, entre 2 e 15 UC.
A sanção em causa é aplicada, nos termos do art. 531º do CPC, quando o requerimento, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida. A definição da sanção, dentro dos limites previstos, depende assim do grau da “manifesta improcedência do requerimento” e do grau da omissão da “diligência devida”.
Por decisão fundamentada do juiz, e em casos excepcionais, pode pois ser aplicada uma taxa sancionatória aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento quando estes, sendo considerados manifestamente improcedentes:
a) Sejam resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o mérito da causa e se revelem meramente dilatórios; ou
b) Visando discutir também o mérito da causa, sejam manifestamente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de diligência e prudência da parte.
Trata-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, atribuindo-se ao juiz do processo o poder-dever de, nestas situações, “fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa” (do preâmbulo do Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
Mais que imprudência, com o requerimento apresentado a CPAS evidenciou o propósito de praticar um acto perfeitamente inútil e contra toda a Jurisprudência, e fazendo com que tivessem sido mobilizados meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo.
Assim, deverá ser sancionada em custas de incidente anómalo, as quais serão agravadas com taxa sancionatória excepcional.
Custas do incidente anómalo pela CPAS, fixando-se em 10 UC a taxa de justiça, a título de taxa sancionatória excepcional (artº 531º do NCPC e 10º do RCP).
Notifique.
Almada, 08-01-2019”[1]
Inconformada a CPAS veio interpor o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
1- A decisão de que se recorre viola os artigos 3º, nº 3 e 531º ambos do Código de Processo Civil.
2- A recorrente arguiu a nulidade de ato processual por omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve (artigo 195º, nº 1 do C.P.C.-), in casu por violação do princípio do contraditório.
3- A decisão de que se recorre defende que não havia que dar cumprimento ao princípio do contraditório por quanto esta não era uma decisão surpresa para a exequente face à existência de diversos acórdãos que entendem que os Tribunais Judicias não são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que a exequente é a CPAS.
4- É certo que a questão jurídica controvertida da incompetência material dos tribunais judiciais nas execuções propostas pela CPAS, tem vindo a ser colocada no âmbito de vários processos de execução intentados pela exequente, mas, também é certo, que até à data da decisão de que se recorre, uma grande parte dos Tribunais do país (de várias comarcas do país) proferiram despachos liminares de citação, pelo que se julgaram competentes para prosseguirem com as execuções.
5- Aliás, o próprio Tribunal donde emana a decisão recorrida, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada – Juiz 1, já após ter proferido a decisão que foi objeto de reclamação, proferiu em 28.02.2018 despacho de citação numa execução em tudo similar à atual (Proc. nº 5617/17.1T8ALM). (Doc.1)
6- Por outro lado, assiste razão à Recorrente para arguir a nulidade por omissão de ato – omissão do princípio do contraditório – uma vez que a questão da competência dos tribunais judiciais para julgar e tramitar as execuções propostas pela CPAS não é tão unânime como quer fazer crer a decisão de que se recorre.
7-Tanto assim, que o Tribunal da Relação de Lisboa – proc. 143/2018- 1ª Secção – por Acórdão de 13-07-2018, proferido no âmbito do processo n.º 3930/17.7T80ER.L 1, acolheu a argumentação da CPAS, e julgou que «… os Tribunais Comuns e nomeadamente os Juízos de Execução, são competentes em razão da matéria para tramitar as execuções em que, como a presente, é exequente a CPAS».
8-Uma vez que o presente recurso tem como objeto o despacho que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de ato ou de formalidade que a lei preveja e não a questão controvertida da competência do Tribunal, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citada, é a prova de que a jurisprudência já não é toda contrária à argumentação da CPAS e que esta deveria ser ouvida antes da tomada de decisão.
9- Não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente ação, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC.
10- Aliás já existe numerosa jurisprudência que, em casos em tudo idênticos ao presente, decidiu a favor da arguida nulidade por violação do contraditório. Veja-se neste sentido Ac. TRP, de 29-05-18 (proc. nº2484/17.9T8MAI.P1), Ac. TRL de 17-01-18 (proc. nº 16591/17.4T8LSB.L1), Ac. TRE, de 30-04-18 (proc. nº 1508/17.4T8SLV.E1), Ac. TRP, de 21-02-18 (proc. nº 2878/17.0T8LOU.P1) e Ac. TRC, de 30-02-17 (proc.nº6097/17.7T8CBR.C1).
11- Face a tudo o supra argumentado não pode deixar de se entender que a condenação da CPAS numa taxa sancionatória excecional, nos termos do artigoº 531º do C.P.C. não tem qualquer fundamento.
12- É que, ao contrário do que a decisão recorrida defende, o recorrente agiu com a prudência e diligência devidas conforme atesta a vária jurisprudência citada, que decidiu que a CPAS deve ser previamente notificada para se pronunciar sobre a competência do Tribunal em razão da matéria.
13- A decisão que condena a CPAS no pagamento de uma taxa sancionatória  viola o artigo 531º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que reconheça o direito da CPAS se pronunciar sobre a competência do presente tribunal para julgar a presente ação e ainda revogada a decisão que condena a CPAS no pagamento da taxa sancionatória excecional.
Não foram produzidas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir se ocorreu nulidade processual por violação do contraditório e em caso negativo se não é devida a condenação da recorrente em taxa sancionatória especial.
III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.
IV. Apreciação
O presente colectivo já teve oportunidade de apreciar um caso em tudo idêntico, no âmbito do processo 9430/16.5T8ALM.L1, julgado em 11.10.2018.
Aí considerámos:
“Como se vê do despacho que indeferiu a arguição de nulidade, o entendimento jurídico que permitiu ao tribunal recorrido proferir de imediato, isto é, sem dar conhecimento à exequente do seu entendimento e intenção, a declaração a incompetência material do tribunal e absolver a executada da instância executiva, foi o da aplicação do princípio do contraditório às questões de mérito e não às de competência, e o apoio que resulta de variados acórdãos sobre a incompetência material do tribunal judicial para a apreciação de casos como o presente, em processos em que justamente era exequente a ora exequente, e que por isso a possibilidade duma declaração de incompetência material lhe não seria desconhecida, não seria para a parte uma surpresa[2].
Por outro lado, e assim sendo, “(…) o requerimento apresentado a CPAS evidenciou o propósito de praticar um acto perfeitamente inútil e contra toda a Jurisprudência, e fazendo com que tivessem sido mobilizados meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo.
Assim, deverá ser sancionada em custas de incidente anómalo, as quais serão agravadas com taxa sancionatória excepcional”.
Quid juris?
Esta Relação e secção julgou o processo 16173/17.0T8LSB.L1 em 10-05-2018, acórdão que se encontra publicado na dgsi, e em que era recorrente a ora recorrente e em que as conclusões do recurso eram idênticas. Por se concordar com os fundamentos ali aduzidos, integramo-los aqui como fundamento do presente acórdão.
Passamos a citar:
“A exequente Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS) arguiu, nos termos do n.º 1 do art.º 195º do Código de Processo Civil, a nulidade do despacho mediante o qual o julgador indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Em causa estava a violação do princípio do contraditório pelo facto do tribunal ter decidido sem previamente permitir à exequente pronunciar-se sobre a competência material do tribunal judicial, argumentando que se viu confrontada com uma decisão-surpresa.
A arguição de nulidade foi indeferida e é desse despacho que recorre de apelação a exequente.
É indiscutível que o princípio do contraditório é estruturante do nosso direito processual, tanto assim que surge consagrado no art.º 3º do Código de Processo Civil como forma de evitar a chamada “decisão-surpresa”, constituindo inclusivamente uma manifestação do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do n.º 3 do art.º 3º o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio “ao longo de todo o processo”.
Porém, uma leitura literal pode sempre conduzir a resultados perversos e não visados pelo legislador perante a especificidade das situações concretas.
Cremos que um desses casos é o dos despachos liminares, independentemente de incidirem sobre uma petição inicial, um requerimento executivo ou um recurso.
A própria expressão logo inculca a ideia de que um tal despacho tem como antecedente directo, único e imediato um requerimento; e, no processo civil, quando uma parte formula um qualquer pedido está ciente da possibilidade da sua imediata rejeição, o que afasta ou pelo menos desvirtua o conceito de decisão-surpresa.
Sabendo disso e de todo um passado em que o despacho liminar constituiu a regra nas acções declarativas e executivas, o legislador não se limitaria ao enunciado geral do princípio no art.º 3º se tivesse em mente a prévia audição das partes antecedendo o despacho liminar (cuja designação seria outra...); teria previsto expressamente aquilo que seria um despacho preliminar ao despacho liminar.
Convenhamos que, em termos de política legislativa, seria uma forma de complicar a tramitação processual quando o objectivo prosseguido nas últimas reformas processuais tem sido precisamente o inverso.
Para assegurar o contraditório em tais circunstâncias o mecanismo teria de ser diverso; e assim sucede, tanto ao nível da apreciação liminar em primeira instância quer em sede de admissibilidade, ou não, de um recurso: conferir às partes a possibilidade de recorrerem ou reclamarem.
No caso específico da acção executiva a solução consta expressamente do n.º 3 do art.º 853º do Código de Processo Civil: “Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo…
É quanto basta, do nosso ponto de vista, para se considerar assegurado o contraditório nos casos excepcionais em que o despacho liminar seja de indeferimento.
Este ponto de vista foi perfilhado em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/02/2018 (processo n.º 5500/17.0T8CBR.C1 publicado, à semelhança dos subsequentemente citados, em www.dgsi.pt): “No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes (…).A decisão-surpresa (art.3 nº 3 CPC) pressupõe que a parte não possa perspectivar como sendo possível, ou seja, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse prognosticado no processo”.
No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de de 24-02-2015 (processo n.º 116/4.6YLSB da secção do contencioso): “…não é admissível um despacho liminar prévio a um despacho liminar, seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso… A decisão surpresa, como os vocábulos indicam, faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela…”.
Esta última ideia, idêntica ao excerto final da transcrição do aresto da Relação de Coimbra, tem especial importância no caso dos autos na medida em que a exequente já se viu confrontada inúmeras vezes com despachos idênticos ao proferido no tribunal a quo.
Com efeito, a execução deu entrada em juízo em Julho de 2017 e a incompetência dos tribunais comuns em razão da matéria já havia sido decidida, designadamente (porque só nos referimos a decisões publicadas), em acórdãos da Relação de Lisboa de 9/3/2017 (processo n.º 17398/15.9T8LRS.L1-2) e do Porto de 20/06/2016 (processo n.º 6988/16.2T8PRT.P1); e este esteve na origem do acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/4/2017 (processo n.º 037/16), subscrito por seis Juízes Conselheiros, que atribuiu a competência aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e que a exequente não poderia deixar de ter presente.
Perante isto, afirmar-se que a “questão da decisão-surpresa terá de ser vista em cada um dos processos de per si, como no presente caso” (cfr. a conclusão 5), é iludir a realidade, transformar cada processo num compartimento estanque quando a questão jurídica essencial está discutida e é do domínio público.
A possibilidade de aduzir novos argumentos, esgrimida no corpo das alegações, também não constitui justificação válida.
Concretamente afirma a exequente que poderia juntar aos autos um parecer, da Autoridade Tributária, em que esta alega não ter competência para instaurar este tipo de execuções por falta de norma habilitante para o efeito.
Porém, não é verdade que se trate de um novo argumento: foi apresentado e expressamente rebatido no citado acórdão de 9/3/2017 – recorde-se que é anterior à instauração da presente execução – e até vem referenciado no ponto II do respectivo sumário.
Também não colhe a tese, igualmente exposta no corpo das alegações, de que “não faria qualquer sentido que fosse o exequente a questionar, ab initio, a competência dos tribunais judiciais, quanto em muitos destes tribunais a questão nunca se colocou”.
Bem pelo contrário. Como até já se colocara a questão e havia sido julgada em sentido desfavorável em Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, das duas uma: ou a exequente esperava pela decisão e interpunha recurso, ou antecipava-se como usualmente se faz com diversos outros pressupostos processuais, designadamente a legitimidade activa ou passiva.
A pior opção, com o devido respeito, foi aquela que a exequente tomou ao aguardar pelo despacho de citação e, quando se viu confrontada com o indesejado indeferimento liminar, esgrimiu com uma nulidade proveniente de uma decisão-surpresa manifestamente inapta a surpreendê-la”. (fim de citação).
Ora, pese embora o requerimento executivo tenha dado entrada em 26.11.2016, no essencial os argumentos invocados no acórdão que transcrevemos mantêm-se. Com efeito, a discutibilidade da competência material já resultava do Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, proferido no processo nº 6988/16.2T8PRT.P1, e a tese fundamental sobre o contraditório servir ao convencimento do tribunal recorrido do valor duma argumentação de sentido contrário já poderia ter sido suprida, de início, pela exequente. Para mais, é de facto incompatível com a lógica da agilização processual, que se preveja um despacho liminar – e portanto primeiro – e que se obrigue a um pré-despacho despacho liminar de audição da parte. Compete à parte que se dirige ao tribunal a verificação prévia dos pressupostos processuais, e nesse sentido a dúvida sobre se o tribunal é competente ou não deve justificar que as razões que se possam adiantar sobre essa competência sejam logo oferecidas.
Não assiste assim razão, salvo melhor opinião, à recorrente.
Justifica-se porém a condenação da mesma em taxa sancionatória excepcional pelo incidente de arguição de nulidade?
Se pensarmos que à data de interposição do requerimento de arguição de nulidade não tinham sido prolatadas todas as decisões que o tribunal recorrido invocou, mas apenas o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no processo nº 037/16, o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2017, proferido no processo nº 17398/15.9T8LRS.L1-2, o Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, proferido no processo nº 6988/16.2T8PRT.P1 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, proferido no processo nº 9354-16.6T8LSB.L1-8, e se pensarmos sobretudo que o que está em causa é a arguição de nulidade por violação do princípio do contraditório – é esta actividade que o tribunal recorrido foi chamado a ter – e que aqui a jurisprudência em sentido contrário não é assim tanta, menos sustento temos, apesar de tudo, para encontrar uma evidência do propósito da exequente em “praticar um acto perfeitamente inútil e contra toda a Jurisprudência, e fazendo com que tivessem sido mobilizados meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo”, uma negligência na invocação de fundamento manifestamente improcedente, uma intencionalidade dilatória – que aliás é perfeitamente incoerente com o facto da exequente querer obter o valor que reputa devido – um bloqueio da acção geral da Justiça, que deva por esta ser penalizado, nos termos do artigo 531º do CPC”. (fim de citação).
Desde a data em que julgámos o acórdão que transcrevemos e nem nos sendo oferecido argumento essencialmente diverso no presente caso, não encontramos razão para mudar a nossa posição, quer sobre a desnecessidade de cumprimento do contraditório prévio ao despacho liminar de indeferimento da petição executiva quer quanto à ausência de intencionalidade dilatória na arguição de nulidade.
Procede assim o recurso parcialmente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que condenou a exequente em taxa sancionatória especial, e mantendo-se no mais decidido.
Tendo decaído parcialmente no recurso, é a recorrente responsável pelas custas, na proporção de 50% – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC”
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam o despacho que condenou a recorrente em taxa sancionatória especial, mantendo-o no mais decidido.
Custas pela recorrente, na proporção de 50%.
Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Maio de 2019

Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues

[1] Omitimos as notas de rodapé do despacho.
[2] O trecho relevante é o seguinte: “Em primeiro lugar, o artº 3º, nº 3 aplica-se às decisões sobre o mérito da causa e nunca às decisões sobre a competência do tribunal.
Em segundo lugar, mal se pode aferir que a decisão em causa constituísse surpresa para a CPAS face ao teor do Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no processo nº 037/16 (em que foi relator Fonseca da Paz), do Acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2017, proferido no processo nº 17398/15.9T8LRS.L1-2 (em que foi relatora Maria Teresa Albuquerque), do Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2016, proferido no processo nº 6988/16.2T8PRT.P1 (em que foi relator Alberto Ruço), do Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, proferido no processo nº 9354-16.6T8LSB.L1-8 (em que foi relatora Teresa Prazeres Pais), jurisprudência unânime, que foi entretanto seguida no Acórdão da Relação de Guimarães de 07.12.2017, proferido no processo nº 2825.17.9T8VCT.G1 (em que foi relator Espinheira Baltar); no Acórdão da Relação de Évora de 25.01.2018, proferido no processo nº 3485/17.2T8ENT.E1 (em que foi relator Víctor Sequinho); no Acórdão da Relação de Coimbra de 27.11.2017, proferido no processo nº 2077/17.0T8ACB.C1 (em que foi relator Manuel Capelo); no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, proferido no processo nº 6611/17.8T8CBR.C2 (em que foi relator António Domingos Pires Robalo); e no Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2018, proferido no processo nº 3303/17.1T8ENT.E1 (em que foi relatora Conceição Ferreira) 1.”.