Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01374/06.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/18/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:TAXA
IMPOSTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – Para que se possa atribuir a natureza de taxa a um tributo não basta a sua qualificação como tal pelo legislador, antes se impondo que o seu pagamento tenha subjacente a prestação de um serviço que, para além de satisfazer necessidades colectivas, satisfaça necessidades individuais.
II – Deve ser qualificado como taxa e não como imposto o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo que tem como contrapartida a disponibilidade dessas ocupações e a sua utilização em benefício da recorrente para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás.
III – Para que à recorrente, como concessionária fosse dado tratamento distinto do concedido às suas congéneres era preciso que aquela tivesse alegado e demonstrado que entre si e as demais há diferenças que justifiquem essa disparidade.
IV – O mero reconhecimento de que a posição da recorrente no mercado não é igual à de outra empresa que nele actue fora do âmbito de uma concessão de serviço público, não é, só por si, suficiente para que se imponha um tratamento diferenciado, sob pena de ofensa do princípio da igualdade.
V – Se a liquidação impugnada foi efectuada com base nos elementos fornecidos pelo próprio recorrente não estava, por força do preceituado no art. 60º, n.º 2 da LGT, a entidade aplicadora obrigada a ouvi previamente aquele contribuinte.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:P..., S.A.
Recorrido 1:Câmara Municipal da Maia
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – Relatório
P… S.A. (doravante, Recorrente), pessoa colectiva nº 5..., com sede na Avenida…, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações de taxas de ocupação de subsolo e via pública por tubos e condutas efectuadas pela Câmara Municipal da Maia (doravante, Recorrida), dela veio interpor o presente recurso.
Em sede de alegações, concluiu a Recorrente do seguinte modo:
« (…)
II – Não existe sinalagma/correspectividade entre os tributos liquidado e qualquer contraprestação da autarquia, pelo que estamos perante um imposto.
III – Os tributos que servem de base à execução em causa não podem classificar-se como taxas, pois que lhes falta o carácter sinalagmático: não lhes corresponde, como contrapartida, uma actividade do Município especialmente dirigida à recorrente.
IV – O conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (que exigem a procura das coisas pelo consumidor) e não toda e qualquer utilização de tais bens.
V – As infra-estruturas da rede de gás natural destinam-se à satisfação de necessidades gerais (colectivas) da população do município de …, ajudando, ainda, ao desiderato de redução de emissão de CO2.
VI – Por força da lei e do contrato de concessão, para prosseguir o serviço público de que está incumbida, a recorrente é obrigada a utilizar o domínio público, de forma a instalar e manter no subsolo as infra-estruturas necessárias à distribuição de gás natural.
VII – Nos termos do contrato, a extinção da concessão opera a transmissão para o Estado das infra-estruturas da rede de distribuição de gás.
VIII – In casu, o que se verifica é a ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público; trata-se de bens públicos que são utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas (rede de distribuição de gás natural).
IX – A recorrente nada pode exigir, individualmente, como contraprestação específica das “taxas” de ocupação que lhe foram liquidadas.
X – Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada, no artigo 21.º do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30-12, a Assembleia da República concede uma autorização legislativa ao Governo para alargar as competências dos municípios em matéria de “taxas” de ocupação do subsolo a empresas no domínio da distribuição do gás.
XI – O que significa que os Municípios não o podem fazer ao abrigo da actual redacção do artigo 19.º da Lei n.º 42/98, de 06-08 (Lei das Finanças Locais).
XII – Os actos de liquidação que servem de base à execução a que a recorrente se opõe são verdadeiros impostos, ou pelo menos tributos especiais (em todo o caso, com um tratamento jurídico equiparado ao imposto).
XIII – Pelo que a sua criação e aplicação ultrapassa o poder tributário dos municípios, limitado ao estabelecimento de taxas.
XIV – Assim, as normas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas da Câmara Municipal de … são inconstitucionais, por violação das normas dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º da Constituição da República Portuguesa - princípio da legalidade fiscal.
XV – A eventual interpretação das normas dos artigos 11.º e 19.º da Lei n.º 42/98, de 06-08, do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.º 33/91, de 16-01 e do DL n.º 374/89, de 25-10, e do artigo 21.º da Lei n.º 55-B/2004, de 31-12, no sentido de as concessionárias de serviços públicos serem “sujeitos passivos” de tributos de ocupação do solo e subsolo e de o tributo municipal relativo à ocupação do solo e subsolo ter uma qualquer contrapartida sinalagmática prestada município, assim consubstanciando uma taxa (e não um imposto), é também manifestamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 165.º da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
XVI – Sendo a Recorrente, como comprovadamente é, concessionária de um serviço público (que não perde essa natureza por força da concessão) e gozando o Estado de isenção das taxas previstas no artigo 19° da lei das Finanças locais, por força do estatuído no artigo 33° do mesmo diploma, a isenção de que beneficia o Estado é extensível à concessionária.
XVII - Ainda que se entenda (no que não se consente) que os Municípios podem prever a cobrança de taxas a uma concessionária de serviço público como contrapartida da utilização de um bem do domínio público, tal previsão não pode ficar sujeita à total arbitrariedade dos Municípios, havendo limites à sua actuação.
XVIII – O entendimento vertido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 365/2003 não é aplicável ao caso em apreço, pois refere-se a um litígio em que estava causa a utilização por uma sociedade comercial, a actuar no exclusivo interesse privado, do subsolo de Matosinhos para o transporte de combustível, existindo várias diferenças entre os dois casos: (1º) a recorrente é uma sociedade comercial concessionária de um serviço público que realiza necessidades básicas da população, e está obrigada (pela lei e pelo contrato de concessão) a utilizar o subsolo para construção de infra-estruturas; (2º) o produto que circula nas tubagens construídas pela recorrente é não poluente e não degrada o subsolo, não estando em causa custos ambientais; (3º) por força das cláusulas 47 e 48 do Contrato de Concessão, a recorrente não pode repercutir nos preços do gás natural a cobrar aos seus clientes os tributos impostos pelas autarquias.
XIXI – O montante concreto da taxa não pode ser superior, muito menos consideravelmente superior, ao custo do eventual serviço de gestão do subsolo prestado pelos municípios.
XX – Se o critério de cálculo da taxa deixasse de ser o custo da contrapartida oferecida pelo ente público e passasse a ser a “utilidade, para o particular, dessa contrapartida”, seria impossível calcular em concreto essa utilidade e verificar se existe a “desproporção intolerável” de que fala o Tribunal Constitucional – incerteza esta sim intolerável para qualquer entidade.
XXI – O recurso a um critério de “utilidade para o beneficiário” para cálculo de taxas a cobrar por serviços camarários viola a ratio legis do legislador constitucional para a inexistência, no caso das taxas, de reserva de lei idêntica à estabelecida para a criação de impostos: a natureza bilateral do acto que dá origem ao dever de pagamento da taxa imporia que a determinação do montante da taxa resultasse unicamente do custo da contrapartida oferecida pela autarquia.
XXII – Os municípios oferecem esses “serviços” em situação de “monopólio”, pelo que o recurso àquele critério de utilidade para o beneficiário não obstaria a que aqueles municípios actuem exclusivamente numa lógica de procura do lucro.
XXIII – Na determinação prática do montante das taxas (como se pode verificar dos regulamentos de taxas e licenças dos municípios e respectivas tabelas anexas), as autarquias – em particular a de … - não têm respeitado qualquer critério, muito menos o desejável critério do custo da contrapartida oferecida pelo município.
XXIV – De uma situação em que nada lhe era liquidado, a recorrente viu-se confrontada com a aplicação de taxas de valores muito elevados e que têm vindo a aumentar de forma continuada (mas irregular) e insustentável para a recorrente.
XXV – Cada Município tem vindo a fixar de forma absolutamente arbitrária o montante das taxas devidas pela ocupação do respectivo solo e subsolo (em alguns casos a diferença chega a atingir os 1580%!!).
XXVI – De modo diferente ao que acontece com a distribuição de gás natural, a Lei da Assembleia da República n.º 5/2004, de 10-02 (regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas) define claramente as situações em que podem ser estabelecidas taxas municipais de direitos de passagem, fixando os critérios e os montantes máximos das taxas a fixar pelos municípios – artigos 24.º e 106.º n.º 2 e 3.
Acresce que,
XXVII – Partindo da ideia de que a utilização do subsolo tem um valor económico e que qualquer particular que usufrua dessas utilidades deve satisfazer uma contrapartida, coloca-se a questão prévia da diferença entre a propriedade pública e privada.
XXVIII – As entidades públicas estão vinculadas à satisfação de interesses públicos, devendo utilizar os direitos de propriedade ao serviço interesses da comunidade no seu conjunto.
XXIX – Se um particular utilizar bens públicos com fins meramente egoísticos, estaremos perante a celebração de negócios privados, tendo por objecto bens públicos, que pela sua natureza devem ser insusceptíveis desses negócios.
XXX – A utilização de bens públicos deveria estar reservada a actividades que, de alguma forma, fossem publicamente relevantes (nomeadamente, a instalação de redes de distribuição de gás), não se justificando uma contrapartida que exceda o custo municipal da gestão do subsolo.
XXXI – A asserção de carácter genérico e aberto de que a gestão do interesse público exige que as entidades titulares do domínio público cobrem pela sua utilização o correspondente ao valor que proporcionam aos interessados, valor a que se poderá chegar, nomeadamente, por confronto com o que lhes custaria a utilização de subsolo privado ou o transporte por meios alternativos (por estrada, por exemplo), ou ainda considerando outras utilizações possíveis do subsolo que ficam excluídas, justificaria qualquer coisa.
XXXII – Ao fazer uso do critério do custo da utilização do subsolo privado, estamos a assimilar a propriedade pública à propriedade privada, equiparação que não é aceitável.
XXXIII – Sendo que a utilização de subsolo privado está assegurada à recorrente pelo recurso à constituição de servidões administrativas (artigos 8.º e 23.º e seguintes do Código das Expropriações).
XXXIV – Para actividades de interesse público, uma eventual contrapartida pela ocupação do subsolo não pode exceder o estritamente necessário para suportar os custos de gestão que a autarquia deve(ria) fazer do seu subsolo.
Assim,
XXXV – A relação sinalagmática entre a contrapartida do tributo e os montantes liquidados à recorrente inexiste no caso concreto, uma vez que: (1º) este montante excede o necessário para suportar os custos autárquicos de gestão do subsolo; (2º) se verifica a ausência de qualquer critério orientador na fixação do montante pelos diversos municípios; (3º) a Câmara Municipal de Vila … tem procedido ao continuado aumento anual irrazoável e insustentável para a recorrente.
XXXVI – Faltando o sinalagma, os actos de liquidação que servem de base à execução tributária só podem ser qualificados como verdadeiros impostos ou, pelo menos, como tributos especiais com tratamento jurídico equiparado ao imposto.
XXXVII – Como visto, a criação de impostos é reserva de lei e da competência da Assembleia da República – artigos 103.º n.º 2 e 165.º, nº1, al. i) da Constituição da República Portuguesa.
XXXVIII – Ou seja, também por esta ordem de razões, o princípio constitucional da legalidade fiscal foi manifestamente violado pelas normas do Regulamento de Taxas e Licenças do Porto, que são por isso inconstitucionais.
XXXIX – Conclui-se, pois, nesta sede que a interpretação dos artigos 11.º e 19.º da Lei n.º 42/98, de 06-08, do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.º 33/91, de 16-01 e do DL n.º 374/89, de 25-10, e do artigo 21º da Lei n.º 55-B/2004, de 31-12, de forma a fundamentar que os tributos criados e liquidados pelos Municípios a título de ocupação do solo/subsolo consubstanciam uma taxa (e não um imposto), é inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária consagrado nos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
XL – Os actos que servem de base à execução ao fazerem uma aplicação directa das taxas previstas na Tabela e Regulamento Camarários estão a aplicar à recorrente, concessionária de serviço público, exactamente as mesmas taxas que estão previstas para entidades particulares, que actuam com base em interesses próprios.
XLI – Entre a actuação de um particular e a da recorrente há uma diferença tão substancial que justifica um tratamento díspar, pelas razões supra expostas nas presentes alegações.
XLII A recorrente não pode, como outra empresa, repercutir as taxas pagas na facturação ao consumidor, pois a sua actuação está limitada, quer pelo contrato de concessão (cláusulas 47ª e 48ª do contrato), quer pela lei.
XLIII – Diferentemente, o regime jurídico das telecomunicações confere às empresas do ramo o direito a repercutirem as taxas municipais de direitos de passagem (previstas, reguladas e limitadas na própria lei) nas facturas dos clientes finais – artigos 24.º e 106.º n.º 2 e 3 da Lei n.º 5/2004.
XLIV – Ou seja, as normas do Regulamento e Tabela anexa da Câmara Municipal de Matosinhos tratam de forma igual situações que são materialmente diferentes, e que deveriam ser objecto de tratamento diverso, violando assim o princípio da igualdade (na sua vertente de igualdade material), vertido no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Acresce que,
XLV – Ainda que se entendesse ser a cobrança de taxas à recorrente permitida, por força do princípio da proporcionalidade, sempre a sua liquidação teria de atender à finalidade do uso requerido – o que não sucedeu no caso em apreço (não foi considerada nomeadamente a quase inocuidade ambiental da aludida ocupação, nem o serviço público prestado aos munícipes do Porto).
XLVI – O respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe que não sejam aplicadas as mesmas taxas aos usos privativos de interesse privado e aos usos de interesse público.
XLVII – Poderíamos afirmar, como no acórdão n.º 365/2003 do Tribunal Constitucional, que não “é do facto de não ter existido nenhuma alteração na prestação da Câmara que, necessariamente, se pode concluir pela violação da proporcionalidade; seria necessário, para o efeito, que tivesse sido feita a demonstração de que há uma desproporção intolerável entre a quantia a pagar e, por exemplo, o montante que o particular teria de desembolsar se recorresse a outro meio alternativo de circulação, ou se tivesse de pagar a utilização de subsolo sob propriedade privada”.
XLVIII – Mas, como visto, a recorrente está legal e contratualmente obrigada a construir as infra-estruturas enterradas, não podendo utilizar meios alternativos de circulação, sendo que a utilização de subsolo privado está assegurada pelo direito de constituir servidões administrativas.
XLVIX – Ressalvado o máximo respeito, o entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal Constitucional se fosse aplicável ao caso em apreço (no que não se consente) levaria a que a recorrente se visse impedida de demonstrar a “desproporção intolerável” entre a taxa e a utilização do solo/subsolo municipal.
L – A justa indemnização devida pela servidão administrativa não pode servir para a definição da desproporção aludida, pois tal indemnização resulta do sacrifício imposto ao proprietário particular pela afectação da sua propriedade à prossecução do interesse público. Ora, a propriedade das autarquias está, por definição, afecta à prossecução desse interesse público (em sentido lato), não havendo qualquer sacrifício imposto às autarquias pela afectação do subsolo a uma actividade de indiscutível interesse público.
LI – Esta impossibilidade de a recorrente estabelecer critérios seguros para a determinação da invocada “desproporção intolerável” só pode significar que um tributo fixado para além do custo de uma adequada gestão do subsolo por parte das Câmaras deve ser considerado excessivo.
LII – Pelo exposto, a interpretação dos artigos 11.º e 19.º da Lei n.º 42/98, de 06-08, do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.º 33/91, de 16-01 e do DL n.º 374/89, de 25-10, que sufrague o entendimento de que os Municípios podem proceder à livre fixação da taxa em montante igual para todos os que ocupam o subsolo, sem atender à finalidade do uso requerido e ao facto de se tratar de uma concessionária de um serviço público, é inconstitucional por violação os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, plasmados nos artigos 13.º n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o alcance do princípio da autonomia patrimonial dos municípios – artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
LIII - A oponente alegou factos concretos de que decorre a violação dos princípios constitucionalmente consagrados da igualdade e da proporcionalidade, ao contrário do alegado no aresto ora em crise.
LIV – Ainda que tivesse – como tem – entendimento diverso, deveria o tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 2.º al. e) do CPPT e artigo 265.º do Código de Processo Civil, ter notificado a impugnante para aperfeiçoar a respectiva petição inicial, por forma a concretizar os factos que consubstanciam violações àqueles preceitos.
LV – Não o fez, com o que descurou a obrigação de diligenciar no sentido da descoberta da verdade e, por esta via, da justa composição do litígio, com o que saiu prejudicada a impugnante.
LVI - Violou, assim, a sentença recorrida, nomeadamente por erro de interpretação, as normas dos artigos 13.º, 84.º, 103.º, 106.º, 112.º, 165.º, 238.º e 266.º da C.R.P.; os artigos 11.º, 19.º e 33.º da Lei n.º 42/98, de 06-08 (Lei das Autarquias Locais); os artigos 4.º, 22.º e 23.º da Lei Geral Tributária; o artigo 190.º do CPPT; o artigo 265.º do CPC; e ainda as normas da Lei 55-B/2004, de 31-12, do DL 33/91, de 16-01 e do DL 374/89, de 25-10.
LVII - O despacho que admitiu o recurso violou os artigos 280.º, 281.º, 282.º e 286.º do CPPT e o artigo 687.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
LVIII – Errou ainda a sentença recorrida ao não declarar inconstitucionais as normas do Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal d… e da respectiva Tabela anexa.
LIX - Os actos de liquidação não estão devidamente fundamentados, o que torna, de todo em todo, inviável para o impugnante saber a que factos tributários se referem as liquidações: localização, tubos ou condutas ou caixas, extensão, valores aplicados, etc.
LX - Ou seja, da análise dos actos de liquidação não consegue a impugnante compreender como se chegou aos valores liquidados, se estão correctamente calculados. Não satisfazem, pois, as exigências mínimas de clareza e suficiência da fundamentação, pelo que são nulos.
LXI - A Lei Geral Tributária aplica-se às contribuições financeiras a favor dos municípios - cfr. artigos 1°, n.° 3 e 3º, n.°2 da LGT - razão pela qual estão sujeitas ao regime do artigo 60º, n.° 1, al. a) da LGT, que impõe o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação.
LXII - A falta de audição dos contribuintes “constitui um vício de procedimento tributário susceptível de conduzir á anulação da decisão que nele for tomada” - Lei Geral Tributária Anotada por Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Lopes de Sousa, Lisboa, pág. 205.
LXIII - Assim, a liquidação impugnada é, ainda, ilegal por violação do disposto no artigo 60º da LGT, devendo, em conformidade, o acto ser anulado.».
A Câmara Municipal da Maia apresentou contra-alegações contestando todas as conclusões formuladas pela Recorrente e pugnando pela manutenção do decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com a consequente improcedência do presente recurso, em conclusão por:
(…)
1. A Sentença Impugnada deve ser plenamente mantida e confirmada, porquanto, o Tribunal “a quo”, ao decidir nos termos em que decidiu, fez a melhor interpretação e aplicação do direito na situação sub judice, com as consequências legais daí resultantes.
2. A ocupação do domínio público municipal está condicionada à Lei e, designadamente, ao disposto na Constituição da República Portuguesa e à Lei das Finanças Locais.
3. O Governo, ou o Estado através dele, não podia dispor, corno não dispôs, do domínio público municipal, sob pena de violação dos poderes e atribuições constitucionalmente cometidos às Autarquias.
Confrontar neste sentido o artigos 235° n.° 2 e artigo 238° n’° 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
4. Acresce que, nunca qualquer governo, por via de Decreto-Lei, poderia isentar a Recorrente do pagamento de taxas pelo uso dos bens dominiais das autarquias, sob pena de inconstitucionalidade orgânica e material, por se tratar de matéria de reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Confrontar o artigo 165° n.° 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
5. O Regulamento das Taxas e Licenças e respectiva Tabela, da Câmara Municipal da Maia, publicado no Diário da República II Série, n.° 82, de 6 de Abril1 com as sucessivas alterações, não enferma de inconstitucionalidade orgânica por violação do princípio da legalidade fiscal na sua dimensão de reserva material de lei (artigo 103° n.° 2 da CRP) ou de reserva relativa de Lei, da Assembleia da República (artigo 165° n.° 1 alínea i) do mesmo diploma legal.
6. Verifica-se unanimidade acerca da natureza do tributo em causa, devido pela utilização e ocupação do subsolo do domínio público municipal com tubos e condutas, na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdãos do STA, de 13/412005, no recurso 01339/04, de 27/4/2005, no recurso 01206/04, de 9/5/2007, no recurso 012223/06 e de 9/10/2008, no recurso 0500/08), a que acrescem os Acórdãos do Tribunal Constitucional (Acórdãos do TC n.° 355/2004, de 19/5/2004, e 396/2006, de 28/6/2006) - todos in: www.dgsi.pt - evidenciando desta forma ser a Sentença Recorrida a mais justa e adequada.
7. O subsolo encontra-se no âmbito do domínio público municipal, nos termos da alínea c) do art. 19.º da Lei das Finanças Locais.
8. A determinação sobre a natureza dos tributos, no caso vertente, não oferece dúvidas, trata-se de uma taxa, pois o carácter sinalagmático decorre do facto de existir uma correspectividade entre a prestação que é paga e a utilização do domínio público municipal, consubstanciada na utilização do subsolo onde as condutas foram colocadas.
9. A correspondência sinalagmática que indubitavelmente se verifica não é, mas até podia ser meramente traduzida numa equivalência jurídica, concepção que se mantém no recente Regime Geral das Taxas (aprovado pela Lei n.° 53-E/06 de 29 de Dezembro) que entrou em vigor já em 1 de Janeiro de 2007.
10.Verifica-se que a utilização, pela Recorrente, do domínio público municipal da aqui Recorrida, na vertente do seu subsolo, consubstancia uma utilização individualizada, pois não será possível utilizar o mesmo espaço para outras finalidades de interesse público.
11. Não é possível afirmar que Inexista proporção entre a quantia liquidada e o benefício que a utilização individualizada lhe proporciona, pois, concomitante com a satisfação do interesse público, a Recorrente satisfaz os seus interesses privados, o lucro.
12. A Recorrente apresenta uma interpretação incorrecta, centrando a desnecessidade de correspectividade da sua parte no uso individualizado do subsolo municipal, pelo facto de ter celebrado um contrato de concessão com o Estado.
13. A compreensão da situação passa por fazer a distinção entre dois campos: uma coisa é a garantia da realização do interesse público, que exige que seja permitida a utilização de bens públicos municipais, outra coisa é a utilização ser onerada por uma taxa [o uso privativo do domínio público exige naturalmente o correspondente pagamento de taxas] por se tratar igualmente da satisfação de um interesse privado da P…, S.A.
14. A Recorrente, ainda que possa prosseguir um interesse público, melhor dito, ainda que possa prosseguir um Serviço de Interesse Público, o que é muito diferente de prosseguir um Serviço Público, como ela se arroga, não deixa de prosseguir e procurar também ou principalmente o lucro imanente à sua natureza jurídico-comercial e, por esse motivo, de fazer uma utilização individualizada do domínio público municipal.
15. Se é verdade que a Recorrente, por força do contrato de concessão, concorre para a satisfação de necessidades colectivas, não é menos verdade que prossegue, de forma legítima, atento o facto de se tratar de uma sociedade comercial, interesses privados, isto é, o lucro, não tendo, todavia de modo algum, o direito de enriquecimento à custa da utilização gratuita de bens dominiais autárquicos. Nem ela, Recorrente, nem ninguém!!
16. E se assim sucedesse, a Recorrente ficaria numa posição de desleal concorrência em relação a todas as demais empresas de produção e distribuição de gás, como também ficaria numa posição de incompreensível vantagem em relação a todas as demais empresas de rede que têm de suportar o pagamento de taxas decorrentes de utilização de bens do domínio público municipal, neste caso em concreto todas as empresas que são também, pela natureza da sua actividade, obrigadas a ocupar o subsolo municipal.
17. Acresce ainda que a Impugnante/Recorrente ao contrário do cidadão normal, pode fazer repercutir as taxas pagas a título de ocupação do subsolo na facturação ao consumidor. (Acórdão do STA, de 8/11/2006, in www.dgsi.pt).
18. Atenta a ausência de qualquer previsão legal ou contratual onde conste isenção do pagamento da taxa, tal acarreta que a Recorrente, P…, S.A., deva conformar a sua conduta com as normas exigíveis, no estrito cumprimento dos Princípios da igualdade e imparcialidade, procedendo ao pagamento das taxas em apreço.»
Neste Tribunal Central Administrativo Norte, o Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no qual concluiu no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
II – O OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), tal objecto pode, nas conclusões da alegação, nos termos do n.º 3 do art. 684º do C.P.C., a ser restringido (expressa ou tacitamente) pelo que, as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
No caso concreto estas considerações mostram-se relevantes já que, é necessário deixar desde já claro que a questão da falta de legitimidade/competência da Recorrida para liquidar as taxas em causa, suscitada na petição inicial de impugnação pela Recorrente e que constituída um dos fundamentos do seu pedido de declaração de nulidade dos actos impugnados, não se mostra, nem implicitamente, referida nas conclusões da alegação da Recorrente, devendo, pelo supra exposto, entender-se estar definitivamente decidida e dela não poder conhecer este Tribunal de recurso.
E, nessa medida, as questões que subsistem e importa apreciar nesta sede, reconduzem-se às quatro que a seguir se enunciam:
1º - O tributo que foi liquidado à ora Recorrente, apesar de denominado taxa, é um imposto, por isso não podendo ser criado e aplicado por um Município ?
2º- Enquanto concessionária de serviço público, a Recorrente merece tratamento diferente do dado a entidades particulares, para que sejam respeitados os princípios da igualdade e da proporcionalidade ?
3º - A liquidação impugnada é ilegal por violação do dever legal de fundamentação dos actos tributários ?
4º- A liquidação padece de vício procedimental decorrente da falta de audiência da Recorrente previamente à liquidação ?

III – Em ordem as responder a estas (e às demais) questões suscitadas pela Impugnante, o Tribunal de 1ª Instância fixou como relevantes os seguintes factos:
a). Em 16 de Dezembro de 1993, foi outorgado entre o Estado Português (na qualidade de concedente) e a impugnante (na qualidade de concessionária) um “Contrato de Concessão da Rede de Distribuição Regional de Gás Natural do Norte”, conforme cópia de fls. 351 a 389 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
b). A construção, implantação, manutenção e reparação da rede de gás natural implica a ocupação do subsolo.
c). Pela Câmara Municipal da Maia foram emitidas e notificadas a impugnante as liquidações constantes de fls. 51 a 350 dos autos, que se dão por reproduzidas, a título de taxa por ocupação da via pública por tubos e condutas em diversos locais do Município, no valor global de 4.684,13 euros.
d). Dá-se por reproduzido o teor dos Regulamento e Tabelas das Taxas e Licenças da Câmara Municipal … juntos a fls.413 a 496 dos autos.
IV – O Direito
No que concerne ao mérito do presente recurso, diremos que as questões que cumpre apreciar e decidir têm sido objecto de reiterada pronúncia quer por parte do Supremo Tribunal Administrativo quer deste Tribunal Central Administrativo Norte, com um sentido uniforme.
Por ser assim e em observância do disposto no artigo 8º, nº 3 do Código Civil, iremos limitar-nos a assumir a fundamentação do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte em que as mesmas questões foram tratadasacórdão de 10 de Dezembro de 2010, proferido no processo com o n.º 2046/06.6BEPRT em que também é Recorrente a P…:

«Quanto à 1ª questão, […]:
«Analisemos agora a questão relativa ao facto de aferir se as taxas liquidadas a título de ocupação do subsolo se subsumem no conceito de taxa ou se são impostos. —
Defende a impugnante que as quantias liquidadas configuram verdadeiros impostos, criados pelo município ao arrepio da Constituição da República Portuguesa em manifesta violação do princípio da legalidade fiscal.
Mais indica que lhe falta o carácter sinalagmático por não lhe corresponder como contrapartida, uma actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado, pelo que a contribuição corresponde a um verdadeiro imposto. —
Argúi também a inconstitucionalidade das taxas em causa e as normas regulamentares subjacentes por violação do princípio consagrado no art. 103°, n° 2 da CRP. —
Importa, desde já, precisar o conceito de taxa. —
O Prof. Alberto Xavier considera que as taxas, são receitas tributárias que têm "carácter sinalagmático, não unilateral, o qual, por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares" (neste sentido cf. "Manual de Direito Fiscal" pag. 42/43). —
Ora, o imposto tem sido caracterizado como uma prestação, em regra, pecuniária, mas sempre coactiva e unilateral sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos. —
No que respeita à questão da natureza das taxas pela ocupação do subsolo (como taxa ou imposto), e tal como é referido no Douto Parecer do Ministério Público, ela tem sido apreciada, ultimamente, tanto pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) como pelo Tribunal Constitucional (TC) sendo jurisprudência pacifica a sua classificação como verdadeiras taxas. —
É que aqueles Venerandos Tribunais têm considerado que as taxas de ocupação do subsolo são verdadeiras taxas e não impostos (neste sentido cf. Ac. do STA Processo n° 603/07 de16/01/2008, 500/08 de 09/10/2008, 701/08 de 12/11/2008, 650/04, de 27/11/2004, 1339/04, de 13/04/2005, 1338/04 de 27/04/2005 e 0648/06, de 08/11/2006, (todos in www.dgsi.pt.) e Ac. do TC nos processos n° 365/2003 e 266/2003 ambos de 14/07/2003).
Ante o que vem dito, salienta-se que a taxa de ocupação do subsolo, encontra a sua justificação legal na necessidade de compensar o município pela utilização individualizada dos bens do domínio municipal a favor da, aqui, impugnante. —
Face ao referido existe uma relação sinalagmática e como tal podemos concluir que estamos na presença de verdadeiras taxas.»
Por outro lado e, conhecendo em questão idêntica a esta, sendo em ambas a mesma impugnante e ora Recorrente, só naquele caso a Recorrida foi a Câmara Municipal de Braga, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo ( Acórdão de 08/11/2006, proferido no Recurso nº 0648/06 e consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9121c91000c390848025722e00437e66?OpenDocument ) da mesma forma, com a seguinte fundamentação:
«O segundo fundamento do recurso, (…), tem a ver com a natureza do tributo liquidado, que a recorrente defende ser um imposto, não obstante a sua designação como taxa, em resultado da falta de «carácter sinalagmático».
É ponto doutrinaria e jurisprudencialmente assente que não é o nomem escolhido pelo legislador que faz com que seja necessariamente taxa aquilo que como tal designa, ou imposto o que assim qualifica.
Como diz a recorrente, «o conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (…) e não toda e qualquer utilização de tais bens».
É, porém, isso mesmo que acontece no caso vertente.
A recorrente dispôs-se a desenvolver uma actividade económica lucrativa, e para isso reuniu e organizou meios que lhe permitiram obter uma concessão de serviço público. É da prestação desse serviço que se propõe conseguir os seus ganhos. Mas, para tanto, necessita de transportar e distribuir o bem que comercializa, no âmbito de tal concessão. Também por isso e para isso precisa de ocupar o subsolo com instalações atinentes àquele fim. Deste modo, a utilização que a recorrente faz do subsolo satisfaz, desde logo, as suas necessidades individuais, enquanto empresa que assim assegura um factor de produção; mediatamente, satisfaz, ainda, a necessidade colectiva de dispor, nos locais de consumo, do gás que ela distribui e comercializa.
Deste modo, se é certo que a ocupação e utilização do subsolo ainda integra a «sua função própria de satisfação de necessidades colectivas», menos certo não é que, do mesmo passo, é satisfeita a necessidade individual da recorrente, enquanto entidade organizada com vista à exploração de um ramo de negócio.
Por isto, o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupações e utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás.
O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto.
E que, consequentemente, o princípio da legalidade fiscal não implica que a criação do tributo fosse da autoria da Assembleia da República.»
*
No que concerne à 2ª questão mostra-se também decidida naquele aresto que atrás referenciámos, do STA e, não vendo quaisquer razões para dela dissentir, aqui a deixamos respigada, no que à fundamentação respeita:
«As conclusões (…) formuladas pela recorrente põem-nos perante a questão da violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Esse atentado resultaria de a recorrente, na qualidade de concessionária de serviço público, estar a ser tratada como outra qualquer entidade a quem falta tal qualidade, quando a diferença imporia tratamento diferente. A taxa liquidada, igual à que incide sobre «usos privativos de interesse privado», não atende nem «à finalidade do uso requerido» nem à «quase inocuidade da aludida ocupação».
Em primeira linha, o princípio da igualdade só impõe que à recorrente, como concessionária, seja dado tratamento igual ao das suas congéneres. Para que se imponha, também, dar-lhe tratamento distinto daquele que, em geral, merecem os demais contribuintes, seria preciso demonstrar que entre ela e eles há uma diferença tal que justifica essa disparidade.
O que diz a recorrente a este respeito é que não pode repercutir as taxas pagas nos preços que factura, por estar «limitada, designadamente pelo contrato de concessão e pelo facto de ser uma concessionária de serviço público».
Mas, dizendo isto, a recorrente contraria a sentença recorrida, aonde se lê que «a impugnante no exercício da sua actividade empresarial e comercial pode (…) fazer repercutir as taxas pagas a título de ocupação do subsolo, na facturação ao consumidor». Estamos perante um juízo em sede de matéria de facto que nem é posto expressamente em causa pela recorrente – que não aponta à sentença erro de julgamento sobre os factos –, nem é sindicável por este Tribunal, aqui agindo como de revista.
De resto, não é apodíctico que qualquer outra empresa possa, sem mais, repercutir nos preços que pratica todos os custos que suporta. É do conhecimento geral que as condições do mercado não raras vezes obstam a que isso ocorra.
E mesmo sendo verdade que a posição da recorrente no mercado não é igual à de outra empresa que nele actue fora do âmbito de uma concessão de serviço público, não se vê que essa sua posição seja, neste pormenor, de tal modo diferente das demais entidades que imponha um tratamento diferenciado, sob pena de ofensa do princípio da igualdade.
Por demonstrar está, também, que seja «quase inócua» a ocupação do solo pelas estruturas da recorrente. Afirmação que, em todo o caso, não deixa de estranhar-se, geralmente sabido como é que as condutas de gás ocupam espaço e constituem um sistema exigente em termos de segurança e manutenção; (…).
Por último, viu-se já que o que justifica a exigência da taxa não é o uso de interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente, a recorrente dele retira. O que faz com que a taxa, ao ser igual para todos os que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade.»
Como se escreveu no acórdão nº 365/2003, do Tribunal Constitucional ( Consultável na íntegra em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030365.html ), proferido em 14/07/2003:
«Em suma, o Tribunal entende que os critérios constantes das normas em apreciação permitem avaliar a vantagem individualizada que o particular retira do uso privativo do subsolo do domínio público de que beneficia, vantagem essa que há que compensar mediante o pagamento do tributo correspondente. Inaceitável seria que o valor a pagar fosse meramente simbólico, por implicar a reserva sem contrapartida aos beneficiários de vantagens proporcionadas por bens públicos.
Como escreveu Marcello Caetano, (Manual de Direito administrativo, II, 3ª reimp. da 10ª edição., Coimbra, 1986, págs. 943-944), “O uso privativo, ao contrário do uso comum, não é em regra gratuito: os particulares são obrigados ao pagamento de taxas, calculadas em função da área a ocupar e do valor das utilidades proporcionadas”; em nota a esta afirmação, acrescentou que se admitem isenções ou reduções “a favor das pessoas colectivas de direito público ou de particulares para fins de beneficiência” (nota 1 da pág. 944).»
Neste sentido e, sendo a mesma a impugnante e Recorrente nestes autos, decidiu o STA ainda, por acórdão proferido em 17/11/2004, no Recurso nº 0650/04 ( Consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/81d5ea564a7c286a80256f5f003f55f9?OpenDocument ), e, por mais recentes, em 09/10/2008, no Recurso nº 0500/08 ( Consultável na íntegra em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc8ec0a229116564802574e20049b0c8?OpenDocument ) e 12/11/2008, no Recurso nº 0701/08 ( Consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d630a87efa16aa83802575050052a34a?OpenDocument ). Também no mesmo sentido tem decidido o TCAS, referindo-se apenas o acórdão proferido em 02/10/2007, no Recurso nº 01764/07 ( Consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/6d41c215e219e87e8025736e0039d20b?OpenDocument ). Não temos, por isso, razões que nos levem agora a decidir em sentido diferente.
Damos ainda conta que o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão do Pleno, proferido em 20/01/2010, no Recurso 0731/09 ( Consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/029c2a0b4b800207802576b600508dfb?OpenDocument ), decidiu neste mesmo sentido, mantendo a jurisprudência já anteriormente firmada”.
Além das questões anteriormente referidas, a Recorrente suscitou outras que agora se impõe apreciar e decidir.
A primeira delas é a da invocada ilegalidade da liquidação decorrente da falta de fundamentação. Importa, pois, apreciar essa questão.
O dever de fundamentação dos actos administrativos e, dentro destes, dos actos tributários, encontra assento, desde logo, ao nível constitucional. Com efeito, estabelece-se no artigo 268º nº 3 da CRP que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez, ao nível da legislação ordinária, a norma do artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo estatui que: “1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
(...)”.
Também no artigo 77º, nº 1 da LGT se refere o dever de fundamentação: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…)”.
O dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” - assim, acórdão STA de 25 Jun. 98, Ciência e Técnica Fiscal n.º 391, pág. 236.
Como se refere no acórdão STA 24 Mar. 2004, Recurso 01868/02, www.dgsi.pt, “o dever de fundamentação visa, esclarecer o destinatário do acto acerca do seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais as razões, de facto e de direito, que levaram à sua prática e porque motivo a Administração se decidiu num sentido e não noutro. E, se assim é, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487, n.º 2 do CC – fica a conhecer as razões que estão na sua génese, de forma a que, se o quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida” – neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 19 Mar. 81, recurso 13.031, acórdão STA 27 Out. 82, Acórdão Doutrinais (AD) 256, pág. 528, acórdão STA de 25 Jul. 84, AD 288 pág. 1386, acórdão STA 4 Mar. 87, AD 319, pág. 849, acórdão 15 Dez. 87, AD 318 pág. 813, acórdão STA 21 Mar. 91, recurso 25.426, acórdão 28 Abr. 94, recurso 32.352, acórdão 30 Jan. 02, recurso 44.288 e acórdão 7 Mar. 2002, recurso 48.369.
Por outro lado, como também vem sendo jurisprudencialmente afirmado de forma reiterada, o conteúdo do dever legal de fundamentação é variável tendo em atenção o concreto acto que esteja em causa e as circunstâncias que estão subjacentes à sua prática – neste sentido, entre muitos outros e por último, acórdão STA 26 Out. 2010, recurso 0473/10, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, analisado o teor dos ofícios que serviram para a notificação à Recorrente da liquidação impugnada e tendo presente, como consta da matéria de facto provada, que as liquidações tiveram como suporte o requerimento apresentado pela ora Recorrente junto do Presidente da Câmara onde solicitava autorização para realizar as obras, informando quais as medições das condutas, tipos de tubos e a identificação das ruas onde tais trabalhos se iriam realizar, pensamos que se mostram suficientemente exteriorizadas do modo contextual que a lei exige, as razões de facto e de direito subjacentes à liquidação em termos suficientes para tornar possível à Recorrente apreender as razões pela quais foram liquidadas as quantias que lhe estão a ser exigidas.
Isso bastará para se ter por satisfeito o dever legal de fundamentação dos actos tributários impugnados.
Finalmente, vem suscitada a questão de saber a liquidação enferma de vício procedimental decorrente da violação do direito de audição prévia à liquidação.
Nos termos do disposto na norma do artigo 60º da LGT:
“1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
Direito de audição antes da liquidação;
(…)”.
Como se refere no acórdão STA 23 Jan. 2008, recurso n.º 837/07, www.dgsi.pt, “o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da administração que lhes disserem respeito está hoje constitucionalmente consagrado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP e concretizado nos artigos 100.º do CPA e 60.º da LGT.
O exercício desse direito constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma sólida garantia de defesa dos direitos do administrado, sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante da actividade administrativa cuja violação ou incorrecta realização se traduz numa violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio acto”.
No caso vertente, não oferece dúvidas que a Recorrente não foi ouvida previamente às liquidações das taxas impugnadas.
No entanto, como bem salienta a sentença recorrida, não teria de o ser, na medida em que a liquidação foi efectuada com base nos elementos fornecidos pela própria Recorrente à Câmara Municipal da Maia.
Ora, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 60º da LGT “é dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte (…)” e, como tal, não estava a administração tributária legalmente obrigada a, previamente à liquidação, ouvir a ora Recorrente.
De resto, ainda que assim se não entendesse, nem por isso a procederia a pretensão da Recorrente.
Com efeito, a omissão da audiência prévia traduz-se, em princípio, na preterição de uma formalidade essencial, determinante da anulação do acto impugnado.
No entanto, assim não será se tal formalidade se degradar em formalidade não essencial. O que sucederá quando se esteja perante decisão que não pudesse ser outra que não a efectivamente tomada, seja por força de uma actividade vinculada seja por resultar de mera operação aritmética - neste mesmo sentido, que traduz jurisprudência reiterada do STA, cf., entre outros, acórdão STA 25 Jun. 2008, recurso 392/08, www.dgsi.pt.
Ora, no caso concreto, estamos perante uma operação meramente aritmética de aplicação da taxa previsto no Regulamento de Taxas do Município da Maia, ao número de metros de ocupação do subsolo, o qual não foi colocado em causa pela Impugnante e, deste modo, pode concluir-se pela apontada degradação da formalidade em não essencial, não se produzindo, deste modo, a invocada ilegalidade da liquidação.».
Donde, e com os mesmos fundamentos supra transcritos e que aqui, por inteira aplicabilidade, se dão por integralmente reproduzidos, se conclui improcederem todas as conclusões do presente recurso, mantendo-se, em conformidade, integralmente, a sentença recorrida.
V- Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 18 de Janeiro de 2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos