Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA DO LESADO CONCORRÊNCIA DE CULPAS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NEGLIGÊNCIA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 01/31/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA INTERPOSTA PELO AUTOR. NEGADA A REVISTA INTERPOSTA PELO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL. | ||
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Sumário : | I - Segundo a jurisprudência consolidada do STJ, as nulidades da sentença/acórdão encontram-se previstas no art. 615.º do CPC, e reportam-se a vícios estruturais da própria decisão, não se confundindo com os erros de julgamento, de facto ou de direito. II - A nulidade por excesso de pronúncia, prende-se com o conhecimento de questões não alegadas pelas partes, alheias à causa de pedir e ao pedido, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso. III - A redução da indemnização tem lugar quando o lesado não adote a conduta exigível que poderia ter evitado a produção dos danos ou o seu agravamento. IV - Não é exigível aos condutores que contem com a negligência de outros utentes da via. V - A liquidação dos danos não patrimoniais com base na equidade não é arbitrária: o juízo equitativo, ainda que permita ao julgador alguma margem de discricionariedade, deve fundar-se em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto. O recurso a critérios de equidade não impede que se tenham em devida conta as exigências do princípio da igualdade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. AA intentou ação declarativa de condenação contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, AGEAS PORTUGAL-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., BB e CC, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 35.838,70 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros legais vencidos e vincendos.
2. Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que, a 11 de novembro de 2005, ocorreu um acidente de viação na sequência do qual o Autor, que conduzia o veiculo automóvel de matrícula ..-..-FT, propriedade da sua companheira, no sentido T...- V..., a 80 km/hora, se deparou com um ciclomotor, sem iluminação, de matrícula desconhecida, imobilizado e atravessado na via. Pretendendo virar à esquerda para ..., embateu com a sua frente do lado direito na lateral esquerda do ciclomotor, projetando o seu condutor para o solo. Quando o veículo automóvel ..-..-FT já se encontrava imobilizado dentro da respetiva mão de trânsito, o veículo automóvel de matrícula ..-..-PC, que circulava em sentido contrário e a grande velocidade, embateu com a roda traseira esquerda, que saltou, na roda dianteira esquerda e guarda-lamas do primeiro, havendo ficado imobilizado a mais de 100 m do local do embate. Após este 2.º embate, o veículo ....-FT continuou a sua marcha até ficar imobilizado, sendo que apenas estavam ocupados 20 cm da hemi-faixa contrária ao sentido de trânsito do ciclomotor e do referido veículo. Quando o Autor pretendeu sair da sua viatura, em virtude dos airbags terem disparado, libertando cheiro a queimado, o veículo de matrícula ..-AT.., que circulava no sentido V...-T..., em grande velocidade, embateu na porta do veículo ..-..-FT. Como consequência, o Autor sofreu ferimentos diversos, que lhe provocaram danos patrimoniais e não patrimoniais. Era noite e não havia iluminação pública no local dos embates. O Autor alega igualmente que apenas o proprietário do veículo de matrícula ..-AT-.. é civilmente responsável pelos danos provocados a terceiros e emergentes da circulação rodoviária, cuja responsabilidade havia sido transferida, à data do sinistro, para a Ré seguradora, através de contrato de seguro titulado por apólice.
3. O Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL deduziu contestação, invocando a ilegitimidade parcial do Autor em relação aos danos respeitantes ao veículo de matrícula ..-..-FT, na medida em este que não lhe pertence. Impugnou a versão do acidente apresentada pelo Autor, alegando que o ciclomotor tinha iluminação na frente e traseira e que não estava atravessado na via, mas sim imobilizado junto à linha divisória dos sentidos de trânsito, paralelamente à mesma, dado que pretendia virar à esquerda. Impugnou também a letra e assinatura de todos os documentos apresentados com a petição inicial. Invocou ainda a presunção de culpa prevista no art. 503.º do CC, dado que AA conduzia o veículo por conta e no interesse de DD, sua entidade patronal, que tinha a direção efetiva do veículo. Para além disso, o assistido tem culpa exclusiva na produção do sinistro, porquanto não ultrapassou o ciclomotor pela direita, como deveria, dado o posicionamento deste na via, nem parou no espaço livre e visível à sua frente, o qual seria de 30 a 100 m conforme circulasse com médios ou máximos acesos e não moderou a velocidade ao aproximar-se do entroncamento onde se deu o embate. Salientou, ainda, que, em qualquer caso, deve ser deduzida a franquia legal.
4. A Ré AXA PORTUGAL-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., deduziu contestação, na qual invoca que o veículo conduzido pelo Autor AA era propriedade de DD e conduzido no interesse e por conta desta, presumindo-se a culpa nos termos do art. 503.º, n.º 3, do CC. O Autor circulava a mais de 100 km/hora, apenas com médios acesos, apesar de no momento não haver trânsito em sentido contrário. Encontrando-se o ciclomotor imobilizado, no mesmo sentido de trânsito e pretendendo virar à esquerda, visível a pelo menos 30 m, o Autor apenas não o viu porque seguia desatento. O local era precedido de uma lomba, era noite e não havia iluminação pública. O ciclomotor tinha luz traseira e dianteira acesa. O condutor do veículo ..-..-FT embateu com a sua frente, do lado direito, na lateral esquerda do ciclomotor e o condutor deste foi projetado para o solo, caindo para o lado direito da via, dentro da hemi-faixa de rodagem do sentido T...- V.... Após o embate com o ciclomotor, o veículo ..-..-FT continuou a sua marcha e invadiu a hemi-faixa contrária, sendo então embatido pelo veículo ..-..-PC, que circulava em sentido contrário. O veículo ..-..-FT prosseguiu a sua marcha e imobilizou-se no eixo da via, ocupando parcialmente ambas as hemifaixas de rodagem. O veículo ..-AT-.., que circulava a menos de 70 km/hora, após passar a ..., apercebeu-se de um obstáculo na sua via e, para o tentar contornar, desviou à esquerda e deparou-se com o veículo ..-..-FT no eixo da via, tenho sido surpreendido com a abertura da porta do lado esquerdo dessa viatura e com a saída do Autor. Não conseguiu evitar o embate. Todavia, se a porta não tivesse sido aberta, teria sido capaz de ultrapassar esse veículo. Não era exigível ao condutor do veículo ..-AT-.. que previsse encontrar três veículos imobilizados de noite, em local não iluminado, sem sinalização, sendo surpreendido por uma porta aberta. Não cometeu qualquer contra-ordenação, diferentemente do Autor, que violou o disposto nos arts. 18.º, 24.º, 25.º, al. f), 48.º, 88.º, n.os 2 e 3, 99.º e 101.º. do Cód. da Estrada. Impugnou ainda os danos peticionados.
5. A requerimento do Autor AA, foi admitida a intervenção principal provocada de DD, por ser a proprietária do veículo de matrícula ..-..-FT.
6. Na ação apensa (proc. n.º 792/08....- apenso D), intentada pelo Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE contra Fundo de Garantia Automóvel, Axa Portugal-Companhia de Seguros, S.A., BB e CC, foi pedida a condenação dos Réus no pagamento solidário da quantia de € 5.487,19, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento em virtude de ter prestado cuidados de saúde a AA que foi vítima no referido acidente de viação, sendo os 3.º e 4.º Réus, respetivamente, o condutor do ciclomotor sem matrícula e o condutor do veiculo automóvel de matricula ..-..-PC que não tinham seguros de responsabilidade civil automóvel válidos à data do acidente.
7. Por requerimento de fls. 575 a 580, o Autor AA requereu a ampliação do pedido formulado contra os Réus, peticionando a quantia de € 80.964,00, a título de rendimentos que deixou de auferir da sua atividade profissional desde a data da petição inicial (janeiro de 2007) até à média do términus da vida ativa aos 71 anos de idade, ou seja, até 22 de outubro de 2018. Pediu também a quantia de € 125.000,00, a título de dano biológico pela incapacidade parcial permanente de 29% (pontos) e acrescentou ao pedido de compensação dos danos não patrimoniais o montante de € 50.000,00 a título de dano estético e quantum doloris. Por fim, remeteu para liquidação ulterior de sentença a quantificação do montante dos danos futuros.
8. Foi admitido o requerimento do Autor como incidente de liquidação dos pedidos formulados na petição inicial no que respeita à incapacidade permanente para a atividade profissional, ao dano estético e ao quantum doloris, nos termos dos arts. 358.º, n.º 1, e ss. do CPC, tendo sido alterado o valor da causa e remetidos os autos para o Juízo Central Cível ....
9. Realizou-se a audiência final e, subsequentemente, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, decide-se: Da ação principal a) Absolver os Réus AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA e CC de todos os pedidos; b) Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem à interveniente principal DD a quantia de € 2.130,13, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis (já estando deduzida a franquia). c) Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem ao Autor AA a quantia total de € 88.602,77, sendo € 4.602,77 a título de danos patrimoniais (€ 923,99 por despesas médicas e € 3.678,60 por perdas salariais), € 30.000,00 a titulo de danos pela perda da capacidade de ganho, aí se incluindo a indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial e € 54.000,00 a título de danos morais, estando englobada neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, com exceção da quantia de € 4.602,77 a título de danos patrimoniais, cujos juros de mora são devidos desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado. Da ação apensa: d) Absolver os Réus AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA e CC do pedido; e) Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem ao Autor Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE. a quantia de € € 3.293,31, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado.”.
10. O Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL interpôs recurso de apelação.
11. Também o Autor AA interpôs recurso de apelação.
12. Apenas a Ré AGEAS PORTUGAL-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., apresentou contraalegações, pugnando pela manutenção da decisão.
13. Por acórdão de 13 de julho de 2022, o Tribunal da Relação de Évora decidiu o seguinte: “A) Julgar totalmente improcedente o recurso do Autor; B) Julgar parcialmente procedente o recurso do FGA e, em consequência, alterar a alínea c) do dispositivo da sentença, nos seguintes termos: “Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem ao Autor AA a quantia total de €59.068,12, sendo de despesas médicas € 615,60 e de perdas salariais €2.452,52; €20.000,00 a título de danos pela perda da capacidade de ganho, aí se incluindo a indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial e € 36.000,00 a título de danos morais, estando englobado neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, com exceção das quantias de 615,60 e €2.452,52 cujos juros de mora são devidos desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado”. C) Manter o demais aí decidido. As custas do recurso do Autor serão suportadas pelo mesmo; As custas do recurso do FGA serão suportadas por si e pelo Autor na proporção do decaimento”. 14. Não conformado, o Autor AA interpôs recurso de revista, formulando as seguintes CONCLUSÕES: “PRIMEIRO.O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelo autor ora recorrente e que, simultaneamente, julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo réu recorrido e recorrente Fundo de Garantia Automóvel e, em consequência, procedeu à modificação da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.º Instância, nomeadamente, alterando a repartição de responsabilidades pela ocorrência do acidente entre o autor AA ora recorrente e condutor do ciclomotor e, consequentemente, alterando o montante indemnizatório a atribuir ao autor AA ora recorrente. SEGUNDO. O autor ora recorrente AA não pode conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal ad quem, uma vez que, no seu entendimento, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, ao julgar improcedente o seu recurso e ao julgar procedente o recurso interposto pelo réu Fundo de Garantia Automóvel, incorre num grosseiro erro na apreciação da prova produzida nos presentes autos, bem como numa manifesta aplicação despropositada do direito aos mesmos, com consequências na decisão de direito. TERCEIRO. Não obstante, há ainda a considerar que o Tribunal da Relação de Évora violou, com a sua decisão, o disposto no artigo 635.º do Código de Processo Civil e, ainda, do disposto no artigo 615.º, número 1, alínea d) do mesmo diploma legal. QUARTO. Isto porque, o recurso interposto pelo réu Fundo de Garantia Automóvel, reportava à repartição de responsabilidade pela ocorrência do acidente entre o autor e o ciclomotor, tendo aquele réu recorrente invocado, por um lado, a) as condutas do autor AA ora recorrente e do condutor do ciclomotor como causadoras, em diferentes proporções, do acidente a que reportam os presentes autos; por outro, b) a responsabilidade pelo risco dos veículos; tendo ainda e simultaneamente, c) pugnado pela responsabilização do condutor do veículo AT, por entender que aquele, não tendo logrado parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, como lhe competia, acabou por esmagar o autor AA ora recorrente, contribuindo para o agravamento dos danos daquele sofridos, devendo àquele, por isso, ser atribuída responsabilidade pelo acidente dos presentes autos. QUINTO. Contudo, o Tribunal da Relação de Évora decidiu chamar à colação o instituto da culpa do lesado, previsto no número 1 do artigo 570.º do Código Civil, que nunca havia sido chamado à colação dos presentes autos nem invocado pelo réu recorrente Fundo de Garantia Automóvel. SEXTO. Nestes termos, reconduzir o objecto dos presentes autos ao instituto da culpa do lesado, nunca discutido ou invocado nos presentes autos, era tarefa vedada ao Tribunal da Relação de Évora, atento o disposto no artigo 635.º do Código de Processo Civil – a articular com o artigo 639.º do mesmo diploma legal – do qual expressamente resulta que o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se às questões aí equacionadas. SÉTIMO. Vistas as alegações de recurso interposto pelo réu ora recorrido Fundo de Garantia Automóvel, conclui-se, de forma inequívoca, que a questão inerente à culpa do lesado como fundamento para a reapreciação da repartição de responsabilidade pela ocorrência do acidente entre o autor e o ciclomotor, nunca consubstanciou fundamento do recurso daquele primeiro, nunca tendo sido elencado como tema a decidir, pelo que, nunca consubstanciou objecto de recurso, termos em que, no sentido ora exposto, não poderia ser objecto de duplo grau de jurisdição por parte do Tribunal da Relação de Évora. OITAVO. Ao fazê-lo, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, nulo por violação da delimitação do objecto de recurso em clara violação do disposto no artigo 635.º do Código de Processo Civil e, ainda, do disposto no artigo 615.º, número 1, alínea d) do mesmo diploma legal. NONO. Assim não se entendendo, sempre há a considerar que, a inverter aquela que havia sido a decisão do Tribunal a quo, atribuindo ao autor AA ora recorrente 60% a responsabilidade do acidente e 40% ao ciclomotor, por aplicação ao caso sub judice do disposto no número 1 do artigo 570.º do Código Civil, o Tribunal da Relação de Évora incorreu em erro de julgamento, ao aplicar aquele normativo legal – dado que o mesmo não tinha aplicação nos presentes autos. DÉCIMO. E isto porque, reporta o artigo 570.º do Código Civil a um facto culposo do lesado, como fundamento para a concessão, redução ou exclusão da indemnização a que teria direito. DÉCIMO PRIMEIRO. Ora, sucede que, dos presentes autos, e ao contrário do concluído pelo Tribunal ad quem, não se vislumbra que o autor AA ora recorrente tenha incorrido em qualquer facto culposo. DÉCIMO SEGUNDO. Não é verdade que o autor AA ora recorrente circulasse em excesso de velocidade, uma vez que, resulta da matéria de facto provada – nomeadamente do facto provado 15. e facto provado 56. – que o autor conduzia o veículo automóvel a uma velocidade de 80 quilómetros por hora num local onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/hora. DÉCIMO TERCEIRO. Pelo contrário, como o próprio Tribunal da Relação de Évora salienta: no momento imediatamente anterior ao acidente, o autor deparou-se com um ciclomotor imobilizado na via onde circulava, que pretendia virar à esquerda, mas que não tinha accionadas quaisquer luzes sinalizadoras de mudança de direção; o Tribunal da Relação de Évora salienta igualmente que, era de noite, no local não existe iluminação pública e que aquele ciclomotor era pouco visível. E recorde-se ainda que, no sentido contrário, não existia trânsito, pelo que nada justifica que o ciclomotor ali estivesse imobilizado, uma vez não existir qualquer condicionante ou impedimento à concretização da manobra que pretendia realizar. DÉCIMO QUARTO. Por seu turno, é igualmente uma inverdade que o autor AA ora recorrente tenha violado o disposto no número 1 do artigo 24.º do Código da Estrada, uma vez que a velocidade a que o mesmo circulava era, inquestionavelmente, inferior à permitida no local e por isso, absolutamente adequada às características e estado da via, do estado do veículo, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes – recorde-se: o autor AA ora recorrente, circulava a velocidade inferior à velocidade permitida naquele local, circulando com os médios ligados; era de noite, o local não tinha iluminação pública; não havia transito em sentido contrário; a faixa de rodagem no local do embate tinha 6,80 m de largura, configurando um troço em reta; o entroncamento em causa era antecedido de sinais de entroncamento com via sem prioridade, não existindo sinalização de limite de velocidade nem de proibição de ultrapassagem. DÉCIMO QUINTO. Por seu turno, jamais se poderá considerar – como fez o Tribunal da Relação de Évora, que ao abrir a porta do seu veículo e dele sair, o autor AA ora recorrente, tenha incorrido em facto culposo, determinante para a redução da sua indemnização por força da sua responsabilização pelos danos que sofreu – recorde-se: o autor AA, após ser surpreendido pela presença de um ciclomotor, não obstante ter tentado evitá-lo, acabou por lhe embater, tendo, nesse momento sido abertos os airbags do veículo automóvel que conduzia, tendo o mesmo sido imediatamente embatido brutalmente por outra viatura automóvel; nesse seguimento, e ainda num rescaldo de emoções, o autor AA ora recorrente sente um cheiro a queimado, abrindo assim a porta do seu veículo e dele saindo. Jamais tal actuação poderá ser considerada um facto culposo. Com o devido respeito, questiona-se: o que era expectável que o mesmo fizesse? DÉCIMO SEXTO. Ora, não foi o facto de o autor AA ora recorrente ter aberto a porta do veículo que conduzia e dele ter saído – nas circunstâncias já descritas – que provocou o seu esmagamento contra a mesma, mas sim o facto de o veículo automóvel AT circular no sentido V...-T... e ter embatido com a sua frente esquerda na porta do veículo conduzido pelo autor AA ora recorrente; tendo tal sucedido – tão só! – porque o condutor do AT não logrou imobilizar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente e onde já se encontravam imobilizados os demais veículos intervenientes no acidente. DÉCIMO SÉTIMO. Não existiu, por parte do autor AA ora recorrente qualquer actuação culposa ou qualquer violação das normas estradais que sobre ele recaiam, não lhe sendo igualmente possível imputar qualquer actuação culposa que permita a aplicação, aos presentes autos, do previsto no número 1 do artigo 570.º do Código Civil. DÉCIMO OITAVO. Não tendo, os presentes autos, factualidade que permita a aplicação, à mesma, do previsto no número 1 do artigo 570.º do Código Civil, ao fazê-lo, o Tribunal da Relação de Évora não só incorreu em grave erro de julgamento ao aplicar mal as normas de direito adequáveis, como violou o disposto no número 1 do artigo 570.º do Código Civil e, consequentemente, o disposto no artigo 483.º do Código Civil, pelo que deve a sua decisão ser revogada. DÉCIMO NONO. Sendo revogada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, deve a mesma ser substituída por outra que isente o autor AA ora recorrente de qualquer responsabilidade pelo acidente a que reportam os presentes autos e pelas lesões que sofreu em consequência do mesmo. VIGÉSIMO. E isto porque, depende a responsabilidade civil pela ocorrência de um acidente, da verificação de uma actuação culposa por parte dos intervenientes no mesmo. VIGÉSIMO PRIMEIRO. Assim sendo, importa atender ao que resulta da matéria de facto, para efeitos de apuramento das condutas susceptíveis de gerar responsabilidade civil. VIGÉSIMO SEGUNDO. Assim, importa questionar: incorreu o autor AA ora recorrente em algum facto ilícito, alguma infracção estradal ou conduta culposa e faltosa? Não, conforme resulta da matéria de facto provada – nomeadamente do facto provado 15. e facto provado 56. – que o autor conduzia o veículo automóvel a uma velocidade de 80 quilómetros por hora num local onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/hora. VIGÉSIMO TERCEIRO. Recaia, sobre o autor AA ora recorrente alguma obrigação de reduzir a velocidade ao aproximar-se do entroncamento que antecedia o local do acidente? Também não, dado que – conforme resulta do artigo 24.º do Código da Estrada – sobre ele recaia um dever de moderar e adequar a velocidade da sua circulação, o que o autor AA ora recorrente fez, atentas, como já descritas, todas as circunstâncias de tempo e lugar que antecederam o acidente a que reportam os presentes autos; daquele normativo legal não resulta, de forma alguma, uma obrigação, ou sequer um dever de reduzir a velocidade; nem tão pouco resulta qualquer obrigação que o autor AA ora recorrente tenha ignorado ou violado culposamente. VIGÉSIMO QUARTO. E nem sequer era, considerando o princípio da confiança inerente ao tráfego rodoviário e considerando as circunstâncias de tempo e lugar que antecederam o acidente a que reportamos presentes autos, exigível ao autor ora recorrente esperar que um ciclomotor estivesse imobilizado, atravessado e sem iluminação, na via onde circulava; aliás, em conformidade com aquele princípio, qualquer condutor diligente espera que os demais utentes da via pública cumpram as regras estradais – sendo que, era essa, a expectativa legítima do autor AA ora recorrente. A conduta do condutor do ciclomotor não consubstancia, de forma alguma, qualquer situação expectável a um condutor médio colocado na posição do autor AA ora recorrente. VIGÉSIMO QUINTO. Posto isto, não existiu, por parte do autor AA ora recorrente qualquer actuação culposa ou qualquer violação das normas estradais que sobre ele recaiam e que possam ter sido determinantes para a ocorrência do acidente a que reportam os presentes autos. VIGÉSIMO SEXTO. Importa igualmente questionar: incorreu o condutor do ciclomotor em algum facto ilícito, alguma infracção estradal ou conduta culposa e faltosa? A resposta é simples: sim. E aliás, nesse sentido concluiu o Tribunal da Relação de Évora, que deixou claro na sua decisão que: «se apurou que o ciclomotor não tinha luzes sinalizadoras de mudança de direcção (infringindo, por isso o art.º 21º, nº1 do CE na versão em vigor à data do acidente) e era pouco visível». VIGÉSIMO SÉTIMO. E a mesma questão se coloca: incorreu o condutor do veículo AT em algum facto ilícito, alguma infracção estradal ou conduta culposa e faltosa? A resposta é também inequívoca: sim, dado que só isso justifica que não tenha conseguido imobilizar o seu veículo automóvel em condições de segurança após avistar os veículos intervenientes no acidente imobilizados na sua via. VIGÉSIMO OITAVO. Caso entenda este Douto Tribunal – como, em última análise, se admitiria que o fizesse o Tribunal ad quem – que os danos sofridos pelo autor AA ora recorrente na sequência do esmagamento de que foi vítima, não foram provocados e/ou agravados pela actuação do condutor do ciclomotor, forçosamente terão os mesmos de ser imputados ao condutor do veículo AT, que não imobilizou o seu veículo, demonstrando, inequivocamente, que circularia em desrespeito pelas regras estradais, pois se assim não fosse, certamente teria tido tempo de, ao avistar os veículos intervenientes no acidente imobilizados na sua via, parar em segurança. VIGÉSIMO NONO. Tudo para concluir que, ao considerar a responsabilidade de 60% do autor AA ora recorrente na produção do acidente, o Tribunal da Relação de Évora incorreu em manifesto e grosseiro erro de julgamento e, consequentemente, incorreu na violação do disposto no artigo 483.º do Código Civil, motivo pelo qual devem ser julgadas procedentes as presentes alegações de recurso de revista e, consequentemente, revogada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora e assim se modificando a mesma no sentido de, ao autor AA ora recorrente, não ser atribuída qualquer responsabilidade pela ocorrência do acidente ou, maxime, a mesma ser fixada em valor inferior a 60%. TERMOS EM QUE, REQUER O AUTOR AA ORA RECORRENTE, QUE SEJA O PRESENTE RECURSO DE REVISTA JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SEJA REVOGADO O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA ORA RECORRIDO, E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE NEGUE A ATRIBUIÇÃO DE QUALQUER RESPONSABILIDADE PELA OCORRÊNCIA DO ACIDENTE AO AUTOR AA ORA RECORRENTE OU, MAXIME, FIXE A MESMA EM VALOR INFERIOR A 60%. POIS SÓ ASSIM DECIDINDO, SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E SERÁ FEITA A COSTUMADA JUSTIÇA!”
15. Também o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, não se conformando com a decisão, interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: “A) O Tribunal "a quo" decidiu pela coresponsabilidade na produção do acidente, condenando o FGA solidariamente com BB, na proporção de 40% e de 60% para o Autor. Mantendo o demais decidido em primeira instância, nomeadamente os valores apurados a título de danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros. B) Ora, o montante da indemnização em sede de Danos Não Patrimoniais deve ser fixado equitativamente de acordo com os critérios plasmados na Lei. É certo, que os tribunais não se encontram vinculados á aplicação dos valores explanados na Portaria n.º 377/2008 de 26.05, entendendo-se mesma deve servir apenas como um mero instrumento orientador. Daí o recurso a juízos de equidade. C) E, embora se aceite que, o entendimento de não aplicação dos valores fixados pela Portaria 377/2008 de 26 de maio, por estabelecerem valores mínimos de proposta razoável, o que é certo é que cada vez mais se verifica uma grande aproximação de valores face á jurisprudência superior mais recente. D) Com o devido respeito, e não querendo, de todo, minimizar o sofrimento do Autor, mas face às lesões apresentadas, os nossos Tribunais superiores têm decidido, recorrendo, igualmente ao recurso a juízos de equidade, sendo certo que o valor global sentenciado, a título de danos não patrimoniais de € 90.000,00 se mostram exagerados e, salvo melhor opinião tal valor deveria oscilar entre os € 20.000,00 e os € 25.000,00, ao invés dos € 90.000,00 sentenciados. Posto isto, estamos em crer que o valor global dos Danos não Patrimoniais deverá ser reduzido para valor que não exceda os € 25.000,00 ao invés doa € 90.000,00 sentenciados, por forma mais justa e igualitária às diversas decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores. E) Por todo o exposto, deverão ser reduzidos os valores indemnizatórios atribuídos ao Autor, e sobre os mesmos aplicada a redução de 60% de responsabilidade atribuída ao Autor e 40% para o motociclo, sendo que destes 40% ainda se terá que ter em consideração o grau de responsabilidade do condutor do veículo AT, seguro na AXA, e ser esta igualmente responsabilidade com o FGA e o Réu BB, por este ter sido o principal causador dos danos corporais sofridos pelo Autor. F) Quanto aos danos patrimoniais futuros, convém salientar que o Autor, consta como inscrito ma Segurança Social, com o NISS ..., como pensionista de velhice desde 23-01-2013. G) Ainda que tenha ficado afetado de uma incapacidade permanente, mas felizmente para o Autor, tal incapacidade não é impeditiva do exercício de outras atividades profissionais da área da sua preparação técnico profissional. H) Ora, também quanto ao Dano Patrimonial Futuro, embora igualmente se aceite que, o entendimento de não aplicação dos valores fixados pela Portaria 377/2008 de 26 de maio, por estabelecerem valores mínimos de proposta razoável, o que é certo é que cada vez mais se verifica uma grande aproximação de valores face á jurisprudência superior mais recente. É, também certo que a fórmula matemática utilizada não passa de um instrumento de trabalho, sendo a indemnização fixada em função de critérios de equidade, havendo ainda que considerar outros fatores como a incerteza sobre a manutenção da capacidade de trabalho e do tempo de vida. I) O que, obviamente, terá de ser considerado no cálculo indemnizatório a arbitrar, que estamos em crer, ser mais adequado e justo a um sistema equitativo, a fixação de um valor não superior a € 20.000,00, ao invés dos € 50.000,00 arbitrados. J) Por todo o exposto, deverão ser reduzidos os valores indemnizatórios atribuídos ao Autor, e sobre os mesmos aplicada a redução de 60% de responsabilidade atribuída ao Autor e 40% para o motociclo, sendo que destes 40% ainda se terá que ter em consideração o grau de responsabilidade do condutor do veículo AT, seguro na AXA, e ser esta igualmente responsabilidade com o FGA e o Réu BB, por este ter sido o principal causador dos danos corporais sofridos pelo Autor, como já decidido. Por último, K) Pez embora o douto Acórdão recorrido tenha andado bem quanto à fixação da repartição de culpas, operada em 40% para o condutor do ciclomotor e 60% para o Autor, tal alteração ter-se-á de repercutir em igual medida nas condenações das ações apensas, nomeadamente na condenação solidária dos Réus no pagamento à Sr.ª DD e ao Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE. L) Que, muito seguramente por lapso o Douto Tribunal “ad quo” não se pronunciou, limitando-se a concluir por manter o demais decidido. Quando, em bom rigor, deveria ter sido aplicada igual repartição de culpas nas ações apensas e ao cálculo das indemnizações fixadas. M) O douto Acórdão recorrido ao fixar os montantes indemnizatórios em termos de dano Biológico na vertente não patrimonial e danos não patrimoniais violou, assim, o disposto nos art.ºs 494º, 496º, 562º todos do Código Civil. Termos em que, Revogando-se o douto Acórdão recorrido, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre, JUSTIÇA!”
16. Os recursos foram admitidos pela Senhora Desembargadora-Relatora no Tribunal da Relação de Évora. II – Questões a decidir Atendendo às conclusões das alegações dos Recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC -, estão em causa as seguintes questões: a) no recurso do Autor AA: - (in)verificação de nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia - art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC - e por violação da delimitação do objeto do recurso - art. 635.º do CPC (conclusões 3 a 8); - (in)aplicabilidade do preceito do art. 570.º do CC (conclusões 9 a 17); - (in)existência de erro na apreciação da concorrência de culpas - arts. 570.º e 483.º do CC (conclusões 18 a 28); b) no recurso do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL: - (in)existência de erro na fixação dos danos não patrimoniais (conclusões A a E); - (in)existência de erro na fixação dos danos patrimoniais futuros (conclusões F a J); - efeitos da repartição de culpas nas indemnizações fixadas nas ações apensas (conclusão K).
III – Fundamentação A) De Facto Foram dados como provados os seguintes factos: “I) Da acção principal A) Dos Factos Assentes 1) No dia 11 de novembro de 2005, pelas 18 horas e 45 minutos, na Estrada Nacional ...25, ao quilómetro ..., no entroncamento para ..., concelho ..., ocorreu um embate entre o veículo automóvel com a matrícula ..-..-FT, um ciclomotor sem matrícula, o veículo automóvel com a matrícula ..-AT-.. e o veículo automóvel com a matrícula ..-..-PC (Alínea A) dos Factos Assentes). 2) O veículo com a matrícula ..-..-FT era conduzido pelo Autor AA (Alínea B) dos Factos Assentes). 3) O ciclomotor referido era conduzido por BB (Alínea C) dos Factos Assentes). 4) O veículo com a matrícula ..-AT-.. era conduzido por EE (Alínea D) dos Factos Assentes). 5) O veículo com a matrícula ..-..-PC era conduzido por CC (Alínea E) dos Factos Assentes). 6) O autor circulava no veículo com a matrícula ..-..-FT no sentido T...- V... (Alínea F) dos Factos Assentes). 7) Chegado ao entroncamento que a Estrada Nacional ...25 forma para ..., à esquerda atento o seu sentido de marcha, o Autor deparou-se com o referido ciclomotor, no mesmo sentido de trânsito, imobilizado na via, na hemi-faixa direita, atento o mesmo sentido de marcha, por pretender virar à esquerda para ... (Alínea G) dos Factos Assentes). 8) Já era de noite (Alínea I) dos Factos Assentes). 9) No local não existe iluminação pública (Alínea J) dos Factos Assentes). 10) No local, a via é composta por duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada um dos sentidos de marcha (Alínea K) dos Factos Assentes). 11) O proprietário do veículo com a matrícula ..-AT-.. declarou transferir para a Ré AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA, a responsabilidade civil pelos danos causados na circulação deste veículo, o que esta aceitou, emitindo a apólice n.º ...03 para titular este acordo (Alínea L) dos Factos Assentes). Da Base Instrutória 12) O referido ciclomotor estava atravessado na via e ocupava parte da hemi-faixa direita em que seguia o Autor, não tinha luzes sinalizadoras de mudança de direção e era pouco visível (Artigo 3º da Base Instrutória). 13) O veículo FT circulava com os médios ligados e tinha visibilidade a distância não concretamente apurada (Artigo 4º da Base Instrutória). 14) Nesse momento não havia trânsito em sentido contrário (Artigo 6º da Base Instrutória). 15) O veículo FT circulava a uma velocidade de 80 quilómetros por hora (Artigo 7º da Base Instrutória). 16) O seu condutor não moderou a velocidade ao aproximar-se do entroncamento (Artigo 9º da Base Instrutória). 17) Em consequência do ciclomotor ser pouco visível, quando o autor se apercebeu da sua presença estava próximo do mesmo, travou e desviou-se para a direita mas acabou por embater com a frente do lado direito do veículo FT na lateral esquerda do ciclomotor, ocorrendo o embate ainda na hemi-faixa direita da via (Artigo 10º da Base Instrutória). 18) De imediato, os airbags do veículo FT dispararam (Artigo 11º da Base Instrutória). 19) O condutor do ciclomotor foi projetado ao solo, caindo para a direita da via (Artigo 12º da Base Instrutória). 20) Quase em simultâneo, já estando o veículo FT imobilizado ocupando parte da hemi-faixa contrária atento o seu sentido de trânsito, o veículo PC, que circulava no sentido V...-T..., embateu com a roda traseira esquerda, que saltou de imediato, na roda dianteira esquerda e respetivo guarda-lamas do veículo FT (Artigo 14º da Base Instrutória). 21) Após este segundo embate, o veículo FT continuou a sua marcha até se imobilizar a 16,10 metros do local onde o condutor do ciclomotor caiu e ao eixo da via, com o seu lado esquerdo a 3,20 metros do lado esquerdo da faixa de rodagem e com o seu lado direito a 2,35 metros da berma direita atento o sentido de marcha T...- V... (Artigo 17º da Base Instrutória). 22) No local a faixa de rodagem tem uma largura de 6,80 metros (Artigo 18º da Base Instrutória). 23) Por força do cheiro a queimado provocado pela abertura dos airbags, o autor pretendeu sair do veículo e abriu a porta (Artigo 19º da Base Instrutória). 24) Nesse momento, o veículo AT circulava no sentido V...-T... e embateu com a frente esquerda na porta do veículo FT, esmagando o autor entre esta porta e o próprio veículo FT, tendo o Autor aberto a porta para sair (Artigo 20º da Base Instrutória). 25) O veículo AT só se imobilizou a 51,90 metros do local deste embate (Artigo 21º da Base Instrutória). 26) Não havia nenhuma sinalização que indicasse a presença de veículos imobilizados na via (Artigo 26º da Base Instrutória). 27) Em consequência do embate, o Autor perdeu os sentidos, não se recordando do que aconteceu (Artigo 27º da Base Instrutória). 28) Em consequência dos estragos na frente e lateral esquerda do veículo FT, a reparação deste veículo orça em € 8.298,71 (Artigo 28º da Base Instrutória). 29) O valor venal desse veículo era de € 5.099,50 (Artigo 29º da Base Instrutória). 30) O salvado valia € 1.275,00 (Artigo 30º da Base Instrutória). 31) Em consequência destes embates, o autor sofreu traumatismos vários, tendo sido transportado de ambulância para o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, SA, onde deu entrada no dia 12 de novembro de 2005 e teve uma consulta de urgência (Artigo 31º da Base Instrutória). 32) Esteve internado nesta entidade hospitalar até 4 de janeiro de 2006 (Artigo 32º da Base Instrutória). 33) Nesse dia foi transferido para o Hospital ... onde permaneceu internado até 24 de março de 2006 (Artigo 33º da Base Instrutória). 34) Apresentava fratura trocantérica diafisária do fémur direito, dentase da sínfise púbica, fratura supra condiliana do fémur esquerdo, fratura dupla da tíbia direita, fratura da tíbia esquerda, fratura exposta grau III do úmero esquerdo e fratura distal do cúbito esquerdo (Artigo 34º da Base Instrutória). 35) O autor foi sujeito a intervenções cirúrgicas, com anestesia geral e com perigo para a própria vida e efetuou tratamentos que lhe foram prescritos nos hospitais referidos (Artigo 35º da Base Instrutória). 36) Após a alta hospitalar passou a ser assistido pelo Centro de Saúde ... (Artigo 36º da Base Instrutória). 37) Foi sujeito a reabilitação de cinesioterapia corretiva postural, reeducação motora, técnicas especiais e cinesioterapia e AVD, tendo efetuado vinte e oito sessões na Clínica ... (Artigo 37º da Base Instrutória). 38) Na altura o autor deslocava-se de cadeira de rodas e necessita de transporte em ambulância (Artigo 38º da Base Instrutória). 39) O autor continua a deslocar-se com o auxílio de canadianas e a efetuar a respetiva reabilitação (Artigo 40º da Base Instrutória). 40) Na data do acidente, o autor era comissionista na empresa informática de DD, auferindo uma média mensal de € 400,00 (Artigo 41º da Base Instrutória). 41) Desde o acidente, deixou de poder exercer aquela atividade, tendo perdido até à entrada da ação o montante de € 6.000,00 (Artigo 42º da Base Instrutória). 42) O autor não recebeu qualquer subsídio de doença (Artigo 43º da Base Instrutória). 43) Em consequência destas lesões, o autor suportou os seguintes montantes: i. A quantia de € 36,60 com assistência hospitalar; ii. A quantia de € 18,45 com consultas; iii. A quantia de € 190,75 em elementos auxiliares de diagnóstico; iv. A quantia de € 440,00 em fisioterapia; v. A quantia de € 75,00 na aquisição de uma palmilha para compensação da dismetria; vi. A quantia de € 6,63 com o seguro da piscina onde efetua fisioterapia; vii. A quantia de € 272,56 com a aquisição de medicamentos; viii. A quantia de € 355,00 em transportes em viatura dos bombeiros e particular para a fisioterapia e consultas médicas e ix. A quantia de € 145,00 na aquisição de uns óculos de correção para substituição dos que usava e que ficaram partidos no acidente (Artigo 44º da Base Instrutória). 44) O autor continua a necessitar de fisioterapia, consultas médicas, tratamentos e medicamentos (Artigo 45º da Base Instrutória). 45) O autor sofreu e sofre dores (Artigo 46º da Base Instrutória). 46) O autor ficou afetado psicologicamente e a considerar-se um inválido por não poder exercer a sua profissão (Artigo 47º da Base Instrutória). 47) Vive angustiado por não saber como as sequelas o afetarão no futuro (Artigo 48º da Base Instrutória). 48) O ciclomotor e o veículo com a matrícula ..-..-PC não tinham seguro (Artigo 49º da Base Instrutória). 49) Em consequência do acidente, o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE, prestou cuidados de saúde ao autor com um custo de € 5.487,19 (Artigo 50º da Base Instrutória). 50) O autor conduzia o referido veículo de matrícula ..-..-FT pertencente à sua companheira DD (Artigo 51º da Base Instrutória). III) Nos termos do disposto nos artigos 5º, n.º 2, als. a) e b) e 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil de 2013: 51) Em consequência do embate, tal como resulta de fls. 630 a 635, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o Autor: I) Sofreu múltiplos traumatismos corporais, com maior incidência no membro superior esquerdo e nos membros inferiores, tendo sido transportado para entidade hospitalares onde foi colocado em coma induzido, tendo ficado internado na Unidade de Cuidados Intensivos e foi submetido a múltiplas intervenções cirúrgicas; II) Apresenta sequelas no membro superior esquerdo (cicatriz linear, pigmentada, na face anterior do ombro com 3 cm de comprimento; cicatriz hiperpigmentar em forma de cruz, na face lateral do braço, com 2 por 2 cm de maiores dimensões; cicatriz hiperpigmentada no terço médio da face lateral do braço, com 2 por 0,5 cm de maiores dimensões, cicatriz hipergmentada, referindo diminuição da sensibilidade ao toque, de aspeto irregular, no terço inferior da face anterolateral do braço, com 4 por 3 cm de maiores dimensões, múltiplas áreas hipopigmentadas na face externa do antebraço esquerdo, a maior com 4 por 2 cm de maiores dimensões e cicatriz no terço inferior da face posteromedial com punho, de 0,5 por 05 cm de maiores dimensões, sem alteração da mobilidade osteoarticular do ombro e do cotovelo); no membro inferior direto (comprimento aparente de 103 cm e comprimento real de 93 cm; cicatriz linear hipopigmentada na face lateral da coxa direita com 32 cm de maiores dimensões com uma tumefação na parte inferior com 4 por 10 cm de maiores dimensões; 2 cicatrizes verticais hipogmentadas no terço médio da face lateral da coxa, medindo, respetivamente, 2 e 3 cm de comprimento, cicatriz vertical no joelho direito com 7 cm de comprimento, 3 cicatrizes no terço superior da face anteromedial da perna de 2 cm de comprimento, múltiplas áreas cicatrizais hiperpigmentadas dispersas pela perna , a maior das quais com 7 por 7 c, de maiores dimensões, edema do tornozelo, dismorfia do 2º dedo e pé equino) e no membro inferior esquerdo (comprimento aparente de 100,5 cm e comprimento real de 90,5 cm; cicatriz no terço no terço médio e no terço inferior da face lateral da coxa até à face anterolateral da perna com 27 cm de comprimento, cicatriz na face lateral do tornozelo com 3 por 2 cm de maiores dimensões, cicatriz no terço médio da face anterolateral da perna com 2,5 cm de comprimento, cicatriz no tornozelo, face dorsal e fase lateral do pé com 13 por 7 cm de maiores dimensões, hipossenbilidade do terço superior da face lateral da perna, a palpação do pé apresenta tumefações de consistência dura compatíveis com parafusos, edema do tornozelo e alteração da mobilidade articular coxofemoral na abdução-0º/60º e rotação externa 0º/30º e rotação interna 0º/40º): III) Sofreu Défice Funcional Temporário Total de 134 dias; IV) Sofreu Défice Funcional Temporário Parcial de 327 dias; V) Sofreu uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 461 dias (até 14-02-2007); VI) Sofreu um Quantum Doloris no grau 5/7; VII) Sofreu um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 29 pontos em 100; VIII) Sofreu um Dano Estético Permanente no grau 6/7; IX) Em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, as sequelas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissionais da área da sua preparação técnico profissional; X) Apresenta necessidades, a título permanente, de ajudas medicamentosas e tratamentos regulares em Consulta de Ortopedia e de Medicina Física e de Reabilitação, bem como de calçado adaptado e uso de canadianas. 52) O Instituto de Segurança Social, IP informou nos autos que o Autor consta como inscrito na Segurança Social com o NISS ..., é pensionista de velhice desde 23-01-2013, sendo o valor mensal da pensão de € 281,00 e recebe um complemento solidário de idosos no valor mensal de € 133,18 e não possui registo de quaisquer remunerações, nem aufere outras pensões ou outras prestações à data de 11-11-2005 nem na presente data. 53) O veículo de matrícula ..-..-FT tem a propriedade inscrita a favor de DD desde 16-04-2002. 54) O veículo de matrícula ..-AT-.. não tinha propriedade inscrita em 11-11-2005 a favor de EE, só sendo inscrita no registo a propriedade a seu favor em 3011-2005. 55) O ciclomotor não tinha matrícula válida à data do embate. 56) Em 11-11-2005, a faixa de rodagem no local do embate tinha 6,80 m de largura, com bermas pavimentadas de 0,30 m e bermas não pavimentadas, no sentido V...-T..., entre 1 e 2 m e, no sentido T...- V... com a largura de 2 m, sendo o entroncamento antecedidos de sinais de entroncamento com via sem prioridade (B9a e B9d), não existindo sinalização de limite de velocidade nem de proibição de ultrapassagem, sendo a velocidade máxima permitida no local de 90 km/hora, configurando um troço em reta apresentando trainel reto com ligeiras lombas, sendo abrangido por traço descontinuo, sendo a visibilidade, em ambos os sentidos, de 240 m de distância. 57) O Autor nasceu em .../.../1947. * b) Não se provaram quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada, designadamente que: a) O referido ciclomotor não tinha qualquer iluminação (Artigo 1º da Base Instrutória). b) O ciclomotor tinha iluminação própria na traseira e na frente (Artigo 2º da Base Instrutória). c) Tinha visibilidade a uma distância de cem metros (Artigo 5º da Base Instrutória). d) O veículo FT circulava a uma velocidade de pelo menos 100 quilómetros por hora (Artigo 8º da Base Instrutória). e) Após chegar ao entroncamento, tendo em conta o sentido de marcha do autor, existe uma subida, no fim da qual existe uma lomba que impede os condutores que circulam no sentido de V...-T... de visualizarem o entroncamento, antes de superarem a referida lomba (Artigo 13º da Base Instrutória). f) O veículo PC só se imobilizou a mais de cem metros do local do embate (Artigo 15º da Base Instrutória). g) Após o embate com o ciclomotor, o veículo FT continuou a sua marcha e entrou na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido V...-T... e foi dentro desta hemi-faixa que se deu o embate entre o veículo PC e o veículo FT (Artigo 16º da Base Instrutória). h) Ao passar a referida lomba, o condutor do veículo AT apercebeu-se do ciclomotor da sua hemi-faixa e para desviou-se para a sua esquerda para se desviar e contornar o ciclomotor (Artigo 22º da Base Instrutória). i) Logo de seguida, o condutor do veículo AT apercebeu-se da existência do veículo FT imobilizado no eixo da via, à sua frente e guinou para a sua direita a fim de se desviar do mesmo (Artigo 23º da Base Instrutória). j) Nesse momento, quando o veículo AT estava a menos de três metros de distância, o autor abriu a porta do veículo FT, sem que o condutor do AT se conseguisse desviar (Artigo 24º da Base Instrutória). k) O veículo AT circulava a velocidade inferior a 70 quilómetros por hora (Artigo 25º da Base Instrutória)”. B) De Direito Tipo e objeto de recurso 1. Por sentença proferida a 3 de novembro de 2021 na presente ação declarativa de condenação que AA intentou contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., BB e CC, foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e, para o que ora releva, determinou-se o seguinte: “b) Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem à interveniente principal DD a quantia de € 2.130,13, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis (já estando deduzida a franquia). c) Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem ao Autor AA a quantia total de € 88.602,77, sendo € 4.602,77 a título de danos patrimoniais (€ 923,99 por despesas médicas e € 3.678,60 por perdas salariais), € 30.000,00 a titulo de danos pela perda da capacidade de ganho, aí se incluindo a indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial e € 54.000,00 a título de danos morais, estando englobada neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, com exceção da quantia de € 4.602,77 a título de danos patrimoniais, cujos juros de mora são devidos desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado. (…) e) Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem ao Autor Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, EPE. a quantia de € € 3.293,31, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado”.
2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de julho de 2022, na sequência de recurso de apelação interposto pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e pelo Autor AA, foi deliberado o seguinte: “A) Julgar totalmente improcedente o recurso do Autor; B) Julgar parcialmente procedente o recurso do FGA e, em consequência, alterar a alínea c) do dispositivo da sentença, nos seguintes termos: “Condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem ao Autor AA a quantia total de €59.068,12, sendo de despesas médicas € 615,60 e de perdas salariais €2.452,52; €20.000,00 a título de danos pela perda da capacidade de ganho, aí se incluindo a indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial e € 36.000,00 a título de danos morais, estando englobado neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, com exceção das quantias de 615,60 e €2.452,52 cujos juros de mora são devidos desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado”. C) Manter o demais aí decidido”.
3. É deste acórdão que o Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e o Autor AA interpõem recursos de revista.
4. Não foram apresentadas contra-alegações.
5. Os recursos foram admitidos pela Senhora Desembargadora-Relatora no Tribunal da Relação de Évora.
(In)admissibilidade do recurso Perante o valor da causa - € 255 964,00 (duzentos e cinquenta e cinco mil, novecentos e sessenta e quatro euros) - e o valor da sucumbência - superior a € 15 000,00 -, a legitimidade dos recorrentes e o teor do acórdão recorrido, os presentes recursos de revista são admissíveies nos termos dos arts. 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC.
Das nulidades (conclusões 3 a 8 da revista do Autor) 1. O Autor/Recorrente AA invoca que o acórdão recorrido violou a delimitação do objeto do recurso - o disposto no art. 635.º do CPC -, uma vez que o recurso interposto pelo FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL se reportava “à repartição de responsabilidade pela ocorrência do acidente entre o autor e o ciclomotor, tendo aquele réu recorrente invocado, por um lado, a) as condutas do autor AA ora recorrente e do condutor do ciclomotor como causadoras, em diferentes proporções, do acidente a que reportam os presentes autos; por outro, b) a responsabilidade pelo risco dos veículos; tendo ainda e simultaneamente, c) pugnado pela responsabilização do condutor do veículo ..., por entender que aquele, não tendo logrado parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, como lhe competia, acabou por esmagar o autor AA ora recorrente, contribuindo para o agravamento dos danos daquele sofridos, devendo àquele, por isso, ser atribuída responsabilidade pelo acidente dos presentes autos”. Todavia, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora resolveu a questão com base no instituto da culpa do lesado, previsto no art. 570.º do CC, que nunca havia sido referido nos autos, o que também integra uma nulidade por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).
2. Segundo a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[1], as nulidades da sentença/acórdão encontram-se previstas no art. 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais da própria decisão, não se confundindo com os erros de julgamento, de facto ou de direito. A nulidade por excesso de pronúncia prende-se com o conhecimento de questões não alegadas pelas partes, alheias à causa de pedir e ao pedido, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
3. A argumentação do Recorrente afigura-se totalmente desprovida de sustentação, uma vez que a repartição ou concorrência de culpas e a culpa do lesado se consubstanciam no mesmo instituto jurídico, previsto no art. 570.º do CC. No fundo, o Recorrente como que se limita a manifestar o seu descontentamento e discordância com o acórdão recorrido.
4. O Tribunal de 1.ª Instância apreciou a culpa dos diferentes intervenientes no acidente e repartiu a culpa na sua produção mediante a atribuição de 40% ao Autor, condutor do veículo automóvel ..-..-FT, e de 60% ao condutor do ciclomotor. Entendeu que ambos concorreram, com a sua conduta, para a produção do acidente, ainda que o condutor do ciclomotor tenha para ele contribuído com um maior grau de culpa.
5. No seu recurso de apelação, o Réu/Recorrente FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL sustenta, precisamente, a repartição de culpas ulteriormente efetuada pelo Tribunal da Relação de Évora no acórdão recorrido, ou seja, na proporção de 40% para o condutor do ciclomotor e de 60% para o Autor.
6. A culpa do lesado, i.e., do Autor, condutor do veículo automóvel ..-..-FT, foi apreciada na sentença e no acórdão recorrido, ainda que cada Instância tenha decidido por diferentes proporções de culpa.
7. O acórdão recorrido pronunciou-se nos termos do objeto do recurso delimitado pelo FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, analisando a questão de acordo com o instituto já aplicado na sentença, ainda que com soluções diversas, concorrência de culpas e culpa do lesado, nos termos do art. 570.º do CC. Apreciou as questões que as partes lhe suscitaram, atendo-se à causa de pedir e aos pedidos formulados, aplicando o Direito que desde sempre foi invocado pelas partes, não tendo julgado qualquer questão nova, mantendo-se dentro dos limites do objeto do recurso interposto quer pelo Autor quer pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL. Não se verifica, por conseguinte, qualquer nulidade por violação da delimitação do objeto do recurso ou por excesso de pronúncia.
(In)aplicabilidade do instituto previsto no art. 570.º do CC (conclusões 9 a 17 da revista do Autor)
1. De acordo com o Autor/Recorrente AA, o acórdão recorrido não devia ter aplicado ao caso sub judice o preceito do art. 570.º do CC, porquanto aquele não praticou qualquer ato ilícito e culposo. Com efeito, não conduzia em excesso de velocidade, mas antes a 80 Km/h num local onde a velocidade máxima permitida era de 90 Km/h – factos provados sob os n.os 15 e 56. Nem mesmo o facto de ter aberto a porta do seu veículo e de ter dele saído é suscetível de ser considerado como culposo, pois foi a circunstância de o condutor do veículo ..-AT.. não ter conseguido imobilizar a respetiva viatura no espaço livre e visível à sua frente que determinou o embate e a aniquilação do Autor contra a porta da sua viatura.
2. O enquadramento jurídico efetuado pelo acórdão recorrido é idêntico ao da sentença, imputando ao Autor um comportamento ilícito e culposo na medida em que violador das regras estradais previstas nos arts. 24.º e 25.º, n.º 1, al. f), do Cód. da Estrada. Na verdade, o Autor não adequou a velocidade a que conduzia ao local em que seguia - uma estrada nacional -, à noite e à proximidade de um entroncamento. I.e., ao conduzir a uma velocidade de cerca de 80 Km/h, num local onde a velocidade máxima permitida era de 90 km/h, praticou um ato ilícito e culposo, pois deveria ter moderado especialmente a velocidade em virtude da proximidade de um entroncamento. O acórdão recorrido entendeu também que, na medida em que os danos sofridos não tiveram origem no primeiro embate, mas antes no embate com o veículo ..-AT-.. quando abriu a porta da sua viatura para dela sair, o Autor é responsável pelas consequências resultantes desse choque.
3. “O que deve ser entendido por «culpa do lesado» ou por «facto culposo do lesado»? Tendo presente que o lesante e o lesado podem ter incorrido em ilícitos contra-ordenacionais e que o incumprimento do contrato pode ser devido a ambos os contraentes (…), verdadeiramente a «culpa do lesado» é uma culpa imprópria, não técnica (…) por não assentar numa conduta ilícita já que o lesado, na ausência de um dever geral de autoproteção, age, apenas, dolosa ou negligentemente, contra os seus interesses pessoais e patrimoniais, suportando os efeitos da sua liberdade pessoal ao pretender responsabilizar o lesante/devedor culpados. Não lesando direitos ou interesses alheios, nem atendendo contra normas de proteção mista, a falta de cuidado ou zelo com os seus bens não envolve ilicitude mas, somente, e segundo o entendimento dominante, a inobservância de um ónus jurídico (Baptista Machado, 1991:582, Brandão Proença, 1997: 524, Pinto Oliveira, 2011: 728, e Menezes Leitão, 2018: 328) ou, para outros juristas, de um encargo ou incumbência (Menezes Cordeiro, 1984: 766-767, e Santos Júnior, 2007: 366).” 2.
4. Assim, o Tribunal da Relação de Évora considerou que foi principalmente a conduta do Autor AA, plasmada no facto dado como provado sob o n.º 24 - a abertura da porta -, que determinou o embate com o veículo ..-AT-.. e, por conseguinte, que lhe causou danos. Está em causa a sua falta de cuidado ao abrir a porta da viatura nas circunstâncias em que se encontrava.
5. ”(…) IV - A formulação legal do art. 570.º do CC afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não merecem um juízo de reprovação ou censura. V - Daí que a redução ou exclusão da indemnização apenas ocorra quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou agravamento dos seus efeitos. VI - Tal concausalidade determina-se pelo método da causalidade adequada, referido no art. 563.º do CC: ou seja, o agente só responderá pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta a produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária. (…).”3
6. Acresce que o Autor AA infringiu igualmente o art. 3.º, n.º 2, do Cód. da Estrada4. Com efeito, de acordo com o facto dado como provado sob o n.º 21, o veículo em que seguia, após o embate com a viatura ..-..-PC, ficou com o “seu lado esquerdo a 3,20 metros do lado esquerdo da faixa de rodagem e com o seu lado direito a 2,35 metros da berma direita atento o sentido de marcha T...- V...”. Foi precisamente nesta ocasião que abriu a porta para sair do seu veículo, por cheirar a queimado em virtude da abertura dos airbags (facto provado sob o n.º 23).
7. Daqui resulta, tal como decidido na sentença e no acórdão, a aplicabilidade do art. 570.º do CC.
(In)existência de erro na apreciação da concorrência de culpas - arts. 570.º e 483.º do CC (Conclusões 18 a 28 da revista do Autor)
1. O Recorrente alega que não teve qualquer responsabilidade na produção do acidente, porquanto: - não violou qualquer norma estradal, ao conduzir a 80 Km/h, numa via onde a velocidade máxima permitida é de 90 Km/h; - do art. 24.º, n.º 1, do Cód. da Estrada, não resulta qualquer dever de reduzir a velocidade, pelo que não praticou qualquer ato ilícito e culposo; - o princípio da confiança não lhe impunha o dever de prever a presença de qualquer veículo na via em que circulava.
2. De acordo com os factos dados como provados relevantes para a dinâmica do acidente: “12) O referido ciclomotor estava atravessado na via e ocupava parte da hemi-faixa direita em que seguia o Autor, não tinha luzes sinalizadoras de mudança de direção e era pouco visível. 15) O veículo FT circulava a uma velocidade de 80 quilómetros por hora. 16) O seu condutor não moderou a velocidade ao aproximar-se do entroncamento. 17) Em consequência do ciclomotor ser pouco visível quando o autor se apercebeu da sua presença estava próximo do mesmo, travou e desviou-se para a direita mas acabou por embater com a frente do lado direito do veículo FT na lateral esquerda do ciclomotor, ocorrendo o embate ainda na hemi-faixa direita da via. 20) Quase em simultâneo, já estando o veículo FT imobilizado ocupando parte da hemi-faixa contrária atento o seu sentido de trânsito, o veículo PC, que circulava no sentido V...-T..., embateu com a roda traseira esquerda, que saltou de imediato, na roda dianteira esquerda e respetivo guarda-lamas do veículo FT. 21) Após este segundo embate, o veículo FT continuou a sua marcha até se imobilizar a 16,10 metros do local onde o condutor do ciclomotor caiu e ao eixo da via, com o seu lado esquerdo a 3,20 metros do lado esquerdo da faixa de rodagem e com o seu lado direito a 2,35 metros da berma direita atento o sentido de marcha T...- V.... 22) No local a faixa de rodagem tem uma largura de 6,80 metros. 23) Por força do cheiro a queimado provocado pela abertura dos airbags, o autor pretendeu sair do veículo e abriu a porta. 24) Nesse momento, o veículo AT circulava no sentido V...-T... e embateu com a frente esquerda na porta do veículo FT, esmagando o autor entre esta porta e o próprio veículo FT, tendo o Autor aberto a porta para sair. 25) O veículo AT só se imobilizou a 51,90 metros do local deste embate. 26) Não havia nenhuma sinalização que indicasse a presença de veículos imobilizados na via”.
3. Conforme o acórdão recorrido e a sentença, o Autor e o condutor do ciclomotor inobservaram regras estradais. De um lado, o Autor violou as normas previstas nos arts. 3.º, n.º 25, 24.º, n.º 1[6], e 25.º, n.º 1, al. f)[7], do Cód. da Estrada – na versão que lhe foi dada pelo DL n.º 44/2005, aplicável à data da verificação dos factos -, porquanto circulava numa estrada nacional, à noite, à velocidade de 80 Km/h, não tendo moderado a velocidade quando se aproximava do entroncamento. De outro lado, o condutor do ciclomotor infringiu as normas previstas nos arts. 3.º, n.º 2[8], 13.º, n.º 1[9], e 35.º, n.º 1[10], do Cód. da Estrada – também na versão que lhe foi dada pelo DL n.º 44/2005 -, uma vez que este veículo se encontrava atravessado na via e ocupava parte da hemi-faixa direita em que seguia o Autor, não tinha luzes sinalizadoras de mudança de direção e era pouco visível.
4. “Em sede de responsabilidade civil extracontratual a verificação do pressuposto da culpa constitui matéria de facto se estiver em causa a apreciação da violação dos deveres gerais de prudência e diligência, que integrem os conceitos de imperícia, imprevidência, falta de cuidado ou falta de destreza. Já constitui matéria de direito se consistir na apreciação da violação de deveres legais de cuidado, designadamente dos deveres do Código da Estrada. (…).”[11]
5. «A jurisprudência do STJ tem afirmado, de forma consolidada, que “a matéria respeitante ao nexo de causalidade adequada, como tal designada pela doutrina e tida como adotada no artigo 563.º do CC, envolve duas componentes: uma, de feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; outra, de alcance estritamente normativo, tendente a saber se esse facto, em abstrato, é causa adequada daquele resultado (…) Assim, enquanto que a componente naturalística, abarcando a fixação dos factos e a sua valoração probatória, escapa à sindicância do tribunal de revista, nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, já a vertente normativa é passível de apreciação por este tribunal”» [12].
6. Resultando provada sob o n.º 16 dos factos provados, a falta de previdência do Autor mostra-se subtraída ao conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria de facto.
7. De seguida, ocorreram ainda dois embates de viaturas, que seguiam em sentido contrário, no veículo do Autor, quando este já se encontrava parcialmente na faixa de rodagem contrária à mão em que seguia. Desde logo, aquele do veículo ..-..-PC, em virtude do qual a viatura do Autor ficou imobilizada aproximadamente a de 16,10m do local em que se encontrava o ciclomotor, continuando ainda a ocupar parte da faixa contrária e, depois, o do veículo ..-AT-.., na porta do veículo do Autor, que este entretanto abrira para sair do seu interior, e em consequência do qual o Autor ficou comprimido entre a porta e o seu veículo ..-..-FT.
8. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: “Não é exigível aos condutores que contem com a negligência ou inconsideração de outros utentes da via, salvo tratando-se de crianças - com comportamentos geralmente imprevisíveis - deficientes ou muito idosos - com limitações no seu controlo - ou animais desacompanhados ou sem trela. Deve antes partir do princípio que se ele cumpre todos os preceitos reguladores do trânsito aos outros também é exigível que os cumpram”[13]; “A qualquer condutor é-lhe exigível que cumpra as regras estradais, mas já não lhe é exigível que conte com a imprudência alheia”[14]; “Nos acidentes de viação, mais do que a violação formal de uma regra de trânsito, o que importa essencialmente determinar é o processo causal da verificação do sinistro, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na produção do evento danoso. Um condutor não deve ser obrigado a prever que outro vai infringir uma regra de trânsito ou um dever de conduta”[15].
9. Tanto o Tribunal de 1.ª Instância como o da Relação entenderam que o condutor do veículo ..-AT-.. não infringiu qualquer regra de trânsito, uma vez que não era expectável que, à noite, numa estrada nacional, sem iluminação pública, encontrasse na faixa de rodagem em que seguia um veículo imobilizado, com a porta aberta e o condutor a abandonar o seu interior.
10. Segundo a sentença, “Efetivamente, segundo as regras da experiência comum, não é previsível que um veículo ocupa a hemi-faixa contrária, nem se pode exigir que um condutor conte com esse evento, sendo inerente ao tráfego rodoviário o princípio da confiança. Este é um resultado anómalo e que apenas poderá ser imputado ao comportamento do Autor e do condutor do ciclomotor, mas não ao comportamento dos condutores dos veículos de matrícula ..-..PC e ..-AT-... De facto, não se pode exigir ao condutor que conte com as infrações estradais que eventualmente venham a ser cometidos pelos outros condutores, vigorando aqui o princípio da confiança, segundo o qual condutor algum tem que contar com a inopinada manobra de outro condutor. Assim, um condutor não tem de contar com a negligência ou inconsideração dos outros, salvo tratando-se de crianças, de deficientes ou de animais desacompanhados. Conclui-se, assim, que a responsabilidade na produção do acidente de viação aqui em análise foi dos condutores do ciclomotor e do veículo de matrícula ..-..-FT.”
11. Foi devido à conjugação das condutas do Autor AA e do condutor do ciclomotor que ocorreu o primeiro embate: aquele não adequou a sua velocidade à aproximação de um entroncamento e este, por seu turno, encontrava-se imobilizado na faixa de rodagem no eixo da via, sem iluminação. Tal como decidido por ambas as Instâncias, o condutor do ciclomotor contribuiu em maior medida do que o Autor para a produção do primeiro embate, pois a sua imobilização na via com falta de iluminação e sinalização determina um maior grau de culpa.
12. Por sua vez, os segundo e terceiro embates ocorreram por causa do primeiro choque.
13. É verdade que o embate do veículo do Autor com a viatura ..-AT-.. teve lugar porque aquele se encontrava a ocupar a faixa de rodagem em que este seguia, de um lado e, de outro, porque o Autor abriu a porta para sair da viatura. Impõe-se, igualmente, considerar que o veículo ficou na via devido ao primeiro embate, para o qual o Autor contribuiu e, também, devido ao segundo choque. A abertura da porta do veículo do Autor apenas a ele se deve, ainda que determinada pelo cheiro a queimado resultante da atuação dos airbags.
14. ”(…) IV - A formulação legal do art. 570.º do CC afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não merecem um juízo de reprovação ou censura. V - Daí que a redução ou exclusão da indemnização apenas ocorra quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou agravamento dos seus efeitos. VI - Tal concausalidade determina-se pelo método da causalidade adequada, referido no art. 563.º do CC: ou seja, o agente só responderá pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta a produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária. (…).”[16]
15. Não pode, assim, afastar-se a culpa do Autor AA, porque, de um lado, também ele contribuiu, ainda que em menor medida do que o condutor do ciclomotor, para a ocorrência do primeiro embate, que desencadeou os restantes infortúnios e, de outro lado, abriu a porta do seu veículo para dele se retirar, ainda que pelas motivações referidas supra, sem que se tenha assegurado da presença ou ausência de circulação de outros veículos, o que releva igualmente alguma imprudência.
16. Naturalmente que não se descura que o primeiro embate teve lugar principalmente por culpa do condutor do ciclomotor e que este embate se traduz no facto principal desencadeador dos demais.
17. Tem razão o Tribunal de 1.ª Instância quando afirma que o comportamento do condutor do ciclomotor foi o que mais contribuiu para o primeiro embate. Este concorreu, necessariamente, para a verificação dos restantes embates. Da devida conjugação destes choques com a conduta imprudente do Autor quando procede à abertura da porta do veículo decorre a atribuição ao Autor de 40% da culpa e ao condutor do ciclomotor de 60% da culpa na produção dos embates.
(In)existência de erro na fixação dos danos não patrimoniais (Conclusões A a E da revista do Réu FGA)
1. O Réu/Recorrente FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL preconiza a fixação da compensação dos danos não patrimoniais num montante situado entre os valores de € 20 000,00 e de € 25 000,00, diferentemente da quantia de € 90 000,00, determinada na sentença e mantida no acórdão.
2. Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça que o montante da compensação estabelecida pelas Instâncias para os danos não patrimoniais, mediante o recurso à equidade, apenas pode ser por si alterada no caso de os critérios adotados se mostrarem substancialmente desadequados e injustificados perante os padrões geralmente aplicados pela jurisprudência.17
3. Segundo o acórdão recorrido, a compensação fixada na sentença pelos danos não patrimoniais, no montante de € 90 000,00, foi justa e equitativa, tendo o Tribunal da Relação de Évora aderido à fundamentação expendida pelo Tribunal de 1.ª Instância: “De facto, e porque as lesões sofridas, as suas consequências irreversíveis e o período de 461 dias até à alta médica (com um tempo de imobilização total de 134 dias o que implica a necessidade de apoio de terceira pessoa e um período de mobilidade reduzida de 327 dias), espelham de forma evidente os resultados dos embates na pessoa do Autor, pelo que não há dúvida que as lesões corporais sofridas incluem-se indubitavelmente na categoria dos danos que merecem a tutela do direito, subtraindo-se, como é evidente, à aplicação do princípio da reposição natural previsto nos artigos 562º e 566º do Código Civil atenta a incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por estarem em causa diferentes planos valorativos. Na verdade, além das dores físicas que o Autor sofreu em resultado do acidente, o Autor sofreu dano estético elevado, continuou a sofrer dores e desgosto pelas limitações físicas de que ficou a padecer, o que teve e tem ainda, tal como resulta evidente dos factos provados, repercussões na sua autoestima e personalidade. Por outro lado, o Autor contribuiu para a produção do acidente aqui em causa como supra se referiu. Para além disso, importa salientar que, para o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais na sequência de sequelas permanentes, não se mostra adequado o confronto com a indemnização pela perda do direito à vida, cuja razão de ser é claramente diferente daquela que justifica a indemnização ao lesado que sobrevive a um acidente, do qual resultam para ele sofrimentos e sequelas mais ou menos significativas, pelo que nada impede que o valor a fixar seja superior ao usualmente fixado pela perda do direito à vida. Acresce que as limitações sofridas pelo Autor afetaram a sua qualidade de vida, e continuarão a afetálo para toda a vida, estando-se perante limitações com tal gravidade que constituem dano moral que deve ser condignamente compensado. Assim sendo, atendendo a todos os factos que acabaram de se referir, considerando a idade do Autor, a natureza das lesões por si sofridas e das sequelas daí resultantes, as limitações que as mesmas trouxeram à sua vida, a natureza e a duração dos tratamentos que teve de efetuar, as dores e o abalo que sofreu, bem como o dano estético e o lapso de tempo decorrido desde o acidente, afigura-se-nos ser adequada a quantia de € 90.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos, estando englobada neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial, motivo pelo qual não se entende excessivo tal valor, considerando que o Tribunal não optou por não atribuir indemnização autónoma pelo dano biológico”.
4. Da análise da fundamentação do acórdão recorrido, que aderiu àquela da sentença, resulta o recurso a critérios de equidade na fixação do quantum da compensação dos danos não patrimoniais. Note-se que neste montante foi também considerado o dano biológico na sua dimensão não patrimonial, porquanto a indemnização estabelecida para o dano biológico atendeu apenas aos danos patrimoniais.
5. Levando em linha de conta os princípios da igualdade e da proporcionalidade, resta apreciar da (des)conformidade do montante fixado com os valores geralmente arbitrados pela jurisprudência.
6. Assim, «3. O dano não patrimonial é, assim, insuscetível de avaliação pecuniária. 4. O critério da gravidade dos danos (art. 496.º, n.º 1, do CC) permite estabelecer uma harmonização prática entre os princípios da solidariedade perante a vítima e da tolerância. Por conseguinte, o ressarcimento dos danos não patrimoniais apenas é devido quando estes não forem considerados fúteis ou banais e se haja ultrapassado o nível de tolerabilidade imposto pela convivência social. 5. O ressarcimento dos danos não patrimoniais coloca, pois, o problema da “atribuição de um preço” a qualquer coisa que, por definição, não o tem, visando uma reparação económica adequada da perda de utilidade sofrida pelo lesado. 6. A quantificação dos danos não patrimoniais, em virtude da respetiva natureza, é remetida para um sistema de valoração fundado na equidade (art. 496.º, n.º 4, do CC). 7. A liquidação dos danos não patrimoniais com base na equidade não é, conforme referido supra, arbitrária: o juízo equitativo, ainda que permita ao julgador alguma margem de discricionariedade, deve fundar-se em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto. 8. O montante atribuído a título de compensação dos danos não patrimoniais destina-se a permitir ao lesado encontrar alguma compensação pelo mal sofrido, pela dor e o sofrimento, proporcionando-lhe uma satisfação que os atenue. Isto implica que a medida dessa compensação deva ser proporcional à gravidade dos danos, levando em linha de conta, “as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida”, em conformidade com o disposto no art. 496.º, n.º 4, do CC. 9. Desde logo, de acordo com o art. 494.º do CC, por força da remissão estabelecida no 496.º, n.º 4, do mesmo corpo de normas, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado – que, in casu, não revela - e às demais circunstâncias do caso. 10. Afigura-se igualmente relevante considerar que “a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt)”[19]» [20]
7. Nesta sede, importa atender aos seguintes factos dados como provados: “i. Em consequência destes embates, o autor sofreu traumatismos vários, tendo sido transportado de ambulância para o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, SA, onde deu entrada no dia 12 de novembro de 2005 e teve uma consulta de urgência. ii. Esteve internado nesta entidade hospitalar até 4 de janeiro de 2006. iii. Nesse dia foi transferido para o Hospital ... onde permaneceu internado até 24 de março de 2006. iv. Apresentava fratura trocantérica diafisária do fémur direito, dentase da sínfise púbica, fratura supra condiliana do fémur esquerdo, fratura dupla da tíbia direita, fratura da tíbia esquerda, fratura exposta grau III do úmero esquerdo e fratura distal do cúbito esquerdo. v. O autor foi sujeito a intervenções cirúrgicas, com anestesia geral e com perigo para a própria vida e efetuou tratamentos que lhe foram prescritos nos hospitais referidos. vi. Após a alta hospitalar passou a ser assistido pelo Centro de Saúde .... vii. Foi sujeito a reabilitação de cinesioterapia corretiva postural, reeducação motora, técnicas especiais e cinesioterapia e AVD, tendo efetuado vinte e oito sessões na Clínica .... viii. Na altura o autor deslocava-se de cadeira de rodas e necessita de transporte em ambulância. ix. O autor continua a deslocar-se com o auxílio de canadianas e a efetuar a respetiva reabilitação. x. Na data do acidente, o autor era comissionista na empresa ... de DD, auferindo uma média mensal de € 400,00. xi. Desde o acidente, deixou de poder exercer aquela atividade xii. O autor continua a necessitar de fisioterapia, consultas médicas, tratamentos e medicamentos. xiii. O autor sofreu e sofre dores. xiv. O autor ficou afetado psicologicamente e a considerar-se um inválido por não poder exercer a sua profissão. xv. Vive angustiado por não saber como as sequelas o afetarão no futuro. xvi. Sofreu múltiplos traumatismos corporais, com maior incidência no membro superior esquerdo e nos membros inferiores, tendo sido transportado para entidade hospitalares onde foi colocado em coma induzido, tendo ficado internado na Unidade de Cuidados Intensivos e foi submetido a múltiplas intervenções cirúrgicas; xvii. Apresenta sequelas no membro superior esquerdo (cicatriz linear, eupigmentada, na face anterior do ombro com 3 cm de comprimento; cicatriz hiperpigmentar em forma de cruz, na face lateral do braço, com 2 por 2 cm de maiores dimensões; cicatriz hiperpigmentada no terço médio da face lateral do braço, com 2 por 0,5 cm de maiores dimensões, cicatriz hipergmentada, referindo diminuição da sensibilidade ao toque, de aspeto irregular, no terço inferior da face anterolateral do braço, com 4 por 3 cm de maiores dimensões, múltiplas áreas hipopigmentadas na face externa do antebraço esquerdo, a maior com 4 por 2 cm de maiores dimensões e cicatriz no terço inferior da face posteromedial com punho, de 0,5 por 05 cm de maiores dimensões, sem alteração da mobilidade osteoarticular do ombro e do cotovelo); no membro inferior direto (comprimento aparente de 103 cm e comprimento real de 93 cm; cicatriz linear hipopigmentada na face lateral da coxa direita com 32 cm de maiores dimensões com uma tumefação na parte inferior com 4 por 10 cm de maiores dimensões; 2 cicatrizes verticais hipogmentadas no terço médio da face lateral da coxa, medindo, respetivamente, 2 e 3 cm de comprimento, cicatriz vertical no joelho direito com 7 cm de comprimento, 3 cicatrizes no terço superior da face anteromedial da perna de 2 cm de comprimento, múltiplas áreas cicatrizais hiperpigmentadas dispersas pela perna , a maior das quais com 7 por 7 c, de maiores dimensões, edema do tornozelo, dismorfia do 2º dedo e pé equino) e no membro inferior esquerdo (comprimento aparente de 100,5 cm e comprimento real de 90,5 cm; cicatriz no terço no terço médio e no terço inferior da face lateral da coxa até à face anterolateral da perna com 27 cm de comprimento, cicatriz na face lateral do tornozelo com 3 por 2 cm de maiores dimensões, cicatriz no terço médio da face anterolateral da perna com 2,5 cm de comprimento, cicatriz no tornozelo, face dorsal e fase lateral do pé com 13 por 7 cm de maiores dimensões, hipossenbilidade do terço superior da face lateral da perna, a palpação do pé apresenta tumefações de consistência dura compatíveis com parafusos, edema do tornozelo e alteração da mobilidade articular coxofemoral na abdução-0º/60º e rotação externa 0º/30º e rotação interna 0º/40º): xviii. Sofreu Défice Funcional Temporário Total de 134 dias; xix. Sofreu Défice Funcional Temporário Parcial de 327 dias; xx. Sofreu uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 461 dias (até 14-02-2007); xxi. Sofreu um Quantum Doloris no grau 5/7; xxii. Sofreu um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 29 pontos em 100; xxiii. Sofreu um Dano Estético Permanente no grau 6/7; xxiv. Em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, as sequelas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissionais da área da sua preparação técnico profissional; xxv. Apresenta necessidades, a título permanente, de ajudas medicamentosas e tratamentos regulares em Consulta de Ortopedia e de Medicina Física e de Reabilitação, bem como de calçado adaptado e uso de canadianas”.
8. Refira-se, desde já, que os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor AA são extensos e relevantes. Com efeito, submeteu-se a internamentos hospitalares de duração superior a quatro meses, encontrou-se em estado comatoso, foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas, nas quais correu risco de vida, sofreu múltiplas fraturas, algumas expostas, nos membros superiores e inferiores e, ainda, no tronco. Após a alta hospitalar, continuou a ser acompanhado no Centro de Saúde, teve de se deslocar em cadeiras de rodas e só mais tarde com o apoio de canadianas. Foi igualmente sujeito a várias sessões de fisioterapia. Ficou com várias sequelas nos membros e inferiores - conforme melhor descrito supra -, continua a necessitar, de forma permanente, de medicação e de tratamentos regulares de ortopedia e de medicina física de reabilitação, assim como de canadianas e calçado adaptado. O Autor sofreu ainda um quantum doloris de grau 5/7, um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 29 pontos em 100 e um dano estético permanente de grau 6/7. As sequelas do acidente, apesar de permitirem o desenvolvimento de atividades profissionais da área da sua preparação técnico profissional, impedem-lhe o exercício da sua atividade profissional habitual, o que lhe causa desgosto e sofrimento.
9. O acórdão recorrido considerou adequada e corretamente todos estes fatores no âmbito da determinação do quantum compensatório dos danos não patrimoniais.
10. O montante fixado, no valor de € 90 000,00, não se mostra desadequado ou desfasado dos montantes que habitualmente a jurisprudência vem atribuindo em casos semelhantes. Considerem-se, assim, as seguintes decisões jurisprudenciais: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2022 (ANTÓNIO MAGALHÃES), proc. n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1[21]: apesar de mais novo do que o ora Autor AA, o lesado apresentava um défice funcional menor do que aquele, não tendo ficado impossibilitado do exercício da profissão (“I - Tendo o lesado, com 30 anos à data do acidente e que auferia € 750,00 mês, ficado com um défice funcional permanente de 15 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, e tendo ficado privado ainda de réditos que auferia de cerca de € 6 000,00/ ano, pela sua actividade de motociclista, que esperava prolongar por mais 10 anos, justifica-se a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico) em € 60 000,00 fixada pela Relação; II - Tendo sido atribuído ao lesado um quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da actividade desportiva de mergulho, que também praticava- a tudo acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pósoperatório prolongado (com uma repercussão temporária na actividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores, afigura-se ajustada a indemnização de € 70 000,00 por danos não patrimoniais que foi atribuída pela Relação”); - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de março de 2017 (MARIA DA GRAÇA TRIGO), proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1[22]: o lesado, ainda que mais jovem do que o ora Autor AA e apresentando um défice funcional de integridade físico-psíquica permanente um pouco superior, sofreu um quantum doloris e um dano estético semelhantes ao Autor. Foi também sujeito a várias intervenções cirúrgicas, apesar de não ter ficado impossibilitado do exercício da sua profissão habitual, ainda que com esforços acrescidos [“(...) VII - Resultando da factualidade provada que o lesado, de 19 anos de idade, em consequência do acidente em causa nos autos: (i) sofreu graves lesões, que determinaram a amputação de órgãos (baço, rim direito, glândula supra renal direita, segmento do intestino) e "limitação da flexão do joelho direito"; (ii) ficou a padecer de uma taxa de incapacidade geral de 41 pontos; (iii) exerce profissão (pedreiro e carpinteiro de cofragens), que exige elevados níveis de força e destreza tísicas, tendo as lesões por si sofridas diminuído de forma "considerável e definitiva" a sua capacidade de trabalho, sendo embora compatíveis com o exercício da actividade habitual — sendo certo que, considerando as características da sua profissão, encontram-se limitadas, de forma irremediável, as possibilidades de, a médio prazo, progredir (ou mesmo prosseguir) na profissão habitual; sendo certo que, num mercado de trabalho particularmente exigente, a incapacidade geral do lesado praticamente inviabiliza as possibilidades de mudança para profissão alternativa compatível às suas competências, assim como dificulta ou inviabiliza as possibilidades de exercício de outras actividades económicas — afigura-se justo e adequado manter a indemnização de € 250 000 por perda de capacidade geral de ganho/dano biológico, fixada pelas instâncias. VIII - Provando-se, ainda, que o mesmo lesado, em consequência do acidente, (i) foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas; (ii) esteve, no total, 92 dias internado; (iii) sofreu, para além das lesões referidas em VII, manifestações ango-depressivas como humor triste e depressivo, lentificação psicomotora, anedonia, sentimentos de insegurança e desânimo (com perda da auto-estima), ansiedade e angústia, cefaleias e tonturas, intolerância ao ruído, irritabilidade fácil, dificuldades de concentração, prejuízos mnésicos; (iv) no futuro e até à sua morte terá de seguir uma dieta alimentar rigorosa devido aos problemas intestinais, digestivos e sanguíneos inerentes à amputação dos respectivos órgãos; (v) as cirurgias e tratamentos a que foi submetido foram dolorosos, sendo o respectivo quantum doloris fixável em 6/7; (vi) devido às cicatrizes que para si resultaram das lesões, sente vergonha em ir à praia ou usar roupas de verão, padecendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7, considera-se adequado e correspondente à orientação da jurisprudência do STJ, manter a indemnização de € 100 000 por danos não patrimoniais, fixada pelas instâncias. (…)”]; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de maio de 2017 (LOPES DO REGO), proc. n.º 868/10.2TBALR.E1.S1[23] - [“(…) III - No caso de um jovem com 19 anos de idade à data do acidente, sujeito a quatro cirurgias e 125 sessões de fisioterapia, com alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, ficando afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e incapacidade permanente para a sua profissão habitual, com um quantum doloris de grau 4 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, défice permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 e na actividade sexual de grau 2, sentimentos de tristeza, com isolamento e depressão, carecendo de apoio psicológico, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com uma jurisprudência actualista, seja fixada em € 50 000.”]; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017, proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 (Maria dos Prazeres Beleza)[24] - [“(...) IV - Resultando da factualidade provada que como consequência de perfuração do intestino ocorrida no decurso da execução de uma colonoscopia, a autora teve um sofrimento significativo, apercebeu-se do perigo da perda da vida, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas subsequentes, passou a sofrer de limitações na sua vida em face da visibilidade das cicatrizes, ficou com uma incapacidade geral permanente de 16 pontos, e sendo certo que o grau de culpa do lesante se situa no campo da negligência legalmente presumida, considera-se adequado confirmar o montante de € 80 000 fixado pela Relação a título de danos não patrimoniais.”]; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2021 (VIEIRA E CUNHA), proc. n.º 2648/18.8T8FNC.L1.S1[25]: manteve-se a compensação dos danos não patrimoniais no valor de € 60 000,00 num caso em que o lesado padecia de incapacidade geral permanente de 22% e em que sofreu um dano estético e quantum doloris mais reduzido do que o ora Autor AA; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de setembro de 2016 (TÁVORA VICTOR), proc.. n.º 1737/04.0TBSXL.L1.S1- [“(…) III - Não é escopo da indemnização por “danos não patrimoniais” substituir os bens materiais desaparecidos por um equivalente da mesma natureza; antes visa a indemnização a este título compensar o lesado pelos danos sofridos, em termos de lhe proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, sendo caso disso, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente. IV - Mostra-se equilibrado o montante de € 80 000, a título de “dano não patrimonial” emergente de acidente de viação em que a lesada, não teve culpa e com 52 anos à data do mesmo, sofreu várias e melindrosas intervenções cirúrgicas, tratamentos dolorosos, incapacitação de exercício da sua função e incapacidade físico-psíquica de 30,94%.”]; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de junho de 2022 (ISAÍAS PÁDUA), proc. n.º 1633/18.4T8GMR.G1.S1[26]: fixou a compensação dos danos não patrimoniais no montante de € 500 000,00, ainda que numa situação mais gravosa do que a dos presentes autos, uma vez que o lesado tinha 26 anos de idade, ficou tetraplégico e apresentava um défice funcional de 88 a 90 pontos.
11. No caso em apreço, pode dizer-se que o acórdão recorrido está factualmente devidamente fundamentado no que respeita à determinação do quantum da compensação dos danos não patrimoniais.
12. De resto, de acordo com as decisões jurisprudenciais mencionadas supra, levando em devida linha de conta as particularidades ou especificidades do caso concreto, não se afigura que o montante arbitrado para os danos não patrimoniais se afaste dos padrões jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.
13. Considerando os valores arbitrados em casos semelhantes, pode concluir-se que o juízo equitativo formulado no acórdão recorrido se afigura razoável, justo e equilibrado face às especificidades do caso sub judice.
14. Mantém-se, por isso, nesta parte, o acórdão recorrido.
(In)existência de erro na fixação dos danos patrimoniais futuros (Conclusões F a J da revista do Réu Fundo de Garantia Automóvel)
1. O Réu/Recorrente FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL alega a verificação de erro na apreciação dos danos patrimoniais futuros, porquanto a incapacidade permanente de que o Autor padece não é impeditiva do exercício de outras atividades profissionais da área da sua preparação técnico profissional. Com base na equidade, deveria, em seu entender, ser arbitrada uma compensação de montante não superior a € 20 000,00, e não do valor de € 50 000,00.
2. Contudo, da respetiva análise resulta que o acórdão não abordou a questão dos danos patrimoniais futuros ou do dano biológico.
3. Sendo matéria que não foi impugnada pelos Recorrentes nos seus recursos de apelação, sobre ela não recaiu qualquer juízo de mérito no acórdão recorrido. A decisão, nesta parte, transitou em julgado, nos termos do art. 635.º, n.º 5, do CPC. Não pode, por isso, ser objeto de conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça no presente recurso de revista[27].
Dos efeitos da repartição de culpas nos montantes compensatórios fixados nas ações apensas (Conclusão K da revista do Réu FGA) A repartição de culpa operada nos autos tem necessariamente de se refletir em todas as compensações fixadas nos autos. IV – Decisão Nos termos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor AA e improcedente o recurso interposto pelo Réu FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, repristinando-se a sentença do Tribunal de 1.ª Instância.
As Custas do recurso do Autor serão suportadas por si e pelo Fundo de Garantia Automóvel na proporção do decaimento.
As custas do recurso do Fundo de Garantia Automóvel serão por si suportadas.
Maria João Vaz Tomé (Relatora) António Magalhães Jorge Dias _________________________________________________ [1] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2022 (ISAÍAS PÁDUA), proc. n.º 5396/18.5T8STB-A.E1.S1 (I - As nulidades da sentença/acórdão, encontram-se taxativamente previstas no art. 615.º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito. II - A nulidade da sentença/acórdão por excesso de pronúncia decorre da violação pelo julgador do dever de não ir além do conhecimento das questões que lhe sejam suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso)- disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3af781e7c86bcba9802588f400643fe2?OpenDo cument; de 8 de fevereiro de 2022 (LUÍS ESPÍRITO SANTO), proc. n.º 4964/20.0T8GMR.G1.S1 (“I - A notória insatisfação da parte vencida não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas als. do n.º 1 do art. 615.º do CPC integram apenas vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância). (…) IV - Não havendo o STJ inovado nos factos dados como provados e demonstrados processualmente, limitandose a retirar deles as conclusões jurídicas que entendeu pertinentes para efeitos da apreciação da conduta processual da recorrente, a arguição de nulidade por excesso de pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC, é naturalmente desatendida, não passando de uma manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5e148abefba035a1802587e60051af51?OpenD ocument; de 29 de março de 2022 (MARIA CLARA SOTTOMAYOR), Incidente n.º 19655/15.5T8PRT.P3.S1 (“I - A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, não se reporta aos fundamentos considerados pelo tribunal para a prolação de decisão, nem aos argumentos esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido. (…) III - O regime das nulidades destina-se apenas a remover aspetos de ordem formal que inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido.”). [6] “O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”. [7] “A velocidade deve ser especialmente moderada nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e ouros locais de visibilidade reduzida”. [8] “As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes da via”. [9] “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes. (...)”. [10] “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”. [11] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de março de 2017 (MARIA DA GRAÇA TRIGO), proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6e25636fdcb50688802580eb0038ef50?OpenD ocument. [12] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8 de junho de 2021 (MARIA JOÃO VAZ TOMÉ), proc. n.º 2261/17.7T8PNF.P1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a7593cfc3628295b802586f5004a3b31?OpenD ocument. [13] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de março de 2009 (SEBASTIÃO PÓVOAS), Revista n.º 276/09 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/80ca0bd5855a43ac80257570003d9171?OpenD ocument. [14] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 12-2017 (PIRES DA GRAÇA), Revista n.º 152/14.2GAMTR.G1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7c75167e21724ba7802581f6003d1270?OpenD ocument. [15] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de abril de 2008 (OLIVEIRA VASCONCELOS), proc. n.º 1074/08. [16] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de junho de 2010 (OLIVEIRA VASCONCELOS), proc. n.º 1433/04.9TBFAR.E1.S1. [18] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2018 (PEDRO LIMA GONÇALVES), proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1. [19] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2018 (PEDRO LIMA GONÇALVES), proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1. [20] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de setembro de 2022 (MARIA JOÃO VAZ TOMÉ), proc. n.º 19190/18.0T8PRT.P1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/652b9e32f77c4903802588bc004f4c6e?OpenD ocument. [21] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/343eb8d77e633c15802588f4006376d0?OpenD ocument. [22] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6e25636fdcb50688802580eb0038ef50?OpenD ocument. [23] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dee63f8b194e342d8025812c003c3ac5?OpenD ocument&ExpandSection=1. [24] Texto integral disponível em PDF. [25] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5f14a912c71d6300802586d8004fa73a?OpenD ocument. [26] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f3c09f5e26fee0238025886800595a9e?OpenDo cument. |