Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
294/07.0TBPCV.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DIREITO À VIDA
MORTE
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
INFRACÇÃO ESTRADAL
INFRAÇÃO ESTRADAL
EXCESSO DE VELOCIDADE
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
EXCESSO DE LOTAÇÃO
ALCOOLEMIA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 03/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA GG SEGUROS E NEGADA A OUTRA REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / DANOS NÃO PATRIMONIAIS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO DE VEÍCULOS / LIMITES DE VELOCIDADE / TRANSPORTE DE PASSAGEIROS / CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 389.º, 496.º, N.º 2, 566.º, N.º 3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGO 13.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, AL. E), 674.º, N.º 3, 628.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18/11/2010, PROC. N.° 71/07.9TBVFC.L1.S1, E DE 11/12/2014, PROC. N.° 2142/10.5T2AVR.C1.S1, CONSULTÁVEIS NA BASE DE DADOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL IN WWW.STJ.PT.
-DE 20/10/2011, PROC. N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, DE 10/10/2012, PROC. N.° 632/2001.G1.S1, DE 07/05/2014, PROC. N.° 436/11.1TBRGR.L1.S1, DE 19/02/2015, PROC. N.° 99/12.7TCGMR.G1.S1, DE 04/06/2015, PROC. N.° 1166/10.7TBVCD.P1.S1, DE 07/04/2016, PROC. N.° 237/13.2TCGMR.G1.S1, E DE 14/12/2016, PROC. N.° 37/13.0TBMTR.G1.S1, TODOS CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 29/04/2014, PROC. N.° 106/12.3TBVZ.L1.S1, DE 21/04/2015, PROC. N.° 184/2000.CB.S1, DE 09/07/2015, PROC. N.° 1647/13.0TBBRG.G1.S1, CONSULTÁVEIS NA BASE DE DADOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL, IN WWW.STJ.PT ; E DE 26/11/2015, PROC. N.° 598/04.4TBCBT.G1.S1, CONSULTÁVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 26/05/2015, PROC. N.° 1/12.6TBVLN.G1.S1, CONSULTÁVEL NA BASE DE SUMÁRIOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL, IN WWW.STJ.PT .
-DE 19/01/2016, PROC. N.° 3265/08.6TJVNF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 21/01/2016, PROC. N.° 2949/08.3TBLRA.C1.S1, CONSULTÁVEL NA BASE DE SUMÁRIOS DA JURISPRUDÊNCIA CÍVEL, IN WWW.STJ.PT .
-DE 28/01/2016, PROC. N.° 7793/09.8T2SNT.L1.S1, CONSULTÁVEL EMWWW.DGSI.PT .
-DE 03/11/2016, PROC. N.° 6/15.5T8VFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I  - Em sede de responsabilidade civil extracontratual a verificação do pressuposto da culpa constitui matéria de facto se estiver em causa a apreciação da violação dos deveres gerais de prudência e diligência, que integrem os conceitos de imperícia, imprevidência, falta de cuidado ou falta de destreza. Já constitui matéria de direito se consistir na apreciação da violação de deveres legais de cuidado, designadamente dos deveres do Código da Estrada.

II  - Na medida em que o juízo da verificação de culpa de ambos os condutores na colisão dos veículos se fundou no desrespeito por regras do direito estradal, está em causa matéria de direito, sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

III  - Resultando das circunstâncias concretas do acidente dadas como provadas que o condutor do veículo com a matrícula "IV", na eminência de colisão frontal com o veículo de matrícula "AO" que invadira o seu lado da faixa de rodagem, tentou uma manobra de salvamento, desviando-se para o único espaço livre da estrada - o lado esquerdo da faixa de rodagem —, sem que lhe fosse possível prever que o condutor do veículo "AO" tentaria retomar a sua mão de trânsito e, assim, não se evitaria o embate, é de considerar que o acidente é, essencialmente, imputável a culpa do condutor do veículo "AO". Porém, tendo-se ainda provado que ambos os condutores conduziam com excesso de velocidade e que, nessa medida, também o condutor do veículo "IV" contribuiu para a ocorrência do acidente e para o agravamento dos danos, é de distribuir a culpa pelo acidente e pelos danos em 85% para o condutor do veículo "AO" e 15% para o condutor do veículo "IV".

IV - Estando em causa a fixação de indemnização pela perda de capacidade geral de ganho com recurso à equidade, nos termos do art. 566.°, n.° 3, do CC, não é aceitável convocar, como critério base, uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade permanente (total ou parcial) para o exercício da profissão habitual.

V  - Nestes casos, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou complementar o resultado obtido pela aplicação daquelas fórmulas financeiras, não se mostrando adequado assumir que uma incapacidade geral permanente de 41 pontos equivale a incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual do lesado.

VI   - A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões fisicopsíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).

VII  - Resultando da factualidade provada que o lesado, de 19 anos de idade, em consequência do acidente em causa nos autos: (i) sofreu graves lesões, que determinaram a amputação de órgãos (baço, rim direito, glândula supra renal direita, segmento do intestino) e "limitação da flexão do joelho direito"; (ii) ficou a padecer de uma taxa de incapacidade geral de 41 pontos; (iii) exerce profissão (pedreiro e carpinteiro de cofragens), que exige elevados níveis de força e destreza tísicas, tendo as lesões por si sofridas diminuído de forma "considerável e definitiva" a sua capacidade de trabalho, sendo embora compatíveis com o exercício da actividade habitual — sendo certo que, considerando as características da sua profissão, encontram-se limitadas, de forma irremediável, as possibilidades de, a médio prazo, progredir (ou mesmo prosseguir) na profissão habitual; sendo certo que, num mercado de trabalho particularmente exigente, a incapacidade geral do lesado praticamente inviabiliza as possibilidades de mudança para profissão alternativa compatível as suas competências, assim como dificulta ou inviabiliza as possibilidades de exercício de outras actividades económicas — afigura-se justo e adequado manter a indemnização de € 250 000 por perda de capacidade geral de ganho/dano biológico, fixada pelas instâncias.

VIII - Provando-se, ainda, que o mesmo lesado, em consequência do acidente, (i) foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas; (ii) esteve, no total, 92 dias internado; (iii) sofreu, para além das lesões referidas em VII, manifestações ango-depressivas como humor triste e depressivo, lentificação psicomotora, anedonia, sentimentos de insegurança e desânimo (com perda da auto-estima), ansiedade e angústia, cefaleias e tonturas, intolerância ao ruído, irritabilidade fácil, dificuldades de concentração, prejuízos mnésicos; (iv) no futuro e até à sua morte terá de seguir uma dieta alimentar rigorosa devido aos problemas intestinais, digestivos e sanguíneos inerentes à amputação dos respectivos órgãos; (v) as cirurgias e tratamentos a que foi submetido foram dolorosos, sendo o respectivo quantum doloris fixável em 6/7; (vi) devido às cicatrizes que para si resultaram das lesões, sente vergonha em ir à praia ou usar roupas de verão, padecendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7, considera-se adequado e correspondente à orientação da jurisprudência do STJ, manter a indemnização de € 100 000 por danos não patrimoniais, fixada pelas instâncias.

IX  - Com base no regime do art. 496°, n° 2, do CC — e não no regime de direito sucessório — a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal admite a atribuição de compensação pecuniária tanto pela perda do direito à vida, como pelo sofrimento próprio dos parentes indicados naquele preceito, causado pela morte da vítima directa.

X  - Não merece censura o acórdão recorrido  que fixou  em € 80 000 o montante indemnizatório pela perda do direito à vida de uma lesada com 19 anos de idade e em € 25 000 os danos não patrimoniais sofridos pelo autor seu filho.

XI - Tendo uma outra lesada, estudante de 15 anos idade, em consequência do acidente em causa nos autos: (i) sofrido sequelas anátomo-funcionais que se traduzem num défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos; (ii) passado a ter falta de concentração, desmotivação, apatia e falta de investimento nas tarefas propostas, não tendo conseguido transitar de ano por falta de aproveitamento escolar; (iii) estado internada num total de 30 dias em que permaneceu imobilizada e dependente de terceiros; (iv) entre a data do acidente e a consolidação sofreu lesões e angústias num grau 5/7; (v) passado a apresentar problemas de auto-estima e de autoconfiança, relacionadas com a própria imagem e com o facto de claudicar e de apresentar cicatrizes, num grau 3/7, mostra-se justo e adequado manter as indemnizações de € 6 000 por perda da capacidade de ganho/dano biológico e de € 25 000 por danos não patrimoniais, fixadas pelas instâncias.

XII - A circunstância das lesadas em causa terem aceitado serem transportadas no veículo interveniente no acidente de viação em contravenção estradal, por este se encontrar em sobrelotação e o condutor ter uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida, não afasta a cobertura do seguro automóvel por não ter sido dado como provado o nexo causal entre o acidente e/ou os danos causados e a sobrelotação ou o excesso de álcool.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA, BB, menor, representado pelos avós paternos CC e DD, e EE, (por processo apensado e tramitado conjuntamente com esta acção principal), intentaram a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra Companhia de Seguros FF, S.A. e GG - Companhia de Seguros de Ramos Reais. S.A., antes denominada HH, Companhia de Seguros Ramos Reais, S.A., pedindo:

a)  O A. BB, que seja declarado único e universal herdeiro e sucessor da II, falecida a 21 de Agosto de 2004;

b)    A condenação solidária das RR. seguradoras, na proporção da responsabilidade em que cada condutor dos veículos que seguram concorreu para o sinistro, a pagar ao A. AA a quantia de €118.311,74 e ao A. BB a quantia de €169.082,50, como indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por ambos, com o acréscimo de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação das RR. até efectivo e integral pagamento.

c) A A. EE pede a condenação da R. FF no pagamento da quantia de € 52.101,66, acrescida de juros de mora a partir da data de citação até integral pagamento; para o caso de não ser julgado procedente esse seu pedido, pede a condenação de ambas as RR. seguradoras no pagamento da referida quantia, na proporção das respectivas responsabilidades civis pelo acidente ocorrido, acrescida de juros de mora a partir da data de citação até integral pagamento; pede ainda a condenação da 1a R. ou/e a 2a R. no pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais futuros, a serem liquidados em sede de execução de sentença.

Para tanto fundamentaram as suas pretensões indemnizatórias em alegados danos que sofreram em consequência de um acidente de viação ocorrido em 21 de Agosto de 2004, cerca da 01h30, ao km 23,900 da Estrada Nacional 17, no lugar de …, concelho de Vila Nova de Poiares, no qual foram intervenientes os veículos automóveis de matrícula ...-...-IV, conduzido e pertencente a JJ e seguro na HH, e de matrícula ...-...-AO, este propriedade da sociedade KK Sc Companhia, Lda., conduzido pelo seu funcionário LL, veículo seguro na R. FF.

Alegam, em síntese, que o condutor do veículo OA seguia com uma TAS de 2,35 g/l, à velocidade de cerca de 110 Km/hora, no sentido Guarda-Coimbra, tendo invadido a meia faixa de rodagem de sentido Coimbra-Guarda, por onde circulava o veículo ...-...-IV, obrigando o condutor deste veículo a guinar para a sua esquerda, para evitar o embate frontal, vindo a colisão a dar-se na hemi-faixa do veículo OA, depois de o condutor deste veículo ter tentado recuperar a sua mão de trânsito, a cerca de 35 cm do eixo da via.

Segundo uma segunda versão também apresentada, o veículo IV, que circulava no sentido Coimbra-Guarda, levando seis ocupantes, incluindo o condutor, seguia a 120 Km/hora, levando o seu condutor uma TAS de 0,62g/l, o qual seguia fora da sua mão de trânsito, não tendo o seu condutor conseguido evitar o embate frontal dos veículos.

O A. AA alega que sofreu ferimentos diversos, que foi internado em hospital e aí submetido a intervenções cirúrgicas; que fez recuperação funcional mediante tratamentos e fisioterapia. Que exercia a actividade profissional de ... e de ... de cofragens, auferindo €1.100,00 mensais, tendo ficado a padecer de uma IPP de 30%. Reclama €119.310,04 a título de compensação correspondente à sua perda de ganho. Pede € 26.400,00 correspondente ao que deixou de auferir durante 24 meses, até à data da alta. Reclama € 2.200,00 correspondente ao salário de um mês e igual quantia a título de danos morais, tendo em vista um período de doença de um mês para extracção de material de osteossíntesse. Reclama o pagamento de indemnização por danos materiais e despesas tidas no período de doença. Pede € 25.000,00 a título de danos morais resultantes das dores sofridas e ainda da necessidade de esforços suplementares para desenvolver a sua actividade. Reclama € 5.000,00 pelo dano estético sofrido. Pede € 5.000,00 por todo o sofrimento, angústia e desespero resultante de estar impedido de exercer actividades lúdicas.

O A. BB invoca a morte da mãe, de 19 anos de idade, em consequência do acidente, e pede € 60.000 pela perda do direito à vida desta; € 10.000 pelo sofrimento daquela antes de morrer; e €25.000 a título de danos morais por si sofridos em virtude da perda da mãe. Alegando que a mãe contribuía com € 4.900 anuais para as suas despesas, que tem despesas mensais de € 607,50, e tendo em vista um contributo de € 350 mensais a título de alimentos, reclama das RR. o pagamento de € 72.800,00 a título de perda das prestações alimentares até à data da sua maioridade (350€ x 208 meses). Também reclama indemnização por diversos danos materiais alegadamente sofridos.

A A. EE imputa a responsabilidade pela eclosão do acidente ao condutor do veículo OA, invocando que o fazia com autorização da sua proprietária, circulando a mais de 120 Km/hora e com uma TAS de 2,35 g/l, tendo invadido a mão de trânsito do veículo IV; ou, subsidiariamente, a culpa do condutor do IV por conduzir com TAS de 0,62g/l, a 70 Km/hora, tendo por isso reagido tardiamente à invasão da sua faixa de rodagem pelo OA. Alega que sofreu diversos ferimentos, que esteve internada em hospital e que foi submetida a intervenções cirúrgicas, tendo sido sujeita a diversos tratamentos. Reclama indemnização por danos materiais, por despesas com assistência, por deslocações e outras despesas. Pede o reembolso de salários da sua mãe, que deixou de trabalhar com perda de retribuição para lhe prestar assistência. Invocando perda de capacidade aquisitiva, e com base num défice funcional de 5%, reclama o pagamento de €39.935,00 a título de danos patrimoniais futuros. Pelos danos não patrimoniais resultantes da sua envolvência directa no acidente pede €8.500,00. Pelos danos não patrimoniais resultantes do sofrimento físico e moral decorrente das três intervenções cirúrgicas já suportadas e respectivos períodos de convalescença, reclama indemnização nunca inferior a € 7.500,00. Pelos danos não patrimoniais resultantes dos danos estéticos provocados pelas lesões na face e na coxa, pede uma indemnização nunca inferior a €4.000,00.

Contestou a R. FF, excepcionando a prescrição da pretensão indemnizatória formulada pela A. EE, e alegando também que, na altura em que ocorreu o acidente, o condutor do veículo OA não estava ao serviço da sociedade KK Sc Companhia, Lda., salientando que o condutor do IV conduzia esse veículo com um número de ocupantes superior ao legalmente permitido, tendo acusado uma TAS de 0,62g/l. Quanto ao mais, impugna a matéria alegada e respeitante a lesões e prejuízos invocados pelos AA. nos seus articulados. Termina pedindo a improcedência da acção quanto a si.

A R. GG Seguros também contestou, alegando que a cobertura de seguro complementar até ao valor de € 750.000 se encontra excluída, em virtude de o condutor do veículo seguro conduzir com uma TAS de 0,62 g/l, estando a sua responsabilidade civil limitada a € 600.000,00. Mais alega que o acidente ocorreu na faixa de rodagem do veículo IV, em virtude de o veículo OA circular fora da sua mão de trânsito e circular pelo menos a 111 Km/hora, devido a comportamento culposo do seu condutor, que conduzia com TAS de 2,35 g/l. Alega ainda que o veículo ...-...-IV era um ligeiro de passageiros com lotação para cinco pessoas e que, no momento do acidente, circulavam seis pessoas no mesmo, em contravenção do prescrito no artigo 54°, n° 3, do Código da Estrada, pelo que se excluem da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais dos assim transportados, nos temos do artigo 7o, n° 2, ai. f) do Decreto-Lei n° 522/85, de 31 de Dezembro, e do art. 6o, n° 2, ai. f)-i) das Condições Gerais juntas aos autos. Alega ainda que, se transportados em número permitido e sem comprometerem a sua segurança, os passageiros não teriam sofrido as lesões sofridas, pelo que as mesmas resultam da omissão de um dever dos mesmos, pelo que os AA. contribuíram, nesses termos, para as lesões sofridas, pelo que não pode ser assacada à R. a responsabilidade pelas lesões sofridas, nos termos do art. 570° do Código Civil. Quanto ao mais impugna a matéria respeitante a lesões e prejuízos vertida pelos AA. nos seus articulados. Termina pedindo a improcedência da acção quanto a si, com a sua absolvição dos pedidos.

A A. EE replicou, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição quanto a si invocada.

No despacho saneador, foi ordenada a apensação das duas acções (ver fls. 380/382 e 400/414).

Por requerimento de fls. 647 e ss. o A. AA veio ampliar o pedido indemnizatório formulado, com os seguintes fundamentos:

- Só após a realização de perícia médica do IML foi possível concluir definitivamente que o A. tem uma Incapacidade (Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-psíquica) e quantificá-la em 41 pontos.

- As suas sequelas são em termos de repercussão permanente na sua actividade profissional, compatíveis com as suas actividades laborais habituais, mas "implicam esforços suplementares".

- Atento à sua idade, ao facto da indemnização dever representar um capital que se extinga ao fim da vida activa do lesado e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho e, ainda, socorrendo-nos da tabela financeira usada pelo STJ para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda do ganho, a uma estimativa no curso normal dos acontecimentos, que justifica o dever de indemnizar face ao disposto na primeira parte do n° 2 do artigo 564° do Código Civil, equacionado o índice de inflação, taxa de juro nominal líquido das aplicações financeiras (2%), ganhos de produtividade, taxa anual de crescimento da prestação a pagar, prazo da renda (46 anos), Incapacidade Parcial Permanente (41) e progressão na carreira profissional, encontra-se um capital necessário para o efeito de € 232.395,96 (duzentos e trinta e dois mil trezentos e noventa e cinco euros e noventa e seis cêntimos).

- O dano estético permanente é fixado em 5/7, o que é valorado no Anexo I das Portarias 377/2008 e 679/2009, de 25 de Junho, no valor indicativo de €5.745,60 (cinco mil setecentos e quarenta e cinco euros e sessenta cêntimos).

- Igualmente, o quantum doloris foi fixado em 6/7, o que é valorado no Anexo I das referidas Portarias no valor indemnizatório indicativo de € 3.283,20 (três mil duzentos e oitenta e três euros e vinte cêntimos).

- Esteve 92 dias internado (de 21/08 a 1/11/2004, de 19/01 a 30/01/2006 e de 6 a 13/07/2006), o que é indemnizável, nos termos daquela legislação, em €2.760,00€ (dois mil setecentos e sessenta euros).

- As sequelas tiveram repercussão na vida laboral do sinistrado, que segundo o Anexo I da Portaria 679/2009, de 25/6, deverá ser valorado, atenta a sua idade e incapacidade, agora definitivamente fixada, em € 60.000,00 (sessenta mil euros).

-   Finalmente, nos termos dessas portarias, a compensação devida pela violação do direito à actividade física e psíquica do sinistrado é de € 34.390,00 (trinta e quatro mil trezentos e noventa euros) ou 1.810,00€xl9 anos, que se reclama.

Requereu a ampliação do seu pedido na quantia de € 219.264,72 (duzentos e dezanove mil duzentos e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data de citação das RR., aumentando, em consequência, o valor global da acção para €576.658,96 (quinhentos e setenta e seis mil seiscentos e cinquenta e oito euros e noventa e seis cêntimos).

A fls. 682 e ss., o mesmo A. AA, alegando que entre os 65 anos e a data da morte previsível decorrerão 11 anos, onde, além da debilidade própria da velhice, não auferirá qualquer reforma, atento à idade, ao facto da indemnização dever representar um capital que se extinga ao fim da vida activa do lesado e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho e, ainda, socorrendo-nos da tabela financeira usada pelo STJ para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda do ganho, a uma estimativa no curso normal dos acontecimentos, que justifica o dever de indemnizar face ao disposto na primeira parte do n° 2, do artigo 564° do Código Civil, equacionado o índice de inflação, taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (2%), ganhos de produtividade, taxa anual de crescimento da prestação a pagar, prazo da renda (57 anos), Incapacidade Parcial Permanente (41 pontos) e progressão na carreira profissional, encontra um capital necessário para o efeito de € 274.028,48 (duzentos e setenta e quatro mil vinte e oito euros e quarenta e oito cêntimos).

A indemnização relativa a este A. foi, assim, ampliada em € 41.632,52, passando para um total de € 449.208,98 (quatrocentos e quarenta e nove mil duzentos e oito euros e noventa e oito cêntimos).

Requereu a ampliação do seu pedido na quantia de € 41.632,52, passando para um total de € 449.208,98 (quatrocentos e quarenta e nove mil duzentos e oito euros e noventa e oito cêntimos), acrescido dos juros de mora legais contados desde a data de citação das RR., aumentando, em consequência, o valor global da acção para € 618.291,48 (seiscentos e dezoito mil duzentos e noventa e um euros e quarenta e oito cêntimos).

Foi proferida sentença, julgando-se improcedente a excepção da prescrição da indemnização pedida pela A. EE, e decidindo, a final, julgar a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:

1. Condenar a ré FF Seguros, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de € 29.029,81 (vinte e nove mil e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento;

2. Condenar a ré FF Seguros, S.A. apagar ao autor AA a quantia de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora â taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta decisão até integral pagamento;

3. Reconhecer e declarar que o Autor BB é universal herdeiro e sucessor da II, falecida a 21 de agosto de 2004;

4. Condenar a ré FF Seguros, SA. a pagar ao autor BB a quantia de € 41.032,50 (quarenta e um mil e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora â taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento;

5. Condenar a ré FF Seguros, SA. a pagar ao autor BB a quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora ã taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta decisão até integral pagamento;

6. Condenar a ré FF Seguros, SA. apagar à autora EE a quantia de € 1.469,64 (mil quatrocentos e sessenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora ã taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento;

7. Condenar a ré FF Seguros, SA. apagar à autora EE a quantia de € 31.530,00 (trinta e um mil quinhentos e trinta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta decisão até integral pagamento;

8. Absolvera ré FF Seguros, S.A. do mais peticionado.

9. Absolver a ré GG Seguros — Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA dos pedidos contra si formulados.

Inconformada, a R. FF-Seguros interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 843, foi decidido alterar a decisão relativa à matéria de facto, e, em conformidade, modificar a decisão de direito, tendo, a final, sido proferida a seguinte decisão:

“Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o presente recurso, alterando-se a sentença recorrida nos sobreditos termos, em junção do que se decide condenar ambas as Rés no pagamento das seguintes indemnizações, sendo a seguradora FF em 75% desses mesmos valores e a GG Seguros em 25% desses ditos palores, isto na medida das culpas e responsabilidades apuradas, sendo que essa responsabilidade é, no entanto, solidária entre as Rés, nos termos do arf 497°, n°s 1 e 2 do C. Civ. (aproporção das culpas e consequentemente da responsabilidade de indemnizar, uma vez que de responsabilidade solidária se trata, só releva no âmbito das relações internas entre os co-obrigados, por via do direito de regresso, nos termos do disposto no art. 497°, n° 2 do C. Civ., ex vi art. 507°, n° 2, ficando cada um deles obrigado a ressarcir os danos ao lesado na sua totalidade):

- ao autor AA a quantia de €29.029,81 (vinte e nove mil e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento; a quantia de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais futuros ou danos biológicos e por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta decisão até integral pagamento;

- ao autor BB a quantia de € 41.032,50 (quarenta e um mil e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acresáda de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento; a quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acresáda de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta deásao até integral pagamento;

- à autora EE a quantia de € 1.469,64 (mil quatrocentos e sessenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data da citação até integral pagamento; a quantia de € 31.530,00 (trinta e um mil quinhentos e trinta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais futuros ou danos biológicos e por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4 % ao ano, desde a data desta decisão até integral pagamento.

No mais mantém-se o decidido na sentença recorrida (absolvições quanto ao mais peticionado pelos autores)."


2. Vem a R. FF interpor recurso para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão que decidiu repartir a responsabilidade em 75% para a FF Seguros SA. e 25% para a GG Seguros SA. porque a Recorrente entende que deveria ter sido feita uma ponderação e aplicação diferente dos factos ao direito o que levaria a uma condenação de 50% para ambas as Rés.

2. Resulta da matéria de facto assente que ambos os condutores circulavam em excesso de velocidade e com taxas de alcoolemias superiores à permitida por lei.

3. Está, firmada jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que a determinação da culpa e a respetiva graduação constituem matéria de direito, em casos em que existiram violação das normas legais ou regulamentares previstas no código da estrada, razão pela qual se encontram preenchidos os fundamentos para o presente recurso.

4. Com interesse para a decisão da presente questão, foram dados como provados os factos constantes dos números 7o, 14.°a 21,° e 31.°, e os números 23.°, 27.° a 29.°e 32.°a 37.° dos factos não provados.

5. O Tribunal da Relação fez uma ponderação de toda a prova careada para os autos e concluiu que não existiu prova testemunhal e pessoal dos factos referentes à dinâmica do acidente. Em relação à prova documental concluiu que o relatório de reconstituição de acidente considera "como simulação mais aproximada do acidente a simulação 3".

6. E por fim entendeu que do conjunto de meios probatórios que disponha, parecia que a versão do acidente possível e mais provável fosse a que o veículo IV anulasse na sua mão de trânsito.

7. Ora, a Recorrente entende que o Tribunal da Relação não conseguiu confirmar uma das versões do acidente, conforme também não o conseguiu fa^er o tribunal de 1a instância.

8. Em termos de prova testemunhal é o próprio Tribunal de Relação que contrariando a decisão do Tribunal de 1"instância considera que não existiu ou não foi feita prova quanto à dinâmica do acidente.

9. Em seguida o Tribunal faz uma análise dos elementos documentais do processo, associando às declarações do Eng.° mecânico no Instituto Politécnico de Leiria - MM - que elaborou o relatório a fls. 180 e segs. e ao apreciar estes elementos o Tribunal da Relação não chega a uma conclusão.

10. Com base na prova que foi produzida, o Tribunal da Relação só pode afirmar conforme fez que "afigura-se como possível ou mais provável a conclusão", ou seja o Tribunal da Relação não conseguiu determinar com toda a certeza como ê que o acidente ocorreu e por isso é obrigado a entender possível ou provável, uma das versões.

11. Mas apesar de não conseguir, com os elementos de prova do processo, dar como provado uma das versões do acidente considerada que os factos 7.0,14°,150,16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 21° e 31°, como provados.

12. Questiona-se com que elementos é que o Tribunal da Relação pode manter os factos 7. °, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 21° e 31°, Como assentes, se foi o próprio Tribunal da Relação que entendeu que não existia prova testemunhal e pessoal do acidente e que o relatório a fls. 180 são meras simulações de várias versões possíveis do acidente!

13. Posto isto, a Recorrente entende que o Tribunal da Relação deu um salto lógico ao aplicar os factos ao direito, uma vez que com base nas provas que dispunha não conseguiu determinar uma versão do acidente, mas ainda assim entendeu que deveria dar como assente os factos que o veículo IV seguia na sua faixa de rodagem.

14. Verificando-se por isso que os fundamentos estão em oposição com a decisão, o que determina a nulidade do Acórdão nos termos dos artigos 615.°, n.°1 alínea c) e 674.° n.° 1 alínea c) do CPC.

15. 0 Supremo Tribunal de Justiça determina a alteração da matéria de facto considerada provada, como resulta do disposto no artigo 682°, n° 3 do CPC, quando se imponha a correção de contradições, de modo a conseguir-se uma decisão correia e rigorosa do aspeto jurídico da causa.

16.   No caso em apreço e conforme se viu, existem fortes contradições entre a apreciação que o Tribunal da Relação fez da prova produzida e as conclusões e modificações que fez à matéria de facto.

17. Há, assim, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para discussão do objecto do presente recurso, sem os quais fica o Supremo Tribunal de Justiça impedido de pronúncia relativamente à questão jurídica cuja apreciação sobre si impende.

18. Ora, a Recorrente entende que foram desconsiderados factos que se mostram necessários para constituir base suficiente para a decisão de direito do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que o processo deverá baixar ao Tribunal da Relação, nos termos do artigo 682.° n.° 3 do CPC

19.   O Tribunal da Relação não tinha elementos suficientes para dar como provada a matéria supra identificada e deveria ter considerado os factos como não provados.

20. lavando em consideração as contradições supra expostas e a ausência de mais elementos a acorrente considera que o Tribunal não tinha como atribuir a responsabilidade pelo acidente a um dos condutores.

21. Desconhecem-se as condutas dos intervenientes que estiveram na origem da eclosão do embate. Verifica-se uma carência de factos concretos - que não podem resultar provados - e que não podem agora ser supridos através de deduções e inferências sobre as circunstâncias de facto em que o embate ocorreu.

22. Em resultado do que foi referido, entende a Recorrente que o tribunal devia ter dado como não provado os factos supra mencionados, e em consequência decidir que não foi possível apurar qual dos condutores invadiu a faixa contrária o que em termos de responsabilidade levaria à aplicação do artigo 506.°n.°1 e 2 do CPC.

Também a R. GG Seguros interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1ª - As presentes Alegações de Recurso visam impugnar a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" no que à responsabilidade diz respeito quer no que concerne à indemnização atribuída, atentos os factos dados como provados.

2.a - Do apuramento destes factos,  resulta que o acidente em causa ocorreu no dia 21/08/2004, pelas 01h30, ao km 23,900 da E. H 17, no lugar de …, concelho de Vila Nova de Poiares, acidente que se traduz no embate frontal entre as viaturas automóveis ligeiras com as matrículas ...-...-IV e …-…-OA; o IV seguia no sentido Coimbra-Guarda e o AO no sentido Guarda-Coimbra.

3.a - A via, nesse local, tinha, à data, a largura de 9,30 metros e valetas laterais em cimento com 0,50 metros de largo, estando em bom estado de conservação.

4.a - Antecedendo o local do embate em cerca de 50 metros, que se situa numa reta, e no sentido Coimbra-Guarda existe uma curva à esquerda, no apontado sentido, de redunda visibilidade, que o veículo IV descreveu e pela sua meia faixa de rodagem -ponto 7o -, no seguimento do que se deu o embate entre essas ditas viaturas, sensivelmente no centro da via - ponto 22°.

5.a - Esse embate ocorreu porque o veículo O A seguia na hemifaixa de sentido Coimbra-Guarda (portanto na hemifaixa esquerda considerando o seu sentido de marcha) – pontos 14°, 15° e 16° -, e porque o seu condutor procurou retomar a sua hemifaixa direita ao mesmo tempo que o condutor do IV também procurou desviar-se para essa mesma hemifaixa, com vista a evitar um choque frontal, quando apenas havia cerca de 20 metros entre as dianteiras dos veículos -pontos 17°, 18a, 19°, 20° e 21°.

6.a - Entendemos que o que resulta é que o condutor do veículo AO violou o disposto no art°13.°, n°1 do Código da Estrada: Daí que tenha ocorrido o acidente.

7.a - Ao invés do considerado pelo Tribunal recorrido, entendemos que o condutor do veículo IV em nada contribuiu para o dito acidente, na medida em apenas procurou evitar o acidente, procurando desviar-se para a hemifaixa esquerda, considerando o seu sentido de marcha (Coimbra- Guarda).

8.a - E nem se diga, como fez o Tribunal recorrido, que o condutor do IV devia ter-se desviado para o seu lado direito, onde até tinha uma berma cimentada com cerca de 0,50 metros de largura.

9.a - O que o condutor do IV foi uma manobra de salvamento no sentido de evitar um choque com um veículo que circulava em sentido contrário e que ocupava a faixa de rodagem destinada ao seu sentido de circulação. E foi na sequência desse desvio que o IV colide com o OA sensivelmente a meio da faixa de rodagem.

10.ª  - Acresce dizer que no local havia, à data, sinais de regulação do trânsito em ambos os sentidos que limitavam a velocidade a 50 km/hora, sendo certo que ambos os veículos circulavam a velocidades superiores (111 e 91 km/hora, respectivamente).

11.ª - Além de que também ambos os condutores conduzam sob influência de consumo de bebidas alcoólicas, com que eram necessariamente afectados na suas percepções e tempos de reação - o condutor do AO com 2,35 g/l e o condutor do IV com 0,62 g/l, conforme pontos G) e H).

12.a - Ora, o juízo de censurabilidade a imputar ao condutor do OA é deveras superior à conduta do condutor do IV, pois:

Inicialmente, ele circula fora da hemi-faixa de rodagem destinada ao seu sentido de circulação e, por via disso, fez com que o condutor do IV se desviasse no sentido de evitar o embate frontal. Não fosse esta circulação do OA, o acidente nunca teria ocorrido, pois se circulasse no corredor de circulação afeto ao seu sentido de marcha, os veículos cruzavam-se sem que tivesse ocorrido qualquer colisão.

13.ª - E foi precisamente esta conduta - condução na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário — que foi a causa principal e única da ocorrência do sinistro.

14.ª - O acidente é sempre uma realidade dinâmica, devendo a sua análise levar em conta tal circunstância, sob pena de eventual distorção dos respectivos processos causais. E evidente que ê importante levar-se em consideração os percursos efetuados pelos veículos nos momentos que antecederam o embate. E com base neste imperativo analítico que consideramos que com a manobra de desviar-se à esquerda, o condutor do IV fez o que era exigível a um condutor diligente perante uma situação inopinada: perante uma situação manifesta e iminente de perigo para a sua vida (e uma colisão entre dois veículos que circulam numa estrada pode configurar essa situação) "cede in extremis a um impulso de auto-defesa para minimizar um prejuízo já inevitável ou para se furtar a ele.

15.ã - Diga-se que o condutor do IV nem sequer chegou a invadir a faixa contrária à do seu sentido de circulação.

16.a - Por todo o exposto, entendemos que a culpa do presente sinistro deve ser imputada, em exclusivo, ao condutor do OA seguro na co-ré seguradora.

17.a - Mas mesmo que assim se não considere, importa atentar no seguinte: conforme já se referiu, no local havia, à data, sinais de regulação do trânsito em ambos os sentidos que limitavam a velocidade a 50 km/ hora, sendo certo que ambos os veículos circulavam a velocidades superiores (111 Kms o OA e 91 km/hora o IV.).

18.ª - E ambos os condutores conduziam sob influência de consumo de bebidas alcoólicas, - o condutor do OA com 2,35 g/ l e o condutor do IV com 0,62 g/ l, conforme pontos G) e H).

19.a - Ora, se se pode considerar que o condutor do OA se encontrava fortemente afetado na suas perceçoes e tempos de reação, já o mesmo não se poderá dizer do condutor do IV cuja taxa se afasta pouco do limite máximo ao tempo legalmente permitido.

20.a - Nessa medida, e admitindo-se uma repartição de culpas, entendemos ser de responsabilizar o condutor do veículo AO com 90% da culpa pelo acidente, e o condutor do IV com 10% da mesma;

21.ª - Ao assim não decidir, o tribunal recorrido violou, entre outras disposições legais, o estatuído nos art. °s 483. ° do Código Civil e art. °s 13. °, 25. °, 27. ° do código da estrada.

Sem conceder,

22.ã - A aqui recorrente não se conforma com os valores arbitrados a título de indemnização aos demandantes, atenta a matéria de facto apurada nas instâncias. Vejamos: Dos danos do Autor AA: Da condenação de 25.700,00 euros a título de perdas salarias pelo período que esteve sem trabalhar.

23.a - Achamos que a matéria alegada relativa aos rendimentos auferidos deve ser provada por documentos, mas o Autor em momento algum apresentou as declarações de IRS que justificariam o valor auferido e não obstante o requerimento das RR no sentido de que o Autor fizesse prova dos rendimentos através da entrega do IRS ou da comunicação à Segurança Social dos descontos efetuados.

24.ª - Ora, nos termos do artigo 64.°, n.° 7 do DL n.° 291/2007, de 21 de Agosto, “Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante de indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações relativas àquele período, constantes de legislação fiscal''.

25.a - Entendemos que como o Autor não fiz a prova que lhe competia, a Recorrente entende que se devia aplicar o n.° 8 do artigo 64.° do DL n.° 291/2007, de 21 de Agosto que determina a aplicação da retribuição mínima mensal garantida: “Para os efeitos do número anterior, o tribunal deve basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG.”

26.a - Assim sendo, a recorrente entende o tribunal recorrido não tinha elementos suficientes para considerar o valor de € 1.100,00 de rendimento do Autor e esse facto — a remuneração deve ser provado por documento — devendo antes considerar o valor da retribuição mínima mensal garantida à data do acidente, ou seja €365,60.

27.a - Entendemos que a matéria de facto dada como provada tem que ser alterada no sentido de passar a constar como não provada a seguinte matéria de facto:

73° - Trabalhava, regularmente, 8 horas diárias, durante 22 dias úteis por mês, para aquela entidade patronal.

74° - Desse trabalho auferia a €6,00 à hora.

75° - Aos sábados e nas horas livres executava serviços para particulares na construção ou como ... a cortar e carregar madeira.

76° - Destes serviços recebia €6,00 /€hora.

28.a - Assim considerando o período em que o Autor ficou sem poder trabalhar, e o montante de € 365,60 teria a receber uma indemnização de € 10.968,00, sendo este o valor que a Recorrente entende correio com base na prova que se mostra produzida.

29.a- A recorrente também não se conforme com a indemnização atribuído quanto ao dano biológico;

30° - No caso concreto não podem enquadrar-se as perdas do autor no campo patrimonial da perda de capacidade de ganho, ou dano futuro. Conforme resulta da prova produzida em consequência das lesões que sofreu em consequência do acidente, o autor tem sequelas compatíveis com o exercido da atividade profissional, mas implicam esforços complementares.

Ou seja, da matéria de facto dada como provada não resulta que o Autor se encontre impossibilitado de exercer a sua atividade profissional, mas tão só uma acrescida dificuldade na sua realização.

31.a - Assim, entendemos nós, sendo, nesta perspetiva considera-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação direta com os seus rendimentos ou com a sua atividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspetos da vida do lesado, seja no lazer, nas atividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da atividade profissional.

32.a - O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com €5.000,00 ou com €500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano. Fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas.

33.a - Consideramos que estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.

34.ª - Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correto que se pondere, para o efeito, ou valor do salário médio nacional, ou a remuneração mínima mensal garantida.

35.ª - Haverá, ainda, que considerar a idade do lesado à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade.

36.a - Pelo exposto, e ponderando ainda as circunstâncias concretas do caso já evidenciadas, consideramos adequado fixar em € 150.000,00 a indemnização a atribuir ao A. a título de compensação pelo dano biológico.

37.a- A este valor, será de considerar o grau de responsabilidade atribuído, afinal. A aqui recorrente.

38.a - A. aqui Recorrente considera excessiva a quantia de 100.000,00 € arbitrada a título de danos não patrimoniais, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

39.a - Não podemos, igualmente, esquecer, na ponderação destes danos, que resultou provado que o Autor se colocou numa situação de perigo, uma vez que aceitou ser transportado por um condutor que tinha uma taxa de álcool superior à permitida por lei e porque concordou ser conduzido num carro que tinha lotação de 5 pessoas, mas no qual seguiam 6.

40.ª - Ora, valorando todos os elementos provados no quadro de uma fixação equitativa (artigo 496°, n.° 3 do C.C.), e não obstante a gravidade das lesões e sequelas sofridas pelo Autor, especialmente as lesões corporais e todo o sofrimento durante e após o sinistro, não pode ainda assim, a recorrente conformar-se com o montante fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.

41.a - Por todo o exposto somos a reiterar, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido, que, em termos de equidade, é ajustada a importância de €40.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.

42.a - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483. °, 562. ° e 564. °, n. ° 2, todos do Código Civil.

43.a - A Recorrente entende como excessiva a indemnização fixada pelo direito à vida arbitrada ao Autor BB:

44.a - Reafirma-se que a vítima se colocou numa situação de perigo, uma vez que aceitou ser transportada por um condutor que tinha uma taxa de álcool superior à permitida por lei e porque concordou em ser conduzida num carro que tinha lotação de 5 pessoas, mas no qual seguiam 6.

45.a - Ora, estes factos que foram dados como assentes nos autos não podem ser deixados de parte para efeitos de indemnização pelo direito à vida.

46.ª - E assim se considerando, não obstante os factos provados, deveria o tribunal recorrido adequar o valor da indemnização para o valor de €50.000,00.

47.a — A recorrente também não se conforma com a condenação em €25.000,00, a título de danos não patrimoniais arbitrada ao autor BB.

48.a - No caso dos autos, atendendo aos contornos do caso concreto, e considerando as decisões em casos semelhantes, considera a Recorrente que a quantia arbitrada deve ser reduzida para 20.000,00 euros.

49.a- A A. EE ficou com sequelas anátomo -funcionais que se traduzem num défice funcional da integridade fisico-psíquica fixável em 2 pontos, sem qualquer repercussão patrimonial futura.

50.a - Considerando o nível de IPP em causa, a idade da autora à data do acidente – 15 anos, a esperança média de vida entendemos que se mostra mais conforme à equidade a quantia de 2.000,00 euros, como compensação pelo dano biológico sofrido.

51.ª - Ao assim não decidir, o Tribunal recorrido violou os artigos 564. ° e 566. ° do Código Civil.

52.a - Quanto à condenação em €25.000,00 a título de danos não patrimoniais dir-se-á que é certo que a autora sofreu várias lesões corporais, que originaram o seu internamento e tratamento hospitalar, tendo até tido necessidade de adquirir um par de canadianas, tendo resultado sequelas que se traduzem numa IPP de 2%, além de ter sofrido dores e angústias, com sequelas físicas.

53.a - No entanto, a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais é, no nosso entendimento, excessiva.

54.a - lembramos que deve ser ponderado o facto da Autora se colocou numa situação de perigo, uma vez que aceitou ser transportada por um condutor que tinha uma taxa de álcool superior à permitida por lei e porque concordou ser conduzida num carro que tinha lotação de 5 pessoas, mas no qual seguiam 6.

55.a - Ponderado tudo, tendo em atenção as particularidades do caso, bem como jurisprudência em caso semelhantes, o valor a título de indemnização por danos não patrimoniais não deve ser superior a €5.000,00.

56.a- Diga-se que, em face dos factos provados não é devida indemnização aos autores por danos patrimoniais sofridos, ao abrigo do art.º 7.°, n° 2, al. f) do D.L. n.° 522/85, de 31/12.

57.a - A redação desta alínea era, à data de 2004, a resultante do D. L. n.° 130/94, de 19/05, segundo a qual se excluem da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados a passageiros, quando transportados em contravenção às regras relativas ao transporte de passageiros constantes do Código da Estrada.

58.a - Assim sendo e ao não assim decidir, o Acórdão recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.°s 483.°, 562 e n.° 3 do artigo 496.°, 566.° e 570.°, todos do Código Civil.

59.ª - Sobre estes montantes arbitrados, deverá ser repartida entre as Rés, na medida das culpas respetivas e responsabilidades apuradas.

Os AA. Recorridos AA e BB contra-alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

A Recorrente/Recorrida FF contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1) Quanto [à] censura imputada à quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais, a Recorrida adere ao recurso da Recorrente GG Seguros, nos termos do artigo 634.° do CPC. Deixando desde já expresso que apenas está em desacordo quanto ao pedido de absolvição da Ré GG Seguros e quanto à atribuição de apenas 10% de responsabilidade.

2) Por isso, e por economia processual, dá por integralmente reproduzido o alegado no recurso por si apresentado.

3) A Recorrente vem alegar que o condutor do veículo IV não contribuiu em nada para a produção do acidente e que apenas o condutor do veículo OA violou o código da estrada, acontece que o condutor do veículo IV vinha em excesso de velocidade, a conduzir com uma taxa de álcool superior à que é permita por lei.

4) Ora, mesmo que se admita, só por mero dever de patrocínio se equaciona, tendo em conta tudo o que já foi alegado em sede de recurso, que o condutor do OA invadiu a faixa de rodagem contrária.

5) Se o condutor do veículo IV circulasse dentro do limite de velocidade conseguiria fazer a manobra certa para conseguir evitar o acidente.

6) Se o condutor do veículo IV circulasse sem o efeito do álcool teria uma correia noção das distâncias e da posição do seu veículo e do veículo OA para conseguir evitar o embate.

7) Por outro lado, a GG Seguros para justificar que foi o veículo do OA que invadiu a faixa contrária, tem por base uma simulação. A Recorrente não tem nenhum elemento de prova, infalível para apresentar e justificar qual dos veículos invadiu a faixa contrária.

8) Como último recurso, para procurar uma repartição de responsabilidades menor, a Recorrente vem defender que a taxa de álcool do condutor do veículo IV era menor e por isso o juízo de censurabilidade também deve ser menor.

9) Considera-se cientificamente provado que o álcool no sangue, a partir de determinado nível - limite legal -produz alterações na capacidade neuro-motora do condutor.

10) Influenciando, necessária e negativamente, o comportamento na estrada dos condutores, pois diminui a acuidade visual, a atenção e a coordenação psicomotora indispensáveis à circulação rodoviária.

11) A taxa de álcool de que o condutor do IV era portador provocou a diminuição de acuidade visual, diminuiu os seus reflexos, bem como a sua coordenação psicomotora, o que levou a que o condutor do IV não conseguisse evitar o embate no veículo OA.

12) Tendo a quantidade de álcool ingerida pelo condutor do IV, com certeza, provocado um estado de desatenção e descoordenação que deu azo ao despiste e, nessa medida, ao referido embate no veículo OA.

13) Por último, sempre cumpre dizer que ao contrário do que a Recorrente alega, a maior censura dever ser imputada ao condutor do veículo IV porque seguia com o veículo sobrelotado.

14) De facto, é impossível esquecer que o condutor do veículo IV não conseguiu apresentar uma justificação para seguir numa estrada à 1:30 da noite, com uma taxa de alcoolemia acima do permitido por lei, em excesso de velocidade e com seis pessoas dentro do carro.

Cumpre decidir.

3. Vêm provados os seguintes factos (mantendo-se a identificação feita pelas instâncias):

A) No dia 21.08.2004, pela 01h30m, ao Km 23,900 da Estrada Nacional 17, no lugar de …, concelho de Vila Nova de Poiares, ocorreu um embate.

B) Foram intervenientes neste embate: - O veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Subaru, modelo Impreza, com a matrícula ...-...-IV (doravante designado IV), e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca Opel, modelo Corsa, com matrícula …-…-OA (doravante designado OA).

C) O veículo IV era propriedade de JJ e era conduzido pelo próprio.

D) O veículo OA era propriedade de KK & Companhia, L.da, com sede em …, e era conduzido por LL, funcionário daquela empresa, que agia sob as ordens, fiscalização e direção daquela entidade patronal e com a sua autorização (também art° 3 da PI e quesito 2o da BI II).

E) O condutor do veículo IV circulava pela E.N. 17, no sentido Coimbra-Guarda.

F)  O condutor do O A circulava pela E.N. 17, no sentido Guarda-Coimbra.

G) O condutor do veículo IV conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,62 g/l.

H) O condutor do veículo OA conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,35 g/l.

I) A E.N. 17 tem dois sentidos de trânsito, uma faixa de rodagem com a largura de 9,30 metros, é ladeada por valetas em cimento de 0,5 metros e encontrava-se em bom estado de conservação.

J) A E.N. 17, ao Km 23, descreve uma reta.

L) No sentido Coimbra-Guarda, antecedendo o local do embate em cerca de 50 metros, existe naquela estrada uma curva de reduzida visibilidade à esquerda.

M) Em sentido contrário, isto é Guarda-Coimbra, a estrada configura/apresenta uma reta em descida acentuada que se prolonga por cerca de 700 metros.

N) Em ambos os sentidos havia sinais de proibição do tipo Cl 3, que limitavam a velocidade a 50 Kms/h.

0) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) era noite, o tempo estava bom, não chovia, mas o piso encontrava-se húmido devido ao orvalho no turno.

P) AA nasceu em 10.04.1985.

Q) AA desde a data do embate e até à atualidade não recebeu nenhum subsídio de doença por parte da qualquer das rés ou da Segurança Social de que é beneficiário n. 11…..

R) II, AA e EE eram três dos ocupantes do veículo IV.

S) O veículo IV tem lotação para cinco ocupantes.

T) Nele seguiam seis pessoas.

U) Após o embate, II, ainda com vida, foi transportada pelo INEM para o Centro de Saúde … onde nesse mesmo dia veio a falecer.

V) II era solteira e nasceu a 25 de Maio de 1985.

X) BB nasceu a 11 de Dezembro de 2003, estando registado como filho de II.

Z) No dia seguinte, a 22.08.2004, LL, condutor do veículo AO, veio a falecer nos Hospitais da Universidade de Coimbra.

AA) Por contrato de seguro titulado pela apólice n. 00… estava transferida para a ré HH, S.A. a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária referente ao veículo IV.

AB) Por contrato de seguro titulado pela apólice n. 90… estava transferida para a ré FF Seguros, S.A. a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária referente ao veículo OA.

4°BI II - A estrada encontrava-se asfaltada.

1o - Em ambos os veículos o transporte de pessoas e de mercadorias era efetuado por conta dos respetivos proprietários, para os quais provinham as vantagens da sua utilização.

7o - O condutor do IV circulava pela sua mão de trânsito.

3°BI II - O condutor do OA viajava então sozinho.

12° - Seguia a uma velocidade de 111 Kms/h.

14° - O condutor do veículo OA invadiu a hemifaixa destinada ao trânsito que se fazia em sentido contrário.

15° - Passando a circular fora da sua mão de trânsito.

16° - O condutor do veículo IV, ao sair da curva referida em I) deparou-se com o veículo OA que, vindo em sentido contrário, lhe ocupava a sua hemifaixa de rodagem.

17° - Guinou para a esquerda para evitar o embate frontal.

18° - Fê-lo quando os veículos se encontravam entre si a menos de 20 metros de distância.

19° - Pelo que não teve tempo nem espaço para efetuar qualquer travagem ou manobra.

20° - Por sua vez, quando se deparou com veículo IV saído da curva, o condutor do veículo OA virou subitamente para a direita, tentando retomar a sua mão de trânsito.

21° - Tendo vindo a embater frontalmente contra o veículo IV.

22° - O embate ocorreu sensivelmente no centro da via/faixa de rodagem.

(alterado pela Relação)

23° - A cerca de 35 centímetros do eixo da via - este ponto será abaixo dado como facto não provado.

24° - Após o embate, o veículo IV (Subaru) rodopiou e foi projetado para a berma esquerda, atento o seu sentido de marcha,

(alterado pela Relação)

25° - Tendo ido embater com a traseira do lado esquerdo no muro da residência de NN, derrubando-o.

26° - Na sequência do embate, o veículo OA foi projetado para a esquerda tendo ficado imobilizado perpendicularmente à estrada com a frente sobre a berma desse lado, atento o seu sentido de marcha.

31° - O veículo IV seguia a cerca de 91 Kms/h

41° - Após o embate, AA ficou inconsciente.

42° - Tendo ficado preso no interior do veículo em que seguia, pelo que foi necessário recorrer aos serviços de desencarceramento dos Bombeiros de … para o retirar.

43° - Em consequência do embate sofreu as seguintes lesões:

-Traumatismo Torácico, com hemopneumotorax direito;

-Traumatismo Abdominal com fratura do baço, fratura do rim direito, extensa com fragmentação total do parênquima renal, laceração supra renal direita, laceração com destacamento da porção distai da cauda do pâncreas, laceração da veia cava inferior, múltiplas lacerações hepáticas com hemorragia ativa e hemoperitoneu.

 -Laceração completa do diafragma central e anterior;

- Hematoma retroperitoneal;

- Arrancamento infrahepático da veia cava;

- Traumatismo do membro inferior direito com fratura do fémur;

- Choque hemorrágico com acidose  metabólica, coagulação intravascular disseminada e hipotermia;

- Traumatismo craneo-encefálico com perda de conhecimento;

- Ruptura renal;

- Ruptura esplénica;

- Ruptura supra-renal traumática.

44° - Ainda no local foi-lhe prestada assistência médica pelos médicos do INEM.

45° - Após o que foi transportado para as Urgências dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) em estado de choque e ainda inconsciente.

46° - Só recuperou a consciência três depois.

47° - No próprio dia do sinistro, por apresentar choque hipovotémico acompanhado de insuficiência respiratória, foi submetido a uma cirurgia no Serviço de Urgência dos HUC.

48° - Nessa cirurgia foi submetido a:

a.  Paracentese;

b. Laparotomia exploradora;

c.  Drenagem torácica direita por hemopneumotórax;

d. Nefrectomia direita;

e.  Suprarrenalectomia direita;

f . Frenorrafla;

g. Rafia da veia cava inferior;

h. Rafia das lacerações hepáticas e hemostase da hemorragia hepática com recurso a aplicação de cola biológica;

i. Esplenectomia;

j. Excisão da cauda do pâncreas:

k. Transfusão de concentrado de glóbulos, plasma, expensadores plasmáticas e aminas vasopressoras; e

1. Tamponamento hepático com encerramento para estabilização médica.

49° - Nesse mesmo dia, como mantinha a hemorragia ativa, foi submetido a segunda intervenção cirúrgica de urgência.

50° - Esta cirurgia consistiu em:

a. Relaparotomia;

b.   Hemostase de lacerações hepáticas que mantinham hemorragia activa de origem arterial; e

c.  Tracção esquelética do membro inferior direito (fémur).

51° - Ficou internado no Serviço de Medicina Intensiva dos HUC de 21 a 26 de Agosto de 2004 com auxílio de prótese ventilatória.

52° - Foi submetido a transfusão de elementos figurados de sangue, plasma e albumina para reverso do estado de choque.

53° - A 27 de Agosto de 2004 foi internado nos serviços de Cirurgia I.

55°  - A 20 de  Setembro de 2004 foi transferido para o serviço de Ortotraumatologia a fim de ser tratado à fratura do fémur.

54° - Onde foi submetido a intervenção cirúrgica para redução e encavilhamento da fratura do fémur com aplicação de material de osteossíntese.

56° - A 26 de Outubro de 2004 regressou à Cirurgia I.

57° - Apenas a 1 de Novembro de 2004 teve alta hospitalar dos HUC.

58.° - Saiu com a seguinte orientação terapêutica:

a.  Repouso absoluto acamado;

b.  Frequentar as  consultas  externas  de Cirurgia I, Urologia, Nefrologia, Ortopedia, Traumatologia e Neurologia para controlo clínico e radiológico;

c.  Deambular com o apoio de canadianas;

d. Realizar tratamentos de recuperação funcional e fisioterapia; e

e.  Seguir regime alimentar com dieta específica.

59° - Fez recuperação funcional mediante tratamentos de fisioterapia em Coimbra nos HUC e na Irmandade de N.a Sr.a … em ….

60° - A 19 de Janeiro de 2006 recorreu às Urgências dos HUC devido a um quadro de oclusão intestinal alta.

61° - Na sequência do que foi submetido a nova cirurgia que consistiu em:

a.  Laparatomia Exploradora;

b. Lise de Brida;

c.  Enterectomia Segmentar (6 cm de Juno).

62° - A 30 de Janeiro de 2006 teve alta para o domicílio com a indicação de frequentar as consultas de Cirurgia e realizar exames complementares.

63° - Continuou a ser assistido nas consultas externas dos Hospitais da Universidade de Coimbra e pelo médico de família no Centro de Saúde de ….

64° - A 6 de Julho de 2006 recorreu novamente às Urgências dos HUC devido a um quadro de oclusão intestinal.

65° - Tendo sido submetido a uma outra intervenção que consistiu em:

a.  Lise de bridas;

b. Esplenose; e

c.  Aplicação de Hialuronidase de Metilcelulose.

66° - A 13 de Julho de 2006 voltou a ter alta hospitalar com a indicação de frequentar as consultas de Cirurgia e realizar exames complementares.

11° do articulado de fls. 647 e ss. - Esteve 92 dias internado (de 21/08 a 1/11/2004, de 19/01 a 30/01/2006 e de 6 a 13/07/2006).

67° - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/9/2006 e o período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável em 758 dias.

68° - Das lesões sofridas em virtude do embate resultaram para AA, entre outras, as seguintes sequelas:

- Manifestações ango-depressivas;

- Limitação da flexão do joelho direito;

- Esplenectomia;

- Enterectomia segmentar;

- Nefrectomia direita;

- Suprarrenalectomia direita;

- Cicatrizes na cabeça, peito, braços e pernas.

69° - Das lesões sofridas resultou para o AA um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 41 pontos.

70° - Até à data do sinistro AA era jovem, robusto, saudável e gozava de perfeita saúde.

71° - Era dinâmico e muito trabalhador.

72° - Exercia as atividades de pedreiro e carpinteiro de cofragens ao serviço da sociedade Construções …, Lda., com sede no Entroncamento de ….

73° - Trabalhava, regularmente, 8 horas diárias, durante 22 dias úteis por mês, para aquela entidade patronal.

74° - Desse trabalho auferia a € 6,00 à hora.

75° - Aos sábados e nas horas livres executava serviços para particulares na construção ou como madeireiro a cortar e carregar madeira.

76° - Destes serviços recebia € 6,00 €/hora.

77° - As sequelas decorrentes das lesões sofridas por AA no embate diminuíram de forma considerável e definitiva a sua capacidade de trabalho e sendo embora compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicam esforços complementares.

78° - AA apresenta entre outros sintomas, humor triste depressivo, lentificação psicomotora, anedonia, sentimentos de insegurança e desânimo (com perda da auto-estima), ansiedade e angústia, cefaleias e tonturas, intolerância ao ruído, irritabilidade fácil, dificuldades de concentração, prejuízos mnésicos.

79° - Sofre de alteração do padrão normal do sono.

80° - Desde a data do acidente que teve necessidade de recorrer a assistência psiquiátrica, tomando regularmente ansiolíticos e antidepressivos.

81° - No futuro e até à sua morte AA terá de seguir uma dieta alimentar rigorosa devido aos problemas intestinais, digestivos e sanguíneos inerentes à amputação dos respetivos órgãos (baço, rim, excisao do pâncreas, etc).

83° - Em 28/6/2007 AA foi internado na Casa de Saúde de … onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para extraçao do material de osteossíntese (cavilha do fémur direito).

84° - Teve alta nesse dia, medicado, com indicação para realizar pensos de três em três dias, retirar agrafos passados catorze dias e com marcação de consulta de ortopedia para 19/7/2007.

89° - De Novembro de 2004 a Janeiro de 2005 (inclusive) AA teve de recorrer aos serviços de várias senhoras da sua área de residência que lhe confecionavam ou davam alimentos, cuidavam da roupa, ajudavam a levantar, a andar, a ir à casa de banho e a tomar os medicamentos.

90° - Por tais serviços pagou € 3,00/ hora.

91° - O que implicou um custo médio mensal de € 350,00.

92° - Após a data da alta dos HUC AA frequentou mais de 40 consultas externas nesses hospitais, nomeadamente de Cirurgia, Nefrologia, Ortopedia e Neurologia.

93° - Em cada uma dessas deslocações percorreu número não apurado de quilómetros.

94° - Foi, ainda, a consultas privadas de Psiquiatria e Ortopedia a Coimbra e também ao Centro de Saúde de ….

95° - Fez fisioterapia em Coimbra e em ….

96° - Em todas as referidas deslocações percorreu, em veículo próprio, número não apurado de quilómetros.

97° - Gastando em combustível e desgaste do veículo quantia não apurada.

98° - Em transportes de ambulância para hospitais e tratamentos despendeu a quantia de € 91,70.

99° - Em virtude do sinistro efetuou várias deslocações a este Tribunal e ao Instituto de Medicina Legal.

100°/101° - Nas quais gastou quantia não apurada.

102° - Em consultas médicas de especialidade (de Psiquiatria e de Ortopedia) despendeu quantia não apurada.

103° - Em taxas moderadoras e exames de diagnóstico gastou a quantia de € 300,00.

104° - Nos medicamentos despendeu a quantia de € 38,11.

105° - Pela requisição da descrição sumária de acidente efetuada pela GNR para instrução da presente ação pagou a esta entidade € 10,00.

106° - As cirurgias e tratamentos a que foi submetido foram dolorosos, sendo o respetivo quantum doloris fixável em 6/7.

107° - Devido às cicatrizes que para si resultaram das lesões, sente vergonha em ir à praia ou usar roupas de verão, padecendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7.

108° - Inibe-se de exibir o corpo.

109° - O que lhe prejudica o contacto social e afetivo.

110° - Antes do sinistro AA gostava de se divertir, dançando nas discotecas, bailes e festas populares.

111° - Praticava futebol e ciclismo.

112° - Atividades que, em virtude das sequelas resultantes do sinistro, se vê impossibilitado de praticar.

113° - O que lhe provoca grande sofrimento, angústia e desespero.

114° - Após o embate II foi assistida no local pelos Bombeiros de ... e pelos Serviços de Urgência do INEM.

116° - Em consequência do embate resultaram para II as seguintes lesões:

a.  Edema cerebral;

b. Hemorragia subdural biparietal;

c.  Fratura dos ossos do nariz;

d. Fratura da 3. a à 6. a costelas direitas;

e. Hemotorax;

f.  Laceração do baço;

g. Laceração do fígado;

h. Hemoperitoneu; e

i. Contusão medular renal bilateral.

117° - Lesões que determinaram a sua morte.

118° - II faleceu intestada e sem qualquer outra disposição de última vontade.

121° - A morte de II provocou no filho BB sentimentos de perda, abalo psíquico e sofrimento.

124° - BB sente tristeza pela perda da mãe.

126° - O que se prolongará para o resto da sua vida.

127° - II era jovem, robusta, saudável, alegre e muito trabalhadora.

134° - Esforçava-se para dar boas condições de vida ao filho.

135° - Auxiliava os avós paternos no pagamento das despesas de saúde de BB.

136° - O pai de BB nunca contribuiu com qualquer quantia para o seu sustento.

137° - BB é uma criança que possui deficiências ósseas e musculares nos membros inferiores.

138° - Para a correção das quais necessita de material e calçado ortopédico.

140° - Sofre ainda de perturbações digestivas que obrigam a medicação e a alimentação especial.

141° - Recorre frequentemente a consultas médicas.

142° - Após a morte de II, só com a ajuda dos avós paternos tem sido possível criar e educar BB.

143° - Para fazer face às necessidades mensais de BB são necessárias as seguintes quantias: para alimentação; para vestuário, calçado ortopédico; para brinquedos e material escolar; para assistência médica e medicamentosa.

144° - II contribuía e, se viva fosse, iria continuar a contribuir para fazer face a tais despesas.

147° - BB gastou a quantia de € 1.001,00 pelos serviços prestados pela Agência Funerária OO, Lda de …, relativos ao funeral de II.

148° - E em certidões necessárias para instruir a presente ação gastou a quantia de €31,50.

21° - Como consequência necessária e direta do embate a A. EE sofreu as seguintes lesões: fratura do fémur, fratura do osso malar direito, traumatismo craniano e traumatismo renal direito com fratura de 1/3 médio.

22° - A A. foi imediatamente a seguir ao embate internada nos Hospitais da Universidade de Coimbra, desde logo nos Serviços de Urologia, no qual permaneceu três dias, na expectativa de poder recuperar, sem intervenção cirúrgica, do traumatismo renal acima referido.

23° - Em 24/08/04 a A. foi transferida para o Serviço de Cirurgia Maxilo Facial dos mesmos Hospitais onde, em 25/08/04 foi submetida a redução e osteossíntese de fratura do malar com uma placa na apófise orbitaria externa.

24° - No dia 31 de Agosto de 2004 a A. foi transferida dos H.U.C- Hospitais da U. Coimbra para o Hospital Amadora-Sintra, onde também passou a ser assistida, inclusive no regime ambulatório.

25° - Sendo periodicamente observada (em regime ambulatório) nos sobreditos H.U.C.- Hospitais da Universidade de Coimbra.

26° - No dia 2 de Setembro de 2004, já no referido Hospital Amadora-Sintra, a A. foi operada - encavilhamento endomedular.

27° e 28° - A 15/7/2005 foi-lhe removido o material de osteossíntesse, sendo os períodos de internamento e/ou repouso absoluto de 30 dias.

29° - Por prescrição dos respetivos médicos assistentes, a A. fez desde logo 45 tratamentos de Fisioterapia, num Centro dessa especialidade próximo da sua residência, o "PP da ….

30° - Em consequência do embate, as roupas e o calçado que a A. usava no momento da respetiva ocorrência, bem como outros objetos pessoais a si pertencentes perderam-se ou ficaram destruídos definitiva e totalmente e sem possibilidade de serem reparados ou recuperados, como a seguir se discrimina:

Sapatos ténis (desapareceu um sapato)............................... € 60,00

Óculos graduados............................................................... € 215,00

Óculos de sol...................................................................... €120,00

Calças...................................................................................€50,00

Camisola.............................................................................. €48,00

Roupa interior (cuecas e soutien) .......................................  € 80,00

Pulseiras........................................................................... €150,00

Máquina fotográfica (desapareceu)..................................... €.90,00, e

Telemóvel (desapareceu) ................................................... € 325,00.

31° - Em consequência do acidente a A. teve de tomar os medicamentos e adquirir um par de canadianas e respetivos acessórios, no valor de € 18,00.

32° - A A.  fez deslocações ao Hospital Universitário de Coimbra para consultas periódicas, em 6 de Outubro de 2004 e 14 de Janeiro de 2005 para o que efetuou despesas nos seguintes termos: Transporte no veículo, propriedade do seu pai: 450 km (Reboleira - Coimbra e regresso - 225 kmx2 - ida e regresso).

33° - E ao Hospital Amadora Sintra para assistência ambulatória, para o que efetuou despesas a saber: transporte no veículo propriedade do seu pai: 168 km (Reboleira, residência da A. - Hospital e regresso - 6 km x 2 - ida e regresso) x 14 viagens.

34° - E ao PP - Centro de Fisioterapia da ... para tratamentos diários, para o que efetuou despesas a saber: Transporte no veículo, propriedade do seu pai: 75 km (Reboleira, residência da A. - Reboleira, PP e regresso — 0,5 km x 2 - ida e regresso) x 75 viagens.

35° - No ano letivo de 2004/2005, por força dos tratamentos médicos e Fisioterapia, a A,, inicialmente inscrita na área de estudos que pretendia -Agrupamento 1 - só iniciou a sua presença efetiva nas aulas no dia 3/11/04 e para tentar recuperar desse atraso, a A alterou a sua opção quanto à dita área de estudos (turma e agrupamento).

36° - Por força desta alteração, a A. teve que comprar, para o dito ano lectivo de 2004/2005, (outros) novos livros, os quais importaram num acréscimo de despesas no valor de € 161,18.

37° - Por causa do acidente a A.  passou a ter falta de concentração, desmotivação, apatia e  falta de investimento nas tarefas propostas, assim como  no investimento escolar, embora tenha capacidades cognitivas que permitem obter melhor desempenho.

38° - E passou a encontrar-se muito fragilizada e debilitada a nível emocional, tendo que interromper frequentemente as tarefas propostas e prejudicando o seu desempenho, não tendo conseguido transitar para o 11° ano por falta de aproveitamento escolar, sendo que teve de repetir o 10° ano, nos anos lectivos sucessivos.

40° - A A. ficou com sequelas anátomo - funcionais que se traduzem num défice funcional da integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos.

42° - Durante os períodos  de internamento, num total de 30 dias, a A. permaneceu em imobilismo e dependência de terceiros com padecimento físico e também angústia.

43° - Tudo com desgosto e inibição física, com redução do seu dinamismo físico e vida de relação social, que lhe retiram alegria de viver.

44° e 45° - Entre a data do acidente e a data da consolidação das lesões sofreu dores e angústias num grau 5/7.

46° - Da situação descrita supra, o que antes do acidente não se verificava, resultaram para a autora as seguintes sequelas:

- face: cicatriz quase inaparente medindo 2cmx3mm no corpo do supracílio direito, notando-se à palpação deformação da arcada orbitaria;

- membro superior direito: região de descoloração no terço superior do bordo lateral do antebraço direito medindo 2cmxlcm;

-   membro inferior direito: na região coxofemoral direita, cicatriz de características pós-operatórias, medindo 8,5cmxl ,5cmna sua porção superior onde é mais larga; no terço superior da face lateral da coxa duas cicatrizes longitudinais de características operatórias, a mais superior medindo 2cmx5mm e a outra medindo 3cmx5mm; no terço médio-inferior da coxa duas cicatrizes longitudinais de características operatórias, a mais superior medindo 9cmx3mm e a outra que é a mais anterior medindo 8cmx3mm.

47° - O que obriga a A. a claudicar/coxear, bem como a amparar-se, por exemplo, junto de outra pessoa ou a usar uma bengala/canadiana, enquanto caminha.

48° - Por isso a A. passou, ao contrário do que acontecia antes do acidente, e por causa deste, a apresentar problemas de auto-estima e de autoconfiança, relacionados com a própria imagem, pelo facto de apresentar as referidas cicatrizes, num grau 3/7.

52° - Antes do acidente a A. tinha uma vida ativa, enérgica, alegre, comunicativa, desfrutando de uma imagem de jovem saudável e escorreita.

53° - Após o acidente e por causa direta e necessária deste, a A. passou a apresentar sequelas ao nível do seu comportamento, os quais se refletem na sua imagem.

A Relação adicionou o seguinte facto provado:

A hora dos  factos - do  acidente — o  condutor do veículo AO não se encontrava a trabalhar para a firma KK, Ldª.


Não se provaram os seguintes factos:

2o - II faleceu quando eram cerca de 02.05 minutos do dia referido em A).

3o - No local do embate ambas as hemifaixas de rodagem da E. N. 17 estão separadas por uma linha longitudinal contínua.

4° - No sentido Coimbra-Guarda, a cerca de 30 metros do local do embate, existia um sinal que indicava a aproximação de um entroncamento à direita com estrada sem prioridade.

5o - O condutor do veículo IV seguia prestando atenção ao trânsito.

6° - Com os faróis "médios" ligados.

8° (e 5°BII) - A uma velocidade não superior a 70 Kms/h.

9o - O condutor do veículo OA conduzia ziguezagueando de uma berma para a outra, ocupando alternadamente ora uma, ora outra hemifaixa de rodagem da E. N.

10° - Levava os faróis "máximos" ligados.

11° - Provocando o encadeamento de quem circulava em sentido contrário.

13° - Fazia-o embalado pela descida referida em J).

14° - Duzentos metros antes do local do embate...

16° - .. .a totalidade da...

17° -Buzinou e...

27° - A taxa de álcool no sangue de que o condutor de que o condutor do OA era portador perturbou-o e  influenciou negativamente o modo como conduzia, criando-lhe imoderada confiança e reduzindo-lhe a perceção do risco.

28° - Como consequência da taxa de álcool no sangue de que era portador, a capacidade de concentração e de visão, a destreza e a perícia do condutor do OA estavam manifestamente diminuídas, quase nulas.

29° - O que foi causa da circulação fora de mão e originou o sinistro em apreço.

30° - A sobrelotação do veículo IV provocou nele excesso de peso, influindo negativamente na direção e no sistema de travagem.

32° - A taxa de álcool no sangue de que o condutor de que o condutor do IV era portador provocou-lhe um estado de euforia e reduziu-lhe a perceção do risco, a concentração e os reflexos.

33° - Pelo que entrou na curva referida em I) sem diminuir a velocidade a que seguia.

34° - Invadindo a faixa de rodagem destinada ao trânsito que seguia em sentido contrário.

35° - Passando a circular fora da sua mão de trânsito.

36° - Tendo ido embater frontalmente contra o veículo OA.

37° - O veículo OA seguia na sua mão de trânsito.

4°BI II ...- e o piso e tempo estavam secos.

6°BI II - A cerca de 100 metros do local onde se veio a verificar o embate, sensivelmente a meio da curva que o IV descrevia, já ambos condutores se visualizavam,

7°BI II - Para esquerda, atento o sentido de marcha do IV, a lOOm do local do embate, já se vislumbrava a reta que se seguia, com mais de 800 metros de comprimento.

8°BI II - Antes de iniciar a curva, o condutor do IV efetuou sinais de luzes e passou a circular em médios, continuando o OA a circular com máximos, apesar dos sinais de luzes que o IV lhe fazia.

11°BI II - O OA seguia a mais de 120Km/Hora.

62°BI II - O OA seguia então a velocidade superior a 111 Km/H.

43° - Em consequência do embate o AA sofreu as seguintes lesões:

-Luxação/entorse cervical e lombar;

-Escoriações em todo o corpo.

82°- AA nunca mais conseguiu trabalho, encontrando-se desempregado.

85° - Em consequência do embate ficaram destruídas as calças de ganga, a camisola de marca Adidas, o casaco e sapatos que AA trazia.

86° - Tudo no valor global, enquanto vestuário e calcado usados, de € 200,00.

87° - Perdeu-se também o relógio de pulso que trazia.

88° - No valor, enquanto usado, de € 50,00.

115° - Estava consciente, mexia-se, tentava falar com as pessoas que a rodeavam e gemia em grande sofrimento.

119° - No período que mediou entre o embate e a sua morte II sofreu fortes dores.

120° - Teve consciência que não sobreviveria às graves lesões de que padecia.

122° - BB ficou deprimido com a notícia da morte da mãe.

123° - Eram uma família unida e feliz.

125° - De quem sente saudades.

128° - Exercia a atividade de ... num restaurante/churrasqueira em ….

129° - Auferindo desse trabalho a quantia de € 700,00 mensais.

130° - Nas suas folgas e horas livres fazia refeições e sobremesas para festas particulares (aniversários e batizados).

131° - Auferindo os rendimentos suplementares inerentes.

132° - Em virtude do que o seu rendimento total anual proveniente de todo o seu trabalho se cifrava em € 9.800,00.

133° - Consigo própria, incluindo todas as despesas de vestuário calçado, transportes, não gastava mais de metade do que ganhava.

139° - Sendo previsível que no futuro venha a ser submetido a cirurgias corretivas.

145° - Em consequência do sinistro ficaram destruídas a camisa, o casaco, as calças de ganga e os sapatos que II usava.

146° - Tudo, enquanto usado, no valor de € 250 00.

149° - AA e II tinham conhecimento da lotação máxima admissível para o veículo em que se deslocaram, bem como da quantidade de pessoas que nele se faziam transportar.

150° - As lesões sofridas por AA e por II foram mais graves por causa da sobrelotação do automóvel em que se deslocavam.


Da BI II não se provou:

19° - II e a A. EE ficaram encarceradas no interior do veículo até dele serem retiradas e assistidas pelos bombeiros locais e INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica.

20° - A A. desconhecia total e completamente que o condutor do veículo em que era transportada - o referido JJ — o conduzia sob a influência de álcool no sangue.

39° - A A. apenas retomou os seus estudos, para já a conclusão do 10° Ano, no ano letivo (2007/2008).

41° - A A. tinha, à data do sinistro, intenções de prosseguir os estudos a nível universitário numa licenciatura na área da Saúde.

49° - A A. continua a sentir dores lombares, a nível do joelho da perna fraturada no acidente.

50° - A situação clínica referida tem implicado frequentes exames auxiliares de diagnóstico, e consultas médicas das especialidades de Ortopedia.

51° - Não estando excluída a necessidade de mais tratamentos de Fisioterapia e de uma cirurgia a nível do joelho.

54° - Deixou de poder fazer caminhadas, passeios a pé, ou simplesmente correr como fazia antes do acidente, por exemplo em convívio com a família e amigos, ou simplesmente sozinha.

55° - Deixou de poder andar em transportes públicos, por falta de firmeza na perna direita, vivendo em permanente preocupação e autêntica fobia aos mesmos, com medo que os outros passageiros lhe pisem o pé direito, o mesmo se passando, pelas mesmas razões, em recintos ou outros espaços onde haja aglomerações de pessoas, como cinemas, teatros, festas, centros comerciais, ou mercados.

56° - Ficou com fobia ao ato simples de atravessamentos a pé de ruas e tem períodos em que tem pavor dos automóveis com medo de ser atropelada.

57° - Deixou de ter o comportamento alegre, comunicativo, descontraído, ativo e energético, que tinha antes do acidente, passando a ter medo, por causa dele e das consequências dele, de sair de casa, de andar de automóvel, de agravar a situação clínica, de não poder andar a pé muito tempo sem ter que se apoiar a outras pessoas e queixando-se de dores com frequência.

58° - Ao contrário do que acontecia antes do acidente e por causa deste, a A. deixou de poder fazer desporto, correr, dançar e participar nas brincadeiras na praia e/ou no campo com as  suas amigas e amigos e seu irmão e/ou simplesmente ajudar a sua mãe nas tarefas domésticas mais pesadas, por não poder estar muito tempo de pé como por exemplo aspirar, lavar o chão, passar a ferro, ou carregar as compras do supermercado.

59° - Ao contrário do que acontecia antes do acidente e por causa deste, a A. passou a ter um sono agitado, cheio de pesadelos.

60o - A A. tem necessidade de tratamento psiquiátrico e/ou Psicológico/psicoterapêutico.


4. Tendo em conta o disposto no n° 4, do art. 635°, do Código de Processo Civil, estão em causa, nos presentes recursos, as seguintes questões: Recurso da R. FF:

- Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre a decisão e a fundamentação (art. 615°, alínea e), do CPC), ou inviabilização da decisão jurídica da causa por ocorrerem contradições na decisão da matéria de facto (art. 682°, n° 3, do CPC). Recurso da R. GG Seguros:

- Imputação do acidente a culpa exclusiva do condutor do veículo AO (segurado na R. Açoreana);

- Subsidiariamente:

- Alteração da distribuição da culpa entre o condutor do veículo AO e o condutor do veículo IV (segurado na R. GG Seguros);

- Redução dos montantes indemnizatórios a atribuir a cada um dos três AA.


5. Relativamente à questão do recurso da Recorrente FF, considera-se que o alegado vício do acórdão recorrido, tal como explanado pela Recorrente, não configura nem uma situação de nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre a decisão e a fundamentação (art. 615°, alínea e), do CPC), nem a ocorrência de contradição na decisão da matéria de facto que inviabilize a decisão jurídica do pleito (art. 682°, n° 3, do CPC).

Vejamos.

O regime do art. 682°, n° 3, do CPC, diz respeito à hipótese de existir uma contradição interna entre os factos dados como provados, o que manifestamente não é o caso, nem tal foi alegado.

Quanto à nulidade por contradição entre a decisão e a fundamentação, prevista no art. 615°, alínea e), do CPC, respeita ela às hipóteses de contradição entre a decisão da sentença! acórdão e a fundamentação da mesma decisão, o que não é o caso, nem foi alegado.

Aquilo que a Recorrente FF invoca é antes uma alegada contradição entre a decisão de alteração da matéria de facto pela Relação e a fundamentação dessa decisão de alteração. Ora, nos termos do art. 674°, n° 3, do CPC, não compete a este Supremo Tribunal reapreciar a decisão relativa à matéria de facto, salvo nas situações excepcionais da segunda parte daquele preceito, que não se verificam no caso dos autos, ou salvo - segundo entendimento que vem sendo admitido por este Supremo Tribunal - em caso de manifesta ilogicidade no uso de presunções judiciais. No caso dos autos, a Relação considerou um relatório pericial cuja força probatória é apreciada livremente pelo tribunal, nos termos do art. 389°, do Código Civil, formando a convicção de que ocorreu uma de entre várias simulações da dinâmica do acidente, tendo alterado a decisão relativa à matéria de facto em conformidade e sem incorrer em ilogicidade de raciocínio. A decisão relativa à matéria de facto não é sindicável em sede de revista.

Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso da Recorrente FF.


6. Quanto à questão principal do recurso da R. GG Seguros -imputação do acidente a culpa exclusiva do condutor do veículo AO

(segurado na R. FF) - alega a Recorrente que, "Ao invés do considerado peio Tribunal recorrido, entendemos que o condutor do veiculo IV em nada contribuiu para o dito acidente, na medida em (que) apenas procurou evitar o acidente, procurando desviar-se para a hemifaixa esquerda, considerando o seu sentido de marcha (Coimbra- Guarda)."

Recorde-se que, em sede de responsabilidade civil extracontratual, a verificação do pressuposto da culpa constitui matéria de facto se estiver em causa a apreciação da violação dos deveres gerais de prudência e diligência, que integrem os conceitos de imperícia, imprevidência, falta de cuidado ou falta de destreza. Já constituiu matéria de direito se consistir na apreciação da violação de deveres legais de cuidado, designadamente dos deveres do Código da Estrada (neste sentido ver, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 18/11/2010 (proc. n° 71/07.9TBVFC.L1.S1) e de 11/12/2014 (proc. n° 2142/10.5T2AVR.C1.S1), consultáveis na base de dados da jurisprudência cível in www.stj.pt.

Os factos provados relevantes são os seguintes: G) O condutor do veículo IV conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,62 g/l. H) O condutor do veículo OA conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,35 g/l. 7o - O condutor do IV circulava pela sua mão de trânsito. 3°BI II - O condutor do OA viajava então sozinho. 12° - Seguia a uma velocidade de 111 Kms/h.

14° - O condutor do veículo OA invadiu a hemifaixa destinada ao trânsito que se fazia em sentido contrário.

15° - Passando a circular fora da sua mão de trânsito.

16° - O condutor do veículo IV, ao sair da curva referida em I) deparou-se com o veículo OA que, vindo em sentido contrário, lhe ocupava a sua hemifaixa de rodagem.

17° - Guinou para a esquerda para evitar o embate frontal.

18° - Fê-lo quando os veículos se encontravam entre si a menos de 20 metros de distância.

19° - Pelo que não teve tempo nem espaço para efetuar qualquer travagem ou manobra.

20° - Por sua vez, quando se deparou com veículo IV saído da curva, o condutor do veículo OA virou subitamente para a direita, tentando retomar a sua mão de trânsito.

21° - Tendo vindo a embater frontalmente contra o veículo IV.

22° - O embate ocorreu sensivelmente no centro da via/faixa de rodagem.

23° - A cerca de 35 centímetros do eixo da via - este ponto será abaixo dado como facto não provado.

31° - O veículo IV seguia a cerca de 91 Kms/h

Entre os factos não provados contam-se os seguintes:

27° - A taxa de álcool no sangue de que o condutor de que o condutor do OA era portador perturbou-o e influenciou negativamente o modo como conduzia, criando-lhe imoderada confiança e reduzindo-lhe a perceção do risco.

28° - Como consequência da taxa de álcool no sangue de que era portador, a capacidade de concentração e de visão, a destreza e a perícia do condutor do OA estavam manifestamente diminuídas, quase nulas.

32° - A taxa de álcool no sangue de que o condutor de que o condutor do IV era portador provocou-lhe um estado de euforia e reduziu-lhe a perceção do risco, a concentração e os reflexos.


O acórdão recorrido apreciou a questão da culpa dos condutores nos seguintes termos:

Perante as referidas alterações da matéria de facto, importa que passemos à abordagem da segunda questão: a reapreciação da decisão de direito.

Dos sobridos factos provados resulta que o acidente em causa ocorreu no dia 21/08/2004, pelas 01h30, ao km 23,900 da E. N. 17, no lugar de … concelho de Vila Nova de Poiares, acidente que se traduziu no embate frontal entre as viaturas automóveis ligeiras com as matrículas ...-...-IV e …-…AO; o IV seguia no sentido Coimbra-Guarda e o AO no sentido Guarda-Coimbra.

A via, nesse local, tinha, à data, a largura de 9,30 metros e valetas laterais em cimento com 0,50 metros de largo, estando em bom estado de conservação.

Antecedendo o local do embate em cerca de 50 metros, que se situa numa reta, e no sentido Coimbra-Guarda existe uma curva à esquerda, no apontado sentido, de redunda visibilidade, que o veículo XV descreveu e pela sua meia faixa de rodagem — ponto 7o -, no seguimento do que se deu o embate entre essas ditas viaturas, sensivelmente no centro da via -ponto 22°.

Esse embate ocorreu porque o veiculo OA seguia na hemifaixa de sentido Coimbra-Guarda (portanto na hemifaixa esquerda considerando o seu sentido de marcha) -pontos 14°, 15° e 16° -, eporque o seu condutor procurou retomar a sua hemifaixa direita ao mesmo tempo que o condutor do IV também procurou desviar-se para essa mesma hemifaixa, com vista a evitar um choque frontal, quando apenas havia cerca de 20 metros entre as dianteiras dos veículos - pontos 17º, 18°, 19°, 20" e 21a.

Ora, o que daqui resulta é que o condutor do veiculo OA violou o disposto no art°13°, n° 1 do Código da Estrada, na redação vigente à data -Dec. Lein°265-A/2001, de 28/09.

Daí que tenha ocorrido o acidente.

Porém, afígura-se que o condutor do veículo IV também contribuiu para o dito acidente, na medida em que procurou desviar-se para a hemifaixa esquerda, considerando o seu sentido de marcha (Coimbra- Guarda), quando o devia ter feito para o seu lado direito, onde até tinha uma berma cimentada com cerca de 0,50 metros de largura.

E se circulasse o mais próximo possível da sua berma direita esse desvio para a sua direita, com o desvio que o veículo AO também fez para a sua respectiva direita, teria sido suficiente para que o embate não tivesse ocorrido, já que a largura de 9,30 da via assim o permite afirmar, uma vez que o embate se deu sensivelmente no centro da via, pelo que sempre o veículo IV poderia ter-se cruzado com o AO se assim tivesse procedido o seu condutor.

Nessa medida entendemos ser de responsabilizar o condutor do veículo AO com 75% da culpa pelo acidente, e o condutor do IV com 25% da mesma, tanto mais que no local havia, à data, sinais de regulação do trânsito em ambos os sentidos que limitavam a velocidade a 50 km/hora, sendo certo que ambos os veículos circulavam a velocidades superiores (111 e 91 km/ hora, respectivamente) - pontos N), 12°) e 31a).

Alem de que também ambos os condutores conduziam sob influência de consumo de bebidas alcoólicas, com que eram necessariamente afectados na suas percepções e tempos de reação o condutor do AO com 2,35 gll e o condutor do IV com 0,62 gll, conforme pontos G) e H),

Assim sendo e nos termos dos arts 483°, n° 1, 487°, n" 2, e 570°, todos do C. Civil, entende-se ser caso de repartição de culpas entre ambos os condutores, na proporção supra referida.

Na medida em que o juízo da verificação de culpa de ambos os condutores na colisão dos veículos se fundou no desrespeito por regras do direito estradal, está em causa matéria de direito, sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Tendo sido provado que "O condutor do veículo OA invadiu a hemifaixa destinada ao trânsito que se fazia em sentido contrário", "Passando a circular fora da sua mão de trânsito", violando o art. 13°, n° 1, do Código da Estrada, não oferece dúvidas a afirmação da culpa do condutor do veículo AO.

Já quanto ao condutor do veículo IV, a prova feita - "O condutor do veículo IV, ao sair da curva referida em I) deparou-se com o veículo OA que, vindo em sentido contrário, lhe ocupava a sua hemifaixa de rodagem"; 'Guinou para a esquerda para evitar o embate frontal."; "Fê-lo quando os veículos se encontravam entre si a menos de 20 metros de distância."; "Pelo que não teve tempo nem espaço para efetuar qualquer travagem ou manobra." - não permite concluir pela violação das regras do Código da Estrada sobre aposição de marcha, contidas nos diversos números do art. 13°.

Nas circunstâncias concretas dadas como provadas - eminência da colisão com o veículo AO, que invadira o seu lado (do veículo IV) da faixa de rodagem - o condutor do veículo IV tentou uma manobra de salvamento, desviando-se para o único espaço livre da estrada, o lado esquerdo da faixa de rodagem. Não lhe era possível prever que o condutor do veículo AO tentaria retomar a sua mão de trânsito e, assim, não se evitaria o embate. Considera-se que o acidente é, essencialmente, imputável a culpa do condutor do veículo AO. Porém, tendo sido provado que tanto o condutor do veículo AO como o do veículo IV conduziam em excesso de velocidade, aceita-se o entendimento da Relação de que também o condutor do veículo IV contribuiu para a ocorrência do acidente; e, acrescenta-se, para o agravamento dos danos.

Diversamente do juízo da Relação entende-se que, ainda que se tenha provado que ambos os condutores tinham uma taxa de álcool no sangue superior à legal, uma vez que não foi provado o nexo causal entre a taxa de alcoolémia e a ocorrência do acidente, não se pode afirmar a respondabilidade dos condutores com este fundamento.

Tudo ponderado - e apreciando já a primeira das questões subsidiárias do recurso da GG Seguros - considera-se ser de distribuir a culpa pelo acidente e pelos danos em 85% para o condutor do veículo AO e 15% para o condutor do veículo IV.


7. Passa-se a apreciar a segunda questão subsidiária do recurso da GG Seguros: a fixação da indemnização a atribuir a cada um dos AA. lesados. Para o efeito, devem ser tidos em conta os seguintes princípios gerais, tal como enunciados no acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (proc. n° 7793/09.8T2SNT.L1.S1), consultável emwww.dgsi.pt:

"- O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562°, do CC). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do n° 1, do art. 566°, do CC: "sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor". A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564°, n° 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no n° 2, do art. 566°, do CC ("a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos'). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, "o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados" (n° 3, do art. 566°;, do CC);

- A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496°, n° 1, do CC), não pode - por definição - ser feita através da. fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal segundo um juízo de equidade (art. 496°, n° 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494°, do CC;

- Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. n° 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. n° 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. n° 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), "a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»"; se é chamado a pronunciar-se sobre "o cálculo da indemnização'''que "haja assentado decisivamente em juízos de equidade", não lhe "compete a determinação exacta do valor

pecuniário a arbitrar (...), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízp equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»";

- A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. n° 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, "os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art0 13° da Constituição". Exigência plasmada também no art. 8o, n° 3, do CC: "nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, afim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.";

- A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado "dano biológico") pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. n° 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. n° 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. n° 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. n° 632/2001.Gl.SI), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. n° 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos emwww.dgsi.pt)."

Tendo presentes os critérios gerais que aqui sumariámos, passamos a aplicá-los ao caso dos autos.


8. Quanto à reparação dos danos do A. AA alega a Recorrente GG Seguros, em síntese, o seguinte:

- O montante indemnizatório de € 25.700, a título de perda salariais pelo período em que esteve sem trabalhar, é excessivo por não ter sido feita prova documental de que a remuneração mensal do A. fosse de € 1100 - conforme exigido pelo art. 64°, n° 7, do Decreto-Lei n° 291/2007, de 21 de Agosto -pelo que, como base salarial, deve ser antes tido em conta o salário mínimo nacional à data do sinistro (€ 365,60), de acordo com o previsto no n° 8 daquele mesmo preceito, devendo a quantia em causa ser reduzida para €10.968;

- A indemnização do "dano biológico" ou perda de capacidade de ganho, fixada pela Relação em € 250.000, deve ser reduzida para € 150.000, tendo em conta que, contrariamente ao que resulta da forma como foi calculado aquele valor, o A. não ficou a padecer de incapacidade permanente para a sua profissão habitual;

-   A indemnização por danos não patrimoniais, fixada pela Relação em €100.000,  deve ser reduzida para € 40.000, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, e, em especial, o facto de o A. ter aceite ser transportado por condutor com TAS superior à legalmente permitida.

Vejamos.

Quanto à indemnização por perdas salariais, esclareça-se que o regime do Decreto-Lei n° 291/2007 entrou em vigor a 21 de Agosto de 2007, pelo que não se aplica à presente acção, proposta em 9 de Abril de 2007. Deste modo, não pode ser alterado o montante das perdas salariais dado como provado pela Relação.

Quanto à indemnização por "dano biológico "/perda de capacidade de ganho, admitida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal nos moldes supra expostos, relevam os seguintes factos provados:

P) AA nasceu em 10.04.1985.

68° - Das lesões sofridas em virtude do embate resultaram para AA, entre outras, as seguintes sequelas:

- Manifestações ango-depressivas;

- Limitação da flexão do joelho direito;

- Esplenectomia;

- Enterectomia segmentar;

- Nefrectomia direita;

- Suprarrenalectomia direita;

- Cicatrizes na cabeça, peito, braços e pernas.

69° - Das lesões sofridas resultou para o AA um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 41 pontos.

70° - Até à data do sinistro AA era jovem, robusto, saudável e gozava de perfeita saúde.

71° - Era dinâmico e muito trabalhador.

72° - Exercia as atividades de ... e ... de cofragens ao serviço da sociedade Construções …, Lda., com sede no ….

75° - Aos sábados e nas horas livres executava serviços para particulares na construção ou como ... a cortar e carregar madeira.

77° - As sequelas decorrentes das lesões sofridas por AA no embate diminuíram de forma considerável e definitiva a sua capacidade de trabalho e sendo embora compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicam esforços complementares.

O acórdão recorrido apreciou como segue:

Embora entendamos que este tipo de dano é enquadrável nos chamados danos patrimoniais futuros, não nos repugna o entendimento seguido, o qual, aliás, em nada prejudica a avaliação a efectuar.

Ora, tendo este autor 19 anos à data do sinistro (nasceu em 10/04/1985) e tendo ficado portador de uma IPP de 41 %, além de que face às sequelas de que ficou portador ficou diminuído deforma considerável e definitiva para a sua capacidade de ganho, entendemos que, pela aplicação de regras de equidade art° 566°, n° 3 do C. Civil -, se deve manter o montante indemnizatório atribuído por este tipo de danos, em €250.000,00.

Com efeito, se considerarmos um rendimento médio anual desse autor de €13.200,00 (1.100,00x12) e um período de vida útil do mesmo de 56 anos (75 anos-19 anos) e a taxa de incapacidade de 41%, obtemos um valor de 303.072,00 euros; e se considerarmos aquele rendimento ano x 41%, a perda é de € 5.412,00/ano, sendo que com 300 mil euros a render e a uma taxa de juros actual de 1% (se for possível obter esta taxa, o que é duvidoso), o rendimento anual assim conseguido será de 3000 euros (não líquidos), pelo que considerando que ao fim de 56 anos ainda se podem manter os referidos 300 mil euros, justifica-se tal montante de capital para reparar este tipo de dano.

Donde que o montante de 250.000 euros fixado na sentença não seja exagerado, muito pelo contrário, raspo pela qual se mantêm esse valor de indemnização para este tipo de dano.

Apesar de começar por convocar o regime do art. 566°, n° 3, do CC, segundo o qual, "Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados", a Relação utilizou, em seguida, como critério base, uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade permanente (total ou parcial) para o exercício da profissão habitual.

Este procedimento não pode ser aceite porque assenta num critério que se afigura inadequado: assumir que a incapacidade geral permanente de 41 pontos equivale a incapacidade pardal permanente para o exercício da profissão habitual do lesado. Este critério entra em contradição, aliás, com tudo o que se afirmou, tanto no acórdão recorrido como no presente acórdão, sobre a reparabilidade dos danos patrimoniais pela perda de capacidade geral de ganho, mesmo que sem afectação (imediata) do exercício da profissão habitual.

Não pode ser fixada indemnização com base em critério criado para situação (incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual), que expressamente se afastou (facto 77, segunda parte). Na verdade - não existindo, no caso subjudice, limites máximos e mínimos de danos que o tribunal tenha dado como provados -, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmula financeira criada em função da verificação de situação que, no caso dos autos, não se deu como provada.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. acórdãos de 20/10/2011, proc. n° 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. n° 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. n° 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. n° 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. n° 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. n° 237/13.2TCGMR.G1.S1, e de 14/12/2016, proc. n° 37/13.0TBMTR.G1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões fiísico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as competências do lesado).

Este último factor tem, entre outras, a seguinte consequência especialmente relevante para o caso dos autos: quanto maior for o uso da força e destreza físicas para o exercício da profissão habitual, maiores serão as repercussões da perda de capacidade geral de ganho na prossecução e na progressão nessa profissão.

No caso dos autos, há que ter em conta que o lesado AA: tinha 19 anos à data do acidente; em resultado das graves lesões sofridas, que determinaram a amputação de órgãos (baço, rim direito, glândula supra renal direita, segmento do intestino) e "Limitação da flexão do joelho direito", ficou a padecer de uma taxa de incapacidade geral de 41 pontos; exerce profissão (pedreiro e carpinteiro de cofragens), que exige elevados níveis de força e destreza físicas. Em função destes factos, as instâncias deram como provado que "As sequelas decorrentes das lesões sofridas por AA no embate diminuíram de forma considerável e definitiva a sua capacidade de trabalho e sendo embora compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicam esforços complementares." Quer dizer que, ainda que, de imediato, o lesado possa continuar a exercer, com esforços suplementares, a sua actividade profissional habitual, dá-se como provada a perda "considerável e definitiva1' da sua capacidade geral de trabalho. Mais concretamente: à data do acidente, o lesado AA tinha, previsivelmente, pela frente cerca de cinco décadas de vida activa e cerca de seis décadas de esperança de vida; a incapacidade geral de 41 pontos de que ficou a padecer - e tendo em conta as características da sua profissão - veio limitar, de forma irremediável, as possibilidades de, a médio prazo, progredir (ou mesmo prosseguir) na profissão habitual. Mais ainda, num mercado de trabalho particularmente exigente, a incapacidade geral do lesado praticamente inviabiliza as possibilidades de mudança para profissão alternativa compatível as suas competências, assim como dificulta ou inviabiliza as possibilidades de exercício de outras actividades económicas. O que, com toda a probabilidade, condicionará a sua carreira contributiva, com repercussão negativa na possibilidade de vir a auferir de uma pensão de reforma e/ou no montante da mesma.

Estamos perante um quadro em que a perda de capacidade geral de ganho é extremamente gravosa pelo que — embora seguindo um estrito juízo equitativo - se afigura justo e adequado manter a indemnização de €250.000 por perda de capacidade geral de ganho/"dano biológico" do lesado AA.

Quanto à compensação por danos não patrimoniais, são relevantes os seguintes factos provados:

41° - Após o embate, AA ficou inconsciente.

42° - Tendo ficado preso no interior do veículo em que seguia, pelo que foi necessário recorrer aos serviços de desencarceramento dos Bombeiros de … para o retirar.

43° - Em consequência do embate sofreu as seguintes lesões: -Traumatismo Torácico, com hemopneumotorax direito; -Traumatismo Abdominal com fratura do baço, fratura do rim direito, extensa com fragmentação total do parênquima renal, laceração supra renal direita, laceração com destacamento da porção distai da cauda do pâncreas, laceração da veia cava inferior, múltiplas lacerações hepáticas com hemorragia ativa e hemoperitoneu. - Laceração completa do diafragma central  e anterior; - Hematoma retroperitoneal; -Arrancamento infrahepático da veia cava; -Traumatismo do membro inferior direito com fratura do fémur;  - Choque hemorrágico com acidose metabólica, coagulação  intravascular disseminada e hipotermia; - Traumatismo craneo-encefálico com perda de conhecimento; - Ruptura renal; -Ruptura esplénica; - Ruptura supra-renal traumática.

44° - Ainda no local foi-Ihe prestada assistência médica pelos médicos do INEM.

45° - Após o que foi transportado para as Urgências dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) em estado de choque e ainda inconsciente.

46° - Só recuperou a consciência três depois.

47° - No próprio dia do sinistro, por apresentar choque hipovotémíco acompanhado de insuficiência respiratória, foi submetido a uma cirurgia no Serviço de Urgência dos HUC.

48° - Nessa cirurgia foi submetido a: a. Paracentese; b. Laparotomia exploradora; c. Drenagem torácica direita por  hemopneumo tórax; d. Nefrectomia direita; e. Suprarrenalectomia direita; f. Frenorrafia; g. Rafia da veia cava inferior; h. Rafia das lacerações hepáticas e hemostase da hemorragia hepática com recurso a aplicação de cola biológica; i. Esplenectomia; j. Excisao da cauda do pâncreas: k. Transfusão de concentrado de glóbulos, plasma, expensadores plasmáticas e aminas vasopressoras; e 1. Tamponamento hepático com encerramento para estabilização médica.

49° - Nesse mesmo dia, como mantinha a hemorragia ativa, foi submetido a segunda intervenção cirúrgica de urgência.

50° - Esta cirurgia consistiu em: a. Relaparotomia; b. Hemostase de lacerações hepáticas que mantinham hemorragia activa de origem arterial; e c. Tracção esquelética do membro inferior direito (fémur).

51° - Ficou internado no Serviço de Medicina Intensiva dos HUC de 21 a 26 de Agosto de 2004 com auxílio de prótese ventilatória.

52° - Foi submetido a transfusão de elementos figurados de sangue, plasma e albumina para reverso do estado de choque.

53° - A 27 de Agosto de 2004 foi internado nos serviços de Cirurgia I.

55° - A 20 de Setembro de 2004 foi transferido para o serviço de Ortotraumatologia a fim de ser tratado à fratura do fémur.

54° - Onde foi submetido a intervenção cirúrgica para redução e encavilhamento da fratura do fémur com aplicação de material de osteossíntese.

56° - A 26 de Outubro de 2004 regressou à Cirurgia I.

57° - Apenas a 1 de Novembro de 2004 teve alta hospitalar dos HUC.

58.° - Saiu com a seguinte orientação  terapêutica:  a. Repouso absoluto acamado; b. Frequentar as consultas externas de Cirurgia I, Urologia, Nefrologia, Ortopedia, Traumatologia e Neurologia para controlo clínico e radiológico; c. Deambular com o apoio de canadianas; d. Realizar tratamentos de recuperação funcional e fisioterapia; e e. Seguir regime alimentar com dieta específica.

59° - Fez recuperação funcional mediante tratamentos de fisioterapia em Coimbra nos HUC e na Irmandade de N.a Sr.a … em ….

60° - A 19 de Janeiro de 2006 recorreu às Urgências dos HUC devido a um quadro de oclusão intestinal alta.

61° - Na sequência do que foi submetido a nova cirurgia que consistiu em: a. Laparatomia Exploradora; b. Lise de Brida; c. Enterectomia Segmentar (6 cm de Juno).

62° - A 30 de Janeiro de 2006 teve alta para o domicílio com a indicação de frequentar as consultas de Cirurgia e realizar exames complementares.

63° - Continuou a ser assistido nas consultas externas dos Hospitais da Universidade de Coimbra e pelo médico de família no Centro de Saúde ….

64° - A 6 de Julho de 2006 recorreu novamente às Urgências dos HUC devido a um quadro de oclusão intestinal.

65° - Tendo sido submetido a uma outra intervenção que consistiu em: a. Lise de bridas; b. Esplenose; e c. Aplicação de Hialuronidase de Metilcelulose.

66° - A 13 de Julho de 2006 voltou a ter alta hospitalar com a indicação de frequentar  as consultas de Cirurgia e realizar exames complementares.

11° do articulado de fls. 647 e ss. - Esteve 92 dias internado (de 21/08 a 1/11/2004, de 19/01 a 30/01/2006 e de 6 a 13/07/2006).

67° - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 18/9/2006 e o período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável em 758 dias.

68° - Das lesões sofridas em virtude do embate resultaram para AA, entre outras, as seguintes sequelas: - Manifestações ango-depressivas; - Limitação daflexão do joelho direito; - Esplenectomia; - Enterectomia segmentar; - Nefrectomia direita; - Suprarrenalectomia direita; - Cicatrizes na cabeça, peito, braços e pernas.

69° - Das lesões sofridas resultou para o AA um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 41 pontos.

70° - Até à data do sinistro AA era jovem, robusto, saudável e gozava de perfeita saúde.

71° - Era dinâmico e muito trabalhador.

78° - AA apresenta entre outros sintomas, humor triste depressivo, lentificação psicomotora, anedonia, sentimentos de insegurança e desânimo (com perda da auto-estima), ansiedade e angústia, cefaleias e tonturas, intolerância ao ruído, irritabilidade fácil, dificuldades de concentração, prejuízos mnésicos.

79° - Sofre de alteração do padrão normal do sono.

80° - Desde a data do acidente que teve necessidade de recorrer a assistência psiquiátrica, tomando regularmente ansiolíticos e antidepressivos.

81° - No futuro e até à sua morte AA terá de seguir uma dieta alimentar rigorosa devido aos problemas intestinais, digestivos e sanguíneos inerentes à amputação dos respetivos órgãos (baço, rim, excisão do pâncreas, etc).

83° - Em 28/6/2007 AA foi internado na Casa de Saúde de … onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para extração do material de osteossíntese (cavilha do fémur direito).

84° - Teve alta nesse dia, medicado, com indicação para realizar pensos de três em três dias, retirar agrafos passados  catorze dias e com marcação de consulta de ortopedia para 19/7/2007.

106° - As cirurgias e tratamentos a que foi submetido foram dolorosos, sendo o respectivo quantum doloris fixável em 6/7.

107° - Devido às cicatrizes que para si resultaram das lesões, sente vergonha em ir à praia ou usar roupas de verão, padecendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7.

108° - Inibe-se de exibir o corpo.

109° - O que lhe prejudica o contacto social e afetivo.

110° - Antes do sinistro Pedro Ribeiro gostava de se divertir, dançando nas discotecas, bailes e festas populares.

111° - Praticava futebol e ciclismo.

112° - Atividades que, em virtude das sequelas resultantes do sinistro, se vê impossibilitado de praticar.

113° - O que lhe provoca grande sofrimento, angústia e desespero.

É o seguinte o teor do acórdão recorrido:

Quanto aos danos não patrimoniais sofridos por este autor, também eles são de monta e muito graves, como bem resulta dos factos provados, pelo que a sua reparação não só é devida como carece de ser significativa, para de algum modo compensar este autor das dores, padecimentos, intraquilidade e angústia que necessariamente sofreu, além de todo o seu necessário padecimento futuro.

Ora, o montante fixado na sentença de 100 mH euros também não se mostra exagerado, muito pelo contrário, pelo que se justifica a sua manutenção.

Escreveu-se, a este propósito, na sentença (com o que se concorda):

"No tocante a danos morais complementares, volvendo uma vez mais a nossa atenção para o caso concreto, a este respeito provou-se que:

-Esteve 92 dias internado ((21/8 a 1/11/2004, 19/1 a 30/1/2006 e 6 a 13/7/2006). -Até à data do sinistro AA era jovem, robusto, saudável e gomava de perfeita saúde. -Era dinâmico e muito trabalhador.

- AA apresenta entre outros sintomas, humor triste depressivo, lentificação psicomotora, anedonia, sentimentos de insegurança e desânimo (com perda da auto-estima), ansiedade e angústia, cefaleias e tonturas, intolerância ao ruído, irritabilidade fácil, dificuldades de concentração, prejuízos mnésicos. -Sofre de alteração do padrão normal do sono.

-Desde a data do acidente que teve necessidade de recorrer a assistência psiquiátrica, tomando regularmente ansiolíticos e anti-depressivos.

-No futuro e até à sua morte AA terá de seguir uma dieta alimentar rigorosa devido aos problemas intestinais, digestivos e sanguíneos inerentes à amputação dos respectivos órgãos (baço, rim, excisão do pâncreas, etc).

- As cirurgias e tratamentos a que foi submetido foram dolorosos, sendo o respetivo quantum doloris fixável em 6/7.

- Devido às cicatrizes que para si resultaram das lesões, sente vergonha em ir à praia ou usar roupas de verão, padecendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7.

- Inibe-se de exibir o corpo.

- O que lhe prejudica o contacto social e afetivo.

Mais se provou que:

-Antes do sinistro AA gostava de se divertir, dançando nas discotecas, bailes e jestas populares.

-Praticava futebol e ciclismo.

- Atividades que, em virtude das sequelas resultantes do sinistro, se vê impossibilitado de praticar.

- O que lhe provoca grande sofrimento, angústia e desespero.

Além do sofrimento já emergente do período até à alta clínica e dos padecimentos que resultam das intervenções a que foi sujeito, o estado em que veio a encontrar-se após o acidente e dano estético configuram danos não patrimoniais tendo-se como equitativa a correspondente indemnização no montante de 100.000€.".

Foi feita prova de danos não patrimoniais de elevada gravidade. Tendo em conta que, como se declarou supra, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade^ o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações\ sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto, refiram-se as seguintes decisões deste Supremo Tribunal:

-  Fixou-se em € 100.000 a indemnização por dano não patrimonial em que a vítima: sofreu lesões que implicaram mais de 17 intervenções cirúrgicas, com internamentos sucessivos; sofreu dano estético relevante; ficou com necessidade da ajuda de canadianas para as deslocações; ficou com um encurtamento de uma perna; ficou psicológica e psiquiatricamente afectada de forma grave face às dores sentidas; com alteração da sua vida nas vertentes profissional, social, pessoal e familiar, receio de amputação da perna, perda da esperança de voltar a andar normalmente (malefícios estes que lhe determinaram ao nível das sequelas psiquiátricas uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos); sofreu por quase três anos de ITT; ficou afectada de uma IPP de 49 pontos; ficou necessitada do auxílio de 3.a pessoa para algumas actividades do seu dia-a-dia, para o resto da sua vida; ficou afectada de anquilose a nível do joelho esquerdo, anquilose no tornozelo em flexão plantar, ausência de extensão e eversão activas no pé esquerdo (acórdão de 19/01/2016, proc. n.° 3265/08.6TJVNF.G1.S1), in www.dgsi.pt;

-  Fixou-se em € 100.000 a indemnização por danos não patrimoniais(correspondendo a responsabilidade da seguradora ré, atenta a proporção de 60%, a € 60 000) sofridos pelo lesado que: tinha 19 anos de idade à data do acidente; em consequência deste sofre de uma incapacidade permanente geral de 46%; à data do acidente, praticava mergulho, karaté, futebol, basquetebol, andebol, voleibol e atletismo, sendo federado nos dois primeiros desportos; deixou de poder praticar qualquer desporto; se viu definitivamente impossibilitado de seguir a sua vocação profissional (professor de Educação Física); só consegue movimentar-se com o auxílio permanente de uma muleta; teve de direccionar a sua vida profissional para uma actividade em que não utilize os membros inferiores; foi submetido a 23 intervenções cirúrgicas, sendo o quantum doloris fixável no grau 7 numa escala de 1 a 7; sente-se diminuído fisicamente dado que o seu membro direito ficou, grave e permanentemente, desfigurado, sendo o dano estético fixável no grau 5 numa escala de 1 a 7, e o prejuízo de afirmação pessoal no grau 4 numa escala de 1 a 5 (acórdão de 21/01/2016, proc. n.° 2949/08.3TBLRA.C1.S1), consultável na base de sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt;

-  Fixou-se em € 95 000 a indemnização por danos não patrimoniais de lesado, que: à data do acidente, tinha 31 anos de idade; ficou com uma incapacidade permanente geral de 27% e profissional de 33,219%; sofreu sequelas no pé, com tendência de agravamento ao longo do tempo e a necessidade de tratamento durante toda a vida; esteve mais de dois anos em tratamentos; sofreu 908 dias de incapacidade temporária e várias cirurgias; teve medo que lhe amputassem o pé; apresenta um dano estético de grau 5 em 7 e um quantum doloris de grau 5 em 7; deixou de praticar desporto, conforme estava habituado, com prejuízo de afirmação pessoal; foi obrigado a rejeitar duas propostas de emprego, o que lhe causou desgosto e tristeza, afectando a sua auto-estima e projectos de vida; ao longo de toda a vida, terá de fazer tratamentos medicamentosos analgésicos para as dores e fisioterapia (acórdão de 26/05/2015, proc. n.° 1/12.6TBVLN.G1.S1), consultável na base de sumários da jurisprudência cível, in www.stj.pt.

Considerando-se que os pressupostos, dentro dos quais se situou o juízo equitativo da Relação de atribuição de compensação pelos danos não patrimoniais do A. AA, são adequados e correspondem à orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal, decide-se pela manutenção do montante indemnizatório de € 100.000.


9. Quanto à fixação da indemnização a atribuir ao A. BB, alega a Recorrente GG Seguros, em síntese, o seguinte:

- A indemnização de € 80.000 pela perda do direito à vida da sua mãe, II, é excessiva, tendo em conta que a vítima se colocou numa situação de perigo ao aceitar ser transportada por condutor com taxa de alcoolémia superior à legal, devendo ser reduzida para € 50.000;

- A indemnização de € 25.000 por danos não patrimoniais próprios do A. é também excessiva, devendo ser reduzida para € 20.000.

Vejamos em que termos decidiu o acórdão recorrido: Passando ao autor BB, enquanto herdeiro da falecida II, a Recorrente discorda do montante de € 80.000,00 atribuído pelo chamado 'direito ã vida' (da mãe), pugnando pela sua redução para 50 mil euros; e bem assim pela redução do montante de danos não patrimoniais sofridos pelo próprio autor, valor este que pretende que seja também reduzido para 12.500 euros. A este respeito escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: "Quanto aos danos sofridos pelo autor BB:

O autor BB invoca a morte da mãe de 19 anos em consequência do acidente e pede € 60.000 pela perda do direito à vida, € 10.000 pelo sofrimento daquela atites de morrer e €25.000 a título de danos morais por si sofridos em virtude da perda da mãe.

(...)

Quanto aos danos não patrimoniais:

O art.º 496.°, n.° 1 C. Civ. manda atender, na fixação da indemnização, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Nos termos do n.º 2, por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto e nomeadamente, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, sendo o montante da indemnização fixada equitativamente pelo tribunal, atendendo-se ainda, em caso de morte, aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e ainda aos sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do n.°2.


Quanto ao dano pela perda do direito à vida:

Sublinha-se que o dano de morte não deve ser objeto de um critério miserabilista para efeitos da equitativa condenação (Rh, 15-12-94, CJ, V, 135, cit. in Dano Corporal em Acidentes de Viação, ].]. Sousa Dinis, CSTJ, 1997.1,p. 11 ess).

No caso concreto, tendo em vista que a vítima faleceu com apenas 19 anos de idade, considera-se justo fixar o montante da indemnização pela perda do direito à vida em 80.000 euros.

Quanto ao dano sofrido pelo autor com a morte da vitima:

Não pode este ser superior ao dano correspondente à perda da vida. Por outro lado, atendendo-se ao grau de parentesco, sendo que nada mais se provou quanto ao relacionamento da vítima com a mãe, entende-se como justo fixar o montante da indemnização em 25.000 euros.

Com base no regime do art. 496°, n° 2, do CC - e não no regime de direito sucessório - a jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal admite a atribuição de compensação pecuniária tanto pela perda do direito à vida, como pelo sofrimento próprio dos parentes indicados naquele preceito, causado pela morte da vítima directa.

Relativamente aos parâmetros indemnizatórios seguidos quanto à perda do direito à vida (ou dano morte), socorremo-nos da breve síntese explanada no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/11/2016 (proc. n° 6/15.5T8VFR.P1.S1), in www.dgsi.pt:

"A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente a este tipo de dano, mas verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em www.dgsi.pt, onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, fixando a indemnização pelo dano morte entre € 40 000,00/8.000.000$00 e € 50 000,00/10.000.000100.

Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50 000,00 e € 80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.0TBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.)."

Situando-se dentro destes parâmetros o montante indemnizatório fixado pelo acórdão recorrido (€ 80.000) pela perda do direito à vida, não merece censura a decisão.

Também o montante indemnizatório (€ 25.000) fixado para os danos não patrimoniais sofridos pelo A. BB, por morte da mãe, segue os parâmetros adoptados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal relativamente ao mesmo grau de parentesco (cfr. os acórdãos de 29/04/2014, (proc. n.° 106/12.3TBVZ.L1.S1), de 21/04/2015 (proc. n.° 184/2000.CB.S1), de 09/07/2015 (proc. n.° 1647/13.0TBBRG.G1.S1), consultáveis na base de dados da jurisprudência cível, in www.stj.pt; e de 26/11/2015 (proa n.° 598/04.4TBCBT.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt

Assinale-se que, diversamente do que invoca a Recorrente, não pode ser equacionada a alegada culpa da falecida II por, eventualmente, ter aceite ser transportada por condutor com taxa de alcoolémia superior à legal, na medida em que não foi provado o nexo de causalidade entre este factor e o acidente e/ou os danos.

Estando respeitado o limite global do pedido de indemnização, conclui-se pela manutenção da indemnização por danos não patrimoniais do A. BB


10. Quanto à reparação dos danos de EE, alega a Recorrente GG Seguros, em síntese, o seguinte:

- A indemnização de € 6.000 por "dano biológico"/perda da capacidade de ganho é excessiva, uma vez que a taxa de incapacidade geral foi fixada apenas em 2 pontos, pelo que a indemnização deve ser reduzida para € 2.000;

- A compensação por danos não patrimoniais fixada em € 25.000 é excessiva, tendo em conta que a vítima se colocou numa situação de perigo, ao aceitar ser transportada por condutor com taxa de alcoolémia superior à legal, devendo ser reduzida para quantia não superior a € 5.000.

Esclareça-se que, ao montante indemnizatório de € 31.000, a sentença adicionou a condenação no pagamento de € 530, correspondente ao custo de "acompanhamento de terceira pessoa" durante um mês, que transitou em julgado.

Para podermos apreciar devidamente a decisão da Relação nesta matéria, torna-se necessário ter em conta a passagem do acórdão recorrido em que transcreve a fundamentação da sentença, declarando aderir à mesma:

Da sentença:

"No caso concreto, também no que à autora EE respeita, não podem enquadrar-se as perdas da autora no campo patrimonial da perda de capacidade de ganho, ou dano futuro. Conforme resulta da prova produzida em consequência das lesões que sofreu em consequência do acidente, o autor tem sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam esforços complementares. Ou seja, da matéria de facto dada como provada não resulta que a Autora se encontre impossibilitada de exercer a sua atividade profissional, mas tão só, uma acrescida dificuldade na sua realização.

No caso e no que ao mesmo respeita apurou-se que:

-  Antes do acidente, a A. tinha uma vida ativa, enérgica, alegre, comunicativa, desfrutando de uma imagem de jovem saudável e escorreita.

Por causa do acidente a A. passou a ter falta de concentração, desmotivação, apatia e falta de investimento nas tarefas propostas, assim como no investimento escolar, embora tenha capacidades cognitivas que permitem obter melhor desempenho.

-   E passou a encontrar-se muito fragilizada e debilitada a nível emocional, tendo que interromper frequentemente as tarefas propostas e prejudicando o seu desempenho, não tendo conseguido transitar para o 11° ano por falta de aproveitamento escolar, sendo que teve de repetir o 10" ano, nos anos letivos sucessivos.

-   A A. ficou com sequelas anátomo — funcionais que se traduzem num défice funcional da integridade fisicopsíquica fixável em 2 pontos.

Também a A. EE sofreu e irá sofrer até ao resto dos seus dias um dano biológico permanente.

Face a tudo o exposto, considerando o que ficou provado e supra resumidamente descrito o nível de IPP em causa, a idade da autora à data do acidente — 15 anos -, a esperança média de vida (e não o período de vida profissional ativa do lesado) que é de 76,91 anos para o sexo masculino e de 82,79 anos para o sexo feminino, as limitações que acarretam para o seu dia-a-dia as referidas deficiências funcionais -tendo em vista os valores que vêm sendo atribuídos em circunstâncias semelhantes pelos nossos tribunais superiores e, ainda, ao que resultam da aplicação dos critérios contidos na Portaria n° 377/2008, de 26 de Maio, com as atualizações introduzidas pela Portaria n° 679/20097, de 25 de Junho (sem esquecer que as mesmas servirão como meras tabelas orientadoras e que a concretização da indemnização é feita com recurso à equidade), entendo que se mostra conforme à equidade atribuir a quantia de 6.000,00€ como compensação por estes danos não patrimoniais.

De notar que pela aplicação das fórmulas acima enunciadas, efetuados os cálculos, com os mesmos pressupostos, chegaríamos a uma indemnização, a este título, no valor de €3,247,08.

Além disso provou-se que:

- Durante os períodos de internamento, num total de 30 dias, a A. permaneceu em imobilismo e dependência de terceiros com padecimento físico e também angústia.

- Tudo com desgosto e inibição física, com redução do seu dinamismo físico e vida de relação social, que lhe retiram alegria de viver.

- Entre a data do acidente e a data da consolidação das lesões sofreu dores e angústias num grau 5/7.

- Da situação descrita supra, o que antes do acidente não se verificava, resultaram para a autora sequelas, designadamente as cicatrizes supra referidas.

- O que obriga a A. a claudicar/ coxear, bem como a amparar-se, por exemplo, junto de outra pessoa ou a usar uma bengala/ canadiana, enquanto caminha.

- Por isso, a A. passou, ao contrário do que acontecia antes do acidente, e por causa deste, a apresentar problemas de auto-estima e de autoconfiança, relacionados com a própria imagem, pelo facto de apresentar as referidas cicatrizes, num grau 3/7.

- Após o acidente e por causa direta e necessária deste, a A. passou a apresentar sequelas ao nível do seu comportamento, os quais se refletem na sua imagem.

Tais dores e o estado em que veio a encontrar-se após o acidente e dano estético configuram danos não patrimoniais tendo-se como equitativa a correspondente indemnização no montante de 25.000€.".

Do Acórdão da Relação:

Ora, também neste particular aspecto temos de concordar com a tese expressa na sentença, uma vez que esta autora sofreu várias lesões corporais, que originaram o seu internamento e tratamento hospitalar, tendo até tido necessidade de adquirir um par de canadianas, daí lhe tendo resultado sequelas que se traduzem numa ipp de 2%, além de ter sofrido dores e angústias, com sequelas físicas notórias - pontos 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26°, 27°, 28°, 29°, 31°, 40°, 44°, 45°, 46° e 47° -, donde se poder e dever concluir que também deve ser indemnizada a título de danos patrimoniais fututos (ou dano biológico) e a título de danos não patrimoniais, sendo que se mostram equilibrados e equitativos os montantes atribuídos, nada justificando a sua pretendida redução."

Da sentença resulta que a indemnização por danos não patrimoniais foi atribuída em duas parcelas, uma de € 6.000 pelas consequências não patrimoniais do dano biológico e outra de € 25.000 pelo quantum doloris e pelo dano estético, perfazendo o total de € 31.000 (a que se junta a condenação ao pagamento de € 530, correspondente ao custo de "acompanhamento de terceira pessoa" durante um mês, que transitou em julgado). Do acórdão da Relação resulta que se confirmaram as duas parcelas indemnizatórias, mas qualificando a primeira como reparação de danos patrimoniais futuros (ou "dano biológico"). Dada a juventude da lesada EE (15 anos) e o facto de a sua incapacidade geral ser, apesar de tudo, limitada (2 pontos), admite-se não ser líquido se as consequências previsíveis dessa incapacidade são apenas de natureza não patrimonial ou também de natureza patrimonial (perda de capacidade de ganho). Seja como for, terá de ser atribuída indemnização.

Não pode ser aqui ponderada a alegada culpa da A. EE por, eventualmente, ter aceite ser transportada por condutor com taxa de alcoolémia superior à legal, na medida em que não foi provado o nexo de causalidade entre este factor e o acidente e/ou o agravamento dos danos.

Assim, entende-se que os pressupostos do acórdão recorrido quanto à fixação das duas parcelas indemnizatórias se afiguram justos e adequados pelo que o montante indemnizatório de €31.000 deve ser mantido (juntando-se a condenação ao pagamento de € 530, correspondente ao custo de "acompanhamento de terceira pessoa" durante um mês, que transitou em julgado).


11. A finalizar, considere-se ainda a pretensão da Recorrente relativa à não cobertura pelo seguro dos danos decorrentes de lesões materiais sofridas pelos três AA. lesados, ao abrigo do art. 7o, n° 2, alínea f), do Decreto-Lei n° 522/85, de 31 de Agosto, na redacção vigente à data do sinistro, considerando que a sobrelotação do veículo IV no qual eram transportadas constitui uma contravenção estradal.

Nem das conclusões nem do texto das alegações recursórias resulta claramente quais são os montantes indemnizatório s fixados/confirmados pelo acórdão recorrido que a Recorrente pretende impugnar. Entende-se, porém, que, independentemente do seu objecto, tal pretensão não pode proceder, uma vez que não foi dado como provado o nexo causal entre a sobrelotação do veículo IV e o acidente (factos 30 dos factos não provados) e/ou os danos (facto 150 dos factos não provados).


12. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso da R. FF e em julgar parcialmente procedente o recurso da R. GG Seguros, mantendo as condenações em regime de solidariedade, constantes do acórdão recorrido, mas fixando a proporção de culpa na eclosão do acidente e respectivos danos em 15% para o condutor do veículo IV (seguro na R. GG) e 85% para o condutor do veículo AO (seguro na R. FF).

Mantém-se o mais decidido no acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente, no recurso da R. FF, e na proporção do vencido no recurso da R. GG Seguros, sendo as custas nas instâncias na proporção do vencido.

Lisboa,  16 de Março de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo