Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
688/18.6T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto impugnada.

II. É definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, sobre a prova sujeita à livre apreciação, como é o caso da prova testemunhal.

III. Está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC.

IV. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

V. Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, quando o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, como o presente, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais nos termos referidos.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 688/18.6T8PVZ.P1.S1[1]

*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:




I. Relatório


AA. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Liberty Seguros, S.A., actualmente denominada Liberty Seguros, Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 54.218,99 €, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, no dia 11/8/2017, pelas 14,30 horas, na Estrada …, na ……, ocorreu um acidente em que foram intervenientes o ciclomotor com a matrícula…-HU-…, a si pertencente e por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros de marca ….., com a matrícula …-ER-…., pertencente a BB., segurado na ré e conduzido por CC., por culpa exclusiva desta.

Em consequência desse acidente, sofreu lesões físicas e materiais, que lhe provocaram danos que quer ver indemnizados assim discriminados: 609,61 € pela reparação do ciclomotor,  309,00 € pela reparação/substituição de roupa e objetos que trazia consigo (139,00 € por um par de óculos, 50,00 € pelo ecrã de um telemóvel, 30,00 € pelos sapatos, 15,00 € pela blusa, 15,00 € pelas calças, 10,00 € pela bolsa e 50,00 € pelo capacete), 197,15 € por gastos com a alimentação que não teria suportado sem o acidente, 95,00 € por gastos a mais com transporte, 8,23 € com a compra de medicamentos, 35.000,00 € pelo dano biológico e 18.000,00 € a título de compensação pelos danos não patrimoniais.

A ré contestou, negando qualquer responsabilidade do seu segurado na ocorrência do acidente, imputando-a à autora, e impugnando os danos, por desconhecimento, concluindo pela improcedência da acção.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, onde a acção foi julgada totalmente improcedente com a consequente absolvição da ré do pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação ….. apreciou e decidiu, julgando-o parcialmente procedente, tendo, em consequência, condenado a ré a pagar à autora a quantia de 22.767,44 €, acrescida de juros à taxa de 4% sobre:

. 13.000,00 € a contar de 16/04/2020;

. 9.767,44 € a contar da data da citação da ré.


Não conformada, agora, a ré interpôs recurso de revista e apresentou as correspondentes alegações com as seguintes conclusões:

 “1.ª - O M.º Juiz em 1.ª Instância formou livremente a sua convicção, à luz dos critérios legais pertinentes, atribuindo a devida valoração aos documentos constantes dos autos, e aos depoimentos testemunhais produzidos em audiência de discussão e julgamento.

2.ª - O douto acórdão recorrido, procurando fundamentar as alterações que inseriu na factualidade apurada, invoca o depoimento de determinadas testemunhas, que apelida de “alheias” ao acidente sustentando que tais depoimentos devem ser prevalentes em relação, no que aqui interessa, ao depoimento da condutora do veículo seguro na recorrente indo mais além ao dizer que depoimentos como o desta última “devem ser inspiradores de maior cuidado e ponderação pois pode existir, desde logo, a procura de desresponsabilização.”.

3.ª - Ao invés disso, torna-se evidente que a factualidade que o Tribunal em 1.ª Instância dera como provada em todos os pontos da matéria de facto respeita “religiosamente” as provas produzidas em audiência, mormente a testemunhal e documental.

4.ª - Para aquilatar da credibilidade e força probatória dos depoimentos testemunhais, não basta ouvir as respectivas gravações ou ler a sua transcrição, tornando-se imprescindível verificar a maior ou menor segurança com que esse depoimentos são prestadas, a motivação, as contradições, a razão de ciência, as reacções dos depoentes, etc..

5.ª - Nestas circunstâncias, não existem motivos válidos que possam justificar qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, a qual deverá ser revertida, repondo-se a totalidade da factualidade que havia sido dada por provada em primeira instância.

6.ª - Caso assim suceda, como se espera, resultará evidente que a culpa no acidente será de imputar, em exclusivo, à aqui recorrida, o que implica a improcedência da acção.

        Sem prescindir,

7.ª - É manifestamente excessiva a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo (9.000,00 €) para ressarcimento do dano consubstanciado no défice funcional permanente (IPG) que afeta a Autora.

8.ª - Não se demonstrou que o défice funcional permanente de que padece a recorrida se reflita numa efetiva perda ou diminuição dos seus rendimentos laborais, na mesma proporção da incapacidade, pelo que a mesma não terá direito a ser indemnizada por perda de rendimentos do trabalho – que não existe – assistindo-lhe, isso sim, o direito a ser ressarcida pela maior penosidade e esforço acrescido que terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos resultados.

9.ª - Não se demonstrando que o défice funcional permanente de que padece se reflita numa efetiva perda ou diminuição dos seus rendimentos laborais, na mesma proporção da incapacidade, o dano em apreço deverá ser encarado como “dano biológico”, na vertente não patrimonial.

10.ª - Haverá que ressarcir não uma perda de rendimentos – que não existe – mas sim a maior penosidade e esforço acrescido que a Autora terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos patamares.

11.ª - A indemnização atinente à incapacidade ou défice parcial permanente que afeta a Autora, de 5 pontos, enquanto dano biológico de cariz não patrimonial, deverá situar-se em montante próximo dos 5.000,00 €, mas nunca superior, devendo tal montante ser incluído no valor do dano não patrimonial global.

12.ª - Caso venha a entender-se que “dano biológico”, mesmo não implicando qualquer perda efetiva de rendimentos, deverá ser qualificado como de tipo patrimonial, havendo que levar em conta no cálculo da correspondente indemnização o rendimento salarial, haverá então que encontrar um capital produtor dos rendimentos perdidos, que se extinga no final do período em que, previsivelmente, esses rendimentos seriam obtidos.

13.ª - Será, se assim suceder, pertinente recorrer, como mero auxiliar de cálculo, às conhecidas fórmulas matemáticas utilizadas no cômputo das indemnizações.

14.ª - Nesse cálculo haverá que ponderar vários fatores, tais como a idade da vítima, a retribuição líquida auferida, a incapacidade provada e o período previsível duração da vida ativa.

15.ª - Fazendo-se as contas através do uso da conhecidas tabelas financeiras, tendo em consideração a idade do autor à data do acidente (55 anos), o valor do salário mínimo nacional à data (557,00 €), o défice funcional permanente 5 pontos e o tempo previsível da vida ativa restante (cerca de 15 anos) atingimos um montante na casa dos 4.000,00 €.

16.ª - Todavia, torna-se imperioso corrigir e temperar o resultado assim obtido à luz das regras da equidade, havendo, entre o mais, que ter presente que ao valor obtido sempre haverá que deduzir o benefício decorrente da antecipação do recebimento do capital indemnizatório, que é pago de uma só vez, o qual será adequado fixar em cerca de 1.000,00 €.

17.ª - De modo que, caso se entenda qualificar o “dano biológico” como dano de natureza patrimonial, indexado à (teórica e ficcionada) perda de rendimentos salariais, a justa indemnização por esse dano não deverá exceder os 3.000,00 €.

18.ª - O montante de 13.000,00 €, que o Tribunal a quo entendeu atribuir como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, afigura-se manifestamente excessivo.

19.ª - Com efeito, apesar de se reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pela Autora são relevantes e dignos de uma compensação pecuniária expressiva, entende a ora recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título é desajustado, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em caso análogos.

20.ª - Os nossos Tribunais Superiores, em casos substancialmente mis graves do que o presente, veem atribuindo montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais muito inferiores àquele que aqui fixado pelo Tribunal a quo.

21.ª - Na ausência de critérios matemáticos auxiliares, a indemnização dos danos não patrimoniais deverá ser calculada com base em critérios de equidade e atendendo a uma série de fatores tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano.

22.ª - Considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 6.850,00 €, sob pena de não se coadunar à gravidade e extensão dos danos morais sofridos.

23.ª - Tal quantia traduz já de forma muito expressiva a gravidade das lesões e sequelas da recorrida, nela se incluindo a indemnização devida pelo “dano biológico” da natureza não patrimonial.

24.ª - O douto acórdão recorrido violou, entre outras normas, os artºs 465.º, 483.º, 495.º, n.º 1, 562.º, 564.º 2 566.º. todos co Código Civil.

Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, revogando o douto acórdão recorrido em conformidade com o exposto ou seja:

a) Revertendo a decisão no que respeita à alteração da matéria de facto, repristinando a que havia sido dada por provada na 1.ª Instância e, em consequência, declarando a improcedência da ação.

Ou, quando assim não se entenda:

b) Determinando que o dano biológico correspondente ao défice funcional permanente deverá ser qualificado como dano de natureza não patrimonial e que a respetiva indenização deverá ser integrada na globalidade da compensação pelos danos não patrimoniais, e

c) Fixando em não mais do que 6.850,00 € a indemnização global correspondente aos danos não patrimoniais (incluindo o “dano biológico”),

V. Ex.as. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”


A autora contra-alegou pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.


O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator.


Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:

1. Se a recorrente pode obter a alteração da matéria de facto, por forma a ser reposta a matéria dada como provada pela 1.ª Instância, com a consequente improcedência da acção;

Subsidiariamente,

2. Se o montante indemnizatório fixado a título de dano biológico não está correcto;

3. E se está, ou não, correcta a compensação fixada a título de danos não patrimoniais.


II. Fundamentação


1. De facto

No acórdão recorrido, após reapreciação da prova e alteração de matéria de facto impugnada, foram dados como provados os seguintes factos (indicando-se aqui a negrito e itálico os que foram alterados pela Relação):

1. No dia 11 de agosto de 2017, pelas 14h30, a Autora conduzia o ciclomotor com a matrícula …-HU-…., a si pertencente, na Estrada ……. junto ao nº ……., ……, no sentido ….. na metade direita, próxima e em paralelo à berma.

2. No momento e local referidos em 1) o veículo ligeiro de passageiros marca …… com a matrícula …-ER-…. era conduzido por CC..

3. O veículo ligeiro pertencia a BB..

4. O veículo ligeiro circulava no sentido ……. sendo precedido pelo ciclomotor.

5. A condutora do veículo ligeiro iniciou a ultrapassagem do ciclomotor passando a circular à sua esquerda, sendo que no decurso dessa manobra o veículo …-UH-… embateu com a sua lateral direita na lateral esquerda do ciclomotor.

6. O veículo ligeiro, ao realizar a manobra referida em 5), embateu com a sua lateral direita na lateral esquerda do ciclomotor.

7. O ciclomotor deixou marcas no pavimento numa extensão de cerca de 11 metros.

8. Na sequência do embate referido em 6), a Autora perdeu o equilíbrio e caiu, o mesmo sucedendo ao ciclomotor.

9. O local referido em 1) é uma reta e a faixa de rodagem tem a largura de 7,30 metros.

10. O local referido em 1) apresentava muito boa visibilidade.

11. O piso estava seco e em bom estado de conservação.

12. No momento referido em 1) fazia bom tempo.

13. Os veículos circulavam a velocidade não concretamente apurada, mas não superior a 50 km/h.

14. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, o proprietário do veículo ligeiro transferira para a Ré a responsabilidade decorrente da sua circulação.

15. Por missiva datada de 30 de Agosto de 2017 a Ré comunicou a Autora que assumia 50% da responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do acidente justificando “os elementos de prova existentes no nosso processo não nos permitem concluir que algum dos condutores agiu com culpa bem que nenhum deles agiu sem culpa, pelo que, em caso de dúvida e de acordo com a legislação em vigor, fixamos em igual medida a contribuição da culpa de cada uma dos condutores”.

16. A Autora não aceitou.

17. Em consequência do acidente, a Autora sofreu vários ferimentos, tendo sido transportada de urgência para o Hospital ……, pelos Bombeiros ……..

18. A Autora sofreu escoriações no ombro, cotovelo, antebraço e mão esquerdos.

19. Após ter sido submetida a exames radiológicos foi-lhe diagnosticada fratura com desvio do rádio-distal esquerdo.

20. Devido à fratura referida em 19) a Autora foi submetida a tratamento que consistiu em manipulação e colocação de imobilização gessada com tala de três apoios e suspensão braquial.

21. Em 1 de Setembro de 2017 a Autora deslocou-se à urgência do Centro Hospitalar …, EPE com queixas de dorso-lombalgias persistentes e dores na mão direita.

22. Após a realização de raio-X foram diagnosticadas alterações osteoarticulares na região dorso-lombar.

23. A tala gessada foi retirada a 18 de Setembro.

24. A Autora despendeu € 8,23 na compra de medicamentos para tratamento às lesões sofridas.

25. Até 18 de Setembro de 2017 a Autora esteve impossibilitada de realizar as suas tarefas diárias, como cozinhar e limpar a casa, tendo recorrido ao auxílio de familiares para a execução dessas tarefas.

26. Não se encontrando totalmente recuperada após a retirada do gesso do braço esquerdo, o médico assistente da Autora aconselhou-a a submeter-se a tratamentos de fisioterapia tendo em vista a recuperação funcional do membro.

27. A Autora realizou tratamentos de fisioterapia entre 17 de Outubro de 2017 a 10 de Abril de 2018 num total de 73 sessões.

28. Manteve tratamento fisiátrico até 19 de Junho de 2018, data em que suspendeu informando que tinha sido por indicação do médico de família, tendo efetuado entre 11/04/2018 e aquela data mais quarenta e duas sessões.

29. Na data referida em 28) a Autora apresentava evolução moderadamente positiva relativamente às sequelas da fratura do rádio e cúbito, mantendo limitação articular de 70º na extensão e 20º na flexão e dor.

30. A Autora ficou a padecer a título de sequelas definitivas:

a) dorso-lombalgia residual intermitente à esquerda;

b) rigidez ligeira da metacarpofalângica do polegar direito;

c) limitação de mobilidade (rigidez) do punho esquerdo na extensão/dorsiflexão a 60º, na flexão palmar a 30º;

d) muito ligeiro défice de supinação do punho esquerdo, mantendo os desvios axiais conservados e simétricos.

31. As sequelas referidas em 30) b) a d) correspondem a défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatíveis com o exercício da atividade profissional mas a implicar esforços acrescidos no uso do membro inferior esquerdo.

31.1. A data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 19/06/2018.

31.2. O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 312 dias.

32. A Autora nasceu a … de Julho de 1962.

32.1. A Autora concluiu o ensino secundário com o nível 3 em …/04/2014.

33. A Autora queixa-se de:

a) ligeiro défice de força de preensão com a mão esquerdo, com dificuldades acrescidas na manipulação de objetos e nas tarefas resistidas;

b) dores no ombro esquerdo, na face externa do braço, no punho e nos quarto e quinto dedos, agravadas com os esforços manuais repetidos e nas mudanças de tempo;

c) não conseguir pegar em pesos superiores a 3 kg;

d) dificuldades em varrer, lavar louça, transportes de sacos de compras

34. A Autora não voltou a conduzir o ciclomotor.

35. As lesões e os tratamentos provocaram à Autora dores de grau 5 numa escala de 1 a 7.

35.1. A Autora sentiu preocupação, nervosismo e tristeza por causa da evolução da sua situação, pelas dificuldades que estão elencadas no facto 33) e tem esses sentimentos devido à sua atual diminuição de capacidade.

36. Desde o acidente a Autora passou a andar a pé e a recorrer a transportes público, mais precisamente a autocarro, para efetuar todas as deslocações que se mostrem necessárias, designadamente, para consultas e tratamentos.

37. Por via do referido em 36) a Autora teve despesas de 141,50 EUR até 15/03/2018.

38. A Autora despendia quantidade não concretamente apurada de gasolina para efetuar todas as deslocações normais no ciclomotor.

39. A Autora passou a estar sujeita aos horários e locais de paragem dos transportes públicos.

40. À data do acidente a Autora encontrava-se desempregada após encerramento da fábrica têxtil onde exercia a sua atividade profissional, estando-lhe atribuído rendimento social de inserção.

41. Devido ao acidente, os óculos que a Autora usava ficaram partidos, a roupa ficou rasgada, a bolsa, os sapatos, o ecrã do telemóvel e o capacete ficaram riscados.

42. Os óculos haviam custado € 139 em Fevereiro de 2017.

43. Os restantes objetos referidos em 40) tinham valor não concretamente apurado.

44. Em consequência do acidente, o ciclomotor ciclomotor sofreu danos avaliados por perito na Ré e cujo custo de reparação, incluindo peças a substituir, material de pintura e mão de obra, foi contabilizado em € 503,50, sem IVA.


2. De direito


2.1. Da alteração/correcção da matéria de facto

A recorrente insurge-se contra a alteração da matéria de facto pela Relação, por entender que esta não podia proceder a ela, em virtude de não ter assistido à produção da prova testemunhal, sustentando que, por força da imediação, deve ser mantida a matéria de facto tal como foi dada como provada e não provada pela 1.ª instância, sendo, nesse caso, de imputar a culpa exclusiva na ocorrência do acidente à autora/recorrida (cfr. conclusões 1.ª a 6.ª).

Porém, sem razão.

O Tribunal da Relação divergiu da 1.ª instância no que se refere à matéria de facto impugnada e à responsabilidade pela verificação do acidente, fazendo a alteração que entendeu necessária em face da prova produzida em audiência, nomeadamente a testemunhal, após audição dos depoimentos das testemunhas como fez constar da respectiva motivação.

A Relação procedeu a essa alteração no exercício dos seus poderes/deveres que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do CPC.

Trata-se de poderes que foram reforçados com a reforma do processo civil, operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil.

Como se lê na Exposição de Motivos subjacente à referida reforma, “(...) cuidou-se de reforçar os poderes da 2.ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios (...), são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.

É o que resulta do art.º 662.º do actual CPC, o qual representa uma “clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis”[3].

Em face do novo regime processual, não se suscitam quaisquer dúvidas de que o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607.º, n.º 5 do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto, à qual se aplica o regime previsto naquele preceito, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código [4].

Daí que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, compita ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos de prova que tenham sido produzidos nos autos e decidir, de acordo com a sua própria convicção, a matéria de facto impugnada em sede de recurso de apelação, assim assegurando o segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.

Ao Tribunal da Relação compete, pois, julgar de acordo com a sua íntima e livre convicção, fazendo o seu próprio juízo de valoração das provas e devendo “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (n.º 1 do citado art.º 662.º).

Os únicos limites à livre apreciação da prova constam do mesmo art.º 607.º, n.º 5, onde se prevê que ela não abrange “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

No presente caso, não estamos perante qualquer uma destas situações, acabadas de referir: os factos controvertidos não exigem ser provados por formalidade especial, nem estão plenamente provados por documentos, acordo ou confissão das partes.

Por isso, tais factos encontravam-se sujeitos à livre apreciação da prova pelo Tribunal da Relação, a quem competia julgá-los de acordo com a sua própria convicção e mediante a reapreciação da prova produzida, nomeadamente a que se encontra gravada. Nessa medida, o Tribunal a quo podia atribuir à prova produzida o valor probatório que entendesse, de acordo com a sua própria convicção e no âmbito da sua autonomia decisória.

Ao STJ está vedado proceder a qualquer correcção da matéria de facto, com base nos depoimentos produzidos.

Com efeito, como é por todos sabido, de acordo com o disposto no art.º 682.º, n.º 2, do CPC, no recurso de revista, o STJ não pode alterar a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo Tribunal recorrido, salvo no âmbito previsto no n.º 3 do artigo 674.º do mesmo diploma, isto é, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Como tribunal de revista, ao STJ compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias (n.º 1 do art.º 674.º do CPC), sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o STJ, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

Assim, a intervenção do STJ na decisão da matéria de facto está limitada aos casos previstos nos art.ºs 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 3, ambos do CPC, pelo que é definitivo o juízo formulado pelo tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do mesmo Código, sobre a prova sujeita a livre apreciação, como são os depoimentos de testemunhas, os documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais[5].

Não se tratando de nenhum caso de intervenção (excepcional), susceptível de ser incluído no âmbito previsto no n.º 3 do art.º 674.º do CPC, não pode ser alterada, aqui e agora, a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação, que sobre a mesma decidiu em definitivo.

Consequentemente, também não pode ser imputada a responsabilidade pelo acidente à autora/recorrida e a acção ser julgada improcedente, como pretende a recorrente, a qual faz depender tal desiderato da “reposição” da matéria de facto tal como decidira a 1.ª instância, o que, como vimos, lhe está vedado.

Improcedem, deste modo, estas questões suscitadas relativamente à matéria de facto.

2.2. Da correcção da quantia indemnizatória fixada a título de dano biológico

A Relação fixou a indemnização de 9.000,00 € a título de dano futuro pela diminuição de capacidades funcionais e maior esforço que ela implica, centrado no membro inferior esquerdo, mesmo que sem reflexos no exercício da sua actividade profissional habitual e sem perda de rendimentos do trabalho, considerando a idade de 55 anos à data do acidente, a esperança média de vida de 28 anos, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos e a retribuição mínima mensal de 557,00 €, em 2017.

A recorrente discorda sustentando que a indemnização fixada de 9.000,00 € é manifestamente excessiva e sustentando que não é devida indemnização pelo défice funcional permanente por não se reflectir numa efectiva perda ou diminuição dos rendimentos laborais da autora. Aceita, no entanto, que lhe assiste o direito de ser “ressarcida pela maior penosidade e esforço acrescido que terá de desenvolver na sua vida diária e profissional para atingir os mesmos resultados”, o que deve ser indemnizado como dano não patrimonial em montante próximo dos 5.000,00 €.

Subsidiariamente, para o caso de se entender que o dano biológico tem natureza patrimonial, a correspondente indemnização não deverá exceder 3.000,00 €, recorrendo às fórmulas matemáticas utilizadas no cômputo das indemnizações e ponderando os vários factores, nomeadamente a idade da autora à data do acidente (55 anos), o valor do salário mínimo nacional à data (557,00 €), o défice funcional permanente de 5 pontos e o tempo previsível de vida activa restante (15 anos), bem como o desconto de 1.000,00 € pela antecipação do recebimento do capital indemnizatório.

Não lhe assiste razão, tal como coloca a questão.

Do acórdão recorrido resulta que a indemnização foi fixada a título de dano patrimonial futuro pela diminuição de capacidades funcionais e maior esforço que ela implica, mesmo que sem reflexos no exercício da sua actividade profissional habitual e sem perda de rendimentos do trabalho, sendo o valor fixado com base na equidade, considerando a retribuição mínima mensal, a idade da autora, a esperança média de vida de 28 anos e o défice funcional permanente de 5 pontos.

A recorrente aceita estes factores com excepção da esperança média de vida, entendendo que deve ser considerado o tempo previsível de vida activa restante (15 anos) e discordando da qualificação como dano patrimonial.

Porém, a pretendida alteração de qualificação não faz sentido, uma vez que o dano futuro considerado tem a natureza de dano patrimonial, pois foi atendendo a factores dessa natureza que foi calculado e atribuída a respectiva indemnização. Acresce que o dano biológico tanto pode ter a natureza de dano patrimonial como de dano não patrimonial, dependendo dos factos em que o mesmo se traduz. O tempo de vida a considerar é o da esperança média de vida, que nesta altura, é de cerca de 83 anos para as mulheres, e não da vida activa. E o critério fundamental de fixação do valor das indemnizações por danos patrimoniais futuros, tal como por danos não patrimoniais, é a equidade (art.ºs 496.º, n.º 3, e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil).

É o que tem entendido este Supremo como se pode ver, entre outros, nos seguintes acórdãos assim sumariados na parte que aqui releva:

- acórdão 10-09-2019, revista n.º 16/13.7TVPRT.P1.S1 - 6.ª Secção[6]:

“I - O dano biológico tem por consequência uma perda ou diminuição da capacidade funcional geral do lesado que, embora sem uma correlativa redução da capacidade de exercício da sua actividade profissional e sem repercussão nos rendimentos que nesta aufere, vai exigir, como no caso da autora, um maior esforço ou penosidade no desempenho dessa actividade, esse dano deve ser qualificado e valorizado como dano patrimonial.

…” 

-  acórdão  de 23/5/2019, revista  n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção[7]:

“…V - Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução….”;

- acórdão de 29-10-2019, revista n.º 683/11.6TBPDL.L1.S2 - 6.ª Secção[8]:

“I - O chamado dano biológico ou corporal, enquanto lesão da saúde e da integridade psico-somática da pessoa imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual, traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais, não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária) ou enquanto dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insusceptível, em rigor, dessa avaliação pecuniária).

II - Na fixação dos valores de lucros cessantes, os montantes obtidos através da aplicação de processos objetivos assentes em fórmulas e tabelas matemáticas constituem auxiliar e indicador relevante para uma tradução do quantum indemnizatório, sem que tal obste nem de todo impeça o papel corrector e de adequação da ponderação judicial assente na equidade, perante a gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos, as circunstâncias específicas do facto e do agente e as variantes dinâmicas que escapam aos referidos cálculos objectivos.

III - A avaliação e quantificação do lucro cessante traduzido no dano biológico patrimonial implica não só atender às perdas salariais resultantes da interrupção de uma carreira profissional motivada pela incapacidade definitiva (resultante de acidente de viação) para o exercício da profissão, mas também reflectir, na indemnização arbitrada com recurso à equidade (art. 566.°, n.º 3, para fixar os danos no contexto de aplicação do art. 483.°, n.º 1, sempre do CC), a privação de oportunidades profissionais futuras por parte do lesado e o esforço acrescido de reconversão profissional que (nomeadamente se relevante) o grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional e económico-empresarial.”;

- acórdão de 16-03-2017, revista n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1 - 2.ª Secção[9]:

“(…)

IV - Estando em causa a fixação de indemnização pela perda de capacidade geral de ganho com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, não é aceitável convocar, como critério base, uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade permanente (total ou parcial) para o exercício da profissão habitual.

V - Nestes casos, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou complementar o resultado obtido pela aplicação daquelas fórmulas financeiras….

VI - A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho – antes da lesão –, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões fisicopsíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).

….” 

- acórdão de 25-05-2017, revista n.º 394/09.2TVPRT.P1.S1 - 2.ª Secção[10]:

“I - Os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, já que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. 

II - A este propósito podem projectar-se dois planos: (i) a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir; (ii) a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. 

III - A capacidade de ganho não pode ser olhada estritamente sob o ângulo de um fator económico produtivo, mas antes sob um prisma mais amplo que compreenda ainda o seu potencial de realização pessoal, na perspetiva de assegurar a dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1.º da CRP. 

IV - A perda dessa capacidade de ganho não se reduz a um custo económico estrito, mas representa um mais abrangente custo económico-social que postula a ponderação, segundo a equidade, dos meros cálculos financeiros. 

….”.

Conforme vem sendo reiteradamente sublinhado pelo STJ, e já o escrevemos, nomeadamente, no acórdão de 19/5/2020, processo n.º 376/15.5T8VFR.P1.S1[11], “o juízo de equidade de que se socorrem as instâncias, na fixação de indemnização, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (art.ºs 566.º, n.º 3, do CC, e 674.º, e 682.º, do CPC).

No que respeita ao dano biológico, na medida em que o mesmo afecta a integridade físico-psíquica do lesado, constituindo, em si, um dano real ou evento, dele pode derivar quer a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício da sua profissão habitual ou para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, quer a perda ou diminuição da sua capacidade para os gastos correntes do dia-a-dia.

Tratando-se de dano futuro deve o mesmo ser fixado por recurso à equidade, já que quer as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria 679/2009, de 25-06, quer as fórmulas matemáticas habitualmente utilizadas, não servem, por si só, para o respectivo cálculo, limitando-se a funcionar como critérios orientadores ou referenciais ou até como ponto de partida, devendo o resultado assim obtido ser corrigido em função do circunstancialismo de cada caso (art.ºs 564.º, e 566.º, n.º 3, do CC).”

O juízo de equidade de que se socorreu a Relação, porque assente na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, como tem vindo a sublinhar reiteradamente este STJ[12].

E, no caso, não se vislumbra ofensa na aplicação de critérios normativos, os quais, de resto, foram observados, nem o recurso à equidade abala a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.

Indicam-se aqui, a título de exemplo, alguns acórdãos proferidos pelo STJ em casos similares, isto é, em que foram atribuídas indemnizações a título de dano biológico decorrentes de défices funcionais permanentes da integridade físico-psíquica de baixo índice.

Assim:

- Incapacidade de 3 pontos, compatível com a actividade habitual, embora implicando esforços suplementares para o exercício da actividade profissional à data do embate, mas não já para o exercício da actual actividade, 19 anos de idade, indemnização de € 8 500,00 (Acórdão de 20-12-2017, Revista n.º 871/12.8TBPTL.G1.S1- 1.ª Secção, Roque Nogueira (Relator) Alexandre Reis Pedro Lima Gonçalves, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Civel_2017_12.pdf);

- Incapacidade de 5 pontos, com dificuldades acrescidas na realização de tarefas que impliquem esforço e força, 56 anos de idade, indemnização de € 10 000,00 (Acórdão de 27-04-2017 - Revista n.º 1343/13.9TJVNF.G1.S1 - 2.ª Secção - Tomé Gomes (Relator), Maria da Graça Trigo e João Bernardo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Civel_2017_04.pdf);

- Incapacidade de 2 pontos, 15 anos de idade, indemnização de € 6 000,00 (Acórdão de 16-03-2017 - Revista n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1 - 2.ª Secção - Maria da Graça Trigo (Relatora), Bettencourt de Faria e João Bernardo, disponível em www.dgsi.pt);

- Incapacidade de 7 pontos, sem afectação da capacidade e do exercício da actividade profissional habitual, 35 anos de idade, indemnização de € 10 000,00 (Acórdão de 06-10-2016, Revista n.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1 - 7.ª Secção, António Joaquim Piçarra (Relator) *, Fernanda Isabel Pereira, Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt);

- Incapacidade de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional, 32 anos de idade, indemnização de € 10.000,00 (Acórdão de 02-06-2016, Revista n.º 959/11.2TBSJM.P1.S1 - 7.ª Secção, António Joaquim Piçarra (Relator) *, Fernanda Isabel Pereira, Olindo Geraldes, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf);

- Incapacidade de 2 pontos, compatível com actividade profissional, embora com limitações, 25 anos de idade, indemnização de € 11.000,00 (Acórdão de 02-06-2016, Revista n.º 6244/13.8TBVNG.P1.S1 - 2.ª Secção, Álvaro Rodrigues (Relator), Bettencourt de Faria, João Bernardo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf);

- Incapacidade de 3 pontos, compatível com actividade habitual, com esforços suplementares, 42 anos de idade, indemnização de € 15.000,00 (Acórdão de 07-04-2016 - Revista n.º 121/12.7T2AND.P1.S1 - 2.ª Secção, Oliveira Vasconcelos (Relator), Fernando Bento e Távora Victor, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf);

- Incapacidade de 3 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, 28 anos de idade, indemnização de € 20.000,00 (Acórdão de 17-12-2015, Revista n.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1 - 7.ª Secção, Maria dos Prazeres Beleza (Relatora), Salazar Casanova, Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt);

- Incapacidade de 4 pontos, implicando esforços suplementares numa actividade normal, 10 anos de idade, indemnização de € 12.500,00 (Acórdão de 11-02-2015, Revista n.º 3329/09.9TBVLG.P1.S1 - 1.ª Secção, Martins de Sousa (Relator), Gabriel Catarino, Maria Clara Sottomayor, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2015.pdf).

Apesar de alguns valores fixados nos arestos acabados de mencionar se apresentarem superiores ao que foi fixado nestes autos, não podemos deixar de considerar que aqui o grau de incapacidade é apenas de 5 pontos, que a autora já tinha 55 anos de idade e que se encontrava desempregada à data do acidente, sendo que esta não recorreu para poder beneficiar de qualquer aumento. E os valores inferiores reportam-se a dois únicos casos em que o grau de incapacidade era inferior – de apenas 2 e 3 pontos!

Não há, pois, fundamento para ser alterado o montante indemnizatório fixado pela Relação a título de dano biológico.

Improcedem, ou são irrelevantes, por conseguinte, as conclusões 8.ª a 17.ª.

2.3. Da correcção do montante compensatório fixado a título de danos não patrimoniais

A Relação fixou o montante de 13.000,00 € como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora, considerando que:

“…. sofreu vários ferimentos - escoriações no ombro, cotovelo, antebraço e mão esquerdos, com fratura com desvio do rádio-distal esquerdo;

. devido a essa fratura foi-lhe colocada imobilização gessada que usou até 18/09, tendo estado até essa data impossibilitada de realizar as suas tarefas diárias, como cozinhar e limpar a casa, tendo recorrido ao auxílio de familiares para a execução dessas tarefas;

. em 01/09/2017 deslocou-se à urgência hospitalar com queixas de dorso-lombalgias persistentes e dores na mão direita, tendo sido diagnosticada alterações osteoarticulares na região dorso-lombar;

. teve de se submeter a diversos tratamentos de fisioterapia, em número superior a cem;

. ficou a padecer a título de dorso-lombalgia residual intermitente à esquerda, rigidez ligeira da metacarpofalângica do polegar direito, limitação de mobilidade (rigidez) do punho esquerdo na extensão/dorsiflexão a 60º, na flexão palmar a 30º, ligeiro défice de supinação do punho esquerdo, mantendo os desvios axiais conservados e simétricos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatíveis com o exercício da atividade profissional mas a implicar esforços acrescidos no uso do membro inferior esquerdo;

. queixa-se de dificuldades em atividades do quotidiano;

. as dores que sofreu com as lesões e tratamentos são avaliadas no grau cinco numa escala crescente até sete;

. sentiu preocupação, nervosismo e tristeza por causa da evolução da sua situação, pelas dificuldades que manifesta sentir e ainda assim se sente devido à sua atual diminuição de capacidade;

. a sua idade em que as mazelas de que padece poderão dificultar, com o avançar dos anos, a obtenção da melhor condição física possível.”

E teve, ainda, em consideração naquela fixação equitativa a prática jurisprudencial citando vários acórdãos, entre os quais o nosso já citado de 3/3/2020.

A recorrente entende que não deve exceder o montante de 6.850,00 €.

Mais uma vez sem razão.

No acórdão recorrido, depois de se reconhecer o direito à compensação por tais danos, por revestirem a gravidade suficiente para serem merecedores da tutela do direito, que a recorrente não nega, fixou aquele montante tendo em consideração as lesões sofridas, as dores por elas provocadas e pelos respectivos tratamentos, a incapacidade de que ficou a padecer, bem como a prática jurisprudencial.

Não há dúvida de que o montante da indemnização/compensação pelos danos não patrimoniais foi fixado com recurso à equidade, como manda o n.º 4 do art.º 496.º do Código Civil.

Neste caso, à semelhança do que se disse relativamente à indemnização pelo dano biológico, obedecendo a compensação pelos danos não patrimoniais a juízos de equidade, assentes numa ponderação casuística dos factos tidos por provados, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos, não cabe ao STJ a “determinação exacta do valor pecuniário a fixar por não se tratar, em rigor, de uma “questão de direito” mas tão somente da verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo formulado pelas instâncias”[13].

Por isso, conforme tem sido afirmado pelo STJ, e já se disse supra, “tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.”[14]

Tem sido esta a jurisprudência constante do STJ, desde há algum tempo, como se pode ver, ainda, no acórdão de 5/12/2017, revista n.º 1452/13.4TBAMT.P1.S1 - 1.ª Secção[15], referente à fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, transcrevendo-se, por ser ilustrativo do entendimento aqui sufragado, o trecho do seguinte sumário: (…)  “V - Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, se o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.”

Tendo em conta os factos supra enunciados, dados como provados, bem como os critérios ou padrões jurisprudenciais que vêm sendo seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos idênticos[16], crê-se, mais uma vez, que a indemnização de 13.000,00 €, fixada pela Relação, a título de danos não patrimoniais, não se afasta, de forma substancial, dos ditos padrões, sendo ao invés, consentânea com a gravidade dos danos e bem assim com a circunstância de a responsabilidade exclusiva da condutora do segurado da ré/recorrente, sendo ainda equilibrada face à situação económica modesta da autora, por contraposição à da demandada, pelo que, situando-se o juízo prudencial e casuístico que foi feito pelo tribunal recorrido dentro da margem de discricionariedade que lhe é legalmente consentida, por recurso à equidade, não se vislumbram razões para alterar o decidido.

Improcede, por conseguinte, também esta questão, a que se reportam as conclusões 18.ª a 23.ª, não se mostrando violadas as normas indicadas na conclusão 24.ª.

Nesta conformidade e pelas razões aduzidas, a revista improcede na totalidade.

Sumário:

I. O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto impugnada.

II. É definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, sobre a prova sujeita à livre apreciação, como é o caso da prova testemunhal.

III. Está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC.

IV. O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

V. Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, quando o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, como o presente, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais nos termos referidos.

               

III. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.


*


Custas pela ré/recorrente.

*


STJ, 26 de Janeiro de 2021


Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.           

Fernando Augusto Samões (Relator)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)     

     

__________

[1] Do Tribunal Judicial da Comarca do …… – Juízo Central Cível da …….. - Juiz ……..
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Cfr. Conselheiro Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, 2015, Almedina, pág. 287.
[4] Cfr., neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/5/2017, proferido no proc. n.º 4305/15.8T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt e os nossos acórdãos de 26/11/2019, processo n.º 18079/16.1 T8LSB.L1.S1 e de  13/10/2020, processo n.º 12521/14.3T8LIS.L1.S1, que aqui vimos seguindo, nesta parte.
[5] Cfr. Acórdão do STJ de 26/11/2019, Revista n.º 18079/16.1TBLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; nesta matéria, citando-se apenas as decisões mais recentes, vejam-se os Acórdãos do STJ de 15/1/2020, Revista n.º 1350/14.4TBBRR.L2.S1; de 4/2/2020, Revista n.º 3932/17.3T8BRG.G1.S1; de 5/2/2020, Revista n.º 13097/17.5T8LSB.L1.S1; de 11/2/2020, Revista n.º 5941/17.3T8CBR.C1.S1 e os nossos de 3/3/2020, processo n.º 3936/17.6T8PRT.P1.S1 e de 3/11/2020, processo n.º 2490/18.6T8PNF.P2.S1, todos publicados em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ. Neste sentido, e para maiores desenvolvimentos, vide ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2018, págs. 397 e segs..
[6] Pinto de Almeida (Relator), José Rainho e Graça Amaral
[7] Maria dos Prazeres Beleza (Relatora), Olindo Geraldes e Maria do Rosário Morgado
[8] Ricardo Costa (Relator) *, Assunção Raimundo  e Ana Paula Boularot, in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a820ab2b3565a5bb802584a30034f30a?OpenDocument.
[9] Maria da Graça Trigo (Relatora) *, Bettencourt de Faria e João Bernardo, in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6e25636fdcb50688802580eb0038ef50?OpenDocument
[10] Tomé Gomes (Relator), Maria da Graça Trigo e João Bernardo
[11] Disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ
[12] Cfr., entre outros, os acórdãos de 17/5/2018, revista n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1 - 7.ª Secção, de 23/5/2019, revista n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção e de 30/5/2019, revista n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1 - 2.ª Secção, todos disponíveis em www.dgsi.pt e o nosso já citado acórdão de 3/3/2020.
[13] Extracto do sumário do citado acórdão de 23/5/2019 e do nosso mencionado acórdão de 19 de Maio de 2020.
[14] Citado acórdão de 30/5/2019 e o nosso de 19/5/2020, também citado.
[15] Disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cfr. citado acórdão de 1/5/2018.