Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2261/17.7T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
NEXO DE CAUSALIDADE
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
BENEFICIÁRIOS
DUPLA CONFORME PARCIAL
PODERES DA RELAÇÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 06/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS EM PARTE AS REVISTAS PRINCIPAL E SUBORDINADAS E REJEITADAS EM PARTE AS REVISTAS SUBORDINADAS
Sumário :
I. De acordo com a posição jurisprudencial maioritária do STJ, “não obstante a decisão impor uma obrigação de indemnização com um montante global, os segmentos respeitantes às parcelas delimitadas ou delimitáveis da indemnização devem ser analisados separadamente para o efeito da dupla conforme”.

II. No caso de o peão, vítima de atropelamento, haver infringido apenas o art. 101.º, n.º 3, do Código da Estrada, diferentemente do condutor do veículo, que viola as normas dos arts. 24.º, n.º 1, e 25.º n.º 1, als. c) e e), do mesmo corpo de normas, não se justifica uma repartição igualitária de culpa.

II. A jurisprudência do STJ tem afirmado, de forma consolidada, que “a matéria respeitante ao nexo de causalidade adequada, como tal designada pela doutrina e tida como adotada no artigo 563.º do CC, envolve duas componentes: uma, de feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; outra, de alcance estritamente normativo, tendente a saber se esse facto, em abstrato, é causa adequada daquele resultado (…) Assim, enquanto que a componente naturalística, abarcando a fixação dos factos e a sua valoração probatória, escapa à sindicância do tribunal de revista, nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, já a vertente normativa é passível de apreciação por este tribunal”.

IV. Cabe nos poderes de cognição do STJ sindicar o modo como o TR usa (ou não usa) os poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º, n.º 2, do CPC.

V. Não havendo qualquer dúvida ou incerteza por parte do julgador, não se verifica qualquer violação do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC.

VI. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença”.

VI. Não se afasta que a expressão “em conjunto” (art. 496.º, n.º 2, do CC) possa permitir uma repartição do montante indemnizatório, entre os diversos membros de uma categoria de beneficiários, que não seja aritmeticamente igualitária, se os elementos probatórios o permitirem.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I – Relatório

1. AA, BB e CC intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca ….. - Juízo Central Cível ….., ação declarativa, sob a forma de processo comum, com base na responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia total de € 200.957,72, acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.

2. Para tanto alegaram, em síntese, que em virtude de acidente de viação – atropelamento - ocorrido a … de outubro de 2014, cerca das 19h35m, na Rua ….., em …. – ….., ocasionado por culpa única e exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-PB-…, DD, o seu pai, EE, sofreu graves lesões físicas que, a 2 de março de 2015, lhe vieram a determinar a morte.

3. Mais alegaram que o Autor AA sofreu danos patrimoniais pelas despesas que suportou com o internamento e funeral do seu pai e que o falecido - EE - sofreu danos não patrimoniais antes da morte; sofreu danos pela perda do direito à vida; e que todos os Autores sofreram danos não patrimoniais com a perda de seu Pai.

4. Invocaram ainda que a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., é responsável pelas consequências do acidente, por via do contrato de seguro, titulado pelo certificado provisório n.º …76, pelo qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PB-..., que no momento da colisão era conduzido pelo respetivo proprietário, DD, único causador do acidente.

5. Terminaram pedindo que FF fosse notificada para intervir nos presentes autos como demandante, em virtude de ser também herdeira (filha) do falecido EE, ao abrigo do disposto no art. 33.º do CPC.

6. Regularmente citada, a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., apresentou contestação, pedindo a improcedência da ação.

7. Para o efeito, começou por excecionar a ilegitimidade ativa dos Autores, por ausência de uma das filhas do falecido, como demandante.

8. Depois, excecionou a caducidade do direito à ação por parte dos Autores, pois que um deles foi assistente no processo-crime e aí não deduziu pedido de indemnização civil. Sustentou que o direito dos Autores se mostra caducado.

9. No mais, negou qualquer responsabilidade do condutor do veículo de matrícula ...-PB-..., seu segurado, na eclosão do acidente, sendo que, em sua opinião, o acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta do peão EE, ilícita e culposa, sem qualquer contribuição da conduta do condutor do PB ou dos riscos próprios do veículo.

10. Referiu outrossim que o peão EE sofreu determinadas lesões, esteve internado no Hospital …. e que depois foi transferido para a Clínica …, em …, onde passou a receber cuidados continuados e que veio a falecer a … de março de 2015. Atendendo ao relatório da autópsia, é evidente que a causa da morte foi uma miocardiopatia isquémica, ou seja, a causa da morte foi natural, e não foram encontradas lesões traumáticas mortais, pelo que defendeu que a morte não se ficou a dever ao acidente dos autos.

11. Finalmente, defendeu que os valores peticionados a título de danos não patrimoniais dos herdeiros, de dano vida e de danos não patrimoniais pelo sofrimento da própria vítima são manifestamente excessivos, atendendo aos critérios estabelecidos na Portaria n.º 377/2008 e a mais recente jurisprudência.

12. Depois de ouvida a Ré, por despacho de 7 de dezembro de 2017, foi admitida a intervenção principal provocada da outra herdeira do falecido - FF - por força do disposto nos arts. 33.º, n.º 1, e 316.º, do CPC.

13. Citada, FF apresentou articulado próprio, onde terminou pedindo a condenação da Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., a pagar-lhe a quantia de € 67.500,00 (encontrando-se o montante de € 27.500,00 incluído no pedido deduzido pelos Autores), acrescida de juros de mora a contar da citação e até integral pagamento.

14. Os Autores juntaram articulado de resposta e, em suma, mantiveram os factos por si alegados na p.i..

15. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da caducidade do direito à ação por parte dos Autores (e da Interveniente). Foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

16. Por fim, foi proferida sentença, segundo a qual:

Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:

a)  Condenar a ré, “Lusitânia Companhia de Seguros, SA”, a pagar ao autor, AA, a quantia total de €957,72, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

b)  Condenar a ré “Lusitânia Companhia de Seguros, SA” a pagar aos autores, AA, BB, CC e interveniente, FF, a quantia total de €120.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados da presente sentença até integral pagamento.

c) Absolver a ré “Lusitânia, SA” do restante pedido (…)”.

17. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que condenasse a Ré/Recorrida Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A. a pagar, para além das quantias não impugnadas neste recurso, as seguintes quantias:

a) - € 80.000,00, pela perda do direito à vida;

b) - € 30.000,00, pelo dano não patrimonial próprio da vítima e

c) - € 30.000,00, pelo dano não patrimonial próprio de cada um dos Autores/Recorrentes (e da Interveniente, sua irmã).

18. Também a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., irresignada cm tal decisão, interpôs recurso de apelação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que a absolva dos pedidos formulados nos autos.

19. A Ré e os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando reciprocamente pela improcedência dos recursos da contraparte.

20. Por seu turno, a Interveniente Principal FF aderiu ao recurso interposto pelos Autores, apresentando as suas contra-alegações ao recurso da Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., e, quanto a este, deduziu recurso subordinado.

21. A   Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., juntou aos autos as suas contra-alegações relativamente ao recurso subordinado, pugnando pela sua improcedência.

22. Por acórdão de 8 de setembro de 2020, o Tribunal da Relação … decidiu o seguinte:

“Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação da ré seguradora parcialmente procedente e a apelação dos autores e o recurso subordinado improcedentes, alterando-se consequentemente a decisão recorrida, por forma a que, julgando-se parcialmente procedente a acção, condena-se a ré Lusitânia Companhia de Seguros, SA:

a)   - a pagar ao autor, AA, a quantia total de €718,29 (setecentos e dezoito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

b)  - a pagar aos autores, AA, BB, CC e à interveniente, FF, a quantia global de €116.250,00 (cento e dezasseis mil, duzentos  e cinquenta euros), a  título de danos  não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados da presente sentença até integral pagamento.

No mais, mantem-se a absolvição da ré Lusitânia Companhia de Seguros, SA quanto ao demais peticionado.

Custas pelos apelantes, na proporção do respectivo decaimento.

23. Não conformada, a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

“1.ª Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo e é o mesmo apresentado na firme convicção de que a matéria de direito sujeita à apreciação do douto Tribunal merecia outra decisão.

2.ª A Recorrente discorda, salvo o devido respeito, da decisão do Tribunal a quo quanto à responsabilidade na eclosão do acidente, ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte e ao quantum indemnizatório atribuído.

3.ª No que respeita ao nexo de causalidade entre o acidente e a morte, a Recorrente invoca – para além do mais e subsidiariamente – a violação pelo Tribunal a quo dos limites traçados pela lei para exercer os poderes de modificação da matéria de facto que lhe incumbem nos termos do artigo 662.º do CPC [matéria que, como este mesmo Supremo Tribunal vem entendendo reiteradamente, não lhe está vedada, por se tratar de saber se o Tribunal da Relação se conformou ou não com a lei (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 02/03/2011, no proc 667/06.8TBOHP.CS.S1, e de 06/07/2011, no proc. 45/05.2TBVCD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt)].

A. Da responsabilidade pelo acidente dos autos

4.ª Dos factos provados 1 a 12 resulta que que EE irrompeu pela via repentinamente, sem antes se se certificar se havia quaisquer veículos a circular na mesma, limitando-se a abandonar o passeio e introduzir-se na estrada, iniciando a travessia sem previamente atentar no trânsito.

5.ª A travessia da via foi feita fora da passadeira, embora existisse uma a distância inferior a 50 metros.

6.ª Os peões são conhecedores da perigosidade dos veículos automóveis, das consequências de um atropelamento e, mais do que isso, de que a faixa de rodagem, destinando-se, por regra, exclusivamente ao trânsito de veículos, é um local de grande perigo para a sua integridade física, razão pela qual a sua presença no local deve ser antecedida de especiais cuidados e de grande prudência.

7.ª Era ao peão que mais se exigia que tivesse avistado o veículo, pois que, por entre os diversos elementos existentes no campo de visão dos intervenientes estradais capazes de captar a sua atenção, é inequívoco que um veículo automóvel é mais facilmente percepcionável por um peão do que o contrário.

8.ª O excesso de velocidade instantânea do condutor do PB é irrelevante para a produção do acidente, dado que a causa do mesmo foi o facto de o peão não ter atentado no trânsito que se fazia sentir e ter irrompido na via sem qualquer cuidado, aparecendo na via num momento em que o veículo estava muito próximo, pelo que sempre seria impossível ao condutor do veículo impedir o embate.

9.ª O condutor do PB acabava de passar por uma passadeira, pelo que não podia contar com o atravessamento da via por um peão logo após.

10.ª Em face do exposto, o atropelamento ficou a dever-se, exclusivamente, à conduta do peão, culposa, imprevidente, temerária e violadora das normas de circulação na via pública, não havendo culpa do condutor do PB ou qualquer contribuição dos riscos próprios do veículo.

11.ª O douto acórdão recorrido, ao repartir as responsabilidades pelo acidente em 75% para o veículo PB e 25% para o peão, violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 505.º e 570.º do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que julgue o peão como responsável exclusivo pelo acidente e, consequentemente, que julgue a acção totalmente improcedente e absolva a Recorrente do pedido.

Sem prejuízo,

12.ª Caso se entenda ter havido um facto ilícito culposo do PB concorrente para a ocorrência do acidente – e já tendo presente, ao lado da gravidade da conduta do peão, a dimensão e potencialidade danosa do veículo – nunca se poderá considerar a contribuição causal do peão para a eclosão do acidente inferior a 40%.

Sem prescindir,

B. Do nexo de causalidade entre o acidente e a morte

B.1. Da falta de prova do nexo causal

13.ª O Tribunal a quo, apesar de ter mantido o facto provado 19, deixou claro que desse facto retirava que o perito proferira aquela afirmação em julgamento e que a analisaria apenas como mais um elemento probatório, de forma livre.

14.ª Na análise da 3.ª questão do recurso de apelação, sobre o nexo de causalidade jurídico entre o acidente e a morte, o Tribunal a quo entendeu que o peão padecia de grave doença coronária anterior ao acidente e que muito provavelmente esta lhe iria desencadear a morte por miocardiopatia isquémica, mas incorreu em erro ao concluir que não era provável que tal viesse a suceder na data em que efectivamente EE faleceu e, bem assim, que, para a morte, concorreu com a doença, de forma determinante e essencial, um alegado stress traumático de cariz psicológico a que foi sujeito desde a ocasião do sinistro.

15.ª A conclusão a que chegou o Tribunal a quo não resulta das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer ou dos factos notórios e de conhecimento generalizado, tratando-se de uma afirmação que implica conhecimentos científicos que o julgador não possui.

16.ª O próprio Tribunal a quo entendeu que os Autores falharam a prova de que, na fracção de segundos que antecedeu o acidente, durante ele e nos meses de internamento que se lhe seguiram, a vítima sentiu a iminência da morte, o que lhe causou, seguramente, a maior agonia, amargura e angústia, surgindo por isso como contraditória a referência a um suposto stress traumático consequente do acidente e causal da morte.

17.ª Atendendo a que, em princípio, um acidente de viação que provoca as lesões traumáticas que o peão apresentava não conduz à verificação de uma miocardiopatia cinco meses depois, a prova produzida é insuficiente para que se conclua que o acidente não foi de todo indiferente à produção da morte e, como tal, não se pode concluir que tenha sido causa adequada da mesma.

18.ª Ao decidir que se verifica nexo de causalidade entre o sinistro, os danos por via dele causados ao falecido e a posterior morte deste, sendo por tudo isto devida indemnização aos Autores e à Interveniente pela morte de EE, sem qualquer limitação sequer quanto à verificação do nexo de causalidade, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 483.º, n.º 1 do Código Civil.

19.ª Consequentemente, e porque todos os danos que Recorrente foi condenada a indemnizar/compensar dependem de se considerar que o acidente provocou a morte do peão, deve o douto acórdão ser revogado e substituído por outro que julgue todos os pedidos improcedentes, absolvendo a Recorrente do pagamento de todas as quantias a que se encontra condenada.

Sem prescindir,

B.2. Da concorrência de causas para a verificação da morte

20.ª Caso assim não se entenda – o que se equaciona por mera hipótese de patrocínio –, tendo o Tribunal a quo concluído que “a morte de EE resultou, muito provavelmente, não só do seu estado de saúde prévia ao sinistro com o que concorreu, de forma determinante e essencial - co-causa essencial e determinante - o stress traumático de cariz psicológico a que foi sujeito desde a ocasião do sinistro e até à morte” é, pelo menos, evidente que a morte não ficou a dever-se única e exclusivamente ao acidente.

21.ª É seguro afirmar-se que nunca o peão teria falecido se não padecesse de hipertensão arterial e doença arterial periférica (estenose femoral 60-70%), causadas por lesões graves de aterosclerose, com extensa calcificação e obstrução até cerca de 70 a 80% da área da secção do lúmen do órgão cardíaco, e que que acabaria por falecer daquela doença mesmo que não tivesse sofrido o acidente.

22.ª A ser assim, devem graduar-se também os graus de contribuição dos dois factores causais para o falecimento do peão, sendo que, tendo em conta a idade que apresentava e o estado muito avançado da doença documentados nos autos, nunca o acidente terá agravado em mais de 20% a referida patologia.

23.ª Nesta hipótese – que se coloca subsidiariamente – o Tribunal a quo, ao decidir que se verifica nexo de causalidade entre o sinistro, os danos por via dele causados ao falecido e a posterior morte deste, sendo por tudo isto devida indemnização aos Autores e à Interveniente pela morte de EE, sem qualquer limitação sequer quanto à verificação do nexo de causalidade, violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 483.º, n.º 1 do Código Civil, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que reconheça uma contribuição do acidente de não mais do que 20% para a morte de EE, com a consequente redução das indemnizações / compensações reputadas adequadas em 80%.

Sempre sem prescindir,

B.3. Da violação dos poderes de modificação da matéria de facto que incumbem à Relação, nos termos do artigo 662.º do CPC

24.ª Caso também não proceda tudo quanto se vem de alegar – o que se equaciona por mera hipótese de raciocínio – entende a Recorrente que se verifica então uma insuficiência na matéria de facto apurada, que impõe concluir-se pela violação dos poderes de modificação da matéria de facto que incumbem à Relação, nos termos do artigo 662.º do CPC.

25.ª O que aqui se pretende é a sindicância, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do uso dos poderes do Tribunal da Relação quanto à alteração ou modificação da matéria de facto, ou seja, se este agiu dentro dos limites traçados pela lei para exercer os poderes de modificação da matéria de facto que lhe incumbem nos termos do artigo 662.º do CPC, matéria que, como este mesmo Tribunal vem entendendo reiteradamente, não lhe está vedada, por se tratar de saber se o Tribunal da Relação se conformou ou não com a lei (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 02/03/2011, no proc. 667/06.8TBOHP.CS.S1, e de 06/07/2011, no proc. 645/05.2TBVCD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt).

26.ª Os autos não oferecem qualquer definição do que seja o stress traumático a que se refere o Tribunal a quo, sendo que, por exemplo, o Tribunal de primeira instância disse que não era um stress de cariz psicológico e o Tribunal a quo entendeu o contrário, apesar de, contraditoriamente, ter também considerado não ter sida feita prova de que a vítima sentiu a iminência da morte, o que lhe causou, seguramente, a maior agonia, amargura e angústia.

27.ª A definição do conceito de stress traumático, psicológico ou não, a que se referiu o médico-legista não pode ser encontrada, por qualquer Tribunal, nas regras da experiência comum e da normalidade do acontecer ou nos factos notórios e de conhecimento generalizado, tratando-se antes de um conceito que implica conhecimentos científicos, que, obviamente, o julgador não possui.

28.ª O referido conceito foi referido pela primeira vez em julgamento pelo Dr. GG, que nada referiu a esse propósito no relatório da autópsia nem nos esclarecimentos escritos que prestou por duas vezes nos presentes autos; acresce que os demais médicos ouvidos em julgamento ou não se referiram ou negaram mesmo a possibilidade de existência de qualquer stress traumático num doente em estado estuporoso.

29.ª Os próprios Autores não alegaram, na P.I., que fosse o alegado stress traumático causado pelo acidente a causa da morte, antes tendo referido que a mesma se deveu a pneumonia de aspiração decorrente do facto de EE ter estado acamado (o que não se provou).

30.ª Em virtude de o conceito de stress pós-traumático ter sido referido pela primeira vez em sede de audiência de julgamento, a Recorrente, ao abrigo do disposto da parte final no artigo 651.º, n.º 1 do CPC, juntou às alegações do recurso de apelação um parecer médico [cuja junção foi admitida pelo Tribunal a quo, embora este não lhe faça qualquer referência no acórdão], do qual resulta inequívoco que o estado estuporoso é incompatível com o stress traumático.

31.ª O Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, aventurou-se a decidir a questão jurídica do nexo causal entre o acidente e a morte com apelo a um conceito de stress traumático (de cariz psicológico) que desconhece, de todo, e que não tem como conhecer, dado que se trata de uma questão de natureza médica, que deveria ter esclarecido em sede de decisão da matéria de facto.

32.ª O Tribunal a quo, no acórdão recorrido, violou o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do

CPC, pois, verificando-se a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada, designadamente sobre se o falecido terá sofrido um stress traumático capaz de agravar a doença coronária prévia, deveria ter ordenado a produção de novos meios de prova.

33.ª O acórdão recorrido deve, por isso, ser anulado e, em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 682.º, n.º 3 do CPC, deve este venerado Supremo Tribunal de Justiça ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo para que este amplie a decisão de facto de forma a esclarecer: i) sobre a possível existência de stress traumático (psicológico ou não) em doentes como EE; ii) se esse stress é captado pelo doente de foma a influenciar a ocorrência de uma miocardiopatia num paciente com doença cardíaca prévia como a documentada nos autos; iii) por que razão tal influência apenas se manifestou cinco meses após a ocorrência do traumatismo e a entrada em estado de coma. Para o efeito, sugere-se que seja solicitado parecer sobre a matéria aos Colégios das Especialidades de Anestesiologia e de Neurologia da Ordem dos Médicos.

C. Do quantum indemnizatório

34.ª Caso improceda tudo quanto se alegou acima, o que apenas se equaciona por hipótese académica, entende a Recorrente que os valores brutos da compensação (depois sujeitos ao desconto da percentagem da responsabilidade atribuída ao peão) arbitrados pelo Tribunal a quo – que fixou a compensação pela perda do direito à vida de EE em 75.000,00 € brutos contra os 60.000,00 € atribuídos em primeira instância e as compensações pelos danos não patrimoniais de cada um dos Autores e da Interveniente em 20.000,00 € brutos contra os 15.000.00 € atribuídos em primeira instância – são manifestamente excessivos.

35.ª No momento do falecimento, EE tinha já vivido uma longa vida de 83 anos, que pôde aproveitar em pleno enquanto a saúde lho permitiu.

36.ª O dano sofrido por alguém que se vê privado, em tenra idade, da oportunidade de viver será, em princípio, superior ao daquele a quem tal infortúnio ocorre já perto do termo da esperança média de vida, pois que, pelas leis da natureza, na segunda hipótese o momento da morte natural está, a cada dia, iminentemente mais próximo, ao que acresce, no caso concreto, que a morte natural acabaria mesmo por ocorrer, muito provavelmente, a breve trecho, em virtude das graves lesões coronárias de EE.

37.ª O Tribunal a quo considerou erradamente, na determinação do valor bruto da compensação pelo dano moral pela perda da vida, a pouca contribuição do lesado para o acidente, pois que essa apenas devia ser considerada no âmbito da posterior dedução (ou não) do grau de culpa do lesado (para fazer reduzir o valor final a pagar e não para o fazer subir).

38.ª Nos últimos anos, a jurisprudência dos Tribunais superiores identificada nas alegações tem considerado adequado para compensar a perda do direito à vida o valor de 60.000,00 € (cfr. acórdãos do STJ de 03/11/2016, proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1, relatado por António Joaquim Piçarra; do STJ de 09/06/2010, proc. 562/08.4GBMTS.P1.S1, relatado por Fernando Fróis; do STJ de 24/11/2009, proc. 562/08.4GBMTS.P1.S1, relatado por Silva Salazar; do TRE de 21/06/2011, proc. 192/09.3GTSTB.E1, relatado por Alves Duarte; do TRE de 13/01/2011, proc. 248/05.1GTABF.E1, relatado por Alves Duarte).

39.ª Considerando, por um lado, o aumento que as compensações atribuídas pela perda do direito à vida vão conhecendo paulatinamente mas, por outro, o facto de EE ter 83 anos (muito mais idoso do que as vítimas em causa nos exemplos citados) e padecer de grave doença coronária (que muito provavelmente não lhe garantiria uma esperança de vida muito superior), temos que o valor bruto de 60.000,00 € é perfeitamente adequado para a compensação do dano pela perda da vida, sendo o valor bruto de 75.000,00 € manifestamente exagerado.

40.ª No que diz respeito ao dano não patrimonial dos filhos pela perda do pai, é certo que o valor de 20.000,00 € vem sendo sido concedido, em certos casos, como compensação pelo dano moral decorrente da perda dos pais mas tal sucede invariavelmente em casos em que os progenitores falecidos são muito mais novos do que EE e os seus filhos são crianças, adolescentes ou jovens adultos.

41.ª Aos 83 anos, e com história de doença cardíaca já diagnosticada, o cenário do falecimento do pai era algo que os filhos, por certo, já antecipavam como uma realidade relativamente próxima, muito diferente do que sucede com o choque e a perda sofridos por uma criança, adolescente ou jovem adulto.

42.ª O valor bruto de 15.000,00 € arbitrado em primeira instância a cada um dos filhos era, em face dos dados do caso concreto e da realidade jurisprudencial actual, perfeitamente adequado à compensação do dano moral de cada um dos filhos pela perda do pai, sendo o valor bruto de 20.000,00 € arbitrado pelo Tribunal a quo manifestamente excessivo.

43.ª O Tribunal a quo, ao aumentar o valor da compensação pelo dano moral de EE pela perda da própria vida para o valor bruto de 75.000,00 € [depois sujeito a dedução de 25% em virtude de culpa do lesado], violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 496.º, nºs 2 e 4 e 494.º do Código Civil, pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que fixe o valor bruto de tal compensação em 60.000,00 €, valor ao qual deverão ser posteriormente deduzidas a percentagem da contribuição culposa do lesado para a ocorrência do acidente (que vier a ser definitivamente fixada) e, bem assim, a percentagem da contribuição da doença natural prévia ao acidente para a morte do lesado.

44.ª O Tribunal a quo, ao aumentar o valor da compensação pelo dano moral dos Autores e da Interveniente pela perda do pai para o valor bruto de 20.000,00 € [depois sujeito a dedução de 25% em virtude de culpa do lesado], violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 496.º, n.º 4 e 494.º do Código Civil, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que fixe o valor bruto de tal compensação em 15.000,00 €, valor ao qual deverão ser posteriormente deduzidas a percentagem da contribuição culposa do lesado para a ocorrência do acidente (que vier a ser definitivamente fixada) e, bem assim, a percentagem da contribuição da doença natural prévia ao acidente para a morte do lesado.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso V. Exas. farão verdadeira e sã JUSTIÇA!”

24. Os Autores AA, BB e CC, nos termos dos arts. 633º, n.º 1, e 671.º, do CPC, interpuseram recurso subordinado com as seguintes Conclusões:

“1ª

O presente recurso subordinado impõe-se para discutir duas questões de interpretação que foram vertidas no acórdão aqui em crise, tanto mais que não ocorreu a mais ténue alteração da matéria de facto.

A primeira das questões prende-se com a divisão da responsabilidade que o Tribunal da Relação …. operou quanto à eclosão do atropelamento, atribuindo 25% dessa responsabilidade ao peão, pai dos recorrentes e da interveniente.

Com efeito, e como os autos o demonstram à saciedade, não foi apurado um único facto que pudesse levar à atribuição de que fosse que responsabilidade civil fosse ao peão, pai dos recorrentes e da interveniente.

Desde logo, nem tampouco se demonstrou, como o pretendeu o Tribunal a quo, que o peão podia e devia ter avistado o veículo atropelante a circular.

Ora, a este respeito, não se produziu a mais ténue prova.

Inclusivamente, o próprio condutor do veículo seguro na recorrida – que era o único que poderia ter explicado, se assim o tivesse entendido – referiu peremptoriamente que nem tampouco se apercebeu da presença daquele peão a atravessar já a metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo atropelante.

Por isso, e se como se escreveu no acórdão recorrido a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, o que circunstância concreta é que se apurou relativamente ao comportamento do peão – pai dos recorrentes e da interveniente –?

Diremos nós, sem qualquer pejo, que nenhuma, rigorosamente nenhuma.

Apenas se percebeu do atropelamento que o mesmo ocorreu cerca de 40 metros após a existência de uma passadeira destinada à travessia de peões.

Mas será isto suficiente para que se atribuam 25% de responsabilidade na eclosão desse mesmo atropelamento?

Diremos, igualmente sem qualquer pejo, que não.

O que foi causal, isso sim, do atropelamento foi a total, absoluta e temerária distracção com que conduzia o condutor do veículo seguro na recorrida, de tal sorte que circulava, em piso molhado, escorregadio e constituído por paralelepípedos a quase o dobro da velocidade máxima permitida para aquele local, ou seja, a pelo menos 53,25 Kms por hora em local onde a velocidade máxima permitida estava limitada por placas verticais a 30 Kms por hora.

É que nem tampouco, dentro dos 30 metros que iluminavam os faróis frontais do seu ….. conseguiu perceber que se encontrava um peão a atravessar aquela via, da sua esquerda para a sua direita, acabando por colhê-lo já na metade direita da faixa de rodagem.

E o que dizer se seguisse dentro da velocidade que lhe era imposta para aquele local? Seguramente que teria conseguido imobilizar facilmente aquele …. no espaço livre e visível à sua frente de, pelo menos, 30 metros – correspondente ao campo de iluminação dos faróis frontais do seu veículo na posição de médios –, como nos parece particularmente óbvio!

Com o mínimo de atenção teria, seguramente, conseguido esse objectivo e evitado um atropelamento com tão nefastas consequências.

10ª

Mas demonstram os autos à saciedade a gravidade das lesões sofridas pelo peão, apenas compatíveis com a elevadíssima velocidade a que circulava aquele veículo para aquele concreto local.

11ª

Quanto ao comportamento do peão – pai dos recorrentes e interveniente – repete-se, não foi produzida a mais ténue prova.

E é até, com o devido respeito em face de todo o reportório fáctico, temerário dizer-se que a conduta de lesado foi concorrente para a eclosão do atropelamento e as suas consequências.

12ª

Por isso, deve o acórdão nesse aspecto ser revogado e em sua substituição ser produzido novo acórdão que mantenha, nesta parte, a decisão proferida em sede de 1ª Instância, tanto mais que foi nesta Instância que foi possível absorver tudo quanto resultou da imediação da prova – o que não é, como é sabido, a mesma realidade da audição das gravações dos depoimentos –, ou seja, que julgue o condutor do veículo seguro na recorrida como único e exclusivo culpado na eclosão do atropelamento.

13ª

Quanto à segunda questão – da compensação pelo dano moral próprio da vítima – o que aqui está em discussão não é, como erradamente entendeu o Tribunal a quo aquele dano moral que decorreu do período de tempo que mediou entre o atropelamento e a morte.

14ª

Quanto a este hiato temporal bem sabemos que o pai dos recorrentes e da interveniente se manteve inicialmente em estado estuporoso e que, mais tarde, passou a estado vegetativo e tetraplégico, tão graves foram as lesões que lhe foram infligidas naquele atropelamento.

15ª

O que aqui se discute é aquilo que já há décadas o Tribunal da Relação do Porto (Ac. de 11.03.1998, in BMJ 475 – pág. 782) que entendia que mesmo que a morte tivesse sido instantânea – e não foi – é de presumir que, independentemente de prova palpável nesse sentido, os ferimentos lhe tenham causado sofrimento.

16ª

Veja-se, igualmente, e tirado de muitos outros que assim o entendem, aquilo que se escreveu no sumário do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.12.2012, no Proc. nº 1593/08.0TBFIG.C1:

II. A morte raramente é um acontecimento instantâneo, havendo sempre momentos que a antecedem, por mais fugazes que sejam, designadamente em eventos de cariz traumático - como o sofrido por condutor interveniente em acidente de viação -, em que a vítima sofre angústia pelo irremediável e inelutável fim que consegue antever.

Importa, assim, começar por questionar o que mudou de lá até então nesse entendimento? Julgamos, humildemente, que dada, rigorosamente nada.

17ª

Ora, não será crível que aquele peão, perante a eminência da colisão, que tenha tido fortes dores morais, acompanhadas de fortíssimas dores físicas com a colisão até ter perdido os sentidos, circunstância que não é imediata, instantânea ou automática?

Cuidamos que sim, como nos parece até, com o devido respeito por opinião diversa, particularmente óbvio.

18ª

Por isso, e considerando o que foi tido por provado – quer quanto ao modo como ocorreu o atropelamento, quer quanto às gravíssimas lesões sofridas pelo pai dos recorrentes e da interveniente – não terão essas lesões, o momento que as antecederam até à perda dos sentidos sido capazes de ter provocado aquele peão fortes dores morais, físicas e as mais diversas angústias?

Não teria, nessa fracção de segundo que antecedeu o atropelamento, aquele peão temido pela sua vida ou integridade física?

Pensamos, naturalmente, que sim.

19ª

E seria até, se nos é permitido o desabafo, um prémio para o lesante se esse dano não fosse compensado por ter sido mais rápida a morte do lesado.

Como sabermos não é, nem poderia ser, esse o critério.

20ª

Daí que não possa deixar de se arbitrar uma compensação pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima – pais dos recorrentes e da interveniente – sob pena de se estar a premiar o lesante, e que não deverá ser inferior à quantia de 30.000,00 €.

Pelo exposto

Deverá o acórdão recorrido ser revogado e em sua substituição ser lavrado novo acórdão que:

a) – considere o condutor do veículo seguro na recorrida como único e exclusivo culpado pela eclosão do atropelamento e

b) – condene a recorrida ao pagamento da quantia de 30.000,00 € a título de compensação pelo dano não patrimonial sofrido pela própria vítima,

assim se fazendo são e acostumada JUSTIÇA.

25. Os Autores AA, BB e CC apresentaram contra-alegações com as seguintes Conclusões:

Como a recorrente bem o sabe não lhe assiste no presente recurso a mais ténue razão.

São três as questões que a recorrente chama à colação no presente recurso, a saber: A. – A responsabilidade na eclosão do acidente;

B. – Do nexo de causalidade entre o acidente e a morte: - falta da prova do nexo causal;

- da concorrência de causas para a verificação da morte;

- da violação dos poderes de modificação da matéria de facto que incumbem à Relação, nos termos do artigo 662º do CPC;

C. – Do quantum indemnizatório.

Alterando a ordem das mesmas, impõe-se referir que relativamente à 2ª das questões – Do nexo de causalidade entre o acidente e a morte – parece-nos, com o devido respeito por opinião diversa, que se verifica o impedimento constante do nº 3 do artigo 671º do Cód. Proc. Civil, ou seja, a chamada dupla conforme.

Com efeito, foram já proferidas duas decisões – a de 1ª Instância e a aqui em crise –, sendo que a segunda acabou por confirmar, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão de 1ª Instância.

Por isso, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, parece-nos que este Supremo Tribunal de Justiça está impedido, por força do que dispõe o artigo 671º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, de apreciar esta questão, por força da dupla conforme nesta matéria.

Quanto à primeira das questões, ou seja, a responsabilidade na eclosão do acidente, não tem a recorrente, como bem o sabe a mais ténue ponta de razão.

E adiantam já os recorridos que irão interpor recurso subordinado no que a esta questão diz respeito, sobretudo por não ter ocorrido fosse que alteração fosse à matéria de facto que foi tida por provada e não provada a este respeito.

Com efeito, e não contente com a divisão da responsabilidade na percentagem de 75% para o condutor do veículo seguro na recorrente e 25% para o peão atropelado, vem a recorrente pugnar pela culpa exclusiva do peão na eclosão do sinistro.

Mas com base em que factos?

Que factos foram tidos por provados que possam ancorar tamanha decisão?

Por nós, estamos em crer que será apenas feitio da recorrente, sem qualquer sustentação factual.

É que nem mesmo para a atribuição ao falecido pai dos recorridos e da interveniente de 25% dessa responsabilidade foi produzida a mais ténue prova.

Ou será que isso se prende com o facto de ter procedido à travessia daquela via quando existia uma passadeira destinada à travessia de peões a 40 metros do local do atropelamento?

10ª

Como decorre longamente dos autos, nem o próprio condutor do veículo seguro na recorrente referiu alguma vez ter visto aquele peão a atravessar da sua esquerda para a sua direita, quando seguia com as luzes frontais do seu ...... na posição de médios, a iluminar a 30 metros.

11ª

Não houve uma única testemunha que tivesse referido que quando o peão iniciou a travessia daqueles 7,20 metros de largura daquela via o veículo seguro na recorrente já lhe era avistável. Mais.

Atenta a matéria de facto tida por provada – facto 4 que permaneceu inalterado – o atropelamento ocorre quando o peão está já a atravessar a metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo seguro na recorrente.

12ª

Certamente que, não fosse a ausência estratégica do condutor do veículo seguro na recorrente e ter-se-ia percebido o que motivou tamanha distracção…!

Mas também não é alheia a essa distracção e imperícia do condutor do veículo seguro na recorrente o facto de circular – como referido nos factos provados 6 e 7, também inalterados – que aquele veículo circulava a pelo menos 53,25 kms/h num local onde a velocidade estava limitada a 30 Kms/hora, ou seja, circulava a quase o dobro do máximo permitido para aquele local.

E ainda assim a recorrente pugna pela culpa exclusiva do peão no atropelamento?

Ainda assim insiste em afirmar que o peão – pai dos recorridos e da interveniente – irrompeu via adentro?

Valha-nos Santo Ivo!!!

13ª

Jamais deveria ter sido atribuída, como o foi, sem nenhuma sustentação factual, qualquer percentagem de responsabilidade ao peão, pai dos recorridos e da interveniente.

14ª

Por isso, nesta parte devem improceder totalmente as conclusões da recorrente.

15ª

Já quanto à última das questões, ou seja, do quantum indemnizatório, também nenhuma razão assiste à recorrente, representando a visão miserabilista que tem desta questão.

16ª

Com efeito, trouxe à colação vários doutos acórdãos dos nossos Tribunais Superiores que lhe respaldavam o valor arbitrado em 1ª Instância, mas que, como sabe, têm 9 e 11 anos de idade, ou seja, são quantias que foram arbitradas há quase uma década.

Por isso ocorre perguntar à recorrente se ficou ali parada no tempo? Julgamos, com o devido respeito, que infelizmente sim.

17ª

Os valores arbitrados no douto acórdão em crise no presente recurso representam, com a recorrente bem o sabe, a mais recente Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, e nada têm de exorbitante ou de desproporcional para os nossos tempos.

18ª

Ou será que esses valores mais acrescidos se prendem apenas com situações em que existe responsabilidade do Estado pela queda de alguma ponte, algum incêndio ou uma qualquer outra catástrofe provocada pela inércia ou irresponsabilidade do Estado?

Trata-se, ou não, da morte de um ser humano? Julgamos, humildemente, que sim.

19ª

Por outro lado, e esta fase pandémica que todos temos estado a infelizmente a viver, com períodos de muita incerteza, tem-nos demonstrado que a vida seja de um jovem, de uma pessoa de meia idade ou de um idoso tem rigorosamente o mesmo valor, entendimento que o aqui signatário já tem há muitos e longos anos.

20ª

É que à medida que a idade vai avançando, os mais idosos têm necessidades, que vão sendo supridas na medida do possível pelos filhos e netos, que estão agora impedidos por força das contingências do COVID 19.

21ª

E não será à toa que se diz que à medida que a idade vai avançando os mais idosos vão necessitando de mais atenção, de mais carinho, sendo, por isso, alvo de maior preocupação e acompanhamento pelos mais novos, sejam filhos ou netos.

22ª

Por isso, e tudo quanto já se deixou referido no corpo destas contra-alegações também aqui as conclusões da recorrente devem improceder.

Pelo exposto,

deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, fazendo-se assim são e acostumada

JUSTIÇA”.

26. A Interveniente Principal FF apresentou também contra-alegações e interpôs recurso subordinado, com as seguintes Conclusões:

1ª1 As conclusões da Recorrente Ré Seguradora não podem proceder, porquanto a matéria de facto está fixada nas instâncias e é insindicável em revista.

1ª2 Não podem proceder, porque não há quebra no nexo de causalidade adequada entre o acidente e a perda da vida da vítima.

1ª3 Não podem proceder porquanto dos factos resultam infracções e descuidos graves por parte do condutor do veículo segurado.

1ª4 Não podem proceder porquanto havendo culpa do condutor não há culpa exclusiva imputável à vítima.

1ª5 E não podem proceder porquanto os valores indemnizatórios pecam sim, mas por defeito.

E porque a Veneranda Relação, apesar da exígua subida dos montantes fixados na primeira instância, errou ao não reapreciado e valorado o pedido de 30.000,00 € pedido para dano não patrimonial sofrido pela vítima.

Porque a Veneranda relação errou ao atribuir culpa à vítima e logo na proporção de 25% reduzindo nessa proporção não só o valor atribuído à perda do direito à vida.

Porque a Veneranda Relação errou também no dano moral próprio atribuído à aqui impetrante, não só ao não valorizar autónoma e separadamente, como ainda reduzindo-o também na referida percentagem de 25%, justifica aqui a recorrente o seu recurso subordinado, para o qual oferece as seguintes CONCLUSÔES.

1ª A ré seguradora é a única responsável pela reparação do dano resultante da morte da vítima.

2ª O acidente de viação consistiu no atropelamento de um peão e o valor das indemnizações pedido nos autos, cifra-se dentro dos limites do seguro obrigatório de responsabilidade civil.

3ª Conjugando o disposto nos artºs 503º, 505º e 508º do Código Civil, a responsabilidade da Ré seguradora só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

4ª Nos termos do artº 570º do mesmo Código Civil, concorrendo para a produção ou agravamento dos danos um facto culposo do lesado cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

5ª. Cumpria, pois, à Ré Seguradora fazer prova da culpa exclusiva do lesado e aos autores fazer prova da culpa do condutor do veículo segurado

6ª. Os factos fixados nas instâncias demonstram a violação muito grave do dever objetivo de cuidado por parte do veículo

7ª. O condutor seguia de noite em médios, sem qualquer justificação para o não uso das luzes de máximos

8ª. Seguia em excesso de velocidade imprimindo ao veículo uma velocidade de 53, 25 Km por hora em local onde a velocidade estava limitada por placas verticais a 30 Km por hora.

9ª. Seguia em velocidade excessiva porquanto era de noite, chovia, o piso estava escorregadio e ia a descer, pelo que, numa reta de aproximadamente 50 metros, precisou de 25, para, após o embate imobilizar o veículo.

10ª. E ia desatento, porquanto não viu o peão que já estava a atravessar a faixa de rodagem e dela já tinha percorrido toda a hemi-faixa contrária, sendo que só iniciou a travagem após o embate

11ª Não estão fixados nos autos factos susceptíveis de poderem integrar infracção causal do acidente ou das suas consequências imputáveis à vítima.

12ª. A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, que, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.

13ª É, pois, um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do agente.

14ª E, atento o disposto no artº 570º do Código Civil esse juízo de reprovabilidade só releva na medida em que “concorra para a produção ou agravamento dos danos”

15ª. A matéria de facto com prova a cargo da Ré confina-se aos factos 2, 3 e 4, com relevo para o 3 que objetiva a existência a 40 metros do local de uma passadeira destinada à travessia de peões, devidamente assinalada.

16ª. Sabe-se que a vítima não residia no local, porquanto vivia com a sua filha na Rua …, ….

17ª Sabe-se que pretendia atravessar da esquerda para a direita atento o sentido em que seguia o veículo

18ª. Sabe-se que a 40 metros desse local existia a passadeira.

19ª Sabe-se que para atravessar tinha o dever de previamente se certificar da existência de veículos e havendo-os ter em conta a distância e a velocidade destes para aferir de que a travessia se pode fazer sem perigo de acidente e que deve fazer-se o mais rapidamente possível

20ª. E que sabendo ou apercebendo-se da existência da passadeira a menos de 50 metros. deveria ter percorrido na berma ou passeio a distância de 40 metros, para fazer a travessia na passadeira.

21ª Mas também se sabe que o local era uma recta “com mais de 50 metros” (valor aproximado com defeito para excesso nas dezenas) dos quais o veículo percorreu 25 para parar, após o embate.

22ª. Também se sabe que 25 são a metade dos 50 da reta, pelo que estando a passadeira a 40 metros só se pode deduzir que não ficava na recta, mas já fora dela.

23ª. Não se sabendo a proveniência do peão nem a localização da passadeira em relação à recta, não se pode apontar ao peão, com segurança e certeza de prova, a possibilidade do conhecimento da sua existência

24ª. Aliás, sendo indiscutível que a travessia sem cautelas é causa adequada, na produção do resultado de atropelamento do peão, já se não vislumbra que na passadeira o peão fique desonerado do dever de cuidado na travessia

25ª ou que pelo facto meramente objectivo da existência de passadeira a 40 metros, se possa ver na travessia uma infracção adequada à produção do atropelamento do peão.

26º sabe-se ainda a velocidade do veículo e o espaço percorrido pelo peão na travessia.

26ª A prova produzida, e os factos fixados, não permitem, sem mais, apontar à vitima a prática de qualquer infracção, que, mesmo a ter existido, no caso concreto, seria insusceptível de suportar um juízo de agravamento do perigo.

27º Considerando o que se apurou sobre as dimensões da recta. a velocidade do veículo, e a distância que o peão percorreu, não se pode inferir que no início da travessia, o peão tivesse a possibilidade de ver as luzes do veículo e aferir a sua velocidade e não tenha usado das usado das cautelas necessárias que à luz do princípio da confiança no cumprimento das regras de trânsito, justificassem poder atravessar sem perigo.

27ª A decisão da primeira instância ao não imputar culpa e responsabilidade à vítima no acidente não era, nessa parte merecedora de censura

28ª. Já o juízo da Veneranda Relação se nos afigura censurável, por desrespeitar os artºs 487º e 570º do Código Civil.

29º As graves lesões sofridas pela vítima, só a privaram dos sentidos com a sua ocorrência.

30º os medos e perceção da morte, iniciam-se no momento imediato à percepção e iminência do acidente.

31ª. A vítima que já tem a travessia em curso e que a deve completar o mais rapidamente possível não pode deixar de ter visto o veículo, com as luzes acesas progredindo para si.

32ª. E viu-o necessária e imediatamente antes do embate e das lesões, não sendo por isso justificado tirar-se a ilação de que, por causa da gravidade destas, não teve medo da sua ocorrência, perceção da sua gravidade e medo da morte.

33ª. Ao não valorarem estes medos e perceção violaram as instâncias o disposto, entre outros nos artº 496 e 562º do Código Civil

34º Os danos não patrimoniais sofridos pelos filhos, embora de responsabilidade conjunta, não são necessariamente iguais, para todos eles e são fixados e atribuídos em função de critérios de equidade.

35º. Ao não valorarem para a impetrante a sua vivência e relacionamento diários, desatenderam as instâncias o critério de igualdade positiva, desatenderam as circunstâncias do caso concreto e não foram equazes na fixação e distribuição da indemnização.

36º. Violaram entre outros o artigo 496º nº 4 do Código Civil.

TERMOS EM QUE CASO O RECURSO DE REVISTA DA Ré LUSITANIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, VENHA A SER ADMITIDO E APRECIADO, NA PROCEDÊNCIA DAS CONCLUSÕES SUPRA DESTE RECURSO  DE REVISTA SUBORDINADO, DEVERÁ O DOUTO ACÓRDÃO DA VENERANDA RELAÇÃO, SER NESSA PARTE REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE CONDENE A RÉ A PAGAR Á INTERVENIENTE E DEMAIS AUTORES, A QUANTIA DE 105.000,00 €, (a título do dano sofrido pelo falecido pai), E À INTERVENIENTE A QUANTIA DE =40.000,00 €= (a título de dano próprio)

ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA”.


II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

a) (in)admissibilidade do recurso principal e dos recursos subordinados;

b) Recurso principal:

(i)  responsabilidade pela eclosão do acidente dos autos;

(ii) nexo de causalidade entre o acidente e a morte do peão:

(iii) (in)observância dos poderes do Tribunal da Relação de modificação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC.

(iv) quantum da compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes do dano-morte e pelos danos sofridos por cada um dos filhos do de cujus.

c) Recurso subordinado interposto pelos Autores:

-     responsabilidade pela eclosão do acidente.

d) Recurso subordinado interposto pela Interveniente Principal:

(i)  responsabilidade pela eclosão do acidente;

(ii) (des)igualação da compensação devida a cada um dos filhos da vítima pelos danos não patrimoniais.


III – Fundamentação

A) De Facto

Foram dados como provados os seguintes factos:

“1. No dia … .10.2014, cerca das 19h35, o veículo ligeiro de passageiros ...-PB-..., conduzido pelo proprietário, DD, circulava na Rua …, em ….. - ….., no sentido …. - …...

2. EE pretendia atravessar a Avenida …. da esquerda para a direita, atento o sentido … - …...

3. Para esse efeito, iniciou a travessia daquela via, a 40 metros do local da passadeira destinada à travessia de peões, devidamente assinalada com sinalização vertical e horizontal.

4.  E quando estava já a atravessar a metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido …. - …., foi colhido pela parte da frente do lado esquerdo do veículo ...-PB-..., junto ao farol esquerdo, tendo o peão embatido no pára-brisas do veículo do lado esquerdo, atingindo o espelho retrovisor desse lado.

5. Após o que foi projectado para a berma do lado esquerdo da Avenida ….., atento o sentido do veículo “PB”, onde ficou prostrado no solo a 0,95 cms da referida berma, juntamente com o retrovisor esquerdo do veículo.

6. O condutor do veículo “PB” circulava a uma velocidade calculada de 53,25 Km por hora.

7. A velocidade naquele local está limitada por placas verticais de 30 Km por hora.

8. Quando ocorreu o embate era de noite, chovia e o piso estava escorregadio, pelo facto de ser em paralelepípedo.

9. O local do embate desenha-se em linha recta, em sentido descendente, atento o sentido do veículo ...-PB-... e com mais de 50 metros de extensão,

10. O condutor do veículo ...-PB-... acabou por imobilizar o veículo que conduzia a mais de 25 metros do local onde ocorreu o atropelamento.

11. O condutor do veículo “PB” circulava com as luzes médias do seu veículo ligadas.

12. A faixa de rodagem tem uma largura de 7,20m.

13. Em consequência do atropelamento, o pai dos autores, EE, sofreu:

-   traumatismo crânio-encefálico com lesão axonal difusa, com múltiplos focos de hemorragia subaracnóideia;

- hemorragia intraventricular;

- traumatismo da face com fractura dos ossos próprios do nariz e da parede anterior do seio maxilar direito;

- traumatismo torácico com fractura dos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º arcos costais à esquerda e,

- pneumotórax bilateral.

14.  Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital …., no …., onde foi internado na U.C.I.P.

15.  Foi, então, ali submetido a traqueostomia para suporte ventilatório, tendo-se mantido, durante o internamento nesta Unidade Hospitalar em estado estuporoso, com várias intercorrências respiratórias infecciosas, com agravamento progressivo.

16.  Permaneceu ali internado, em estado vegetativo e tetraplégico, até ao dia … .12.2014, altura em que foi transferido para a Clínica ….., em …, para lhe serem prestados cuidados continuados, nunca tendo registado qualquer melhoria no seu estado de saúde.

17. EE faleceu no dia ... .03.2015.

18.  Procedeu-se a autópsia, cujo relatório apresentou nas conclusões como causa de morte, o seguinte: «A informação recolhida, os achados necrópsicos e o resultado dos exames complementares de diagnóstico, solicitados permitem afirmar que a morte de EE pode ter sido devida a miocardiopatia isquémica. Esta é causa de morte natural.”

19. Tendo o perito que efectuou o relatório de autópsia, em esclarecimentos prestados em julgamento, acrescentado; “Sendo muito provável que essa causa de morte natural tenha sido agravada pelo stress traumático sofrido pela vítima.”

20. O falecido, EE, tinha, à data do atropelamento, 83 anos de idade.

21. Era sociável, expansivo e alegre, gozando da estima de quem com ele convivia, respeitado e respeitador.

22. Era o ... e ... na igreja paroquial e tinha um pequeno rebanho de ... que apascentava e cuidava.

23. A vítima antes de falecer vivia com a sua filha FF.

24. Após o acidente, os filhos de EE ficaram tristes, apreensivos, aflitos, visitando o pai diariamente quer no .., ….. e …...

25. Os filhos do falecido sentiram a morte trágica e prematura do seu pai.

26. O autor AA suportou as seguintes despesas:

- €522,34 com o funeral;

- €375,38 na Clínica ….. em …..;

- €60,00 com a compra de um colchão anti-escaras;

27. À data do embate o proprietário do veículo matrícula ...-PB-... tinha a sua responsabilidade, relativa a danos causados a terceiros, transferida para a ré Lusitânia Companhia de Seguros, SA, mediante a apólice n.º …...”

Não se julgaram provados os seguintes factos:

1. O falecido circulava pelo passeio esquerdo da via, atento sentido de marcha do veículo “PB” mas em sentido contrário ao do veículo, com um guarda-chuva aberto que lhe tapava a cabeça e a face e, sem que nada o fizesse prever, irrompeu em plena faixa de rodagem para efectuar a travessia da via para o passeio contrário, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do referido veículo, não tendo o condutor possibilidade de travar ou desviar-se do mesmo para evitar o atropelamento.

2. Para além do referido no ponto 3. que o falecido atravessou de forma perpendicular ao eixo da via.

3. EE atravessou depois de se ter certificado de que não circulava veículo, avistável, pela referida avenida em ambos os sentidos.

4. Atravessou o mais rápido que os seus 83 anos de idade lhe permitiam.

5. A fracção de segundos que antecedeu o acidente, durante ele e nos meses de internamento que se lhe seguiram, a vítima sentiu a iminência da morte, o que lhe causou, seguramente, a maior agonia, amargura e angústia.

6. A causa de morte foi uma pneumopatia.

7. A actividade a que se alude no ponto 22. rendia ao falecido uma quantia anual não inferior a €5.000,00.

8. O tratamento da aterosclerose é incompatível com o tratamento às lesões traumáticas sofridas por EE.”

B) De Direito

Tipo e objecto de recurso

1. Estão em causa um recurso de revista principal, interposto pela Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., e dois recursos subordinados interpostos, respetivamente, pelos Autores AA, BB e CC e pela Interveniente Principal FF, do acórdão do Tribunal da Relação …... que alterou parcialmente a sentença do Tribunal de 1.ª Instância, decidindo condenar a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A.:

a) a pagar ao Autor, AA, a quantia total de € 718,29 (setecentos e dezoito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;

b) a pagar aos Autores AA, BB, CC e à Interveniente Principal, FF, a quantia global de € 116.250,00 (cento e dezasseis mil, duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados da sentença até integral pagamento.

c) Manteve a absolvição da Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., quanto ao demais peticionado.

2. O Tribunal de 1.ª Instância julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A.:

a) a pagar ao Autor AA a quantia total de € 957,72, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

b) a pagar aos Autores AA, BB, CC e à Interveniente Principal, FF, a quantia total de € 120.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, contados da sentença até integral pagamento.

c) absolveu a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., do restante pedido.

(In)admissibilidade dos recursos

1. Nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, não é admissível recurso de revista regra ou normal do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.

2. De acordo com a posição jurisprudencial maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, “não obstante a decisão impor uma obrigação de indemnização com um montante global, os segmentos respeitantes às parcelas delimitadas ou delimitáveis da indemnização devem ser analisados separadamente para o efeito da dupla conforme[1].

3. No caso em apreço, afigura-se possível delimitar na fundamentação das decisões proferidas pelas Instâncias os segmentos respeitantes às várias parcelas que integram a indemnização global concedida (danos patrimoniais e danos não patrimoniais, incluindo-se nestes o dano-morte e o dano sofrido por cada um dos Autores e pela Interveniente Principal em resultado do falecimento de seu pai), além da parcela respeitante à absolvição da Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., do demais peticionado, que inclui o valor remanescente do pedido relativamente a cada tipo de danos supra referidos e a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, a que tanto o Tribunal de 1.ª Instância, como o Tribunal da Relação negaram provimento.

4. Assim, de acordo com a posição jurisprudencial referida supra, tais segmentos decisórios devem ser analisados separadamente para o efeito da verificação da (in)existência de dupla conformidade decisória.

5. Por outro lado, para aferir da (in)existência de dupla conforme, “teremos em primeiro lugar que chamar à colação a circunstância decisiva de o objecto do recurso de revista e a esfera de actuação do tribunal ad quem serem delimitados pelas conclusões da alegação do Recorrente (arts. 608º, 2, 635º, 4, 639º, 1, CPC), mesmo que (em conformidade com o art. 635º, 2 e 4, do CPC) o faça em restrição, expressa ou tácita, do objecto inicial[2]. Ou seja, a verificação da dupla conformidade decisória restringe-se ao segmento que é limitado objetivamente nas conclusões do recurso.

6. Importa, assim, analisar separadamente o recurso principal interposto pela Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., e os recursos subordinados interpostos, respetivamente, pelos AA, BB e CC e pela Interveniente principal FF.

7. O Tribunal da Relação …. confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância de absolver a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., do pedido de condenação no pagamento de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima e, relativamente a cada uma das parcelas da indemnização global fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, reduziu os valores a pagar pela Ré.

8. Assim, a decisão do Tribunal da Relação … é mais favorável à Ré/Recorrente Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., do que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância. Apesar de não ter havido correspondência dos valores da indemnização, uma vez que nestes segmentos decisórios a indemnização fixada pelo Tribunal da Relação …. é mais favorável à Ré/Recorrente Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que existe dupla conformidade decisória, pois “se é vedada à parte a revista nos casos de coincidência de montantes objecto de condenação, muito mal se compreenderia que lhe fosse aberto o caminho recursório em casos de condenação em montante que lhe é mais favorável[3].

9. Deste modo, “é de assimilar à dupla conforme obstativa da revista normal a situação em que a Relação, sem voto de vencido e com fundamentação de direito essencialmente convergente, é mais favorável à recorrente que a sentença apelada, embora fique aquém da satisfação total da pretensão formulada[4].

10. No caso dos autos, o facto de o Tribunal da Relação não ter confirmado integralmente a decisão do Tribunal de 1.ª Instância não obsta à verificação da dupla conformidade decisória. Importa, porém, apreciar se a fundamentação das decisões das instâncias não é “essencialmente diferente”.

11. No que concerne à Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., o objeto do recurso reporta-se às seguintes questões:

a) responsabilidade pelo acidente dos autos - defendendo a Ré/Recorrente que este se deveu a culpa exclusiva do peão ou, se assim, não se entender, nunca se poderá considerar que a contribuição causal do peão para a eclosão do acidente foi inferior a 40%;

b) nexo de causalidade entre o acidente e a morte, subdividindo-se esta questão nas seguintes subquestões:

i) ausência de nexo causal entre o acidente e a morte do peão;

ii) na hipótese de se concluir pela existência desse nexo de causalidade, importa apreciar a concorrência de causas para a verificação da morte;

iii) violação dos poderes do Tribunal da Relação de modificação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC - defendendo a Recorrente que, verificando-se a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada, designadamente sobre se o de cujus terá sofrido stress traumático suscetível de agravar a doença coronária prévia, deveria ter ordenado a produção de novos meios de prova.

c) quantum compensatório pelos danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida e pelo dano sofrido por cada um dos filhos do falecido.

12. O Tribunal da Relação …… reduziu o valor global da indemnização a pagar pela Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., em virtude de ter entendido haver concorrência de culpas na produção do acidente de viação objecto dos autos, fixando em 75% a responsabilidade do condutor do veículo seguro na Ré e em 25% a responsabilidade do próprio lesado. Muito diferentemente, o Tribunal de 1.ª Instância fundamentou a sua decisão na culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré. Na verdade, o Tribunal da Relação …. ampliou o valor de todas as parcelas da compensação por danos não patrimoniais fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, aumentando aquela do dano morte de € 60.000,00 para € 75.000,00, assim como aqueloutra dos danos não patrimoniais de cada um dos Autores e da Interveniente Principal (filhos da vítima) de € 15.000,00 para € 20.000,00.

13. Deste modo, não só a decisão do Tribunal da Relação … não confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, alterando os segmentos decisórios relativos a cada parcela da compensação devida pelos danos não patrimoniais, como a fundamentação das decisões das Instâncias é essencialmente diferente no que respeita à responsabilidade pela produção dos danos de cada um dos intervenientes no acidente.

14. Não se verifica, assim, a dupla conformidade decisória em relação ao recurso da Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A.. Acresce que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a dupla conforme entre as decisões das Instâncias não se verifica quando se pretende reagir contra a violação de disposições processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação[5].

15. Os Autores/Recorridos, na sua resposta, defendem a existência de dupla conformidade decisória sobre o nexo de causalidade entre o acidente e a morte, pois sobre a mesma questão foram proferidas duas decisões – pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo Tribunal da Relação -, tendo a última confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a primeira.

16. Conforme referido supra, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a parte dispositiva da decisão contem segmentos decisórios distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, em relação à fundamentação de cada um deles.

17. Porém, relevam para este efeito os segmentos decisórios de cada uma das decisões das Instâncias e não a apreciação isolada de cada questão jurídica para alcançar a decisão relativa a cada um desses segmentos.

18. Segundo os Autores/Recorridos, existe dupla conformidade decisória quanto à questão do nexo de causalidade entre o acidente e a morte.

19. A questão em causa insere-se nos segmentos decisórios das decisões das Instâncias que fixaram uma indemnização devida pela Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do falecimento do peão.

20. De acordo com o mencionado supra, verifica-se, nestes segmentos decisórios, não só que não houve uma confirmação pelo Tribunal da Relação da decisão do Tribunal de 1.ª Instância, porquanto aquele reduziu os valores de cada parcela dos danos em causa por este fixados, como a fundamentação das decisões das Instâncias é diversa quanto à responsabilidade pela eclosão do sinistro. I.e.,  apesar da coincidência na fundamentação das Instâncias quanto a um pressuposto da responsabilidade civil – nexo de causalidade entre o evento e a morte – , não se verifica essa coincidência quanto à culpa na produção do evento danoso, entendendo o Tribunal da Relação, diferentemente daquele de 1.ª Instância, que também houve culpa da vítima na produção do acidente. Também não houve coincidência quanto ao montante compensatório de cada parcela dos danos não patrimoniais pelo dano morte e pelos danos sofridos por cada filho do de cujus. Esta diferença de fundamentação basta para que se conclua pela inexistência de dupla conformidade decisória nestes segmentos decisórios. Assim, o recurso de revista que incide sobre cada um desses segmentos será conhecido globalmente, como um todo. Solução diversa sucederia se houvesse caso julgado sobre a questão enunciada pelos Autores/Recorridos, que impedisse o Supremo Tribunal de Justiça de a apreciar. Todavia, tal não sucede, tanto mais que a questão em causa foi também objeto do recurso de apelação interposto pela mesma Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A..

21. Em suma, não existe qualquer obstáculo à admissibilidade do recurso de revista interposto pela Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A..

22. Por seu turno, no que toca aos recursos subordinados interpostos pelos Autores AA, BB e CC e pela Interveniente principal FF, estando os mesmos sujeitos ao regime plasmado no art. 671.º, n.º 3, do CPC - conforme a jurisprudência fixada pelo recente AUJ n.º 1/2020[6] -, importa, também em relação a eles, verificar a (in)existência de dupla conformidade.

23. Esses recursos têm por objeto as seguintes questões:

a) responsabilidade pela eclosão do acidente - entendendo os Recorrentes que o acidente foi causado exclusivamente pelo condutor do veículo seguro na Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A.;

b) compensação pelos danos não patrimoniais próprios da vítima;

c) no recurso subordinado da Interveniente Principal é ainda suscitada a questão dos danos não patrimoniais sofridos pelos filhos da vítima não serem necessariamente iguais para todos e cada um deles, devendo a compensação devida à Interveniente Principal atingir um montante superior àquela fixada para cada um dos restantes filhos.

24. Quanto à primeira questão, conforme mencionado supra, não existe dupla conformidade decisória, tanto mais que a decisão do Tribunal da Relação …. diminuiu o valor da indemnização global em sentido claramente desfavorável aos Autores/Interveniente Principal/Recorrentes.

25. Também quanto à terceira questão suscitada pela Interveniente Principal, respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pelos filhos da vítima, conforme referido supra, não existe dupla conformidade decisória relativamente a este segmento decisório das Instâncias.

26. Porém, no que toca à segunda questão colocada pelos Recorrentes, relativa aos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, está em causa o segmento decisório das decisões das Instâncias que absolveu a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., do demais peticionado, o que inclui o pedido de condenação no pagamento de indemnização por aqueles danos. Quanto a este segmento decisório, o Tribunal da Relação ….. confirmou integralmente a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, coincidindo a fundamentação de ambas as decisões, pois entendeu-se que não resultaram provados quaisquer factos que permitissem concluir pela verificação daqueles danos. Afigura-se, assim, claro que sobre este segmento decisório existe dupla conforme parcial. Por isso, os recursos subordinados interpostos pelos Autores e pela Interveniente Principal não são, nesta parte, admissíveis.

27. Em suma: o recurso principal interposto pela Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., é admissível; por seu turno, os recursos subordinados interpostos pelos Autores AA, BB e CC e pela Interveniente principal FF são parcialmente admissíveis, sendo parcialmente rejeitados na parte em que versam sobre a recusa das Instâncias em fixar compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima por, nessa parte, se verificar dupla conformidade decisória impeditiva da revista regra ou normal, não tendo sido interposta qualquer  revista excecional.

Responsabilidade pela ocorrência do acidente de viação

1. Conforme o Tribunal de 1.ª Instância, o “acidente não ocorreu pela forma como a vítima atravessou a estrada ou pelo local em que efetuou a travessia, mas por causa da velocidade excessiva, desadequada e pela condução desatenta do condutor do referido veículo, pelo que não pode ser atribuída qualquer responsabilidade à vítima na ocorrência do acidente.

2. Segundo o Tribunal da Relação ….., “o condutor do veículo PB e segurado da ré, à ocasião do atropelamento, conduzia o seu veículo absolutamente desatento à via por onde circulava, ou seja, conduzia com manifesta inconsideração pelos demais utentes dessa via, o que, só por si integra a existência de culpa na eclosão do acidente em apreço e que foi determinante da eclosão do mesmo, pois que que lhe era exigível e possível ter visto o peão a atravessar a faixa de rodagem e, pelo menos travar e/ou imobilizar o veículo, diminuindo a força do impacto do veículo no peão se não lograsse imobilizar o veículo sem embater no peão, ou então realizar uma manobra de evasiva de recurso, a fim de tentar evitar ou evitar o embate. Mais se provou ainda que à ocasião do atropelamento o condutor do veículo PB circulava em violação das normas estradais contidas nos art.ºs 24,º, 25.º n.º1 als. c), d) e) e 27.º do C. Estrada, circulando em manifesta situação objectiva de excesso de velocidade, sendo que, como é sabido, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação deve atribuir-se culpa na sua produção, por presunção judicial, ao condutor que violou as regras de direito estradal, desde que ele não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que tivessem determinado tal facto. Ora, tudo o que assim resulta provado quanto à conduta estradal do condutor do veículo PB, consiste num acto ilícito e deveras culposo, determinante da eclosão do acidente em apreço.

3. Porém, considerou-se no acórdão recorrido que a conduta do próprio peão também se revelou culposa, pois “antes de iniciar a travessia da via como o estava fazendo à ocasião do atropelamento, podia e devia ter visto a aproximação do veículo automóvel PB, que manifestamente era para ele visível, atenta a configuração da via no local e o facto de circular com as luzes, nomeadamente as dianteiras, acesas na posição de médios. Por outro lado, era ainda exigível ao referido peão que ao ver/ou ter visto a aproximação do veículo automóvel se certificasse da velocidade a que o mesmo circulava para poder concluir se teria tempo de fazer a travessia da via, na dianteira do veículo, em plena segurança, nomeadamente para a sua vida e/ou integridade física. E finalmente, também se não pode olvidar que os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50m e, que no caso, resultou provado que o peão, dispondo a 40 metros do local onde realizou a travessia da via e, onde depois veio a ocorrer o seu atropelamento, de uma passadeira destinada à travessia de peões, devidamente assinalada com sinalização vertical e horizontal, voluntariamente decidiu não utilizar para realizar a travessia da via. Pelo que resulta igualmente indubitável a conclusão de que o peão teve uma conduta igualmente causal do acidente, a título de culpa”.

4. Concluindo pela existência de uma concorrência de culpas entre o condutor do veículo “PB” e o peão atropelado, o Tribunal da Relação … afirmou um grau de culpa muito maior do condutor do veículo automóvel seguro na Ré do que da vítima, fixando a contribuição para a eclosão do acidente em 75% para o condutor daquele veiculo automóvel e em 25% para o peão.

5. Com relevância para a apreciação desta questão, importa ter em conta a seguinte factualidade provada:

1. No dia … .10.2014, cerca das 19h35, o veículo ligeiro de passageiros ...-PB-..., conduzido pelo proprietário, DD, circulava na Rua …, em …. – …., no sentido … – …...

2. EE pretendia atravessar a Avenida ….. da esquerda para a direita, atento o sentido … – …...

3. Para esse efeito, iniciou a travessia daquela via, a 40 metros do local da passadeira destinada à travessia de peões, devidamente assinalada com sinalização vertical e horizontal.

4. E quando estava já a atravessar a metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido …. – …., foi colhido pela parte da frente do lado esquerdo do veículo ...-PB-..., junto ao farol esquerdo, tendo o peão embatido no pára-brisas do veículo do lado esquerdo, atingindo o espelho retrovisor desse lado.

5. Após o que foi projectado para a berma do lado esquerdo da Avenida …., atento o sentido do veículo “PB”, onde ficou prostrado no solo a 0,95 cms da referida berma, juntamente com o retrovisor esquerdo do veículo.

6. O condutor do veículo “PB” circulava a uma velocidade calculada de 53,25 Km por hora.

7. A velocidade naquele local está limitada por placas verticais de 30 Km por hora.

8. Quando ocorreu o embate era de noite, chovia e o piso estava escorregadio, pelo facto de ser em paralelepípedo.

9. O local do embate desenha-se em linha recta, em sentido descendente, atento o sentido do veículo ...-PB-... e com mais de 50 metros de extensão,

10. O condutor do veículo ...-PB-... acabou por imobilizar o veículo que conduzia a mais de 25 metros do local onde ocorreu o atropelamento.

11. O condutor do veículo “PB” circulava com as luzes médias do seu veículo ligadas.

12. A faixa de rodagem tem uma largura de 7,20m.

6. A Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., alega que o atropelamento ficou a dever-se, exclusivamente, à conduta do peão, “culposa, imprevidente, temerária e violadora das normas de circulação na via pública”, não havendo culpa do condutor do veículo automóvel por si segurado ou qualquer contribuição dos riscos próprios desse veículo.

7. Sustenta a Ré/Recorrente que o peão “EE irrompeu pela via repentinamente, sem antes se certificar se havia quaisquer veículos a circular na mesma, limitando-se a abandonar o passeio e introduzir-se na estrada, iniciando a travessia sem previamente atentar no trânsito”, sendo que “a travessia da via foi feita fora da passadeira, embora existisse uma a distância inferior a 50 metros”, pelo que “era ao peão que mais se exigia que tivesse avistado o veículo, pois que, por entre os diversos elementos existentes no campo de visão dos intervenientes estradais capazes de captar a sua atenção, é inequívoco que um veículo automóvel é mais facilmente percepcionável por um peão do que o contrário”.

8. Conclui ainda que o excesso de velocidade instantânea do condutor do veículo por si segurado se afigura irrelevante para a produção do acidente. Com efeito, o facto de o peão ter “irrompido na via sem qualquer cuidado, aparecendo na via num momento em que o veículo estava muito próximo, tornava impossível ao condutor do veículo impedir o embate, além que esse condutor tinha acabado de passar por uma passadeira, pelo que não podia contar com o atravessamento da via por um peão logo após.

9. Cremos não assistir razão à Ré/Recorrente Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., quanto à responsabilidade exclusiva do peão na ocorrência do acidente.

10. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, de forma consolidada, que a apreciação dos factos subjacentes à culpa, nomeadamente, a falta de atenção de interveniente no acidente, ou tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real, integra matéria de facto que esse Tribunal não pode sindicar à luz do disposto nos arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, n.os 1 e 2, do CPC. A apreciação da culpa apenas se consubstancia em matéria de direito quando se trate da violação ou inobservância de deveres jurídicos prescritos em lei ou regulamento, ou quando resulte da infração de normas legais, designadamente de direito estradal[7].

11. In casu, resultou provado que o peão iniciou a travessia da via em que circulava o veículo “PB” seguro na Ré, da esquerda para a direita, atento o sentido no qual seguia aquele veículo automóvel. Quando estava já a atravessar a metade direita da faixa de rodagem, foi colhido pela parte da frente do lado esquerdo daquele veículo, junto ao farol esquerdo. O respetivo condutor acabou por imobilizar o veículo “PB” a mais de 25 metros do local onde ocorreu o atropelamento. Provou-se também que o condutor do veículo “PB” circulava com as luzes médias ligadas, a uma velocidade calculada de 53,25 Km por hora. A velocidade naquele local está limitada por placas verticais a 30 Km por hora e, no momento do embate, era noite, chovia e o piso estava escorregadio em virtude de ser composto por paralelepípedo. O local do embate desenha-se em linha reta, em sentido descendente, dado o sentido do veículo “PB”, e com mais de 50 metros de extensão, tendo a faixa de rodagem uma largura de 7,20 m.

12. Parece evidente que o condutor do veículo seguro na Ré conduzia com velocidade excessiva, ultrapassando em 23,25 Km por hora o limite estabelecido para aquele local. Violou, por isso, o disposto no art. 28.º, n.º 1, al. b), do Código da Estrada, praticando uma contra-ordenação grave. prevista no art. 145.º, n.º 1, al. c), do mesmo corpo de normas. Infringiu, além disso, o dever legal de regular a velocidade do veículo que conduzia atendendo às condições meteorológicas - pois chovia -, às característica da via - com piso em paralelepípedo, que o torna mais escorregadio -, à circunstância de circular no interior de uma localidade, além de ser noite - o que reduz a visibilidade de outros utilizadores da via -, de modo a que pudesse, em condições de segurança, imobilizar a sua viatura no espaço livre e visível à sua frente ou, pelo menos, adotar manobra de mudança de trajetória, em ordem a evitar o embate no peão. Inobservou, assim, os arts. 24.º, n.º 1, e 25.º n.º 1, als. c) e e), do Código da Estrada. Tal violação da lei, só por si, como se refere no acórdão recorrido, gera uma presunção judicial no sentido de se atribuir culpa na produção de acidente de viação ao condutor que viola regras de direito estradal, desde que este não logre demonstrar a existência de quaisquer circunstâncias anormais que tivessem determinado tal facto - o que não sucedeu no caso concreto dos autos.

13. Refere ainda o acórdão recorrido que era possível e exigível ao condutor do veículo seguro na Ré “ter visto o peão a atravessar a faixa de rodagem e, pelo menos travar e/ou imobilizar o veículo, diminuindo a força do impacto do veículo no peão se não lograsse imobilizar o veículo sem embater no peão, ou então realizar uma manobra evasiva de recurso, a fim de tentar evitar ou evitar o embate”, pelo que é evidente que seguia “absolutamente desatento à via por onde circulava, ou seja, conduzia com manifesta inconsideração pelos demais utentes dessa via”.

14. Revela-se, assim, clara a culpa do condutor do veículo “PB” na produção do acidente, independentemente de qualquer culpa do peão.

15. Improcede, por isso, nesta parte, o recurso de revista interposto pela Ré Seguradora.

16. Por sua vez, tanto os Autores AA, BB e CC como a Interveniente principal FF sustentam, nos seus recursos subordinados, que o acidente de viação se deveu exclusivamente à conduta do condutor do veículo seguro na Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A..

17. Os Autores/Recorrentes alegam que “não foi apurado um único facto que pudesse levar à atribuição de que fosse que responsabilidade civil fosse ao peão”, porquanto não se demonstrou que o peão podia e devia ter avistado o veículo atropelante a circular, não sendo relevante que o atropelamento tenha ocorrido a cerca de 40 metros de uma passadeira destinada à travessia de peões. Na verdade, o que causou o acidente foi a circulação do condutor do veículo seguro na Ré “em piso molhado, escorregadio e constituído por paralelepípedos a quase o dobro da velocidade máxima permitida para aquele local (…), e que nem tampouco, dentro dos 30 metros que iluminavam os faróis frontais do seu ...... conseguiu perceber que se encontrava um peão a atravessar aquela via, da sua esquerda para a sua direita, acabando por colhê-lo já na metade direita da faixa de rodagem.

18. De acordo com os Autores/Recorrentes, se seguisse dentro da velocidade estabelecida para aquele local, e com o mínimo de atenção, o condutor do veículo “PB” teria, certamente, conseguido imobilizar, com facilidade, a viatura no espaço livre e visível à sua frente de, pelo menos, 30 metros, correspondente ao campo de iluminação dos respetivos faróis frontais na posição de médios.

19. A Interveniente Principal, que também recorre de forma subordinada, sustenta igualmente que não se provaram factos que permitam imputar qualquer responsabilidade ao peão pela ocorrência do atropelamento, pois o acidente deveu-se exclusivamente à conduta do condutor do veículo seguro na Ré.  Com efeito, este seguia de noite, com os médios acesos, sem qualquer justificação para o não uso das luzes de máximos, em excesso de velocidade, para além do limite legalmente permitido. Acresce que chovia, o piso estava escorregadio e o veículo automóvel ia a descer. Assim, numa reta de aproximadamente 50 metros, o respetivo condutor precisou de 25 metros para, após o embate, imobilizar o veículo. Refere ainda que o condutor seguia desatento, porquanto não viu o peão que já estava a atravessar a faixa de rodagem e dela já tinha percorrido toda a hemi-faixa contrária. O condutor apenas iniciou a travagem após o embate.

20. Resultou provado que o peão EE pretendia atravessar a via em que circulava o veículo seguro na Ré, da esquerda para a direita, considerando o sentido de marcha daquele veículo e, para esse efeito, iniciou a travessia a 40 metros do local da passadeira destinada à passagem de peões, devidamente assinalada com sinalização vertical e horizontal. Quando se encontrava já a atravessar a metade direita da faixa de rodagem, foi colhido pela parte da frente do lado esquerdo do veículo “PB”.

21. Provou-se outrossim que o condutor do veículo “PB” circulava com as luzes médias do seu veículo ligadas, a uma velocidade calculada de 53,25 Km por hora e que, no momento do embate, era noite, chovia e o piso estava escorregadio por ser composto por paralelepípedo. O local do embate desenha-se em linha reta, em sentido descendente, atento o sentido da marcha do veículo “PB”, com mais de 50 metros de extensão, tendo a faixa de rodagem uma largura de 7,20m.

22. Por outro lado, o peão podia e devia ter atravessado a faixa de rodagem na passagem especialmente sinalizada para esse efeito por sinalização vertical e horizontal existente a 40 metros do local onde resolveu efetuar a travessia. Violou, assim, o disposto no art. 101.º, n.º 3, do Código da Estrada.

23. O peão não utilizou, voluntariamente, o local devidamente assinalado para a passagem de peões, existente a 40 metros do local onde se deu o atropelamento.

24. Acrescenta ainda o Tribunal da Relação …… que o peão “antes de iniciar a travessia da via como o estava fazendo à ocasião do atropelamento, podia e devia ter visto a aproximação do veículo automóvel PB, que manifestamente era para ele visível, atenta a configuração da via no local e o facto de circular com as luzes, nomeadamente as dianteiras, acesas na posição de médios. Por outro lado, era ainda exigível ao referido peão que ao ver/ou ter visto a aproximação do veículo automóvel se certificasse da velocidade a que o mesmo circulava para poder concluir se teria tempo de fazer a travessia da via, na dianteira do veículo, em plena segurança, nomeadamente para a sua vida e/ou integridade física.

25. Existe, pois, culpa do peão na produção do acidente, sendo desrazoável a argumentação dos Autores/Recorrentes no sentido de não se ter provado qualquer facto passível de fundar essa culpa.

26. Improcede, nesta parte, o recurso subordinado interposto pelos Autores e pela Interveniente Principal.

27. Concluindo pela existência de uma concorrência de culpas do condutor do veículo “PB” e do peão atropelado, o Tribunal da Relação …. estabeleceu um grau de culpa maior do primeiro do que segundo, fixando a contribuição para a eclosão do acidente em 75% para o condutor daquele veículo e em 25% para o peão.

28. A Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., preconiza, no seu recurso, que, no caso de se concluir pela concorrência de culpas, nunca se poderá considerar que a contribuição causal do peão para a eclosão do acidente seja inferior a 40%.

29. O Supremo Tribunal de Justiça, em casos apenas relativamente similares ao dos presentes autos, de concorrência de culpas, na verificação de um atropelamento, do condutor de um veículo automóvel em velocidade excessiva e de um peão que atravessa a faixa de rodagem inobservando deveres legais que não se cingem àquele supra mencionado, tem decidido repartir de forma mais igualitária a culpa pela produção do acidente[8].

30. Atendendo a que o peão apenas infringiu o art. 101.º, n.º 3, do Código da Estrada, diferentemente do condutor do veículo “PB”, que violou as normas dos arts. 24.º, n.º 1, e 25.º n.º 1, als. c) e e), do mesmo corpo de normas, cremos justificar-se a repartição de culpas decidida no acórdão recorrido, pois as circunstâncias do caso sub judice permitem concluir que o grau de responsabilidade de cada interveniente não deve aproximar-se de uma repartição igualitária.

31. Levando em linha de conta as circunstâncias do caso em apreço, o excesso de velocidade do condutor do veículo automóvel foi substancialmente mais expressivo do que aquele que se verificou nas situações apreciadas em cada um dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça anteriormente referidos, pois o condutor excedeu em 23,25 Km o limite máximo de velocidade estabelecido para o local do acidente. De resto, era noite, chovia e o piso estava escorregadio em virtude de ser composto por paralelepípedo.

32. Assim, afigura-se adequado repartir as responsabilidades concorrentes do condutor do veículo “PB” e do peão para a produção do acidente na proporção de 75% para o primeiro e de 25% para o segundo, pois que, estando aquele habilitado para a condução automóvel, exige-se dele um domínio significativamente maior das circunstâncias envolventes, designadamente da distância visualizável de que dispõe à sua frente para poder suster a marcha no caso de imprevisível aparecimento de peões na via de rodagem.

33. Por conseguinte, a repartição da culpa deve fixar-se, tal como o fez o Tribunal da Relação …., em 75% para o condutor do veículo seguro na Ré e em 25% para o peão.

34. Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto pela Ré Seguradora.

Nexo causal entre o acidente e a morte da vítima

1. A Ré/Recorrente Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., alega que, a propósito do nexo de causalidade entre o acidente e a morte do peão, o Tribunal da Relação, ao entender que este padecia de grave doença coronária anterior ao acidente que, muito provavelmente, lhe iria desencadear a morte por miocardiopatia isquémica, incorreu em erro ao concluir que não era provável que tal viesse a suceder na data em que efetivamente aquele faleceu e que, para a morte concorreu, com a doença, de forma determinante, um alegado stress traumático de cariz psicológico a que foi sujeito desde o sinistro.

2. Sustenta a Ré/Recorrente que essa conclusão não resulta das regras da experiência comum e da normalidade dos acontecimentos ou dos factos notórios e de conhecimento generalizado, tratando-se antes de uma afirmação que implica conhecimentos científicos que o julgador não possui. Além disso, não se provou que, na fração de segundos que antecedeu o acidente, durante o acidente e nos meses de internamento que se lhe seguiram, a vítima sentiu a iminência da morte, que lhe teria causado, seguramente, maior agonia, amargura e angústia. Surge, por isso, como contraditória a referência a um pretenso stress traumático como consequência do acidente e concausal da morte.

3. A Ré/Recorrente conclui que, em princípio, um acidente de viação que provoca as lesões traumáticas que o peão apresentava não conduz à verificação de uma miocardiopatia cinco meses mais tarde. A prova produzida não permite concluir que o acidente não foi totalmente indiferente à ocorrência da morte. Deste modo, não se podendo depreender que o acidente haja sido causa adequada da morte, justifica-se a sua absolvição de todos os pedidos.

4. A título subsidiário, a Ré/Recorrente invoca que, ainda que se conclua pela existência de um nexo causal entre o acidente e a morte, aquele não foi a única e exclusiva causa do falecimento do peão, porquanto se pode afirmar que nunca o peão teria falecido se não padecesse de hipertensão arterial e de doença arterial periférica (estenose femoral 60-70%), causadas por lesões graves de aterosclerose, com extensa calcificação e obstrução até cerca de 70%-80% da área da secção do lúmen do órgão cardíaco. Sempre acabaria por falecer daquela doença, mesmo que não tivesse sofrido o acidente. Pelo que, em sua opinião, se deverão graduar também os graus de contribuição dos dois fatores causais para o falecimento do peão. Tendo em conta a idade que apresentava e o estado muito avançado da doença - documentados nos autos -, nunca o acidente terá agravado em mais de 20% a referida patologia, motivo pelo qual as indemnizações fixadas deverão ser reduzidas em 80%.

5. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, de forma consolidada, que “a matéria respeitante ao nexo de causalidade adequada, como tal designada pela doutrina e tida como adotada no artigo 563.º do CC, envolve duas componentes: uma, de feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; outra, de alcance estritamente normativo, tendente a saber se esse facto, em abstrato, é causa adequada daquele resultado (…) Assim, enquanto que a componente naturalística, abarcando a fixação dos factos e a sua valoração probatória, escapa à sindicância do tribunal de revista, nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, já a vertente normativa é passível de apreciação por este tribunal[9].

6. Sobre esta matéria, “o juízo sobre a causalidade integra, por um lado, matéria de facto, certo que se trata de saber se na sequência de determinada dinâmica factual um ou outro facto funcionou efectivamente como condição desencadeadora de determinado efeito. E, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstracto, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação[10].

7. In casu, resulta claro que a Ré/Recorrente põe em causa a componente naturalística do nexo de causalidade entre o atropelamento e a morte do peão, pois trata-se de saber se existe nexo entre as lesões provocadas diretamente pelo embate do corpo da vítima no veículo seguro na Ré e o falecimento daquela, alguns meses depois. Ou seja, está em causa a questão de saber se as lesões descritas nos factos provados como tendo sido provocadas pelo embate atuaram, efetivamente, como condição desencadeadora do falecimento do peão.

8. Conforme o acórdão recorrido, “dentro de padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, pelos quais o julgador se deve sempre guiar e que nos conduz inexoravelmente à conclusão alcançada em 1.ª instância, concluímos que a morte de EE resultou, muito provavelmente, não só do seu estado de saúde prévia ao sinistro com o que concorreu, de forma determinante e essencial - co-causa essencial e determinante - o stress traumático de cariz psicológico a que foi sujeito desde a ocasião do sinistro e até à morte. Pelo que quanto a esta questão, ou seja, verifica-se nexo de causalidade entre o sinistro, os danos por via dele causados ao falecido e a posterior morte deste, e por tudo isto, é devida indemnização aos autores e à interveniente pela morte EE, sem qualquer limitação sequer quanto à verificação do nexo de causalidade.

9. Assim, seguindo também a tendência jurisprudencial mencionada supra, encontramo-nos perante a componente naturalística do nexo de causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil, que abarca a fixação dos factos e a sua valoração probatória, que, nos termos dos arts .674.º, n.º 3, e 682.º, n.os 1 e 2, do CPC, escapa à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça.

10. Na verdade, a Ré/Recorrente alega ter existido erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. Isto é claramente insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. Note-se que o Tribunal da Relação …. se moveu exclusivamente no âmbito de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, o que, segundo os arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, n.os 1 e 2, do CPC, escapa aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

11. Improcede, por conseguinte, nesta parte, o recurso de revista interposto pela Ré Seguradora.

Violação dos poderes do Tribunal da Relação de modificação da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC

1. A Ré/Recorrente Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., alega que, verificando-se a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada, designadamente sobre se o falecido terá ou não sofrido um stress traumático suscetível de agravar a doença coronária prévia, o Tribunal da Relação ... deveria ter ordenado a produção de novos meios de prova, conforme o art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC.

2. Na verdade, na alegação da Ré/Recorrente “o Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, aventurou-se a decidir a questão jurídica do nexo causal entre o acidente e a morte com apelo a um conceito de stress traumático (de cariz psicológico) que desconhece, de todo, e que não tem como conhecer, dado que se trata de uma questão de natureza médica, que deveria ter esclarecido em sede de decisão da matéria de facto.

3. Conclui a Ré/recorrente que o Tribunal da Relação …. “violou o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC, pois, verificando-se a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada, designadamente sobre se o falecido terá sofrido um stress traumático capaz de agravar a doença coronária prévia, deveria ter ordenado a produção de novos meios de prova”. Por isso, o acórdão recorrido deve “ser anulado e, em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 682.º, n.º 3 do CPC, deve este venerado Supremo Tribunal de Justiça ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo para que este amplie a decisão de facto de forma a esclarecer: i) sobre a possível existência de stress traumático (psicológico ou não) em doentes como EE; ii) se esse stress é captado pelo doente de forma a influenciar a ocorrência de uma miocardiopatia num paciente com doença cardíaca prévia como a documentada nos autos; iii) por que razão tal influência apenas se manifestou cinco meses após a ocorrência do traumatismo e a entrada em estado de coma. Para o efeito, sugere-se que seja solicitado parecer sobre a matéria aos Colégios das Especialidades de Anestesiologia e de Neurologia da Ordem dos Médicos.

4. A este propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça atualmente dominante tem defendido que “o não uso pelo tribunal da Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 2 do art. 662.º do NCPC, sem prejuízo do preceituado no n.º 4 do mesmo normativo, é passível de ser sindicado pelo STJ, em sede de revista, com fundamento em violação de lei processual, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 674.º do NCPC, no sentido de verificar a sua conformidade com os parâmetros ali traçados[11].

5. Porém, não se descura que a questão não tem sido objeto de consenso na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[12].

6. Seguindo a jurisprudência dominante - referida supra -, cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como o Tribunal da Relação usa (ou não usa) os poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º, n.º 2, do CPC. Importa, por conseguinte, apreciar se, no caso dos autos, o Tribunal da Relação … tinha o poder-dever de determinar, mesmo oficiosamente, a produção de novos meios de prova. Seria necessária, para esse efeito, a existência de dúvida fundada sobre a prova produzida, além de se ponderar a realização do princípio do inquisitório ou da oficiosidade (art. 411.º do CPC) conjugadamente com as regras de repartição do ónus da prova e os princípios da igualdade e da autorresponsabilização das partes em juízo.

7. Assim, “dúvida séria ou fundada é aquela que, por um lado, surge da incerteza quanto ao preenchimento do adequado estalão probatório, e que, por outro lado, se apresenta como susceptível de, segundo padrões de praticabilidade, ser resolvida. Não há dúvida séria/fundada se se tem por adquirido o preenchimento ou não preenchimento do adequado estalão probatório, nem se, apesar da incerteza, não se descortina modo útil e efectivo de a afastar[13].

8. O critério orientador da aferição da (in)existência dessa dúvida séria/fundada pode ser encontrado na “apreciação crítica da atuação que o juiz de 1ª instância teve ou deveria ter tido aquando da realização da audiência final, ponderando casuisticamente a amplitude dos poderes de averiguação que a lei lhe confere, devendo a questão ser avaliada pela Relação em termos semelhantes aos que deveriam sê-lo pelo juiz de 1ª instância[14].

9. No caso sub judice, a propósito da prova dos factos sob o n.º 19, relativo ao nexo causal entre o atropelamento e a morte, segundo o acórdão recorrido, “visto o teor do relatório da autópsia, o processo clínico do falecido e demais prova documental quanto à situação clínica do mesmo antes do acidente e ouvidos os depoimentos das testemunhas HH - médica especialista em ortopedia e perita de medicina legal; GG – médico especialista em medicina do trabalho e que realizou a autópsia EE e respectivo relatório junto aos autos, e II – médico-cirurgião cardiotorácico, que não obstante terem tidos diversas aproximações do ponto de vista médico à situação em apreço, bem explicitaram as suas declarações que assim foram por nós bem entendidas, todavia, dúvidas não temos de que o que consta do ponto 19 da matéria de facto julgada provada em 1.ª instância corresponde exactamente à realidade.” Reportando-se ao depoimento da testemunha GG, refere-se no acórdão recorrido que “afirmou a referida testemunha que a vítima foi submetida, após o acidente, dado o seu estado de saúde e durante o período de evolução das lesões, a um enorme stress traumático que sobrecarregou (não sobrecarga mecânica decorrente de esforço físico, mas uma sobrecarga por libertação de uma série de hormonas (catelcolaminas, etc.) que podem ter determinado arritmias, ou seja, alterações da condução eléctrica cardíaca) o coração já se si doente, levando a arritmias ou a um espasmo de uma artéria coronária, que pode ter tido influência e/ou ter sido determinante da sua morte por cardiopatia isquémica.”. Na análise do nexo causal entre as lesões sofridas pelo embate do veículo seguro na Ré e a morte do peão, o Tribunal da Relação …. concluiu que “é muito provável que a doença arterial periférica (estenose femoral 60-70% - causadas por lesões graves de aterosclerose) que o falecido apresentava previamente ao atropelamento lhe viesse a desencadear a morte por miocardiopatia isquémica, contudo era também muito provável, de acordo com o conhecimento médico e respectivo tratamento médico-cirúrgico actual, que tal não sucedesse até à data em que efectivamente se veio a verificar a sua morte. Na verdade, é também muito provável que a morte ocorrida tenha sido antecipada pelo manifesto stress traumático originado/causado, ainda que subtilmente ao falecido, em consequência directa e necessária do seu atropelamento e das graves lesões traumáticas que sofreu. E assim, por tudo isto, dentro de padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, pelos quais o julgador se deve sempre guiar e que nos conduz inexoravelmente à conclusão alcançada em 1.ª instância, concluímos que a morte de EE resultou, muito provavelmente, não só do seu estado de saúde prévia ao sinistro com o que concorreu, de forma determinante e essencial - co-causa essencial e determinante - o stress traumático de cariz psicológico a que foi sujeito desde a ocasião do sinistro e até à morte. Pelo que quanto a esta questão, ou seja, verifica-se nexo de causalidade entre o sinistro, os danos por via dele causados ao falecido e a posterior morte deste, e por tudo isto, é devida indemnização aos autores e à interveniente pela morte EE, sem qualquer limitação sequer quanto à verificação do nexo de causalidade. Improcedem as respectivas conclusões da ré/seguradora.

10. Não se descortina, deste modo, a existência de qualquer dúvida séria ou fundada do Tribunal da Relação ao decidir sobre a matéria factual ora em apreço. Na verdade, este Tribunal concluiu que a causa essencial e determinante da morte da vítima foi o stress traumático a que a mesma foi sujeita desde o sinistro. Baseou-se no depoimento de uma testemunha para depreender que esse stress traumático sobrecarregou [não se trata de sobrecarga mecânica, decorrente de esforço físico, mas antes de sobrecarga por libertação de uma série de hormonas (catelcolaminas, etc.) que podem ter determinado arritmias, ou seja, alterações da condução eléctrica cardíaca] o coração, já de si doente, conduzindo a arritmias ou a espasmo de uma artéria coronária. O Tribunal da Relação …., harmonizando esse depoimento com a demais prova produzida, concluiu que esses factos foram determinantes da morte da vítima por cardiopatia isquémica.

11. Conforme referido supra, uma vez que o Tribunal da Relação …. se baseou em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, o erro na apreciação dos factos e na fixação dos factos materiais da causa é insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

12. Não havendo qualquer dúvida ou incerteza por parte do julgador, não se descortina qualquer violação do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC.

13. Nestes termos, improcede, também nesta parte, a argumentação da Ré/Recorrente.

Indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais decorrentes do falecimento do peão

Dano morte

1. A Ré/Recorrente alega que a compensação pela perda do direito à vida de EE, fixada pelo Tribunal da Relação …. em € 75.000,00, se afigura demasiado elevada. Considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de um lado e, de outro, o facto de EE ter 83 anos de idade e padecer de grave doença coronária (que muito provavelmente não lhe garantiria uma esperança de vida muito superior), o valor bruto de € 60.000,00 parece adequado para a compensação do dano pela perda da vida.

2. Alega, para o efeito, que “o dano sofrido por alguém que se vê privado, em tenra idade, da oportunidade de viver será, em princípio, superior ao daquele a quem tal infortúnio ocorre já perto do termo da esperança média de vida, pois que, pelas leis da natureza, na segunda hipótese o momento da morte natural está, a cada dia, iminentemente mais próximo, ao que acresce, no caso concreto, que a morte natural acabaria mesmo por ocorrer, muito provavelmente, a breve trecho, em virtude das graves lesões coronárias de EE.

3. Sustenta ainda que “o Tribunal a quo considerou erradamente, na determinação do valor bruto da compensação pelo dano moral pela perda da vida, a pouca contribuição do lesado para o acidente, pois que essa apenas devia ser considerada no âmbito da posterior dedução (ou não) do grau de culpa do lesado (para fazer reduzir o valor final a pagar e não para o fazer subir).”

4. Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do CC, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Conforme o n.º 2, do mesmo preceito, “por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

5. De acordo com a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, o art. 496.º, n.º 2, do CC, deve ser interpretado no sentido de admitir a atribuição de uma compensação pecuniária tripartida: pela perda da vida da vítima direta; pelos sofrimentos da vítima direta que antecederam a morte; pelos sofrimentos próprios dos familiares por causa da morte da vítima direta[15].

6. De acordo com o n.º 4, da mesma disposição legal, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, levando em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC. Por sua vez, nos termos deste preceito, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.

7. Assim, a argumentação apresentada pela Ré/Recorrente encontra-se destituída de sentido quando se insurge contra a consideração do grau de culpabilidade do agente, porquanto este se traduz num dos critérios legais a ser levado em conta.

8. Os danos não patrimoniais são, assim, fixados de acordo com a equidade. O Tribunal decide, pois, segundo a equidade ou aequitas. Assim procedeu o Tribunal da Relação …..

9. Apesar de a referir em diversos contextos, o CC não contém uma definição de equidade. A primeira norma a mencioná-la é a do art. 4.º, em sede de fontes do Direito, que admite que os Tribunais possam julgar ex aequo et bono, i.e., segundo a equidade.

10. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[16], a aplicação de puros juízos de equidade não se traduz, cum summo rigore, na resolução de uma “questão de direito”. Se o Tribunal é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto sub iudicio[17].

11. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso[18]. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto[19].

12. De modo particularmente claro e impressivo, “escreveu-se no acórdão de 7 de Junho de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1: “Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis (…)”.”[20].

13. A equidade traduz-se, pois, no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). O julgamento segundo a equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição[21].

14. Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. “O que ocorre é que as analogias de que o julgador inevitavelmente se socorre se encontram, na equidade, desvinculadas da autoridade do sistema. O recurso à analogia na equidade mostra, portanto, a suscetibilidade de generalização do critério de decisão que também possui a sentença de equidade[22].

15. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença”.

16. Pode, assim, concluir-se que a equidade não remete, de forma alguma, para o simples entendimento pessoal do julgador ou para a sua íntima convicção e, também por isso, afasta-se o puro arbítrio judicial. Não está igualmente em causa, na decisão segundo a equidade, uma apreciação intuitiva e puramente individual, mas antes racional e objetivável[23].

17. O Supremo Tribunal de Justiça tem, assim, entendido que, na avaliação e ponderação do montante dos danos não patrimoniais, o juízo de equidade levado a cabo pelas Instâncias é sindicável por aquele Tribunal em termos muito limitados, incidindo apenas sobre a verificação dos pressupostos da fixação equitativa da indemnização, a determinação da (ir)relevância dos danos e sobre a apreciação da conformidade dessa avaliação com os critérios legais e/ou jurisprudenciais[24]. Assim, “mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis[25].

18. Insiste-se: o recurso à equidade, à luz do art. 494º ex vi do art. 496.º, n.º 4, do CC, com vista à determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais, não afasta – conforme mencionado supra - a conveniência de uma harmonização de critérios jurisprudenciais.

19. Estando em causa uma indemnização fixada pelo Tribunal da Relação segundo a equidade, num recurso de revista importa, essencialmente, verificar se os critérios adotados para a determinação do montante indemnizatório se afiguram suscetíveis de ser generalizados e se harmonizam com os padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser observados em situações análogas ou equiparáveis[26].

20. Por conseguinte, reveste-se de particular importância uma análise comparativa, a este propósito, em termos de ponderação prudencial, com outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça, em ordem à consideração de critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva atualista, generalizadamente vêm sendo adotados, de molde a não pôr em causa a segurança na aplicação do Direito e o princípio da igualdade.

21. No caso dos autos, o Tribunal da Relação ….. considerou “que EE tinha 83 anos de idade à data da sua morte, era sociável, expansivo e alegre, gozando da estima de quem com ele convivia, respeitado e respeitador. Era o sineiro e acólito na igreja paroquial e tinha um pequeno rebanho de ovelhas que apascentava e cuidava e vivia, antes do acidente, com a sua filha FF. Finalmente, considerando a pouca contribuição da vítima, (grau de culpabilidade concorrente do próprio lesado) como acima deixámos explicitado, para a eclosão do brutal acidente/atropelamento em apreço, depois de tudo considerado e usando de um juízo de equidade, julga-se, em abstracto, justa, adequada e proporcional a compensação de €75.000,00, para a indemnização do dano-morte.

22. Segundo a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, o dano pela perda do direito à vida situa-se, em regra, entre os montantes de € 50.000,00 e de € 80.000,00. Em alguns casos decididos mais recentemente, atingiu o valor € 100.000,00[27].

23. Atendendo à idade da vítima e restantes circunstâncias do caso concreto, importa levar em devida linha de conta as seguintes decisões:

- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2020 (Rijo Ferreira), proc, n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1, “(…) VIII - Não é de censurar a fixação em € 54.000,00 e € 16.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida e demais danos morais pela morte de indivíduo com 75 anos que foi sujeito a várias hospitalizações durante 1 mês e a 3 meses de tratamento ambulatório, não recuperou a marcha, viveu os últimos 4 meses de vida entre a cama e a cadeira de rodas dependendo de terceiros quando antes era pessoa autónoma, daí decorrendo afectação funcional, do bem-estar físico e psíquico, da autonomia pessoal e liberdade ambulatória, da capacidade de afirmação pessoal, da imagem perante os outros e si próprio, e o inerente sofrimento físico e psíquico[28];

- conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Pinto de Almeida), proc. n.º 1580/16.4T8AVR.S1, “(…) II - Provando-se que a vítima, à data da morte, tinha 72 anos, era uma pessoa activa, gozava de boa saúde, era sociável e alegre, dedicava-se a uma agricultura para consumo familiar, sendo estimado e considerado no meio onde vivia, fazendo parte de uma tuna, e era bom marido, pai e avô, deverá ser fixado em € 70 000,00 o montante (anteriormente fixado em € 60 000,00) pela perda do direito à vida. (…)”;

- no acórdão de 19 de dezembro de 2018 (Távora Victor), proc. n.º 1178/16.7T8VRL.L1, o Supremo Tribunal de Justiça  decidiu que “(…) III - Na fixação da indemnização decorrente da perda do direito à vida pesam as circunstâncias de cada caso, sendo que, no caso de uma vítima de 61 anos de idade, estimada e inserida no meio em que vivia e susceptível de ganhar o seu sustento, mostra-se adequado fixar a indemnização a título do dano morte no montante de € 60 000,00. IV - Para que a indemnização ao abrigo do art. 495.º, n.º 3, do CC, possa ser atribuída é necessário que a reclamante alegue e prove a necessidade de alimentos, pelo que não tendo a autora demonstrado qualquer necessidade ou carência de alimentos não pode tal indemnização ser atribuída à filha do falecido vítima do acidente de viação em causa nos autos”; 

- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2018 (Salreta Pereira), proc. n.º 370/12.8TBOFR.C1.S2, “(…) II - Os valores de € 65 000 e de € 30 000 fixados a título de indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos filhos da vítima, estão em consonância com os critérios praticados pelo STJ. (…)” - no caso apreciado por este acórdão, a vítima tinha, à data da morte, 44 anos de idade;

- conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 209/13.7TBTMR.E1.S1, “I - Resultando dos factos provados que: (i) o atropelamento do peão, ocorrido em 31-12-2011, pelas 19h40m, teve lugar no momento em que o veículo transpunha o eixo médio da faixa de rodagem para passar a circular no corredor mais à esquerda; (ii) que o veículo circulava com a luz dos médios ligados; (iii) que o troço da via antecedente ao local do embate se estendia numa reta de, pelo menos, 200 metros; (iv) que a travessia do peão se processou no campo visual do referido condutor a uma distância de 30 metros; (v) que a estrada, nessa zona, era marginada por habitações; (vi) que o veículo seguia a cerca de 80km/hora; (vii) que o peão empreendeu a travessia numa estrada nacional e (viii) que podia alcançar a aproximação de veículos, é de concluir que tanto o condutor do veículo como o peão violaram as normas estradais, contribuindo ambos para a produção acidente. II - O condutor do veículo, porque seguia a cerca de 80km/hora quando as circunstâncias enunciadas em I, designadamente o facto de ser previsível a travessia de peões à hora em referência (19h40m), lhe impunham que moderasse especialmente a velocidade, de modo a permitir a execução de manobra de desvio ou de paragem ante a eventual travessia de peões, dentro da zona de visualização de que dispunha (arts. 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, al. c), ambos do CEst). III - O peão porque empreendeu a travessia numa estrada nacional e podendo alcançar a aproximação de veículos, fê-lo sem se assegurar de que podia realizar essa travessia em segurança, violando o disposto no art. 101.º, n.º 1, do CEst. IV - Face aos descritos factos, é adequado distribuir as responsabilidades concorrentes do condutor do veículo e do peão para a produção do acidente na proporção de 60% para o primeiro e de 40% para o segundo, uma vez que, estando aquele habilitado para o exercício da condução automóvel, requer-se dele um maior nível de exigência e um maior domínio das circunstâncias envolventes, mormente da distância visualizável que dispõe à sua frente para poder suster a marcha em caso de um previsível surgimento de peões na via. V - No que toca à indemnização pelo dano morte, tendo em conta que o peão contava então com 79 anos de idade, era saudável, ativo e jovial, ocupando-se no cultivo da terra e noutras atividades agrícolas, bem como que a jurisprudência tem oscilado entre os € 50 000 e os € 80 000, é ajustado um valor na ordem dos € 65 000, o qual, atendendo à quota de responsabilidade de 60% imputada ao condutor do veículo, fica reduzido a € 39 000. (…)”.

24. Da jurisprudência mencionada pode retirar-se que, em casos similares àquele sub judice, o montante arbitrado pelo Supremo Tribunal de Justiça oscilou entre os valores de € 54.000,00 e de € 70.000,00. Contudo, as vítimas eram mais jovens do que o peão falecido nestes autos. Na maioria dos acórdãos referidos, o montante da indemnização não ultrapassou o valor de € 65.000,00. Importa outrossim ter em conta as especificidades do caso concreto, designadamente os graves problemas de saúde de que a vítima padecia. Num caso semelhante àquele em apreço, em que também se distribuíram as responsabilidades concorrentes do condutor do veículo e do peão para a produção do acidente na proporção de 60% para o primeiro e de 40% para o segundo, tendo o peão falecido com 79 anos de idade, fixou-se a indemnização em € 65.000,00, mas resultou provado que a vítima era saudável e jovial[29]. Muito diferentemente, no caso em apreço, a vítima sofria de graves problemas de saúde.

25. Analisando a jurisprudência mais recente, supra citada: no acórdão de 24 de setembro de 2020, proc. n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em € 54.000,00, tendo a vítima 75 anos de idade; no acórdão de 19 de dezembro de 2018, proc. n.º 1178/16.7T8VRL.L1, fixou-se a mesma indemnização em € 60. 000,00, tendo a vítima de 61 anos idade. De resto, no acórdão 5 de junho de 2018, proc. n.º 370/12.8TBOFR.C1.S2, em que a vítima tina apenas 44 anos de idade, foi fixada a indemnização pelo dano morte em € 65. 000,00.

26. Comparando a situação dos autos com outras apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, assim como os montantes que por este têm vindo a ser arbitrados, considera-se excessivo o valor fixado pelo Tribunal da Relação ….. (€ 75.000,00). Afigura-se mais conforme com a jurisprudência mais recente o valor fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância (€ 60.000,00).

27. Procede, assim, nesta parte, o recurso da Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., fixando-se o valor bruto do dano morte em € 60.000,00. Considerando a quota de responsabilidade imputada ao condutor do veículo seguro na Ré (75%), o valor final da indemnização por este dano deve fixar-se em € 45.000,00.

Danos não patrimoniais sofridos por cada filho devido ao falecimento do pai

1. A Ré/Recorrente alega que “é certo que o valor de 20.000,00 € vem sendo sido concedido, em certos casos, como compensação pelo dano moral decorrente da perda dos pais, mas tal sucede invariavelmente em casos em que os progenitores falecidos são muito mais novos do que EE e os seus filhos são crianças, adolescentes ou jovens adultos. Aos 83 anos, e com história de doença cardíaca já diagnosticada, o cenário do falecimento do pai era algo que os filhos, por certo, já antecipavam como uma realidade relativamente próxima, muito diferente do que sucede com o choque e a perda sofridos por uma criança, adolescente ou jovem adulto.”     

2. Conclui que o montante bruto de € 15.000,00, atribuído pelo Tribunal de 1.ª Instância a cada um dos filhos, era, perante as circunstâncias do caso concreto e a atual realidade jurisprudencial, adequado à compensação do dano não patrimonial de cada um deles pela perda do pai, sendo o valor bruto de € 20.000,00, conferido pelo Tribunal da Relação ….. manifestamente excessivo.

3. In casu, o Tribunal da Relação …. considerou que “o falecido EE era uma pessoa sociável, expansivo e alegre, gozando da estima de quem com ele convivia, respeitado e respeitador querida dos seus amigos e familiares, sendo que antes do acidente residia com a sua filha FF (interveniente). Daí que os filhos do falecido, após o acidente, ficaram tristes, apreensivos, aflitos, visitando o pai diariamente quer no ......., ....... e ....... e, posteriormente sentiram a morte trágica e prematura do seu pai.

4. Segundo o acórdão recorrido, “ponderando todos esses factos, não se descortinando uma qualquer situação de maior sofrimento e/ou dor pela morte de EE por parte da filha FF, não obstante o falecido até à data do acidente ser convivente com a mesma, daí que fazendo apelo a um juízo de equidade, julgamos equilibrado, justo e adequado à compensação do sofrimento vivenciado por cada um dos autores e pela interveniente com a perda do seu pai, a fixação em abstracto de uma indemnização a esse título, para cada um deles, no montante de €20.000,00.

5. Conforme referido supra, de acordo com a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, o art. 496.º, n.º 2, do CC, deve ser interpretado no sentido de admitir a atribuição de uma compensação pecuniária tripartida: pela perda da vida da vítima direta, pelo sofrimento da vítima direta que antecedeu a morte, pelo sofrimento próprio dos familiares causado pela morte da vítima direta[30].

6. Por seu turno, o Tribunal da Relação …. respeitou os critérios previstos no art. 494.º - aplicável por via da remissão estabelecida no art. 496.º, n.º 4, do CC, tendo considerado o impacto negativo que o falecimento de EE teve nos seus filhos.

7. Analisando a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, pode dizer-se que o montante fixado se situa dentro dos valores arbitrados por este Tribunal. Com efeito, atendendo à idade da vítima e às restantes circunstâncias do caso concreto, destacam-se as seguintes decisões:

- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Pinto de Almeida), proc. n.º 1580/16.4T8AVR.S1, “(…) II - Provando-se que a vítima, à data da morte, tinha 72 anos, era uma pessoa activa, gozava de boa saúde, era sociável e alegre, dedicava-se a uma agricultura para consumo familiar, sendo estimado e considerado no meio onde vivia, fazendo parte de uma tuna, e era bom marido, pai e avô, deverá ser fixado em € 70 000,00 o montante (anteriormente fixado em € 60 000,00) pela perda do direito à vida. III - No que respeita aos danos não patrimoniais próprios sofridos pelas recorrentes (mulher e filha) é adequado manter a indemnização arbitrada de € 25 000,00 para cada, porquanto integra perfeitamente os parâmetros adoptados pela jurisprudência mais recente deste tribunal. (…)”;

- conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1, “(…) IX - Quanto à compensação pelos sofrimentos próprios dos filhos devidos à morte da vítima, tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais apurados, assim como a necessidade de uma progressiva actualização dos valores indemnizatórios, considera-se justo e adequado que a indemnização base pelos danos próprios de cada um dos autores seja fixada em € 30 000,00, tendo cada um direito a 30% desse valor, atendendo à quota de responsabilidade imputada ao condutor do veículo seguro na ré, o que perfaz € 9 000,00 para cada um”- (no caso apreciado por este acórdão, a vítima tinha 55 anos de idade na data da morte);

- em conformidade com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de junho de 2018 (Salreta Pereira), proc. n.º 370/12.8TBOFR.C1.S2, “(…) II - Os valores de € 65 000 e de € 30 000 fixados a título de indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos filhos da vítima, estão em consonância com os critérios praticados pelo STJ. (…)” (no caso apreciado por este acórdão, a vítima tinha, ao tempo do falecimento, 44 anos de idade);

- segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2018 (Helder Almeida), proc. n.º 1685/15.9T8CBR.C1.S1, “(…) III - A fixação da indemnização devida pela perda do direito à vida e pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora assenta no recurso à equidade, pelo que a intervenção do STJ neste domínio se cinge à verificação dos limites e pressupostos do juízo equitativo. IV - O facto de o falecido condutor do velocípede seguir com uma taxa de álcool no sangue de 0,44 g/l e de ter canabinóides na sua corrente sanguínea não aponta no sentido de que o mesmo descuidava a sua integridade física, não justificando que se modifique o montante de € 65 000, fixado pela Relação para ressarcir o dano morte. Não se revela, por seu turno, dissonante com os critérios jurisprudenciais usualmente adoptados a fixação da indemnização devida por danos não patrimoniais em € 30 000.  (…)” –(no caso apreciado por este acórdão, a vítima tinha, à data do falecimento 44 anos de idade, tendo sido fixado o valor de € 30.000,00 para compensar o dano moral próprio da Autora, cônjuge da vítima);

8. Da jurisprudência mencionada decorre que o montante arbitrado pelo Supremo Tribunal de Justiça oscilou entre o montante de € 25.000,00 e o de € 30.000,00, mas as vítimas eram mais jovens do que o peão falecido nestes autos.

9. Assim, considerando a idade da vítima e as demais circunstâncias do caso concreto - designadamente os problemas de saúde de que padecia -, tendo em conta o sofrimento de cada um dos filhos nos termos que resultaram provados, considera-se ajustado o valor € 20.000,00 arbitrado pelo Tribunal da Relação …. para cada um dos filhos da vítima.

10. Improcede, assim, nesta parte, o recurso da Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.. Porém, considerando a quota de responsabilidade imputada ao condutor do veículo seguro na Ré (75%), o valor final da compensação por este dano deve fixar-se em € 15.000,00 para cada filho, tal como foi decidido pelo Tribunal da Relação … .

11. No seu recurso subordinado, a Interveniente Principal FF alega que os danos não patrimoniais sofridos por cada um filhos da vítima não são necessariamente iguais, impondo-se que a compensação que lhe é devida seja de montante superior à fixada para os restantes filhos. Em sua opinião, “ao não valorarem para a impetrante a sua vivência e relacionamento diários, desatenderam as instâncias o critério de igualdade positiva, desatenderam as circunstâncias do caso concreto e não foram equazes na fixação e distribuição da indemnização.

12. Conforme o Supremo Tribunal de Justiça[31], num caso em que estava em causa a diferenciação da compensação atribuída por danos não patrimoniais a cada um dos progenitores de uma vítima falecida, “em geral, ainda que a relação entre progenitores e um filho (que vem a falecer) não seja aquela que o legislador pudesse ter abstratamente idealizado, na dúvida sobre os diferentes níveis de intensidade dessas relações, a expressão “em conjunto”, usada pelo art.496º, n.2, deve entender-se como referindo-se a uma repartição igualitária entre os progenitores. Até porque medir a intensidade de relações afetivas entre os sujeitos para daí fazer depender a atribuição de diferentes montantes indemnizatórios não é, certamente, uma tarefa fácil e que conduza a resultados cientificamente inquestionáveis”. Não sendo de excluir, em termos abstratos, que a expressão “em conjunto” possa permitir uma repartição do montante indemnizatório, entre os diversos membros de uma categoria de beneficiários, que não seja aritmeticamente igualitária, certo é, que no caso concreto, a insuficiência de elementos probatórios não permite pôr em causa a repartição feita pelo acórdão recorrido.

13. Não há, deste modo, necessidade de esgrimir mais argumentos para afastar a tese da Recorrente, pois não cabe à jurisprudência efetuar interpretações e construções dogmáticas que, por não se encontrarem suportadas pela necessária base factual, seriam inúteis para a solução do caso concreto.

14. No caso dos autos, resultou apenas provado, com relevância para a questão ora em apreço, que a vítima, antes de falecer, vivia com a sua filha FF e que, após o acidente, os filhos de EE ficaram tristes, apreensivos, aflitos, visitando o pai diariamente no ......, ...... e ......, tendo todos sentido a morte trágica e prematura de seu pai.

15. Assim, é claro que a factualidade provada não permite equacionar uma diferente repartição do montante da compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por cada filho. Com efeito, apesar da vivência em comum da vítima com a Interveniente Principal FF, todos os filhos sofreram por igual o falecimento de seu pai, não resultando provado qualquer especial ligação afetiva entre aquela e o seu falecido progenitor.

16. Improcede, assim, o recurso subordinado interposto pela Interveniente Principal FF.


IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em:

a) admitir o recurso principal interposto pela Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A.;

b) admitir parcialmente os recursos subordinados interpostos pelos Autores AA, BB e CC e pela Interveniente Principal FF e rejeitá-los na parte em que versam sobre a recusa das Instâncias em fixar compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, por nessa parte se verificar dupla conformidade decisória, impeditiva da revista regra ou normal;

c) julgar parcialmente procedente o recurso principal interposto pela Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., e julgar improcedentes os recursos subordinados interpostos, respetivamente, pelos Autores AA, BB e CC e pela Interveniente Principal FF e, consequentemente:

(i) reduzir o montante da compensação devida pelo dano morte para o valor de € 45.000,00, correspondente a 75% do valor bruto de € 60.000,00;

(ii) reduzir o valor total da compensação devida aos Autores e à Interveniente Principal, a título de danos não patrimoniais, para o montante de € 105.000,00.

d) No mais, confirma-se o acórdão recorrido.


Custas pelos Recorrentes na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio beneficiário de que alguns deles possam beneficiar.

Lisboa, 25 de maio de 2021.


Sumário: 1. De acordo com a posição jurisprudencial maioritária do STJ, “não obstante a decisão impor uma obrigação de indemnização com um montante global, os segmentos respeitantes às parcelas delimitadas ou delimitáveis da indemnização devem ser analisados separadamente para o efeito da dupla conforme”. 2. No caso de o peão, vítima de atropelamento, haver infringido apenas o art. 101.º, n.º 3, do Código da Estrada, diferentemente do condutor do veículo, que viola as normas dos arts. 24.º, n.º 1, e 25.º n.º 1, als. c) e e), do mesmo corpo de normas, não se justifica uma repartição igualitária de culpa. 3. A jurisprudência do STJ tem afirmado, de forma consolidada, que “a matéria respeitante ao nexo de causalidade adequada, como tal designada pela doutrina e tida como adotada no artigo 563.º do CC, envolve duas componentes: uma, de feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; outra, de alcance estritamente normativo, tendente a saber se esse facto, em abstrato, é causa adequada daquele resultado (…) Assim, enquanto que a componente naturalística, abarcando a fixação dos factos e a sua valoração probatória, escapa à sindicância do tribunal de revista, nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, já a vertente normativa é passível de apreciação por este tribunal”. 4. Cabe nos poderes de cognição do STJ sindicar o modo como o TR usa (ou não usa) os poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º, n.º 2, do CPC. 5. Não havendo qualquer dúvida ou incerteza por parte do julgador, não se verifica qualquer violação do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. b), do CPC. 6. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença”. 7. Não se afasta que a expressão “em conjunto” (art. 496.º, n.º 2, do CC) possa permitir uma repartição do montante indemnizatório, entre os diversos membros de uma categoria de beneficiários, que não seja aritmeticamente igualitária, se os elementos probatórios o permitirem.


Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

Maria João Vaz Tomé (relatora)

________

[1] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1; de 7 de setembro de 2020 (Ricardo Costa), proc. n.º 12651/15.4T8PRT.P1.S1; de 6 de junho de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 967/14.1TVLSB.L1.S1; de 23 de maio de 2019 (Helder Almeida), proc, n.º 2222/11.0TBVCT.G1.S1; e de 6 de novembro de 2018 (Catarina Serra), proc. n.º 452/05.2TBPTL.G2.S1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[2]  Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2020 (Ricardo Costa), proc. n.º 12651/15.4T8PRT.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[3] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2019 (Bernardo Domingos), proc. n.º 7475/17.7T8LSB.L1.S1.
[4] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2018 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 22083/15.9T8PRT.P1.S1; de 2 de maio de 2019 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 18685/15.1T8LSB.L1.S1; de 21 de fevereiro de 2019 (Helder Almeida), proc. n.º 1589/13.0TVLSB-A.L1.S1; de 27 de setembro de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 634/15.9T8AVV.G1-A.S1; de 27 de abril de 2017 (João Trindade), proc. n.º 805/15.8T8PNF.P1.S1; de 24 de maio de 2018 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 37/09.4T2ODM-B.E2.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; e de 13 de fevereiro de 2014 (Granja da Fonseca), proc. n.º 4747/08.5TBSXL.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[5] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1; e de 7 de novembro de 2019 (Oliveira Abreu), proc. n.º 8141/15.3T8GMR.L1.S1.
[6] Publicado no Diário da República n.º 21/2020, Série I de 2020-01-30.
[7] Neste sentido, vide acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de setembro de 2018 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 7391/13.1TBVNG.P1.S1; de 3 de outubro de 2013 (Orlando Afonso), proc. n.º 1682/04.0TBBCL.G1.S1; de 12 de setembro de 2013 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 3673/11.5TBVIS.C1.S; de 4 de julho de 2013 (Maria Clara Sottomayor), proc. n.º 2848/07.6TBVNG.P1.S1; de 20 de janeiro de 2011 (Orlando Afonso), proc. n.º 5943/06.5TBVFR.P1.S; de 21 de março de 2012 (Maria dos Prazeres Beleza); proc. n.º 6123/03.7TBVFR.P1.S1, de 20 de janeiro de 2010 (Santos Bernardino), proc. n.º 591/05.0TCGMR.S1; e de 25 de fevereiro de 2010 (Serra Baptista), proc. n.º 172/04.5TBOVR.S1 – encontrando-se os três últimos acórdãos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[8] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2020 (Henrique Araújo), proc. n.º 4823/15.8T8GMR.G1.S1 (“É de manter a repartição da culpa de 50% para cada um dos intervenientes num acidente em que o peão iniciou a travessia da via, da esquerda para a direita, sem tomar as devidas precauções e em passo acelerado, sendo embatido quando já havia percorrido 5 metros da largura de faixa de rodagem (cuja largura é de 6 metros) por um veículo animado da velocidade de 60 Km/h, que transitava de noite, em estrada com piso molhado, de inclinação descendente, ladeada por habitações e comércio e à qual afluíam entroncamentos e cruzamentos”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1367379a4992edc88025862b0070726e?OpenDocument; de 8 de março de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 209/13.7TBTMR.E1.S1 (“I - Resultando dos factos provados que: (i) o atropelamento do peão, ocorrido em 31-12-2011, pelas 19h40m, teve lugar no momento em que o veículo transpunha o eixo médio da faixa de rodagem para passar a circular no corredor mais à esquerda; (ii) que o veículo circulava com a luz dos médios ligados; (iii) que o troço da via antecedente ao local do embate se estendia numa reta de, pelo menos, 200 metros; (iv) que a travessia do peão se processou no campo visual do referido condutor a uma distância de 30 metros; (v) que a estrada, nessa zona, era marginada por habitações; (vi) que o veículo seguia a cerca de 80km/hora; (vii) que o peão empreendeu a travessia numa estrada nacional e (viii) que podia alcançar a aproximação de veículos, é de concluir que tanto o condutor do veículo como o peão violaram as normas estradais, contribuindo ambos para a produção acidente. II - O condutor do veículo, porque seguia a cerca de 80km/hora quando as circunstâncias enunciadas em I, designadamente o facto de ser previsível a travessia de peões à hora em referência (19h40m), lhe impunham que moderasse especialmente a velocidade, de modo a permitir a execução de manobra de desvio ou de paragem ante a eventual travessia de peões, dentro da zona de visualização de que dispunha (arts. 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, al. c), ambos do CEst). III - O peão porque empreendeu a travessia numa estrada nacional e podendo alcançar a aproximação de veículos, fê-lo sem se assegurar de que podia realizar essa travessia em segurança, violando o disposto no art. 101.º, n.º 1, do CEst. IV - Face aos descritos factos, é adequado distribuir as responsabilidades concorrentes do condutor do veículo e do peão para a produção do acidente na proporção de 60% para o primeiro e de 40% para o segundo, uma vez que, estando aquele habilitado para o exercício da condução automóvel, requer-se dele um maior nível de exigência e um maior domínio das circunstâncias envolventes, mormente da distância visualizável que dispõe à sua frente para poder suster a marcha em caso de um previsível surgimento de peões na via. (…)”); de 14 de setembro de 2017 (Fernando Bento), proc. n.º 1423/12.8TBPRD.P1.S1 (“I - Sendo as faixas de rodagem reservadas ao trânsito de viaturas automóveis, o respectivo atravessamento por peões envolve riscos especiais que devem ser também por eles prevenidos e acautelados. II - Mostra-se adequada a repartição de responsabilidades em 50% para cada interveniente num acidente de viação em que a lesada efectuou o atravessamento da via fora da passadeira de peões quando existia uma passadeira a cerca de 16 metros do local e o condutor do veículo automóvel não adequou a velocidade que imprimia à viatura às condições do local. III - O facto do veículo automóvel circular pela faixa da esquerda (quando no mesmo sentido de trânsito existia mais do que uma faixa) não tem a relevância que o acórdão recorrido lhe atribuiu para imputar a responsabilidade exclusiva do acidente ao condutor do veículo, porquanto a imposição de utilização da faixa da direita justifica-se pela necessidade e conveniência de assegurar e ordenar o fluxo de trânsito, tendo os interesses protegidos por tal regra nada ou pouco que ver com a protecção de peões”); de 30 de março de 2017 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 2443/14.3T8BRG.G1 (“I - O condutor do veículo automóvel deve adoptar velocidade especialmente moderada na passagem por localidades ou em vias marginadas por habitações. II - Na travessia de vias públicas fora dos locais onde existem passagens para tal especialmente destinadas o peão deve adoptar as cautelas necessárias a evitar o embate com veículos. III - As directivas europeias em matéria de seguro automóvel projectam a tutela especial dos utentes mais vulneráveis, entre os quais se encontram os peões, implicando também com a apreciação da responsabilidade em casos de acidentes de viação com interferência de veículos automóveis e de peões. IV - Procedendo o peão à travessia de via pública sem atentar na aproximação de um veículo automóvel, mas circulando este numa localidade, em período nocturno, a uma velocidade que excedia em, pelo menos, 10 kms/h a velocidade máxima permitida para o local, o atropelamento do peão é de imputar em partes iguais a este e ao condutor do veículo automóvel”) disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0ebb1ccb7672bab8802580f400495b99?OpenDocument; de 29 de outubro de 2020 (Olindo Geraldes), proc. Revista n.º 5/05.5TBPTS.L1.S1 (não se provou, neste caso, a velocidade a que concretamente seguia o veículo automóvel no momento do atropelamento de um peão que efetuava a travessia da faixa de rodagem no interior de uma localidade, sem se certificar que o fazia sem perigo de acidente, mas em que o condutor de veículo automóvel tinha a possibilidade de avistar, pelo menos a 20 metros, o referido peão a atravessar a faixa de rodagem. O Supremo Tribunal de Justiça considerou verificar-se excesso de velocidade, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do Código da Estrada, decidindo repartir em partes iguais a responsabilidade pela eclosão do acidente) – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[9] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de novembro de 2016 (Tomé Gomes), proc. n.º 96/14.8TBSPS.C1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[10] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2004 (Salvador da Costa), proc. n.º 04B1536 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
   No mesmo sentido, a título meramente exemplificativo, vide acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2018 (Helder Almeida), proc. n.º 6164/09.0TVLSB.L1.S1; de 16 de novembro de 2017 (Rosa Tching), proc. n.º 576/14.5TBSJM.P1.S1; de 11 de maio de 2017 (Garcia Calejo), proc. n.º 172/04.5TBBAO.P1.S1; de 24 de março de 2017 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 349/08.4TBMNC.G1.S1; de 2 de fevereiro de 2016 (Gregório Silva Jesus), proc. n.º 1351/11.4TJVNF.G1.S1; e de 15 de setembro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 207/09.5TBVLP.G1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[11]  Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2015 (Tomé Gomes), proc. n.º 355/12.4TBSJM.P1.S1. Vide, no mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1 (“é admissível recurso para o STJ dos acórdãos proferidos pelas Relações em que seja questionado o modo como a Relação usou (ou não usou) os poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662º, nºs 2, do CPC (isto é, se a Relação agiu dentro dos limites traçados pela lei processual)) – disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 9 de julho de 2015 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 961/10.1TBFIG.C1.S1; de 25 de maio de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 23/09.4TBSSB.E1.P1; de 8 de janeiro de 2015 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 780/11.8TVLSB.L1.S1; de 23 de abril de 2015 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 2651/07.3TBSXL.L1.S1; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2020, pp.358-359; Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição de epistemologia”, in Cadernos de Direito Privado, nº 44, p.34.
[12] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2017 (Salazar Casanova), proc. n.º 2977/13.7TBCSC.L1.S1 (“não está nos poderes de cognição do STJ apreciar se o tribunal da Relação devia ou não ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de outros meios de prova, pois tal decisão não admite recurso (art. 662.º, n.os 2, al. a), e 4, do CPC)”) - disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 20 de dezembro de 2017 (Helder Roque), proc. n.º 792/13.7TBFLG.P1.S1 (“está vedado ao STJ exercer censura sobre o não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria de facto, contidos no art. 662.º do CPC, mas não quanto à regularidade do seu uso, a menos que, se com o não uso desses poderes-deveres, a Relação cometer um erro e a decisão de facto surja ao STJ como precária para constituir base suficiente para a decisão de direito, hipótese em que goza de plena legitimidade para determinar a correcção do erro, eventualmente, com recurso ao disposto no art. 662.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC. Não se mostrando precária a base factual apurada com vista à subsunção jurídica a efetuar, está interdito ao STJ sindicar o não uso pela Relação dos poderes de determinar a renovação oficiosa da produção de prova ou de ordenar a produção de novos meios de prova.”) - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[13] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de dezembro 2020 (RIJO FERREIRA), proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1  – disponível para consulta in www.dgsi.pt, proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1.
[14] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de dezembro 2020 (RIJO FERREIRA), proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1  – disponível para consulta in www.dgsi.pt, proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2020, p.342.
[15] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[16]  Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 6 de dezembro de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdão de 28 de outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e 5 de novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[17] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de outubro de 2010 (Lopes do Rego), proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de novembro de 2009 (Lopes do Rego), proc. n.º 381-2002.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[18] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument. Conforme este acórdão, importa “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.
[19] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2017 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de janeiro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de abril de 2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de outubro de 2010 (Lopes do Rego), proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de novembro de 2009 (Lopes do Rego), proc. n.º 381-2002.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[20] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument.
[21] Cf. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, Ano 122, 1990, abril-junho, p.272.
[22] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pp.140-141; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de janeiro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 2787/15.7T8BRG.G1.S1.
[23] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, p.143; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2012 (Nuno Cameira), Proc. n.º 875/05.7TBILH.C1.S1 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8780a8e82ded7968025799c00562411?OpenDocument -, segundo o qual “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”.
[24] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2020 (Graça Amaral), proc. n.º 3015/06.1TBVNG.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[25] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de abril 2019 (Oliveira Abreu), proc. nº 465/11.5TBAMR,G1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
 A título meramente exemplificativo, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2020 (Fernando Samões), proc. n.º 376/15.5T8VFR.P1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:376.15.5T8VFR.P1.S1); de 3 de março de 2020 (Fernando Samões), proc. n.º 3936/17.6T8PRT.P1.S1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:3936.17.6T8PRT.P1.S1; de 20 de fevereiro de 2020 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 298/17.5T8BRG.G1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:298.17.5T8BRG.G1.S1); de 4 de fevereiro de 2020 (Pedro Lima Gonçalves), proc. n.º 46/08.0TBVVD.1.G1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:46.08.0TBVVD.1.G1.S1; de 5 de fevereiro de 2020 (Oliveira Abreu), proc. n.º 10529/17.6T8LRS.L1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:10529.17.6T8LRS.L1.S1; e de 14 de janeiro de 2020 (Fátima Gomes), proc. n.º 5173/15.5T8BRG.G1.S2 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:5173.15.5T8BRG.G1.S2.
[26] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument.
[27] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[28] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f31d6a947da3eee8802586260000baca?OpenDocument.
[29] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 209/13.7TBTMR.E1.S1.
[30] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[31] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2020 (Maria Olinda Garcia), proc. n.º 572/09.4TBVLN.G1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:572.09.4TBVLN.G1.S1.