Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01414/12
Data do Acordão:12/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:FIANÇA
GARANTIA
EXECUÇÃO FISCAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:I - Do art. 199º do CPPT não resulta a exclusão da fiança como forma legalmente admissível de prestação da garantia e, pelo contrário, deve ser admitida por referência à previsão na parte final do seu nº 1: «ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
II - Sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da Administração Fiscal caso a caso, em concreto, em face das susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido.
III - A Administração Fiscal não pode recusar a constituição da garantia mediante fiança com o fundamento que esta não assegura plena e seguramente a cobrança do seu crédito e com desprezo pelos interesses legítimos do executado.
Nº Convencional:JSTA00068016
Nº do Documento:SA22012121901414
Data de Entrada:12/10/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART199 N1 N2 N4
LGT98 ART52 N1 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15; AC STA PROC0208/11 DE 2012/03/14; AC STA PROC0908/12 DE 2012/09/12
Aditamento:
Texto Integral: I-RELATÓRIO

1. A Sociedade “A……, S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu reclamação do despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Oeiras 2, que indeferiu o pedido de prestação de garantia por meio de apresentação de uma fiança, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que foi julgada totalmente procedente.

2. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este Supremo Tribunal, apresentando as alegações com as seguintes conclusões:
“I. Pretende-se com o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da Reclamação deduzida contra a decisão proferida em 18-05-2012, no processo de execução Fiscal n° 365420100201042033, pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de aceitação da garantia, constituída por uma fiança prestada pela empresa A……, S.A., accionista da executada.
II. Com o devido respeito não se conforma a Fazenda Pública, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
III. Entende a Fazenda Pública de que não é de proceder a pretensão formulada na presente reclamação, porquanto não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade.
IV. O ad. 52° da LGT permite a suspensão da cobrança da prestação tributária efectuada no processo de execução fiscal nos casos de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução, que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da divida exequenda, desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
V. Tal suspensão da execução encontra-se, porém, condicionada pelo art. 169° do CPPT à constituição de garantia (em conformidade com o art. 195° do mesmo CPPT), à sua prestação (nos termos do art. 199° do mesmo diploma) ou quando a penhora efectuada nos autos incida sobre bens suficientes para garantir o pagamento da divida exequenda e respectivo acrescido.
VI. Especifica, este último preceito, que a garantia a prestar deverá ser idónea, consistindo em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública.
VII. Reporta-se, assim, a idoneidade da garantia à sua susceptibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo (em tempo útil), após citação para o efeito (n°2 do art. 200º do CPPT), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente.
VIII. A exigência de garantia, nos termos previstos no art. 199° do CPPT, visa assegurar a boa cobrança dos créditos tributários, pelo que lhe é intrínseca uma exigência de liquidez num período de tempo limitado.
IX. Os estritos termos e exigências reveladas pelo teor dos preceitos citados reflecte o principio da vinculação à lei na actividade administrativa tributária, a indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, assumindo que a suspensão tem um carácter verdadeiramente excepcional, sendo que é proibida nos casos não previstos da lei (cf. art. 56°, n°5 da LGT).
X. A arrecadação da receita fiscal, já em fase de cobrança coerciva, implica a realização, no processo de execução fiscal, do princípio da efectividade da tutela judicial do direito do credor do imposto, que preside àquele processo judicial tributário, e necessariamente aos meios admissíveis de garantir a cobrança coerciva da divida tributária em vista da suspensão da execução.
XI. Como tal, com a utilização da expressão “garantia idónea”, pretende-se significar que nem todas as garantias serão sempre adequadas e que a indicação exemplificativa dos meios de garantia bancária, caução ou seguro-caução, antes da alternativa “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, tem de entender-se como uma restrição pretendida dos demais meios que poderão enquadrar-se no conceito de garantia idónea.
XII. O escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efectiva cobrança da dívida, designadamente no que às garantias a prestar para suspensão da sua tramitação respeita, independentemente da qualidade do prestador.
XIII. Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à realização da divida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
XIV. Por outro lado, a fiança representa uma garantia pessoal dada por um terceiro - o fiador - com o conteúdo da obrigação principal — cf. art.627° e seguintes do CC, sendo que, no plano cível, prevalece a noção de que a fiança não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência (art. 767°, n°2 do CC).
XV. Por via da prestação da fiança é suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios — o do devedor que responde por uma divida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cf. art. 627° do CC), o credor tem de concorrer, porém, em relação a ambos os patrimónios, com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída.
XVI. Pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, a fiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio, o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das sua obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.
XVII. In casu, cumpre salientar que está em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida, de avultado montante, legitimadora da actuação do órgão da execução fiscal, seguindo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda do interesse público no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente no tipo de garantia a aceitar.
XVIII. Deste modo, do disposto no art. 199º, n°2 do CPPT, decorre que a AT, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há-de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da divida exequenda e respectivo acrescido em tempo útil,
XIX. o que implicará sempre um acto de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspectiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito (cf. por igualdade de razões, o art. 219°, n°1 do CPPT).
XX. Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida terá de ser encontrada na mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer susceptibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza.
XXI. Com a fiança, é suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios e que nos termos do art. 169° do CPPT a suspensão do processo de execução fiscal se mantém até à decisão do contencioso tributário, a admissibilidade da garantia oferecida (fiança) implicaria um acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão da execução fiscal.
XXII. O órgão de execução fiscal, usando da sua capacidade técnica, juízos de prognose e em conformidade com as regras de uma “boa administração”, a que está vinculada, ponderou se a garantia que lhe foi apresentada era adequada para garantir a divida exequenda e respectivo acrescido, tendo em conta a escolha da solução que melhor realizasse o interesse público, isto é, se a garantia apresentada era ou não idónea, concluindo pela falta de idoneidade da fiança prestada.
XXIII. E, saliente-se, a característica da liquidez em tempo útil é intrínseca à idoneidade da mesma.
XXIV. Ora, este facto serve de medida à maior ou menor segurança, certeza e celeridade que a garantia oferece para o credor.
XXV. Aliás, para aferir da suficiência (ou não) da robustez económica do fiador para assegurar o cumprimento da divida, torna-se necessário analisar o valor da fiança.
XXVI. Acontece que, no que a tal avaliação diz respeito, decidiu o douto acórdão do TCAS, de 2000/06/20, processo n°2986/99, que “a idoneidade se reporta ou é aferida não pelos valores morais ou sociais do fiador mas pelo valor do seu património” e que,
XXVII. “a avaliação da capacidade económica ou do valor do património do fiador constitui ónus do requerente”.
XXVIII. Deve, pois, estar demonstrada a capacidade sustentada de pagar o montante a garantir.
XXIX. E, é o executado quem deve demonstrar a suficiência da garantia apresentada, designadamente pela demonstração do activo, do passivo e das obrigações entretanto assumidas pela sociedade garante.
XXX. Porém, in casu, a reclamante não demonstrou oportunamente, para efeitos da decisão de aceitação da fiança, que esta constituía uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos e que tinha subjacente um lastro patrimonial indiciador da sua idoneidade.
XXXI. Entende, pois a Fazenda Pública, com o devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção dos factos dados como provados, não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados,
XXXII. Errando ainda no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem que estabelecesse as premissas que conduziram às mesmas.
XXXIII. Padece ainda a douta sentença sob recurso de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, mais concretamente os art. 52° da LGT e 169° e 199° do CPPT.

3. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo como se segue:
“1ª) Nos termos do art° 169° e 199° do CPPT, para suspender o processo de execução n° 36542010201042033, a recorrida apresentou uma fiança emitida por uma outra sociedade, tendo a fiadora renunciado, expressamente, ao beneficio da excussão prévia;
2ª) A Administração Tributária não aceitou essa fiança como garantia idónea para a suspensão do referido processo de execução invocado, em primeiro lugar, que o elenco das garantias constante do art° 199° do CPPT é taxativo, argumento que volta a ser utilizado pela Fazenda Pública no presente recurso;
3ª) Porém, estamos perante um argumento totalmente improcedente como o tem indicado, de modo reiterado, a Jurisprudência, desde logo porque a expressão usada na lei não suscita qualquer dúvida: “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”;
4ª) Igualmente é improcedente o argumento aduzido pela Administração Tributária no despacho de não aceitação da fiança, e agora retomada pela Fazenda Pública no presente recurso, de que aquele tipo de garantia tem menos liquidez, autonomia e certeza do que outras garantias;
5ª) Ou, na terminologia da recorrente, a fiança é uma garantia pessoal dada por terceiro, é apenas uma garantia geral sobre o património do terceiro, pelo que seria legal o acto da Administração Tributária de não aceitação;
6ª) Ora, é entendimento firmado da Jurisprudência, que sendo a fiança uma garantia não excluída pelo legislador, a Administração Tributária tem apenas que averiguar da sua idoneidade em concreto, isto é, se, em face da situação patrimonial do fiador, a fiança prestada é susceptível de assegurar o pagamento da dívida;
7ª) Isto é: só razões objectivas, referentes à concreta fiança e ao concreto fiador podem justificar a sua não aceitação como garantia idónea;
8ª) Ora, a Administração Tributária não fez qualquer juízo sobre a concreta fiança apresentada pela recorrida, fundamentando a sua não aceitação, apenas e só, com base em considerações teóricas sobre a natureza da fiança;
9ª) Sendo certo, por outro lado, que a recorrida apresentou todos os elementos patrimoniais demonstrativos da capacidade da fiadora para assegurar o pagamento da dívida exequenda;
10ª) A douta sentença recorrida não merece, pois, qualquer juízo de censura.”

4. Admitido o recurso, o Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, alegando, entre o mais, que:
“(…)
A questão controvertida reside em saber se o despacho da autoridade tributária está substancialmente fundamentado quanto à falta de idoneidade da oferecida garantia mediante fiança.
Nos termos do estatuído nos artigos 169.° e 199.°/1 do CPPT a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do PEF, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Nos termos do n.º 2 do citado artigo 199.°, a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.°, com as necessárias adaptações.
Como ensina o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, 111 volume, páginas 411/412.) “A garantia, fora dos casos a que se aplica o CAC, pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente.
(...) A garantia tem de ser idónea para assegurar os créditos do exequente.
Para ser idónea para este feito, a garantia não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia, como por exemplo a possibilidade de denúncia unilateral pela entidade que a presta, ou limitação temporal.
Só uma garantia incondicional e abrangendo a globalidade do período de pendência do processo de execução fiscal até ao momento do pagamento dos créditos tributários poderá ser considerada idónea para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Por isso, no caso de a garantia assentar na mera nomeação de bens à penhora no prazo previsto no n.º 6 do art. 199.° do CPPT, como se prevê no seu n.º 4, a suspensão da execução será condicionada e provisória, mantendo-se apenas se se concretizar a penhora de bens que assegurem o pagamento em dívida exequenda e do acrescido, pois não se justificaria que se considerasse garantida a dívida depois de se constatar que não foi possível efectuar a penhora dos bens nomeados ou se verificar que eles são insuficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Esta é uma conclusão que se impõe por evidentes considerações de ordem lógica, mas que tem apoio explícito no n.º 3 do art. 52.° da LGT que estabelece que «a administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tomar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido»”.
Na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes, o da administração fiscal na efectivação da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida. Daí que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse do exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado.
Descendo ao caso concreto temos que, como resulta do probatório, a recorrida apresentou como garantia uma fiança em nome da sociedade A……, SA, sua accionista única, no montante de € 12.1523.895,56, acompanhada de um Relatório de Contas da fiadora do exercício de 2010, sendo certo que a fiadora, expressamente, renunciou ao beneficio da excussão prévia previsto no artigo 638.° do Código Civil
A administração tributária utilizou, apenas, razões teóricas para indeferir a prestação de garantia por meio de fiança, designadamente que, as formas de prestação de garantia previstas na lei são taxativas, nelas não se incluindo a fiança, que não é uma garantia idónea por falta de liquidez, autonomia e certeza inerente ao recebimento.
As razões avançadas pela administração fiscal para sustentar as inidoneidade da garantia, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, não têm apoio legal.
Na verdade, trata-se de razões «teóricas», sem qualquer base factual que as suporte e sem apoio legal.
Assim, ao contrário da tese sustentada pela recorrente, nos termos do disposto no artigo 199.° do CPPT a garantia pode ser prestada por qualquer um dos meios, expressamente, ali referidos, bem como por qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente, onde se inclui, naturalmente, a fiança, como é jurisprudência deste STA(Acórdão de 14 de Março de 2012, proferido no recurso n.º 0//12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
A idoneidade da fiança deve ser apreciada pela AT, caso a caso, em concreto, em função da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e acrescido.
Ora, a AT, no despacho sindicado, não põe em causa que a fiadora não disponha de património suficiente que possa responder pela dívida exequenda e acrescido, antes se limitando a considerar inidónea a prestação da garantia só pelo facto de o ser através de fiança.
Como parece certo a AT não pode recusar a prestação de garantia mediante fiança com o argumento de que esta não lhe dá segurança absoluta na cobrança do crédito exequendo, passando por cima dos legítimos interesses do executado.
A sentença recorrida não merece, assim, qualquer censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica”.

5. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1-DE FACTO

A sentença recorrida deu como fixada a seguinte matéria de facto:
“1- A Adm. Fiscal emitiu uma liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2008 ao s.p. ora reclamante, tendo o mesmo dirigido um requerimento ao Chefe de Serviço de Finanças de Oeiras 2 no sentido de pretender contestar aquela liquidação e solicitando a indicação do montante da garantia a prestar, tendo em vista suspender a execução fiscal a instaurar após o decurso do prazo de pagamento voluntário do imposto em causa - cfr D.C. de fls. 30 e requerimento de fls. 31e 32, dos autos.
2- O Serviço de Finanças competente notificou o requerente do valor da garantia a prestar - cfr Oficio de fls. 33 e 34, dos autos.
3- Em 02.04.2012 foi apresentado requerimento de prestação de garantia constituída por uma fiança emitida pela sua accionista única, a sociedade “A……, S.A”, que aqui se dá por reproduzido, e do qual consta um Relatório e Contas da fiadora do exercício de 2010 e declaração de prestação de fiança pelo fiador, constante de fls. 35 a 40, dos autos
4- Em 23.04.12 foi instaurado processo de execução fiscal com o n° 3654201201042033, para pagamento da dívida exequenda no valor de € 10.148.339,20, resultante de liquidação de IRC e de juros compensatórios do ano de 2008, tendo-se citado o executado para os autos em 03.05.2012 - cfr Oficio de citação de fls. 41, Informação prestada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 2 a fls. 42 e segs dos autos e certidão de dívida de fls. 2, do Proc. Exec. apenso aos autos.
5- Por despacho proferido em 18.05.2012 pelo director de finanças adjunto da D. F. de Lisboa, aposto sobre a Informação, Confirmação e Parecer, constante de fls. 26 a 29 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, foi indeferido o pedido de prestação de garantia oferecida pelo reclamante sob a forma de fiança referido em 3 supra, do qual consta designadamente, o seguinte:
“Desde logo se verifica que a fiança não consta expressamente do art° 199° do CPPT. Solução que se compreende pois se o património do devedor que constitui a garantia geral dos créditos tributários, nos termos do artigo 50° da Lei Geral Tributária (LGT), inexistindo garantia real, em caso algum tem essa aptidão, ilógico seria conferir essa possibilidade ao património de um terceiro sem constituição de qualquer garantia real sobre o mesmo;
…“Acresce ainda que uma interpretação lógica-sistemática dos números 1, 2 e 4 do artigo 199° do CPFT conduz à conclusão de que a única razão plausível pela qual o legislador apenas vem exigir autorização administrativa tributária para a prestação do penhor e da hipoteca voluntária, se deve ao facto de não pretender incluir, como idóneas, outras formas de garantia consideradas mais débeis como é o caso da fiança”, pelo que “verifica-se que as normas dos números 2 e 4 deste artigo surgem como densificação ou especificação da parte final do n°1, como atesta a utilização da expressão “ainda” no n°2 e para efeitos do n°1 e no n° 4, donde resulta que o elenco de garantias constante deste número é taxativo e não exemplificativo”;
…É “… ilógico e insustentável entender que a Administração Tributário está vinculada à aceitação de qualquer outra garantia, ainda que de maior fragilidade, como se verifica com a fiança”;
…“O motivo subjacente à inclusão expressa daquelas garantias [garantia bancária, caução, seguro-caução] terá sido a sua liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento”, já que “estas três figuras apresentam regulamentação própria e controlo por parte das entidades de supervisão (Banco de Portugal e Instituto de Seguros de Portugal) pelo que a sua liquidez e pagamento imediato se encontram assegurados...”;
…A fiança tem uma eficácia garantística diminuída atendendo à “natureza pessoal deste tipo de garantia, que consiste apenas na possibilidade de o património de outra pessoa servir de garantia ao pagamento de uma dívida”“;
…A fiança teria uma eficácia garantística diminuída em face da “possibilidade de oscilação do património do fiador (o calcanhar de aquiles da fiança, no dizer de Antunes Varela) que responde perante os seus próprios credores assim como perante os credores dos afiançados”;
…A fiança teria uma eficácia garantística diminuída em face da “possibilidade de o fiador se recusar ao cumprimento, podendo opor ao credor tantos os meios de defesa que competem ao devedor principal, como aqueles que lhe são próprios”;
…A fiança também não é idónea, porque o n° 3 do art° 200° do CPPT “obriga a que no processo de execução se façam constar os bens que foram dados em garantia, preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do fiador)”, o qual foi notificado ao interessado — cfr oficio de notificação de fls. 24, Conclusão e Despacho, de 18.05.12 dimanado do Serviço de Finanças de Oeiras 2, de fls. 25, dos autos.”

2- DE DIREITO

2.1. Das Questões a apreciar e decidir

Resulta do probatório que a ora recorrida, em face de uma liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2000, dirigiu requerimento ao Chefe de Serviço de Finanças de Oeiras 2 no sentido de pretender apresentar contestação e pedindo a indicação do montante da garantia a prestar.
Nessa sequência, apresentou a recorrida oportunamente requerimento de prestação de garantia constituída por uma fiança emitida pela sua accionista única, a Sociedade A……, SA., acompanhada do Relatório e Contas da fiadora do exercício de 2010 e declaração de prestação de fiança, que foi indeferido por despacho de 18/5/2012 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, por razões ligadas fundamentalmente à falta de idoneidade em abstracto da fiança para funcionar como garantia, em virtude da menor eficácia e liquidez.
Contra o referido despacho a ora recorrida deduziu reclamação, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que foi julgada procedente.
Para tanto o Mmº Juiz “a quo”, seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, concluiu que:
“( …) não suscita dúvidas de que, para efeitos tributários, a garantia idónea prestada nos termos do disposto no n°1, do art° 199° do CPPT, não constitui um elenco fechado e exaustivo das formas permitidas por lei (numerus clausus), antes resultando uma enumeração exemplificativa das situações consideradas por lei como susceptíveis de se enquadrar nessa qualidade - daí e como bem refere o reclamante e reafirma o douto Parecer do D.M.M.P, nada aponta, no preceito em causa, para que não seja admitido aquela forma de garantia especial, de resto inserida sistematicamente com as demais garantias especiais das obrigações prevista na lei, designadamente a relativa à caução - cfr art°s 623° e segs do C. Civil. Também parecem curiais as apreciações tecidas pela parte e pelo M.P., quanto à questão da determinabilidade dos bens dados em garantia, já que nem todas as formas de caução são necessariamente em bens, podendo-se traduzir em direitos de conteúdo patrimonial sobre terceiros pessoalmente obrigados perante o credor. - é precisamente o caso da fiança bancária. É que o que distingue umas e outras é apenas que as 1ªs se traduzem em garantias reais e as 2ªs em garantias pessoais. Daí que resultem destituídos de fundamento quaisquer considerações tecidas a propósito da maior ou menor eficácia da garantia”(…)”.

Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, argumentando, em síntese, que a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, em especial aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução, pelo que a fiança, pelas suas características, representando uma garantia pessoal dada por um terceiro, não oferece, designadamente, garantias de liquidez em tempo útil, com repercussões negativas na certeza e segurança para o credor.
Em face das conclusões, que delimitam o objecto e âmbito do presente recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1 do CPC, a questão sub judice traduz-se em saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a reclamação, revogando o despacho reclamado, por considerar, em suma, ilegal a decisão do órgão da Administração Fiscal que recusou a fiança como forma de constituição de garantia em ordem a suspender o processo executivo.

2.2 Da admissibilidade e idoneidade da Fiança como meio de constituição de garantia

A resposta à questão que vem posta gira em torno da determinação do sentido e alcance dos arts. 52º, nºs 1 e 2, da LGT, e 169º, nºs 1 e 2, e 199º, nºs 1, 2 e 4 do CPPT, em especial, no sentido de saber se o art. 199º do CPPT exclui a constituição de garantia por fiança em ordem à suspensão da execução fiscal e se tal meio de garantia deve em abstracto ter-se por inidóneo.
Sobre o sentido e alcance destes preceitos, em especial no sentido de saber se o art. 199º do CPPT consagra um elenco taxativo ou aberto de garantias e se existe uma preferência legal sobre determinado tipo de garantias, atenta a sua imediata ou mais rápida conversão ou receita ou mesmo a maior ou menor liquidez, existe jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal.
Em concreto sobre a idoneidade da fiança já se pronunciou o STA, designadamente, por Acórdão de 14 de Março de 2012, proc nº 208/11, cuja jurisprudência foi reiterada, entre outros, no Acórdão de 12 de Setembro de 2012, proc nº 908/12.
Estando em causa a aplicação das mesmas normas jurídicas e não havendo razões para nos afastarmos da jurisprudência vazada nos mencionados Acórdãos, no qual interviemos como adjunta e relatora, respectivamente, na apreciação do caso dos autos passaremos a segui-los de muito perto.
Assim, pode ler-se, desde logo, nos mencionados Acórdãos, que a leitura do art. 199º “revela inequivocamente que a enumeração feita no n.º 1 não é taxativa, mas meramente exemplificativa, como resulta da sua parte final, onde expressamente se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
Salvo o devido respeito, não faz sentido sustentar, como o faz a Recorrente, que naquele conceito aberto cabem apenas as formas de prestação de garantia previstas nos n.ºs 2 – penhor ou hipoteca voluntária – e 4 – penhora já efectuada ou a efectuar em bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido – do mesmo artigo. A ser assim, o legislador por certo teria optado por outra redacção que traduzisse essa sua intenção e não faria sentido algum a referência feita no n.º 1 do preceito a «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», sobretudo antecedida da conjunção disjuntiva ou (cfr. art. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC)). Na verdade, na interpretação que a Recorrente preconiza para o art. 199.º, de que as únicas formas de prestação de garantia legalmente admissíveis são as aí expressamente aludidas, por que teria o legislador incluído no n.º 1 tal referência? A aceitar-se a tese da Recorrente, essa referência seria absolutamente redundante, pois a interpretação do artigo sempre seria a mesma, ainda que no n.º 1 não se tivesse incluído aquela passagem. Por outro lado, que sentido faria o recurso ao conceito aberto em face da completa determinação das situações fácticas susceptíveis de o preencherem, ademais tão escassas?
Manifestamente, a lei, apesar de especificar algumas das formas por que pode ser prestada a garantia, fá-lo a título meramente exemplificativo, enunciando as mais comuns; mas, como resulta clara e inequivocamente do teor do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, podendo a garantia ser constituída por qualquer outro meio que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (Nesse sentido: na jurisprudência, o acórdão de 9 de Abril de 1997 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 21.021, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000,(http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 886 a 890, sendo embora que o aresto se refira ao art. 282.º do Código de Processo Tributário, este artigo tem hoje correspondência no art. 199.º do CPPT; na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 199.º, pág. 411.)
Nesse conceito aberto – «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do
exequente» – cabe, designadamente, a fiança.
Pela fiança, que é uma das garantias especiais das obrigações, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor a satisfazer o direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor e respondendo, em princípio, com todo o seu património (cfr. art. 627.º, n.º 1, do CC).
A obrigação do fiador é acessória da do devedor, o que significa que a obrigação daquele tem o mesmo conteúdo da obrigação deste, como resulta do disposto no art. 634.º do CC, que dispõe: «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor».
Por outro lado, embora, por regra, a fiança tenha natureza subsidiária, o que significa que o fiador tem o direito de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiver excutido o património do devedor principal (cfr. art. 638.º do CC( Diz o art. 638.º do CC:
«1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
2. É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do devedor».)) pode o fiador renunciar a esse benefício, como resulta do disposto no art. 640.º, alínea a), do CC(Diz o art. 640.º do CC na sua alínea a):
«O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores:
a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador;
[…]».) e como sucedeu no caso sub judice (cfr. n.ºs 5 e 11 dos factos provados).
Note-se, no entanto, que a característica da subsidiariedade da fiança nunca conflitua com a sua característica essencial – a acessoriedade –, pois o fiador nunca deixa de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito (cfr. o já referido art. 627.º do CC), podendo ser chamado a cumprir mesmo antes mesmo do devedor (cfr. art. 641.º do CC( Diz o art. 641.º do CC:
«1. O credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado.
2. Salvo declaração expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor à demanda importa renúncia ao benefício da excussão».)).
Assim, em abstracto e na medida em que a fiança constitui um meio de assegurar convenientemente o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, temos que admiti-la como um meio legalmente admissível de constituição de garantia(É neste sentido que têm vindo a decidir os tribunais centrais administrativos. Vide os seguintes acórdãos:
·do Tribunal Central Administrativo Norte
­de 23 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1497/11.9BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/58da49f26f8266c3802579650042bde1?OpenDocument;
­de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1423/11.5BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/2761b93ca5ef5bb18025796b0050e84d?OpenDocument;
­de 18 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 2615/11.2BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ba6b0667f03242e480257996004f8e34?OpenDocument;
·do Tribunal Central Administrativo Sul
­de 6 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 3966/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e2b23d90e326312f80257734003c2597?OpenDocument..) Isto, obviamente, sem prejuízo do juízo que venha a ser efectuado em concreto relativamente à capacidade e idoneidade do fiador (cfr. art. 633.º, n.º 1, do CC( Diz o art. 633.º, n.º 1, do CC:
«1. Se algum devedor estiver obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem não tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a obrigação.
[…]».) )".
Não podemos, pois, concordar com a Recorrente quando esta sustenta que o art. 199.º do CPPT exclui a possibilidade da garantia se constituir mediante a prestação de fiança, através de um juízo abstracto”.
Outra ilação que se retira da jurisprudência do STA é que qualquer decisão sobre a idoneidade de uma garantia há-de resultar da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido.
O órgão da execução fiscal, perante o oferecimento de garantia mediante fiança, e não se questionando a capacidade do fiador se obrigar nem os quantitativos e prazos dos n.ºs 5 e 6 do art. 199.º do CPPT, deve limitar-se, com vista à averiguação da respectiva idoneidade, a avaliar se a fiança é ou não susceptível de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, maxime em face do património do fiador.
Com efeito, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, o legislador apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido.
Assim sendo, tal como ficou consignado no Acórdão do STA, de 15 de Fevereiro de 2012, proc nº 126/12, “a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração Fiscal não pode recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT conjugado com o nº 5 do art. 52º da LGT”.
No caso em apreço, o órgão de execução fiscal limita-se a fazer uma apreciação em abstracto sobre a idoneidade da fiança fazendo uma interpretação restrita e fechada do art. 199º, do CPPT, restringindo-o às garantias nele expressamente enunciadas (garantia bancária, caução e seguro caução).
Segundo a recorrente, “(…) a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à realização da divida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução”.
No mesmo sentido, argumenta a recorrente que a garantia de liquidez em tempo útil é intrínseca à idoneidade de uma garantia, característica que falta na fiança. Logo, na sua óptica, “O órgão de execução fiscal, usando da sua capacidade técnica, juízos de prognose e em conformidade com as regras de uma “boa administração”, a que está vinculada, ponderou se a garantia que lhe foi apresentada era adequada para garantir a dívida exequenda e respectivo acrescido, tendo em conta a escolha da solução que melhor realizasse o interesse público, isto é, se a garantia apresentada era ou não idónea, concluindo pela falta de idoneidade da fiança prestada”.
Em face, pois, da jurisprudência do STA, não assiste qualquer razão à recorrente quando retira do art. 199º do CPPT a enumeração taxativa de um elenco garantias que excluem a fiança, com base desde logo na sua menor liquidez.
Por outro lado, pese embora a inegável margem de discricionariedade que assiste à Administração Fiscal nesta matéria (Sobre a questão, vide os seguintes recentes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
­de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 786/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b93c19fff50f44278025791a003aa551?OpenDocument;
­de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 126/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d8816a5999c153cf802579b80056a4fd?OpenDocument.), a verdade é que não podem relevar-se como fundamentos válidos para afastar a fiança os esgrimidos no caso em apreço.
Como se pode ler na sentença recorrida, Administração Tributária indeferiu a prestação da garantia através da fiança com fundamento na sua idoneidade, reconduzindo o juízo sobre a idoneidade da fiança a uma apreciação em abstracto sobre a fiança como modo de prestar garantia, concluindo que a mesma seria inadmissível, quer porque não está prevista no artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quer porque não assegura plena e seguramente o interesse público da efectiva cobrança dos créditos, desde logo, por ser insusceptível de imediata e rápida conversão em receita.
O interesse da administração fiscal na realização célere dos seus créditos é um interesse legítimo e acautelado pela lei, mas que não passa pela preferência do legislador por certo tipo de garantias consoante a sua maior segurança, liquidez ou imediata execução.
O critério que o legislador elegeu para esse efeito assenta sim na idoneidade em concreto da garantia prestada para cobrir a totalidade da dívida exequenda, podendo a Administração Fiscal, em caso de diminuição significativa do valor dos bens, ordenar o seu reforço, nos termos do disposto no art. 199º, nº 9, do CPPT e nº 3 do art. 53º da LGT.
Como ficou dito no referido Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 2012, proc nº 126/2012, “[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito””.
Como ficou consignado no Acórdão de 14 de Março de 2012, “Estes considerandos são válidos relativamente à fiança. É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efectuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT.
A interpretação subscrita pela Recorrente permitiria à AT estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar todas as que não assegurassem imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto”.
Finalmente, improcedem também os argumentos avançados pela Administração Fiscal no sentido de que “(…) é o executado quem deve demonstrar a suficiência da garantia apresentada, designadamente pela demonstração do activo, do passivo e das obrigações entretanto assumidas pela sociedade garante”. E que, no caso, “(…) a reclamante não demonstrou oportunamente, para efeitos da decisão de aceitação da fiança, que esta constituía uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos e que tinha subjacente um lastro patrimonial indiciador da sua idoneidade”.
Para demonstrar a capacidade da fiadora para assegurar o pagamento da dívida exequenda a recorrida apresentou, com o seu pedido, “o Relatório e Contas da Fiadora, cujas demonstrações Financeiras consolidadas apresentavam um capital próprio de €562.006.000” (art. 12º da Reclamação e ponto 3 do probatório).
Acontece que a Administração Fiscal não fez qualquer juízo sobre a concreta fiança apresentada. Por outro lado, se tivesse dúvidas sobre a capacidade financeira da fiadora deveria ter solicitado mais elementos e não ter pura e simplesmente indeferido o pedido com base em argumentos sobre a falta de idoneidade em abstracto da fiança para funcionar como garantia.
Na verdade, o problema reside no facto a Administração Fiscal não ter procedido à avaliação em concreto da idoneidade da garantia prestada, no âmbito da qual não estaria impedida de colher dados e informações sobre, por exemplo, os ónus ou garantias que incidem sobre o património da empresa fiadora, a identificação dos beneficiários, podendo até pedir certidão sobre as fianças já existentes. Acresce que também não estaria igualmente impedida de exigir a actualização periódica no futuro destes dados bem como dos relativos a informações sobre o balanço da empresa fiadora.
Em suma, não tendo o órgão de execução fiscal procedido à avaliação em concreto da garantia oferecida, que rejeitou exclusivamente com o fundamento que este tipo de garantia – fiança – não seria admissível, apenas com o argumento da sua maior segurança e qualidade (liquidez imediata), significa que não há interesse público que justifique o sacrifício dos interesses da Executada.
Tal como ficou consignado no Acórdão de 14 de Março de 2012, “A AT pode recusar a fiança oferecida se achar que a mesma, em concreto, não garante o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. O que não pode é, em abstracto, recusar essa forma de prestação de garantia, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos da Executada”.
Realce-se que a administração fiscal deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e art. art. 5.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo), o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles.
Em conclusão, ao ter fundado a decisão de recusa da garantia oferecida através de fiança em parâmetros que, seguramente, não integram o critério legal de aferição da idoneidade dessa garantia, incorreu o respectivo autor em vício de violação de lei, a determinar a respectiva anulação, como bem decidiu o Mmº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Por tudo o que vai exposto, o recurso não merece provimento, confirmando-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.