Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03966/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/12/2010
Relator:MAGDA GERALDES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA IDÓNEA
FIANÇA DE PESSOA COLECTIVA
Sumário: I - Nos termos do disposto no artº 199º do CPPT a fiança é uma das formas de garantia aí admitidas quando a lei se refere a qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
II - O artº 199º, nº l do CPPT não confere à Administração Tributária uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá, exactamente, entender por garantia idónea.
III - Na fiança, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor ficando, em princípio, todo o seu património responsável pela satisfação do direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor, distinguindo-se a obrigação do fiador da obrigação do devedor, uma vez que ela é acessória da que recai sobre o principal devedor, embora tenha o mesmo conteúdo, sendo a obrigação dos dois – devedor e fiador – a mesma, havendo alternativa quanto aos sujeitos passivos da obrigação – cfr. artº 634º do CC: “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.”
IV – Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere com base nos factos apurados nos autos, sendo a fiança prestada por uma sociedade gestora de participações sociais uma garantia idónea, desde que o património desta seja elemento indiciador da idoneidade de tal garantia.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo


A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional da sentença do TT de Lisboa que, nos autos de reclamação de decisão do órgão da execução fiscal interpostos por A..., S.A., nos termos do disposto no artº 276º do CPPT, julgou procedente tal reclamação e determinou que fosse aceite pela Administração Fiscal que a garantia a prestar fosse realizada através de fiança prestada pela sociedade A..., SGPS, S.A..

As conclusões das alegações do presente recurso são as seguintes:

“I – Foi apresentada a presente reclamação na sequência de requerimento apresentado pela A... SA., solicitando ao Órgão de Execução Fiscal que lhe concedesse a isenção da prestação de garantia, invocando o prejuízo irreparável que a sua prestação iria causar ou em alternativa a prestação de termo de fiança daquele montante a ser prestada pela A..., SGPS, SA.
II - A suspensão da execução, por ter sido deduzida reclamação graciosa, depende, nos termos dos n°s.1 e 2 do art° 52° da LGT e n° 5 do art° 169° do CPPT, da prestação de garantia idónea da qual nos termos do n° 4 do art° 52° da LGT a administração tributária pode isentá-lo nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
III - Não se mostrando provado o prejuízo irreparável nem invocada a insuficiência económica, bem andou a sentença ao decidir pela não verificação dos pressupostos para a isenção da garantia.
IV - Quanto à procedência do pedido alternativo de que seja aceite pela Administração Fiscal que a garantia seja realizada através de fiança prestada pela sociedade A... SGPS, SA, sempre se diz:
V - A suspensão da execução, depende, nos termos dos n°s,1 e 2 do art° 52° da LGT e n° 5 do art° 169° do CPPT, da prestação de garantia idónea que consiste em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
VI- Contudo, dado tendo em conta as principais características do regime da fiança como: a acessoriedade e a subsidiariedade que implica o beneficio de excussão prévia, ainda que renunciado pelo prestador, retiram o carácter de idoneidade a que o legislador dá expressão através do art° 199° do CPPT, não permitindo um rápido e eficiente accionamento da garantia, como acontece nas garantias bancárias "on first demand" com a sua natureza autónoma e automática capaz de repor de imediato as quantias em dívida, em caso de incumprimento.
VII - Ao facto de a fiança vir a ser prestada pela A... SGPS, SA, assentando portanto no património de um terceiro, realidade sempre volúvel, sem direito de sequela e sujeita às vicissitudes desse património, quiçá ao risco de insolvência, acresce ainda existência de execuções fiscais, em seu nome cujo montante que ascende a € 459 593,33 e que se encontram suspensos por terem sido apresentadas garantias bancárias para o efeito.
VIII - Do balanço apresentado, reportado a 30 de Outubro de 2009, há que relembrar que se trata de uma sociedade de Gestão de Participações Sociais cujo activo constituído pelas partes sociais se encontra inscrito por valores escriturais estáticos que apenas revelariam a verdadeira realidade se conjugados com os balanços de cada uma das participadas, não se mostrando por si só capaz de demonstrar da suficiência ou insuficiência do património da A... SGPS, SA, para garantir os créditos da reclamante.
IX - Alias, sendo a posição da Administração Fiscal a de credor não parece lícito que seja forçada a aceitar como fiador quem lhe possa oferecer dúvidas relativamente à sua capacidade para se obrigar ou quem não tiver demonstrado cabalmente possuir bens suficientes para garantir a obrigação, como resulta do art° 633° do CC.
X - Tendo em conta o disposto no n° 8 do art° 199° conjugado com o n° 1 do art° 197° do CPPT, a competência para apreciar as garantias a prestar compete ao Órgão de Execução Fiscal, indicando que o legislador entendeu que dada a natureza técnica da matéria em causa, deveria atribuir à Administração Fiscal a competência para decidir, em matéria de garantias, usando da sua capacidade técnica, juízos de prognose e segundo as regras de "boa administração", a que está vinculada, se aquela garantia que lhe foi apresentada é a adequada para garantir aquela situação em concreto, tendo em conta a escolha da solução que melhor realize o interesse público, isto é, se é idónea.
XI - "Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração ir ao ponto de definir - nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade - um conteúdo, um objecto ou uma forma únicos compatíveis com o fim a prosseguir, e, em função deles, apreciar o acto em questão.
Isso representaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à Administração Pública no traçado de todos os elementos do acto por ela praticado. O que põe em causa a lei - que quis dar à Administração Pública uma liberdade de escolha - assim negada. (Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito Administrativo, Vol. l Lex, 1999, pags. 107/108.
XII - A sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára na fronteira da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa que constitui um limite funcional da jurisdição administrativa, pois as opções do órgão administrativo tomadas nesse domínio revelam da esfera do mérito apenas controlável pela própria Administração e nunca pelos Tribunais (Ac. TCAS de 06/11/2008 proc. 01628/06).
XIII - Não foi aqui exigido pela Administração Fiscal uma garantia específica, nem um tipo de garantia diferente de forma a onerar o reclamante em avultados custos, apenas aquela garantia não foi aceite, pelas razões e com os fundamentos patenteados nos autos, apoiando-se na sua capacidade técnica, juízos de prognose e segundo as regras de "boa administração", visando a prossecução do interesse público, tendo em conta que o executado tem ao seu dispor outras formas legais de garantir a divida utilizando lançando mão a outras formas de garantir, sem qualquer custo ou com um custo insignificante.
XIV - Tendo como base a Informação prestada pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva patente nos autos, no seu ponto 16 constata-se através dos elementos disponibilizados pelas aplicações informáticas existentes na DGCI, maxime, a Modelo 22 e a l ES relativas ao ano de 2008, e as declarações periódicas do IVA, que a executada demonstra ser proprietária de bens imóveis, entre outros, e por outro lado, pode-se falar na existência de indícios de forte actividade económica e de capacidade para a prestação da garantia ora em causa.
A douta sentença recorrida, ao julgar procedente a presente reclamação, a manter-se na ordem jurídica tem como consequência a violação dos artigos 197°, 199° do CPPT, art° 633 CC e art° 2° da CRP.”

Em contra-alegações, a recorrida concluiu:

“Nestes termos, a Recorrida conclui as suas alegações requerendo que seja o presente recurso julgado improcedente, mantendo-se, consequentemente, a sentença recorrida inalterada, porquanto:
1. Perante as alegações de recurso da Recorrente, foi a ora Recorrida surpreendida com (i) a exposição de argumentos relativos ao indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, questão necessariamente excluída do âmbito do presente recurso, (ii) a repetição dos argumentos já invocados perante o Tribunal a quo no que concerne à aceitação de determinada garantia para efeitos da suspensão de processo de execução fiscal, e (iii) com a invocação da suposta existência de «discricionariedade», a favor da Administração fiscal.
2. Em suma, a Recorrente invoca que as características típicas da fiança, ie, a acessoriedade e a subsidiariedade, impedem que esta constitua garantia idónea nos termos legais.
Alegação que a Recorrente mantém mesmo assumindo que venha o fiador a renunciar ao benefício da excussão prévia que lhe assistiria(i).
3. A característica da acessoriedade implica apenas que a fiança se apresenta como acessória da dívida principal, no sentido de que fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada,12 mas, não deixa por isso de estar o fiador pessoalmente obrigado perante o credor (o fiador é, assim, um verdadeiro devedor do credor,13 como aliás dispõe o artigo 627.°, n.° l do Código Civil, obrigando-se com todo o seu património).14
4. Resulta da interpretação da norma ínsita no artigo 199.°, n.° l do CPPT que a Lei, ao definir a idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeitos da suspensão do processo executivo, exige sem mais a prestação de uma qualquer garantia, desde que esta seja suficiente para assegurar os créditos em causa, pelo que a Recorrente pretende nas suas alegações acrescentar requisitos que a Lei não previu.
5. Com efeito, nada na letra da Lei ou na sua ratio, nos permite concluir que é exigível um rápido e eficiente accionamento da garantia, que, como tenta deixar implícito a Recorrente, tenha a garantia que consistir numa garantia bancária ou ainda que não possa esta assentar em património de outra entidade.
6. Estabelece o artigo 9.° do Código Civil, que a interpretação da Lei tem que ter uma correspondência com a sua letra, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que, não pode a Administração fiscal fazer acrescer à lei critérios que esta não previu ou distinguir onde esta não distingue, sob pena de violação do princípio da legalidade.
8. Acresce que, ainda que assim não se entenda - o que se admite por mera hipótese de raciocínio, e sem conceder - as características da fiança em nada determinam que o seu accionamento seja lento, moroso ou difícil, posto que a dívida exequenda seja comprovada e renunciado a sociedade fiadora ao benefício da excussão prévia, o seu accionamento seria, no presente caso, pronto, rápido e sem entraves.15
9. E mais, se não se nega que um património de um terceiro é uma realidade volúvel, não podemos olvidar que a garantia bancária assenta ela própria no património de um terceira entidade, neste caso, de uma entidade bancária, ora, perante a conjuntura actual, e as situações mais recentes, não parece que o risco de a sociedade fiadora in casu, ou seja, a sociedade A... SGPS, S.A., tornar-se insolvente seja determinantemente superior ao de certas entidades bancárias, como seja, em Portugal, o Banco Privado Português (BPP), nos Estados Unidos da América a Lehman Brothers e em Inglaterra o Royal Bank of Scotland.
10. A invocação pela Recorrente da existência em nome da sociedade A... SGPS, S.A. dívidas que ascendem a € 448.782,92, pretendendo deixar implícito que tal põe em causa a capacidade económica desta sociedade não releva in casu, posto que todos os processos de execução se encontram já garantidos e suspensos, em nada afectando a capacidade financeira da sociedade.
11. E mais, estranha-se que a Administração considere que uma dívida inferior a meio milhão de Euros possa pôr em causa a solvabilidade da A... SGPS, S.A., impossibilitando-a de prestar fiança, mas considere ao mesmo tempo que a prestação de garantia no valor de quase 2 milhões de Euros pela Reclamante em nada põe em causa a sua viabilidade económica ou lhe causa prejuízo irreparável!
12. Nos termos de despacho 642/2002, de 11 de Março de 2002, emitido pelo Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «[o]s Serviços da Direcção-Geral dos Impostos competentes, nos termos do disposto no n° 8 do artigo 199° do C.P.P.T., para apreciar as garantias a prestar para assegurar os créditos tributários exequendos devem aceitar a título de garantia e em cumprimento do consignado no n.° l do artigo 199.° do C.P.P.T. [...] designadamente a fiança de pessoa singular ou colectiva» (cit. sublinhado nosso).
13. Por outro lado, pretende a Recorrente alegar - sem nunca o referir expressamente - que a lei atribuiu à Administração fiscal, «dada a natureza técnica da matéria em causa»,16 discricionariedade no âmbito da decisão sobre a aceitação de determinada garantia para efeitos de suspensão de processo de execução, e que, como tal, não poderia o Tribunal a quo sindicar do mérito da decisão subjudice, alegação esta que não merece provimento.
14. Todavia, não procede o argumento de que a aceitação de determinada garantia - a qual terá que se basear, num primeiro momento, na análise do respectivo regime jurídico e, num segundo momento, no exame objectivo da sua efectiva suficiência para assegurar a dívida exequenda — exige qualquer tipo de conhecimento técnico específico da Administração fiscal, e que, por isso, deve caber a esta, e apenas a esta, toda a decisão sobre tal matéria, sem susceptibilidade apreciação judicial.
15. É sabido que a existência de «discricionariedade técnica» se impõe pela necessidade de conhecimentos técnicos específicos e muitas vezes de estudos técnicos prévios a determinado acto ou tomada de posição, o que determinaria a impossibilidade da sindicabilidade jurisdicional do seu mérito. Sucede que, in casu os conhecimentos técnicos específicos necessários são primordialmente jurídicos, os quais não são específicos da Administração fiscal, são sim a base de qualquer actuação, análise ou sindicabilidade judicial, são próprios do poder jurisdicional, e assim do Tribunal a quo.
16. Acresce que, com resulta das alegações da Recorrente, o principal argumento por si utilizado relaciona-se exactamente com as características do regime jurídico da fiança... não se afigurando possível determinar então quais os «conhecimentos técnicos» próprios da Administração que estiveram aqui subjacentes.
17. O artigo 633.° do Código Civil, invocado pela Recorrente apenas permite que o credor não aceite determinado fiador se este não tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a dívida, ora, como vimos a pretensa fiadora, no caso em presença, tem bens mais do que suficientes para garantir o cumprimento da obrigação aqui subjacente, tendo igualmente capacidade para se obrigar, não devendo, ainda assim, a mesma Recorrente olvidar que esta não se trata de um qualquer credor sujeito, na sua liberdade contratual e dispositiva, ao Código Civil.
18. No entanto, e ainda que se entendesse serem necessários conhecimentos técnicos específicos para a apreciação de garantias - o que se admite por mera hipótese de raciocínio, e sem conceder - entende-se nestes casos que «o princípio da separação de poderes não pode levar aprioristicamente a uma limitação do controlo jurisdicional neste campo e que as eventuais dificuldades práticas do tribunal em matérias técnicas devem ser ultrapassadas, como aliás sucedeu em todos os ramos do direito processual, com recurso a peritos».
19. A análise do n.° 8 do artigo 199.° e do n.° l do artigo 197.°, ambos do CPPT, deve ser realizada em conjunto com o artigo 199, n.° l do CPPT, não resultando daqui a atribuição legal à Administração de qualquer liberdade de escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis.19
20. In casu, a Lei determina, no artigo 199.°, n.º l do CPPT, que «deverá o executado oferecer garantia idónea»; mas não se fica por aqui, de facto, depois de enumeração exemplificativa das garantias aceites, a Lei refere que garantia idónea «consistirá [...] qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente» (cit.).
21. A Lei — no referido artigo 199.°, n.° l do CPPT — não confere à Administração fiscal uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá, exactamente, entender por garantia idónea.
22. Não podemos considerar que esteja aqui subjacente qualquer margem para que possa a Administração livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere objectivamente com base em comprovação documental, tal como foi feito perante o Tribunal a quo.
23. Posto isto, não subsistem quaisquer razões que nos levem a considerar que não poderia o Tribunal a quo sindicar no caso em presença da actuação da Administração, devendo a sentença recorrida permanecer inalterada.”

Neste TCAS, a Exmª Magistrada do MºPº emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

OS FACTOS

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, não impugnada nesta sede de recurso jurisdicional:
“A) Em 2009/08/18 e 2009/08/19 foram instaurados, respectivamente, os PEF n°3344200901077325 e 3344200901077350 com origem em dívidas de IRC relativas aos anos de 2005 e 2006, sendo a dívida exequenda no valor de € 843.892,23 e € 616.146,85;
B) Em 2009/08/25, a executada apresentou reclamações graciosas quanto às liquidações supra referidas;
C) Em 2009/08/28, a ora reclamante foi notificada pelo SF de Lisboa 11 para nos termos do art.169° do CPPT vir prestar garantia no valor calculado para os dois processos no valor de € 1.866.254,55;
D) Na sequência da anterior notificação, veio a ora reclamante, em 2009/09/21, apresentar um requerimento no qual solicitou a concessão de isenção de prestação de garantia nos processos referidos em A), com o fundamento de que a sua prestação lhe iria causar um prejuízo irreparável, ou, caso assim não se entendesse, a prestação de termo de fiança a favor do Serviço de Finanças de Lisboa 11, no montante de € 1.866.254,55, destinada a caucionar o pagamento que se mostrasse devido nos processos em causa, a ser prestada pela A... SGPS, NIPC 502903562;
E) Em 2009/10/27, com base na Informação n° 546/2009 prestada no âmbito do PEF N° 239/09, pelo Director de Finanças Adjunto para a área da dívida Executiva foi exarado despacho de indeferimento da pretensão da executada para efeitos de suspensão dos processos 3344200901077325 e 3344200901077350, quer quanto ao pedido de dispensa de prestação de garantia, quer quanto ao pedido de prestação de fiança por entidade terceira;
F) Em 17/11/2009 a ora reclamante apresenta no Serviço de Finanças de Lisboa 11 a presente Reclamação, conforme carimbo aposto a fls. 69 dos autos.
Os factos provados assentam na análise critica dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos, das informações oficiais e dos documentos juntos.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da reclamação.”
Mostra-se ainda assente que:
1 – a sociedade A... SGPS, S.A. prestou os termos de fiança constantes de fls. 97 a 100 dos autos, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos;
2 – a fls. dos autos encontra-se cópia do balanço em 30.10.09 da sociedade A... SGPS, S.A., cujo conteúdo aqui se reproduz integralmente.

O DIREITO

A questão suscitada nas alegações do presente recurso circunscreve-se à apreciação da decisão recorrida na parte em que julgou procedente o pedido alternativo efectuado pela sociedade ora recorrida, de ser aceite pela Administração Fiscal que a garantia, a prestar pela ora recorrida com vista à suspensão da execução fiscal, fosse realizada através de fiança prestada pela sociedade A... SGPS, SA, a favor da Direcção de Finanças de Lisboa, Serviço de Finanças de Lisboa 11, no montante de € 1.866.254,55, e destinada a caucionar o pagamento que se mostrasse devido nos processos de execução fiscal em causa e em que aquela é executada.

Dispõe artº 199º, nº1 do CPPT, que: “1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.”
O artº 627º do CC dá-nos a noção de fiança, enquanto garantia especial das obrigações em geral, nele se referindo que: “1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. 2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.”
Na fiança, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor ficando, em princípio, todo o seu património responsável pela satisfação do direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor, distinguindo-se a obrigação do fiador da obrigação do devedor, uma vez que ela é acessória da que recai sobre o principal devedor, embora tenha o mesmo conteúdo, sendo a obrigação dos dois – devedor e fiador – a mesma, havendo alternativa quanto aos sujeitos passivos da obrigação – cfr. artº 634º do CC: “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.”
A acessoriedade é, assim, uma característica essencial do negócio jurídico que é a fiança, não podendo ser afastada pela vontade das partes.
A característica da subsidiariedade da fiança concretiza-se no benefício da excussão prévia de todos os bens do devedor previsto no artº 638º do CC: “1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito. 2. É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do devedor.”
Esta característica da subsidiariedade consiste no direito que o fiador tem de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiverem executados todos os bens responsáveis do devedor, sem o credor obter a satisfação do seu crédito. Todavia, esta subsidiariedade da fiança não conflitua com a característica essencial da fiança, a acessoriedade, nos termos supra referidos, não significando que o fiador deixe de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito, deixe de responder na sua totalidade pela dívida, simplesmente significa que este tem direito a ver previamente excutidos todos os bens do devedor principal, antes de responder pela dívida com o seu património.
Com efeito, sendo o fiador desde logo pessoalmente obrigado – cfr. artº 627º do CC – pode ser chamado a cumprir antes mesmo do devedor – cfr. artºs 640º e 641º do CC.
Ora, no caso dos autos, a A..., SGPS, S.A. aceitou, inclusivamente, renunciar a este benefício e assumiu-se como principal pagador – cfr. doc. fls. 97 dos autos- renúncia esta prevista no artº 640º, a) e b), do CC, não colhendo a alegação da recorrente quanto ao facto de a subsidiariedade da fiança tornar esta garantia numa garantia inidónea para efeitos do disposto no artº 199º, nº1 do CPPT, uma vez que tal subsidiariedade, para além de não afastar a obrigação de pagamento por parte do fiador, está absolutamente arredada no caso dos autos.
É certo que, nos termos do disposto no artº 633º, nº1, do CC, “1. Se algum devedor estiver obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a obrigação.”
Quanto à capacidade jurídica da sociedade fiadora em celebrar negócios jurídicos, no caso concreto em ser fiadora da ora recorrida, tal capacidade não se mostra questionada nos autos, sendo certo que só têm capacidade para afiançar aqueles que podem obrigar-se.
Relativamente à idoneidade patrimonial da sociedade fiadora, a suficiência do seu património para garantia dos créditos exequendos não foi questionada nos presentes autos, nada resultando da matéria de facto apurada que permita concluir por uma insuficiência de património para tal fim. Pelo contrário, o teor do balanço em 30.10.09 da sociedade A... SGPS, S.A., é elemento indiciador da idoneidade da garantia prestada por esta sociedade, sendo que o mesmo não foi posto em causa nos autos pela recorrente.
A alegação de se estar perante o “património de um terceiro, realidade sempre volúvel, sem direito de sequela e sujeita às vicissitudes desse património, quiçá ao risco de insolvência”, podendo ser válida para a prestação de fiança em geral, não releva no caso concreto dos autos, por falta absoluta de concretização, sendo certo que, nos termos do disposto no artº 199º do CPPT a fiança é uma das formas de garantia aí admitidas quando a lei se refere a qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
De igual modo a alegação da existência de execuções fiscais, em nome da fiadora, não releva na medida em que as mesmas estão devidamente acauteladas por garantias bancárias, tal como a recorrente refere.

Quanto à alegada discricionariedade no âmbito da decisão sobre a aceitação de determinada garantia para efeitos de suspensão de processo de execução, e a não sindicabilidade do mérito da decisão tal alegação não procede.
Com efeito, tal como refere a recorrida nas suas contra-alegações, “não procede o argumento de que a aceitação de determinada garantia - a qual terá que se basear, num primeiro momento, na análise do respectivo regime jurídico e, num segundo momento, no exame objectivo da sua efectiva suficiência para assegurar a dívida exequenda - exige qualquer tipo de conhecimento técnico específico da Administração fiscal, e que, por isso, deve caber a esta, e apenas a esta, toda a decisão sobre tal matéria, sem susceptibilidade apreciação judicial.”
A existência da chamada discricionariedade técnica decorre da necessidade de conhecimentos técnicos específicos e muitas vezes de estudos técnicos prévios a determinado acto, por parte da Administração, o que determinaria a impossibilidade da sindicabilidade jurisdicional do mérito de tal acto. No caso dos autos, não estamos perante conhecimentos técnicos específicos necessários à tomada de decisão, pois tais conhecimentos são essencialmente jurídicos, não sendo específicos da Administração Tributária.
Como resulta das alegações da recorrente, o principal argumento por si utilizado relaciona-se com as características do regime jurídico da fiança.
Ora, nos termos do disposto no artº 199º, nº 8 e no artº 197º, nº1, ambos do CPPT, conjugados com o disposto no artº 199º, nº l do CPPT, não resulta a atribuição legal à Administração de qualquer liberdade de escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis.
O artº 199º, nº1 do CPPT, dispõe que “deverá o executado oferecer garantia idónea”, referindo a lei, de forma exemplificativa as garantias aceites, referindo que a garantia idónea “consistirá (...) qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”.
Deste modo, o artº 199º, nº l do CPPT não confere à Administração Tributária uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá, exactamente, entender por garantia idónea.
Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere com base nos factos apurados nos autos, tal como foi decidido pelo tribunal a quo.
Assim sendo, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso, não tendo a decisão recorrida violado as normas constantes dos artºs 197° e 199° do CPPT, art° 633º do CC e art° 2° da CRP, não merecendo o presente recurso jurisdicional provimento.

Pelo exposto, acordam os juízes do TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo, em:
a) – negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida;
b) – condenar a FP nas custas.

LISBOA, 12.05.10

Magda Geraldes
José Gomes Correia
Joaquim Pereira Gameiro