Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02615/11.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/18/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:GARANTIA
FIANÇA
RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I. A enumeração das garantias a que alude o artigo 199.º, n.º 1, do C.P.P.T. não é taxativa nem gradativa, mas exemplificativa;
II. Não ocorre obstáculo legal a que a garantia a prestar em sede de execução fiscal com vista a obter a respectiva suspensão seja constituída por fiança;
III. Perante o oferecimento de determinada garantia e com vista à determinação da respectiva idoneidade, ao órgão da execução fiscal apenas cabe ajuizar se a dita garantia é ou não susceptível de assegurar o cumprimento dos créditos do exequente;*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S...SGPS, S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – A Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte da sentença proferida, em 17.11.2011, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação que a S…, SGPS, SA., com os demais sinais dos autos, deduzira do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos - 1, que lhe havia indeferido a prestação de garantia através de fiança, proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1805201001157345 contra si instaurado.
Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no art. 276° do CPPT, do despacho proferido em 2011/04/15, pela Ex.ma Sr.a Chefe do SF da Maia, no âmbito de processo de execução fiscal que corre termos naquele SF e que indeferiu a prestação de garantia para efeito de suspensão da execução através de fiança, por inidoneidade da mesma.
B. No dito PEF encontra-se em cobrança coerciva dívida relativa ao IRC do ano de 2007, no valor total de € 3.210.655,63, tendo a executada sido notificada para prestar garantia, no montante de € 4.174.101,89, para os efeitos do disposto no art. 169º, n° 1 do CPPT.
C. Perante tal notificação, veio a aqui reclamante, sociedade incorporante da executada, apresentar para garantia a fiança, ora controvertida, por via da qual outra SGPS do mesmo grupo económico se propôs constituir fiadora da executada.
D. O despacho reclamado, proferido em 21.07.2011, concluiu pelo indeferimento de tal pedido, por considerar que a garantia oferecida (fiança) não tem idoneidade suficiente, designadamente porque não consubstancia uma garantia que proporcione o maior grau de liquidez, atendendo ao facto do valor monetário que lhe está subjacente não ser realizável de forma certa directa e imediata, em sede da respectiva execução, não pertencendo a fiança ao elenco das garantias prioritariamente aceites.
E. Vindo alegados como fundamento da presente reclamação o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão reclamada, a douta sentença recorrida julgou a reclamação procedente, com a consequente anulação do acto reclamado, por entender que o despacho reclamado padece de ilegalidade.
F. Para tal, a Mma juíza a quo considerou que “(...) o art. 199°, n° 1 do CPPT, dispõe que «deverá o executado oferecer garantia idónea», referindo a lei, deforma exemplificativa as garantias aceites, referindo que a garantia idónea «consistirá (1..) qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
Deste modo, o artigo 199º n° 1 do CPPT não confere à Administração Tributária uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá exactamente entender por garantia idónea.
Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes”.
G. E conclui que “é a própria Administração Tributária, veja-se o despacho emitido pelo Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que reconhece expressamente que deve ser aceite a título de garantia a fiança de pessoa singular ou colectiva, que releve capacidade financeira, dúvidas não temos que a S…, SGPS, SA, com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal, factos que são do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio, detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
H. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
I. Contrariamente ao sentenciado, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não é de proceder a pretensão formulada na presente reclamação, porquanto não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade.
J. Acontece que, a douta sentença sob recurso decidiu no sentido de que a fiança ora em apreço não podia deixar de ser considerada idónea, devendo, como tal, ser aceite como garantia da dívida exequenda.
K. E, para dar como certa tal conclusão, baseia-se tão só o Tribunal a quo no facto de ser “do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio” que a SGPS proposta como fiadora, “com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal, “detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
L. Entende, porém, a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que é muito, que as referidas ilações não poderão servir de base, como adiante se constatará, à conclusão da idoneidade da garantia, não sendo ainda suficientes para que delas se possa inferir pela idoneidade da garantia oferecida, porquanto, não só as mesmas não resultam provadas, como não explica o Tribunal a quo como e de onde as retirou.
M. Ademais, afigura-se à Fazenda Pública, sempre com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que ao afirmar que a SGPS proposta como fiadora é uma das maiores empresas de Portugal, parece estar a confundir aquela empresa com o grupo económico em que se integra, não resultando, porém da douta sentença sob recurso quais as premissas em que se baseou para retirar tal ilação.
N. Acresce que, afirma a Mma Juíza a quo que não estamos “perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea”, estando “tal aceitação (...) dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes».
O. Efectivamente, do despacho controvertido, cuja fundamentação, aliás, não foi questionada pela douta sentença em análise, não resulta que a AT tenha optado, sem mais, por recusar a garantia oferecida,
P. Antes resulta que a Sr.ª Chefe do SF considerou que a fiança em causa não consubstancia garantia idónea para a suspensão da execução, nos escassos termos em que foi proposta, dado o valor em dívida, o conhecimento que tem da executada e da fiadora - designadamente pela informação disponível no sistema informático da DGCI - e ponderado o objectivo e princípios que regem a cobrança coerciva da receita tributária, concluindo, a final, que a fiança em crise não é susceptível de assegurar os créditos exequentes.
Q. O art. 52° da LGT permite a suspensão da cobrança da prestação tributária efectuada no processo de execução fiscal nos casos de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução, que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
R. Tal suspensão da execução encontra-se, porém, condicionada pelo art. 169° do CPPT à constituição de garantia (em conformidade com o art. 195° do mesmo CPPT), à sua prestação (nos termos do art. 199° do mesmo diploma) ou quando a penhora efectuada nos autos incida sobre bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido.
S. Especifica, no entanto, este último preceito, que a garantia a prestar deverá ser idónea, consistindo em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública.
T. Reporta-se, assim, a idoneidade da garantia à sua susceptibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo (em tempo útil), após citação para o efeito (n° 2 do art. 200º do CPPT), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente.
U. Em suma, a exigência de garantia, nos termos previstos no art. 199° do CPPT, visa assegurar a boa cobrança dos créditos tributários, pelo que lhe é intrínseca uma exigência de liquidez num período de tempo limitado.
V. Os estritos termos e exigências reveladas pelo teor dos preceitos citados reflecte o princípio da vinculação à lei na actividade administrativa tributária, a indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, assumindo que a suspensão tem um carácter verdadeiramente excepcional, sendo que é proibida nos casos não previstos da lei (cfr. art. 56°, n° 5 da LGT).
W. A arrecadação da receita fiscal, já em fase de cobrança coerciva, implica a realização, no processo de execução fiscal, do princípio da efectividade da tutela judicial do direito do credor do imposto, que preside àquele processo judicial tributário, e necessariamente aos meios admissíveis de garantir a cobrança coerciva da dívida tributária em vista da suspensão da execução.
X. Como tal, com a utilização da expressão “garantia idónea”, pretende-se significar que nem todas as garantias serão sempre adequadas e que a indicação exemplificativa dos meios de garantia bancária, caução ou seguro-caução, antes da alternativa “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, tem de entender-se como uma restrição pretendida dos demais meios que poderão enquadrar-se no conceito de garantia idónea.
Y. O escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efectiva cobrança da dívida, designadamente no que às garantias a prestar para suspensão da sua tramitação respeita, independentemente da qualidade do prestador.
Z. Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
AA. Por outro lado, a fiança representa uma garantia pessoal dada por um terceiro - o fiador - com o conteúdo da obrigação principal - cfr. art.s 627° e seg.s do CC, sendo que, no plano cível, prevalece a noção de que a fiança não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência (art. 767°, n° 2 do CC).
BB. Não obstante por via da prestação da fiança ser suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. art. 627° do CC), o credor tem de concorrer, porém, em relação a ambos os patrimónios, com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída.
CC. Pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, afiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio, o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das sua obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.
DD. Constata-se, assim, ser sempre necessário efectuar uma análise detalhada, designadamente, das obrigações assumidas pelo fiador, não podendo a avaliação do património do fiador estar ancorada na sua conhecida robustez económica, mas sim na sua capacidade financeira de cumprimento a curto prazo, razões que têm ainda maior acuidade para efeitos de avaliar a prestação de garantia tendente a suspender um processo de execução fiscal, atendendo à índole pública e indisponível da obrigação de imposto legalmente liquidado.
EE. In casu, cumpre salientar que está em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida, de avultado montante, legitimadora da actuação do órgão da execução fiscal, seguindo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda do interesse público no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente no tipo de garantia a aceitar.
FF. Deste modo, do disposto no art. 199°, n°2 do CPPT, decorre que a AT, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há-de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido em tempo útil,
GG. o que implicará sempre um acto de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspectiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito (cfr., por igualdade de razões, o art. 219°, n°1 do CPPT).
HH. Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer susceptibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza.
II. O órgão da execução fiscal, no despacho reclamado, assinalou precisamente a inidoneidade da garantia pessoal oferecida, tanto em face das dívidas tributárias tituladas por sociedades do grupo que se encontram em cobrança coerciva, como atendendo ao dever de precaução na cobrança dos tributos devidos ao credor tributário que estejam a ser litigados, argumentação mais posta em relevo pelo tipo de sociedade proposta como garante da dívida.
JJ. Pois, figurando como fiadora uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), cujo objecto social, nos termos do DL n° 495/88, de 50.12 (com as alterações introduzidas pelos DL n°s 318/94, de 24.12, e n°578/98, de 27.11, e pela L. n° 109-B/2001, de 27.12) é a gestão de participações sociais de outras sociedades, o seu activo - regra geral - é constituído por participações financeiras e créditos sobre empresas participadas.
KK. E, é sabido que estas sociedades não detêm, muitas vezes, outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas, as quais constituem um tipo de activos altamente volátil, não só devido à sua oscilação em termos de valor de mercado, mas também devido à sua possibilidade de liquidação quase instantânea.
LL. Ou seja, em regra, as SGPS não apresentam estrutura física ou humana inerente, o que as torna sociedades meramente “virtuais”, isto é, sem substância física e que devem a sua existência à legislação vigente, auferindo apenas rendimentos de natureza passiva (lucros e juros).
MM. E, tendo a SGPS por activo patrimonial relevante partes sociais noutras sociedades, inscrito por valores escriturais estáticos que apenas revelariam a verdadeira realidade se conjugados com os balanços de cada uma das sociedades participadas, não se mostram por si só capaz de demonstrar da suficiência ou insuficiência do património da fiadora para garantir os créditos da reclamante,
NN. E, porque o fiador se apresenta como um verdadeiro devedor do credor, de) acordo com o art. 627°, n°1, do Código Civil, obrigando-se a pagar a dívida de terceiro e respondendo pessoalmente, com o seu património, certo é que em nenhum momento anterior ao despacho reclamado o património do proposto fiador foi determinado rigorosamente pela garante ou pela afiançada reclamante, sem prejuízo do consabido risco financeiro normalmente atribuído à determinação do valor de participações sociais, sejam elas cotadas em bolsa ou não, e da transmissibilidade inerente à actividade da sociedade que as detém, que em abstracto poria sempre em causa a sua idoneidade.
OO. A esta observação não se opõe a invocada notoriedade da fiadora ou do grupo económico em que se insere, pois que tal notoriedade pouco ou nada adianta sobre a real situação financeira desta.
PP. Acresce ainda que, atendendo que pela fiança, é suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios e que nos termos do art. 169° do CPPT a suspensão do processo de execução fiscal se mantém até à decisão do contencioso tributário, a admissibilidade da garantia oferecida (fiança) implicaria um acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão da execução fiscal.
QQ. Tanto mais que, o património do fiador pode ter sofrido oscilações importantes desde o momento da constituição da garantia, não apenas devidas às oscilações do mercado, mas também por determinações resultantes de meras decisões de gestão do grupo económico em que aquele se insere.
RR. Acresce que, até pela circunstância de, dentro do mesmo grupo em que se insere a reclamante, diversas holdings terem sido propostas como garantes de avultadas dívidas tributárias de participadas em cobrança coerciva nos correspondentes PEF, o que, em vista da frequência de operações de fusão-concentração, fusão-incorporação ou cisão, verificadas nesse grupo económico em que se integram e de acordo com os seus interesses, como sucedeu já in casu, tem por efeito diluir a responsabilização assumida e aumentar o risco de futura litigiosidade aquando de eventual efectivação dessa responsabilidade e, em todo o caso, de real incobrabilidade.
SS. Releve-se que, a extinção deste tipo de empresas afigura-se extremamente simples e rápida, o que se torna mais relevante se atentarmos no facto de a existência de dívidas tributárias em cobrança coerciva não obstar à liquidação de uma sociedade, por serem consideradas “passivo contingente”, não registado no balanço a título de passivo.
TT. Todas estas questões se tornam mais relevantes se considerarmos que em causa nos autos se encontra uma estrutura empresarial complexa constituída por SGPS sucessivas, em níveis hierárquicos diferentes, a maioria das quais em níveis intermédios.
UU. Saliente-se que o grupo económico em causa, enquanto património único, não existe, encontrando-se distribuído por um elevado número de empresas, numa complexa estrutura empresarial, cada uma delas constituindo um património empresarial per si e não enquanto parte do grupo empresarial que integra, pelo que, no caso limite de necessidade de execução da fiança, apenas o património da empresa garante constitui garantia dos créditos tributários.
VV. A tudo o que vem de ser dito, acresce ainda o facto de que apenas as sociedades-mãe de cada grupo económico se encontram cotadas em bolsa, pelo que, a maioria das participações sociais detidas pela sociedade que ora se oferece como fiadora, não é de imediata transformação em liquidez, facto que vem reforçar a maior probabilidade de incumprir com a obrigação de pagamento em tempo útil.
WW. Ora, todos estes factos não foram tidos em conta, nem foram devidamente valorados, pela douta sentença recorrida, retirando o Tribunal a quo, desde logo, a ilação da capacidade económica e financeira ser do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio e daí retirando a conclusão da idoneidade da fiança, quando,
XX. Atendendo ao que vem de ser dito, facilmente se constata não se poder concluir de forma tão linear, como fez o Tribunal a quo, que sendo “do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio” que a SGPS proposta como fiadora, “com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal, “detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
YY. O órgão de execução fiscal, usando da sua capacidade técnica, juízos de prognose e em conformidade com as regras de uma “boa administração”, a que está vinculada, ponderou se a garantia que lhe foi apresentada era adequada para garantir a dívida exequenda e respectivo acrescido, tendo em conta a escolha da solução que melhor realizasse o interesse público, isto é, se a garantia apresentada era ou não idónea.
ZZ. E, fê-lo tendo em consideração, designadamente, os elementos disponibilizados pelas aplicações informáticas existentes na DGCI, concluindo pela falta de idoneidade da fiança prestada.
AAA. Acresce que, a decisão ora em crise teve por base a incerteza com que o SF se deparou, ponderadas todas as questões que se afiguraram relevantes, em determinar, com segurança, pela possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento, em tempo útil, aquando da eventual interpelação para o efeito (art. 200°, n° 2 do CPPT), por parte da fiadora.
BBB. E, saliente-se, a característica da liquidez em tempo útil é intrínseca à idoneidade da mesma,
CCC. Ora, este facto serve de medida à maior ou menor segurança, certeza e celeridade que a garantia oferece para o credor.
DDD. Aliás, para aferir da suficiência (ou não) da robustez económica do fiador para assegurar o cumprimento da dívida, torna-se necessário analisar o valor da fiança.
EEE. Acontece que, no que a tal avaliação diz respeito, decidiu o douto acórdão do TCAS, de 2000/06/20, processo n° 2986/99, que “a idoneidade se reporta ou é aferida não pelos valores morais ou sociais do fiador mas pelo valor do seu património” e que,
FFF. “a avaliação da capacidade económica ou do valor do património do fiador constitui ónus do requerente”.
GGG. Deve, pois, estar demonstrada a capacidade sustentada de pagar o montante a garantir.
HHH. E, é o executado quem deve demonstrar a suficiência da garantia apresentada, designadamente pela demonstração do activo, do passivo e das obrigações entretanto assumidas pela sociedade garante.
III. Porém, in casu, a reclamante não demonstrou oportunamente, para efeitos da decisão de aceitação da fiança, que esta constituía uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos e que tinha subjacente um lastro patrimonial indiciador da sua idoneidade.
JJJ. Diga-se ainda, no atinente ao Despacho n° 642/2002, de 2002/05/11, do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), a que se refere a douta sentença sob recurso, que o mesmo carecia, como condição de eficácia, da transposição para uma circular administrativa, por forma a vincular a AT,( em conformidade com o disposto no art. 55° do CPPT.
KKK. Aliás, tal resulta do próprio texto do despacho em crise, o qual, na sua parte final (ponto 5) refere: “dê-se conhecimento à DGCI deste entendimento, solicitando a emissão de Circular administrativa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 55ºdo CPPT, que acolha as orientações referidas (...)”, o que não aconteceu.
LLL. Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção dos factos dados como provados, não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados,
MMM. Errando ainda na valoração dos factos que considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem que estabelecesse as premissas que conduziram às mesmas.
NNN. Padece ainda a douta sentença sob recurso de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, mais concretamente os art.s 52° da LGT e 169° e 199° do CPPT.
A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1º. Está em causa um despacho de indeferimento de prestação de garantia através de fiança, tendo o órgão de execução fiscal entendido, em suma, que lhe cabe a escolha do tipo de garantia a prestar pelo Contribuinte, que tem de dar preferência a garantias que apresentem maior grau de liquidez, e que a fiança não consta das garantias consideradas idóneas pelo Oficio-Circulado n.º 60.076, de 29.07.2010.
2º. Ao contrário do pretendido pela Fazenda Pública, constata-se que nunca o indeferimento da fiança se baseou na alegada falta de capacidade económica e financeira da fiadora.
3º. A Fazenda Pública vem colocar em causa o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo, com base em tergiversações, juízos conclusivos e considerandos espúrios, invocando mesmo factos que, como veremos, nem sequer estiveram na base da decisão administrativa impugnada e, portanto, não poderiam ter sido considerados pelo Tribunal a quo.
4º. Para concluir pelo erro de julgamento, invoca a Recorrente que o Tribunal a quo, anulou o despacho em causa, baseando-se tão só no facto de a capacidade económica e financeira da fiadora ser do conhecimento público (Conclusão K).
5º. É falso! Como consta dos autos, e é de liminar clareza, o órgão de execução fiscal indeferiu a prestação de garantia através de fiança, apenas por considerar que estava na sua discricionariedade aceitar ou recusar as garantias prestadas pelos Contribuintes, sem nunca colocar em causa, sequer, a idoneidade da fiança em causa para garantir a boa cobrança da quantia exequenda.
6º. A (alegada) falta de capacidade financeira da fiadora nunca constituiu fundamento para o indeferimento da fiança em causa, e, por isso, não incumbia ao Tribunal a quo apreciar outros fundamentos senão os constantes do despacho impugnado.
7º. Deste modo, face aos factos provados, face aos elementos carreados para os autos sobre a situação financeira e tributária da fiadora, face aos elementos de conhecimento público e de conhecimento oficioso da própria Administração Fiscal, o Tribunal não tinha de convocar outro juízo de adequação senão o constante da sentença recorrida­.
8º. No despacho em causa nos autos, o órgão de execução fiscal nunca coloca em causa a capacidade financeira da executada ou da fiadora para solver ou garantir o pagamento da dívida, apenas resultando que a fiança foi indeferida porque “não consta das garantias idóneas admissíveis nos termos do Ofício – Circulado 60.076, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários”.
9º. Como a Administração Fiscal não colocou em causa a capacidade económica da fiadora, nem invocou a falta de informação para decidir sobre a aceitação da fiança – vem agora a Fazenda Pública, serodiamente, aditar fundamentos ao despacho de indeferimento em causa, invocando, de forma falseada, que os mesmos constam daquele despacho.
10º. Conforme é Doutrina e Jurisprudência unânimes, não é admissível a fundamentação a posteriori (Cfr. Ac. do TCA de 10.05.2011, Proc. 03716/10, in www.dgsi.pt, destaque nosso).
11º. Vem agora a Fazenda Pública, invocar uma série de factos sobre a idoneidade de fianças prestadas por Sociedades Gestoras de Participações Sociais, quando essa idoneidade jamais foi colocada em causa no despacho impugnado, e portanto não constituía objecto do processo de reclamação judicial.
12º. Vem agora a Recorrente invocar factos novos que, naturalmente, não podem ser considerados em sede de recurso, pela simples razão de que não estiveram na base da decisão impugnada, e, como tal, não estavam sujeitos ao crivo do Tribunal a quo – como é o caso, por exemplo, os factos vertidos nas conclusões RR, SS, TT, UU e VV.
13º. Ora, em sede de recurso apenas podem ser considerado factos novos notórios ou de conhecimento oficioso, o que não é o caso (artigo 514.º n.º 1 e 2 CPC, ex vi artigo 2.º e) do CPPT).
14º. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, o órgão de execução fiscal nunca referiu que a garantia em causa não era susceptível de assegurar o pagamento da dívida exequenda, mas apenas que tinha a possibilidade de preferir garantias que oferecessem “maior liquidez”.
15º. Maugrado tal não lhe ser exigível por funcionamento das regras do ónus da prova, a Recorrida fez questão de, à cautela, levar aos autos elementos que apontavam no sentido completamente inverso ao agora defendido pela Recorrente – de que a fiadora tem mais do que capacidade financeira e económica para garantir o bom pagamento da dívida em causa, porquanto invocou que em 2010, por exemplo, a fiadora tinha capitais próprios de €1.861.562.138,00, e um volume de negócios de 5.8 mil milhões euros e um EBITDA de 690 milhões euros - como tudo é de conhecimento público, uma vez que o relatório e contas da S…SGPS está disponível para consulta pública na internet em http://www.s....pt/.
16º. Assim, em face do invocado pela Recorrente, mormente, o facto de que os seus dados económicos e financeiros estarem publicamente disponíveis, e o facto de os mesmos serem reveladores da sua capacidade para afiançar o bom pagamento da dívida, não poderia o Tribunal a quo deixar de, também neste ponto, decidir pela ilegalidade do despacho em causa.
17º. A exemplo do que sucedeu nos autos, também no acórdão do TCAS de 12.05.2010, dado no processo n.º 03966/10, entendeu-se que: «Relativamente à idoneidade patrimonial da sociedade fiadora, a suficiência do seu património para garantia dos créditos exequendos não foi questionada nos presentes autos, nada resultando da matéria de facto apurada que permita concluir por uma insuficiência de património para tal fim.» (destaque nosso).
18º. A Fazenda pretenderá inverter o ónus da prova, para concluir que era a Recorrida a quem incumbia demonstrar que a fiadora tinha capacidade financeira e económica para garantir a dívida exequenda – e isto, quando essa capacidade jamais foi colocada em causa!
19º. A Fazenda Pública limita-se a concluir que existe erro de julgamento da matéria de facto sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveria ter sido dados como provados, ou a indicar os elementos constantes dos autos que impunham um diferente decisão sobre a matéria de facto.
20º. A Fazenda Pública urde toda uma teia de insinuações e considerandos, invocando factos falsos e falseados cuja falta de correspondência com a realidade e falta de rigor, fáctico e jurídico, não pode ignorar, que não foram invocados no despacho em causa, implícita ou explicitamente, e que, portanto, o Tribunal a quo não tinha de considerar para a prolação da decisão em causa.
21º. Nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT, com a anulação do despacho em causa, deve a execução fiscal ficar suspensa com a prestação da fiança em causa – a qual, de resto, se encontra em poder da Administração Fiscal.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Com dispensa dos vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguinte:
a) Saber se o Tribunal “a quo”, na valoração dos factos que considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem estabelecer as premissas em que se sustentam – conclusão MMM da Recorrente;
b) Saber se a sentença padece de erro de julgamento da matéria de direito, na interpretação e aplicação dos artigos 52.º da LGT e 169.º e 199.º, estes do Código de Procedimento e de Processo Tributário CPPT – conclusão NNN da Recorrente.
II – Fundamentação
1. De facto
1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
A) Em 13/10/2010 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 processo de execução fiscal n.° 1805201001157345, contra a reclamante S…, SGPS, S.A., para cobrança coerciva de IRC de 2006, no montante de €3.210.655,63;
B) Em 23/11/2010 a reclamante foi notificada para no prazo de 15 dias apresentar garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro - caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos exequentes (n.º 1 do art. 199° do CPPT) no montante de €4.174.101,89, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 169° do CPPT, cf. fls. 16 e 17 dos autos;
C) Em 29/11//2010 a reclamante juntou aos autos de execução fiscal identificados em A) “...garantia (fiança) no valor de €4.174.101,89 (quatro milhões, cento e setenta e quatro mil cento e um euros e oitenta e nove cêntimos), conforme fixado..., a fim de suspender este processo de execução fiscal”, cf. fls. 19 e 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) Em 21/07/2011 o Chefe de Serviço de Finanças de Matosinhos 1 proferiu o despacho de indeferimento em causa nos presentes autos onde consta o seguinte:
“A matéria aqui em análise, vem regulada nos artigos 52° da LGT e 199° do C.P.P. T.
1. Foram divulgadas instruções aos Serviços, através do ofício - circulado 60.076 de 2010/07/29, com vista a “harmonizar os procedimentos e praticas dos Serviços da DGCI à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal”.
2. E nessa conformidade, os Serviços deverão “dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução” dando pois “preferência à constituição de garantia bancária, caução ou seguro-caução”.
3. Vem ainda o referido ofício - circulado concretizar a razão de preferência, referindo que “o artigo 199° do C.P.P.T. , no seu n° 1, revela preferência pela constituição destes tipos de garantias, distinguindo-as positivamente das que constam do n° 2 do mesmo artigo, ou seja do penhor, da hipoteca voluntária, e tal deve-se ao facto de estas ultimas garantias incidirem sobre bens cujo valor pecuniário é de mais incerta ou indirecta realização ou execução”
4. Dispondo-se, assim, uma ordem de preferência na constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária”.
5. O referido oficio - circulado dispõe ainda que:
a. “Apenas em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, como seja o caso do penhor.”
6. As referidas instruções não se referem nunca à fiança.
7. Da petição apresentada não resulta, nem sequer é alegada, a impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução ou seguro-caução ou de hipoteca sobre bens imóveis;
8. Pelo exposto e, em obediência aos princípios plasmados no referido ofício, sou de opinião de que não poderá ser aceite a garantia oferecida, em virtude de não pertencer ao elenco das garantias prioritariamente aceites.
9. Nestes termos indefiro o pedido.
(...)”, cf. fls. 52 e 53 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
E) A aqui reclamante foi notificada daquele despacho em por ofício datado de 22/07/2011, cf. fls. 56 dos autos.
F) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças competente em 09/08/2011, cf. fls. 57 dos autos.
2. Apreciando
2.1. A recorrente aponta erro de julgamento de facto e de direito à decisão do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que com fundamento na existência de vício de violação de lei, anulou o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos I que, no âmbito da execução fiscal com o nº 1805201001157345 que ali se encontra pendente, havia indeferido o requerimento de prestação de garantia, através de fiança, com vista à obtenção da suspensão daquele processo executivo.
Erro de julgamento de facto na valoração dos factos que considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem estabelecer as premissas em que se sustentam.
Erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação dos artigos 52.º da LGT e 169.º e 199.º, estes do Código de Procedimento e de Processo Tributário CPPT.
A propósito de questão idêntica já teve este Tribunal Central Administrativo Norte oportunidade de se pronunciar em recente acórdão datado de 30 de Novembro de 2011, proferido no Processo 14923/11.5BEPRT, no qual participámos como 1º Adjunto, respigando o aí decidido, com a mesma se concordando e até pela necessidade de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8º, nº 3, do Código Civil).
Por isso limitamo-nos, nesta circunstância e nos termos permitidos pelo nº 5 do artigo 713º do CPC, aqui aplicável por força do estabelecido no artigo 281º do CPPT, a reproduzir por transcrição o discurso fundamentador ali explanado:
2.1.a) “A Recorrente começa por apontar à decisão recorrida o erro de julgamento da matéria de facto por não ter dado como provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados.
A Recorrente não especifica os factos a que pretende aludir quando aponta este vício à decisão recorrida, pelo que este Tribunal teve que sinalizar nas extensas conclusões de recurso a respectiva argumentação de facto, assim delimitando – ainda que por excesso – a possível factualidade a que a Recorrente poderia estar a fazer alusão.
Assim, a Recorrente conclui nas alíneas “MM” e seguintes que (1) os activos das “SGPS’s” são muitas vezes constituídos apenas por participações sociais; que (2) os valores destes activos só podem ser valorados pelos balanços das sociedades participadas; (3) estes activos são de transmissibilidade e liquidação quase instantânea; que (4) as operações de fusão e cisão que se têm operado nas diversas empresas do grupo têm por efeito diluir a responsabilização assumida e aumentar o risco de litigiosidade; que (5) a extinção destas empresas se afigura extremamente simples e rápida; que, no caso (6), o grupo económico “S.../E...” tem uma estrutura empresarial complexa; que (7) apenas as sociedades-mãe de cada grupo económico se encontram cotadas em bolsa.
Ora, a argumentação que a Recorrente desenvolve nesta parte assenta – não em factos – ocorrências concretas da vida real, devidamente contextualizadas no espaço e no tempo – mas em conclusões que a própria Recorrente parece extrair, umas vezes, do próprio regime legal das sociedades gestoras de participações sociais e, outras vezes, de factos que nunca chegaram a ser alegados em primeira instância e são agora introduzidos ex novo em via de recurso.
Sendo que as conclusões a extrair de factos que não foram alegados em 1.ª instância e de que o juiz não tivesse que conhecer oficiosamente não aproveitam ao mérito do recurso. Porque, como decorre do artigo 684.º, n.º 2, 2º §, do C.P.C., o objecto do recurso é externamente delimitado pelo âmbito da decisão recorrida. Isto é, o recurso só pode incidir sobre questões (nomeadamente questões de facto) que tenham ou devessem ter sido anteriormente apreciadas pelo tribunal recorrido, não podendo o tribunal “ad quem” ser confrontado com questões novas que não sejam do conhecimento oficioso.
Se os motivos de discordância com a decisão recorrida assentam em factos novos – isto é, factos que a decisão recorrida não considerou nem poderia ter considerado (porque não foram oportunamente alegados nem eram do conhecimento oficioso) – o recurso é ilegal nessa parte e não deve ser apreciado.
E as conclusões a extrair do regime legal das SGPS’s não são conclusões de facto mas – como decorre da própria circunstancia de terem sido extraídas de um quadro normativo – verdadeiras conclusões de direito. Que, por isso, nunca poderiam ter sido relevadas na resposta à matéria de facto nem, por conseguinte, fundar o recurso da decisão respectiva.”
Concluindo, as questões suscitadas pela Recorrente relativas a um invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto e, genericamente, à alegada inidoneidade da garantia oferecida pela Executada por razões que não são reconduzíveis àquelas que foram externadas pela decisão do Chefe de Finanças de Matosinhos proferida na execução fiscal e que foi objecto de reclamação carecem, neste contexto, de qualquer relevância.
Pelo que o recurso improcede nesta parte.

2.1.b) Do erro de direito (erro na interpretação e aplicação dos artigos 52.º da L.G.T., 169.º e 199.º, estes do C.P.P.T.). Perseguindo na transcrição do acórdão citado, diga-se que:
”Como ponto prévio sobre esta questão deve assinalar-se que a Fazenda Pública não contesta que o Órgão de Execução Fiscal não tem poder discricionário de «escolher» a garantia mais idónea. Contesta apenas o entendimento segundo o qual os referidos dispositivos legais suportam a prestação de quaisquer meios que possam enquadrar-se no conceito de garantia idónea.
Fundamentalmente porque o artigo 199.º, n.º 1, ao especificar que a garantia idónea «consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», «aponta preferencialmente para certos tipos de garantia» (alínea “BB” das conclusões do recurso), isto é, para a prestação de garantia mediante garantia bancária, caução e seguro-caução.
E porque este artigo 199.º, n.º 1, deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 219.º, n.º 1, do mesmo Código, donde decorre que «a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá que ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa» (alínea “JJ” das conclusões do recurso).
Este Tribunal não acompanha o entendimento da Recorrente. Que não tem do seu lado nem o conteúdo literal do preceito nem o comparativo com outros lugares do sistema.
Não tem do seu lado o conteúdo literal do preceito porque a referência a «garantia bancária», «caução» e «seguro-caução» é ali efectuada em absoluta paridade com a alusão a «qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», como decorre da utilização da conjunção alternativa «ou».
Não tem do seu lado o comparativo com outros lugares do sistema porque quando o legislador pretendeu ser mais restritivo não deixou de enumerar claramente as garantias especiais admitidas, como sucede no artigo 193.º do Código Aduaneiro Comunitário. Sendo que, mesmo em tais situações em que o legislador pretendeu ser mais restritivo, não deixou de admitir expressamente a fiança como forma de prestação de garantia. Não faria sentido, de resto, que se privilegiasse a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução de entidade bancária, instituição financeira de crédito, sociedade financeira, seguradora ou outra legalmente habilitada a exercer a actividade de concessão de garantias, que se encontrasse em situação de grandes dificuldades financeiras, sobre uma fiança prestada por pessoa de reconhecida solvabilidade e grande robustez económica, apenas porque dali se oferece uma forma de caução e aqui temos uma fiança. O que vale por dizer que não é a forma abstracta da prestação da garantia ou a actividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade.
A alusão à «garantia bancária», «caução» e «seguro-caução» não se destinou, por isso, a privilegiar estas formas de prestação de garantia mas a enunciar, de forma exemplificativa, algumas formas possíveis de prestação de garantia, porventura as mais comuns.
Sendo que também não se nos afigura adequado importar do artigo 219.º, n.º 1, do C.P.P.T. o critério ali estabelecido para a ordem dos bens a penhorar. Porque não existe a pretendida paridade de situações: é que, enquanto no artigo 199.º, n.º 1, a garantia é oferecida pelo executado, destinando-se o normativo a formular o leque de opções que se apresentam, no artigo 219.º, n.º 1, a penhora é oficiosamente ordenada, destinando-se o normativo respectivo a escalonar a ordem a observar na sua execução. Ali alude-se a uma faculdade do devedor, que utilizará ou não de acordo com a sua vontade ou conveniência; aqui define-se o conteúdo (vinculado) de um dever do órgão de execução.
Também não se vê qualquer préstimo para o caso na alusão ao artigo 767.º, n.º 2, do Código Civil (cfr. alínea “CC” das doutas conclusões do recurso). De um lado, não está em causa o cumprimento de uma obrigação de garantir (mas um ónus de garantir o cumprimento de uma obrigação, caso se pretenda a suspensão da execução); de outro lado, a actuação do credor fiscal é, ao contrário do que ali sucede, uma actuação vinculada e subordinada ao interesse público, não fazendo sentido equipará-la ao credor comum nem encarar como um constrangimento as opções legislativas; de outro lado, ainda, a substituição do devedor por terceiro só prejudica o credor quando a prestação depende das qualidades pessoais do devedor, o que não sucede nas obrigações fiscais de conteúdo pecuniário.
Mas mesmo que se entendesse, com a Recorrente, que o legislador, instituiu uma preferência por determinadas formas de garantia e que a opção pela fiança seria inversamente proporcional ao valor da garantia a prestar, nem assim a razão estaria do lado da Recorrente porque, ao contrário do que (incompreensivelmente) alega na alínea “GG” das doutas conclusões do recurso, a dívida exequenda de € 3.310,42 jamais poderia ser considerada de «avultado montante», não se justificando por isso e no caso uma especial restrição nas formas de garantia a admitir.
No mais, a Recorrente lembra a necessidade de efectuar uma análise detalhada das obrigações assumidas pelo fiador (“FF”), acena com os fiscos financeiros associados à aceitação de SGPS’s como fiadoras (“LL”), objecta com a necessidade de «acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão de execução fiscal» (“RR” ) e remata dizendo que recairia sobre o executado o ónus de demonstrar a capacidade de pagar do fiador (“KKK”)” – tendo a indicação das conclusões correspondência no nosso processo sob “DD”, “JJ”, “PP” e “III”.
“No entanto, a garantia não foi rejeitada pelo Órgão de Execução Fiscal, por não ter sido possível aceder às obrigações assumidas pelo fiador ou porque a Executada não tivesse fornecido os elementos que permitissem aferir a capacidade de pagar daquele: foi rejeitada porque a fiança não favorecia a realização do respectivo valor monetário «de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução» e porque «esta firma tem várias alternativas para poder constituir outras garantias». Dando, assim, «preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez». Ou seja, assumindo precisamente a interpretação do preceito que acima rejeitamos e pelas razões que seria ocioso estar agora a repetir.
Por outro lado, o ónus de demonstrar a solvabilidade do fiador não desonera o Órgão de Execução Fiscal de a confirmar através dos elementos de que disponha e que serão, em princípio, muito superiores aos que acede o credor privado, dado o extenso conjunto de obrigações acessórias que impendem sobre os sujeitos passivos e que asseguram o acesso a informação económico-financeira privilegiada. Pelo que a rejeição de fiança com base na insuficiência de dados que atestem a idoneidade do fiador não dispensaria uma referência aos dados de que própria Administração Tributária dispõe. E o princípio da colaboração sempre reclamaria que o Órgão de Execução Fiscal solicitasse os elementos relevantes antes de rejeitar a garantia com tal fundamento.
Finalmente, também não julgamos consistente a argumentação segundo a qual a aceitação da garantia implicaria um esforço administrativo irrazoável para o Órgão de Execução Fiscal. De um lado, resulta do artigo 199.º, n.º 9, do C.P.P.T. que o Órgão de Execução Fiscal está genericamente obrigado a acompanhar as flutuações dos valores das garantias prestadas e de se manter vigilante sobre a necessidade de exigir o seu reforço. De outro lado, não estão densificados os meios excepcionais a alocar ao acompanhamento da situação patrimonial deste fiador. De outro lado, ainda, as razões de eficiência fiscal não podem servir para se sobrepor ou subverter direitos dos contribuintes que, na esmagadora maioria dos casos, dispõem de meios muito mais reduzidos para responder às crescentes obrigações acessórias que lhes são impostas pelo Estado. Finalmente, a introdução de critérios de razoabilidade para aferir em cada caso as garantias que o Órgão de Execução Fiscal significa, na prática, conceder a este Órgão o poder discricionário de aceitar o rejeitar as garantias de acordo com critérios de funcionalidade interna, justamente o poder que a Recorrente teve o cuidado de enjeitar.”
Por tudo o que vimos de dizer se conclui serem integralmente improcedentes as conclusões do recurso da Fazenda Pública.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 18 de Janeiro de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia
Ass. Paula Ribeiro