Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01497/11.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA IDÓNEA
FIANÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
Sumário:I. Não ocorre obstáculo legal a que a garantia a prestar em sede de execução fiscal com vista a obter a respectiva suspensão seja constituída por fiança;
II. Perante o oferecimento de determinada garantia e com vista à determinação da respectiva idoneidade, ao órgão da execução fiscal apenas cabe ajuizar se a dita garantia é ou não susceptível de assegurar o cumprimento dos créditos do exequente;
III. Encontra-se subtraída aos poderes de cognição do tribunal de recurso a apreciação de fundamentos justificativos do indeferimento do pedido de prestação de garantia que não tenham integrado a motivação da decisão do órgão da execução fiscal cuja legalidade foi objecto de apreciação por parte da sentença recorrida e que, por isso, esta não conheceu.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório

A Fazenda Pública (Recorrente), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação que foi deduzida pela sociedade comercial M…, S.A. (Recorrida) contra o despacho do chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 que, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1821201101017179, indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto contra o segmento decisório em que, na sentença proferida com data de 17 de Setembro de 2011, a Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou procedente a reclamação deduzida contra o despacho do chefe de finanças de Matosinhos 1, anulando, em consequência o acto reclamado por vícios de violação de lei,
II. por haver concluído que “sendo a capacidade económica e financeira da fiadora do conhecimento público (…), a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia da dívida exequenda”.
III. O Tribunal “a quo” motivou a sentença na análise dos documentos e na consideração da matéria de facto dada como provada, conforme elencado no ponto III.
IV. Com particular relevância para a decisão do presente recurso, referem-se as alíneas a), d), f) e h) do probatório, para cujo teor, por facilidade, se remete.
V. Subjacente à presente reclamação encontra-se o despacho proferido pelo chefe de finanças de Matosinhos-1, no âmbito do processo de execução fiscal 182120110017179, que recusou a garantia oferecida pela executada “M…, SA” para ser prestada sob a forma de “fiança” pela sociedade “S…, SGP, SA”, “…por considerar que esta fiança não tem idoneidade suficiente … Recortado do teor do próprio despacho, transcrito na al. f) do probatório
VI. Da conjugação do disposto nos artºs 52º da LGT e 169º do CPPT, “…a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal desde que seja prestada garantia idónea nos termos das leis tributárias”.
VII. Na subsunção do Direito aos factos, estriba-se a douta sentença no artº 199º nº 1 do CPPT, citando, em apoio, o já referido no Ac. do TCAS de 12/05/2010, designadamente no ponto que determina que “terão de ser aceites todas as garantias idóneas, estando tal aceitação apenas dependente de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere com base nos factos apurados nos autos… Sublinhado nosso”.
VIII. Considerou o Tribunal que o montante de € 626 273,65 para cuja garantia a reclamante ofereceu uma fiança prestada pela “S… SGPS, SA”, aceitando esta, inclusive, renunciar ao benefício de excussão prévia e assumindo-se como principal pagadora,
IX. “sendo a capacidade económica e financeira da fiadora do conhecimento público, a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia da dívida exequenda”.
X. O entendimento sufragado na decisão “a quo” é a antítese dos factos que lhe estão subjacentes, pelo que só por mera desatenção se pode aceitar que ao Tribunal se afigure não poder a garantia deixar de ser considerada idónea, quando,
XI. a dívida em cobrança coerciva nos presentes autos, ascende ao montante de € 626 273,65 [cfr al. a) do ponto III].
XII. A garantia para a qual foi apresentada “fiança” visando a suspensão do processo de execução fiscal, é no valor de € 794 758,94 [cfr. al. d) do ponto III].
XIII. Perante as circunstâncias concretas é inequívoca a desproporcionalidade entre o valor da dívida exequenda pretensamente afiançado e o valor representado pelo capital próprio da entidade fiadora “S… SGPS, SA”, de apenas € 49 412,00 Elementos retirados da “IES”, que se juntam como documento 1..
XIV. O valor do capital à data da constituição da sociedade [€ 50 000], no momento do encerramento de contas (referência a 31 Dezembro de 2009), ainda se encontra registado no “Activo”, em conta de depósitos bancários.
XV. De salientar que, tratando-se de uma garantia pessoal em que, face à renúncia ao benefício de excussão, a fiadora é solidariamente responsável pelas dívidas da entidade executada, (e não apenas de forma subsidiária),
XVI. apenas o património da fiadora propriamente dito responde perante a fiança prestada, património esse para cuja análise e composição somente relevam as demonstrações financeiras individuais e não as consolidadas das empresas que compõem.
XVII Como o douto Acórdão do TCAS (que aqui serve de fundamento), não deixa de salvaguardar, face aos factos elencados a garantia prestada não reúne os requisitos de idoneidade a que se refere o nº 1 do artº 199º do CPPT, por não se estar perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos.
XVIII. A douta decisão recorrida, ao julgar procedente a reclamação, anulando, em consequência o despacho reclamado, colide com a dimensão normativa que lhe serve de suporte, padecendo de erro na análise da matéria de facto e na aplicação do Direito.
A Recorrida apresentou contra-alegações que rematou com a formulação das seguintes conclusões:
i. Está em causa um despacho de indeferimento de prestação de garantia através de fiança, tendo o órgão de execução fiscal entendido, em suma, que lhe cabe a escolha do tipo de garantia a prestar pelo Contribuinte; que tem de dar preferência a garantias que apresentem maior grau de liquidez; que a Recorrida tem alternativas para constitui garantias com maior grau de liquidez.
ii. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, constata-se que nunca o indeferimento da fiança se baseou na alegada falta de capacidade económica e financeira da fiadora.
iii. Invoca a Recorrente que o Tribunal a quo, ao considerar que «sendo a capacidade económica e financeira da fiadora do conhecimento público, a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia da dívida exequenda”, não teve em consideração por um lado, que a fiança prestada tinha o valor de €794.758,94 e, por outro lado, que a fiadora tinha, no ano de 2009, capitais próprios de €49.412,00.
iv. Entendeu o Tribunal a quo, a este respeito, que: “(…) sendo a capacidade económica e financeira do conhecimento público – que, aliás, nem sequer vêm questionadas no acto reclamado – afigura-se-nos que a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia da dívida exequenda.» (destaque nosso).
v. Se a Administração Fiscal entendia que a fiança não era idónea, pelo facto de a fiadora não ter capacidade para assegurar o pagamento, deveria ter indeferido a fiança com esse fundamento, fazendo constar dos autos, mormente do despacho de indeferimento proferido com base nessa falta de capacidade, a documentação agora (serodiamente) junta – mas não fez nada disso.
vi. Salvo o devido respeito, a Recorrente tentar “convolar” um despacho de indeferimento de fiança, com fundamento no facto de a fiança não ser, alegadamente, uma garantia “cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata”, num despacho de indeferimento da fiança, com fundamento no facto de a fiadora não possuir, alegadamente, capacidade para garantir o bom pagamento da dívida exequenda.
vii. Ora, «Uma fundamentação a posteriori consubstancia gritante ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto.» (Sic, Ac. do TCA de 10.05.2011, Proc. 03716/10, in www.dgsi.pt, destaque nosso).
viii. Não pode estar em causa nos presentes autos a apreciação da capacidade financeira e económica da fiadora - como pretende a Recorrente - porque o indeferimento da fiança nada teve que ver com a alegada incapacidade financeira da fiadora.
ix. Invoca a Recorrente, «Como o douto Acórdão do TCAS (que aqui serve de fundamento), não deixa de salvaguardar, face aos factos elencados a garantia prestada não reúne os requisitos de idoneidade a que se refere o nº1 do artº 199º do CPPT, por não se estar perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos.» (cfr. conclusão XVII).
x. Ora, a exemplo do que sucedeu nos autos, também no supra citado acórdão, o TCAS entendeu que: «Relativamente à idoneidade patrimonial da sociedade fiadora, a suficiência do seu património para garantia dos créditos exequendos não foi questionada nos presentes autos, nada resultando da matéria de facto apurada que permita concluir por uma insuficiência de património para tal fim.» (destaque nosso).
xi. Uma vez que a Administração Fiscal não invocou, como fundamento para o indeferimento da fiança, a falta de capacidade financeira da fiadora, não se encontrava no objecto da reclamação aferir se essa capacidade existia ou não – pelo simples facto de que ela nunca foi administrativamente questionada.
xii. Entende a Recorrente que, em face de um despacho de indeferimento da fiança que se baseia, apenas, na consideração de que o órgão de execução fiscal “deve dar preferência à constituição daquelas garantias (…) cujo valor monetário seja realizável de forma mais certa, directa e imediata,” – sem, portanto, nunca colocar em causa a capacidade financeira da fiadora, o Tribunal tinha de concluir, em face dos “elementos constantes dos autos”, que o despacho de indeferimento é legal, porque relativamente a uma fiança prestada em 2011, consta dos autos que em 2009 – ou seja, aquando da constituição da fiadora - tinha capitais próprios de €50.000,00.
xiii. A Recorrida, maugrado tal não lhe ser exigível por funcionamento das regras do ónus da prova, fez questão de levar aos autos elementos que apontavam no sentido completamente inverso ao, agora, defendido pela Recorrente – de que a fiadora tem mais do que capacidade financeira e económica para garantir o bom pagamento da dívida em causa.
xiv. Como consta dos autos, a Recorrida invocou:
- QUE, como é de conhecimento público, a “S… SGPS” é responsável pela área de retalho alimentar do Grupo S…, que inclui, nomeadamente, os seguintes negócios: B… (restaurantes), B… (livraria/papelaria), C… (hipermercados), M… (supermercados) e W… (parafarmácias), (ponto 4 e 5 da petição inicial);
- QUE as informações e dados financeiros da S… estão disponíveis para consulta pública na internet em http://www.s....pt/, (ponto 6 da petição inicial);
- QUE a S… tem actualmente um activo de €1.383.789.529,00 e capitais próprios na ordem dos €596.252.636,00, (ponto 8 da petição inicial).
xv. Não se vislumbra qual a relevância de saber qual era o capital próprio da fiadora no ano de 2009, porquanto a fiança em causa foi prestada, muito depois, em Março de 2011 - pelo que, quando muito, a Administração Fiscal deveria ter em conta a informação constante na IES do exercício de 2010 – que é de seu conhecimento oficioso.
xvi. Caso o tivesse feito, como se impunha se pretendesse colocar em causa, como só agora faz, a capacidade financeira da S… para solver a dívida de imposto, a Administração Fiscal teria constatado que a S… tem actualmente um activo de €1.383.789.529,00 e capitais próprios na ordem dos €596.252.636,00, (ponto 8 da petição inicial) e que, em 2010, o total do activo era de €1.379.889.528,55; e o total do capital próprio era de €592.352.636,06 (cfr. doc. n.º 1).
xvii. Vem agora a Recorrente invocar que o despacho que indeferiu a prestação de garantia através de fiança deve manter-se no ordenamento jurídico, porquanto a fiadora não tem capacidade para, em 2011, garantir o pagamento de uma dívida de €794.758,94, já que em 2009, tinha capitais próprios de €49.412,00, e isto apesar de ser de conhecimento oficioso da Administração Fiscal que, na realidade, quando a fiança foi prestada, a fiadora tinha capitais próprios de mais de quinhentos milhões de euros!!!
xviii. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento ao decidir que a capacidade económica e financeira da fiadora é de conhecimento público e que, portanto, não podia deixar de ser aceite como garantia a fiança por si prestada, na falta de qualquer invocação dessa incapacidade.
xix. Não pode resultar, e muito menos forçosamente, que o facto de se encontrar provado que a fiadora tinha em 2009, na data da sua constituição, capitais próprios de €50.000,00, significa que a fiadora não tinha capacidade para, em 2011, prestar uma fiança no valor de €794.758,94 – o que apenas sucederia caso fiança tivesse sido indeferida com esse fundamento, e constasse dos autos que, no momento em que prestou a fiança, a fiadora tinha um capital muito inferior ao valor garantido, o que não acontece.
xx. É abusivo concluir que «é inequívoca a desproporcionalidade entre o valor da dívida exequenda pretensamente afiançado e o valor representado pelo capital próprio da entidade fiadora “S…, SGPS,SA”, de apenas €49.412,00.» (Cfr. conclusão XIII), pelo simples facto de que não foi dado como provado – porque nem sequer estava em causa – que, quando foi prestada a fiança, existisse qualquer desproporcionalidade entre o valor da dívida e o capital próprio da fiadora.
xxi. Caso se entenda que o competia ao Tribunal a quo aferir da capacidade da fiadora para garantir o pagamento da dívida – o que não se concede e apenas se admite como mera hipótese - tal matéria de facto afigura-se da maior relevância para a completa análise da questão sub iudice, e para seu enquadramento nas várias soluções jurídicas possíveis.
xxii. Assim, quando muito, deveria ordenar-se a baixa do processo para ampliação da matéria de facto - de que as informações e dados financeiros da S… estão disponíveis para consulta pública na internet em http://www.s....pt/, (ponto 6 da petição inicial); e de que a S… tem actualmente um activo de €1.383.789.529,00 e capitais próprios na ordem dos €596.252.636,00, (ponto 8 da petição inicial) – porquanto se trata de factos alegados pela Recorrida, que não foram considerados e que têm interesse para a decisão da causa, na sua adequação ao direito aplicável (Art. 712.º do C.P.C.).
xxiii. Apenas em sede de recurso vem a Fazenda pugnar pela manutenção do despacho que indeferiu a prestação de garantia por meio de fiança, com fundamento na falta de capacidade económica da fiadora – o que constitui facto novo que nunca constou da decisão administrativa proferida pelo órgão de execução fiscal e, por isso, não deve ser conhecido (artigo 514.º n.º 1 e 2 CPC, ex vi artigo 2.º e) do CPPT).
xxiv. A ser admitida a apreciação desse facto novo, reveste-se da maior relevância a junção aos autos da declaração de Informação Empresarial Simplificada da fiadora S…, relativa ao ano de 2010 – que constitui a única informação existente com data mais próxima da prestação da fiança em causa – sendo junto em sede de recurso por se entender que, em função do agora invocado pela Recorrente, essa junção se tornou supervenientemente útil, sob pena de violação do direito de defesa e contraditório da Recorrida, e de favorecimento da posição processual da Recorrente (artigos 2.º 3.º e 3.º -A, 727.º e 743.º n.º3 do C.P.C., ex vi, do artigo 2.º e) do CPPT).
xxv. Como ressuma da sentença recorrida, «(…) a decisão reclamada rejeita a prestação de garantia através de fiança por entender que esta não é suficientemente idónea, por não se enquadrar naquelas que, devido a maior e melhor liquidez e com cobrança expedita e célere, potenciam que o valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução (…)».
xxvi. Ora, na senda da Jurisprudência referida na sentença em causa, decidiu o Tribunal a quo, a esse respeito, que os argumentos “referentes à facilidade e rapidez da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia, que não tem suporte legal” (destaque nosso) – pelo que inexiste qualquer erro de julgamento da matéria de direito.
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre agora apreciar e decidir já que a tal nada obsta.
A questão a decidir:
A questão sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença agora impugnada incorreu em erro de julgamento ao ter decidido que o despacho do órgão da execução fiscal que indeferiu o requerimento de prestação de garantia formulado pela Executada padece de vício de violação de lei.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que passamos a reproduzir ipsis verbis:

a). Em 21.02.2011, pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi instaurada a execução fiscal nº 1821201101017179 contra a sociedade ora reclamante para cobrança de dívida referente ao IVA do ano de 2009, no valor global de 626.273,65 euros.

b). Em 10.03.2011, a reclamante requereu ao órgão de execução fiscal a fixação do montante e demais condições para prestação de garantia a fim de obter o efeito suspensivo da instância executiva - cfr. fls. 33/34 dos autos.

c). Por ofício datado de 16.03.2011, o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 notificou a reclamante para “apresentar garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos exequendos (nº 1 do artº 199º do CPPT), no montante de € 857.905,09 (…), nos termos do disposto no nº 2 do art.º 169º do CPPT, sob pena de incorrer no previsto no nº 7 do citado artigo” - cfr. fls. 39 dos autos.

d). Em 25.03.2011, a reclamante apresentou garantia (fiança) no valor de 794.758,94 euros a fim de suspender o processo de execução fiscal - cfr. fls. 40/41 dos autos.

e). A fiança apresentada pela reclamante é da sociedade S..., Modelo Continente, SGPS, SA e prestada “até resolução definitiva do litígio jurídico-tributário que envolve a liquidação exequenda, ficando da responsabilidade do fiador o pagamento, até à sobredita verba, renunciando ao benefício de excussão prévia e assumindo a obrigação de principal pagador, nos termos do artigo 640º do CC” e contém duas assinaturas simples - cfr. fls. 41 dos autos.

f). Em 05.04.2011, com base na informação de fls. 45 dos autos, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi proferido o seguinte despacho: “A suspensão deste processo executivo, face à dedução de reclamação graciosa e/ou impugnação judicial, depende de prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias, como determina o nº 1 e 2 do art. 52º da LGT e do nº 1 do art.º 169º do CPPT. Este grupo económico tem várias execuções fiscais instauradas neste Serviço de Finanças, que se encontram na fase de suspensos, por terem sido deduzidos processos judiciais e por terem sido prestadas garantias bancárias e seguros caução. Ultimamente, está a adoptar o sistema de apresentar fianças da empresa mãe, que se constitui fiadora da empresa do grupo e que figura como devedora. Compete ao Serviço de Finanças preferir garantias de maior e melhor liquidez e, com cobrança expedita e célere, o que não acontece “in casu” e, por isso, indefiro o pedido de prestação de garantia, com esta fiança, apresentada neste Serviço de Finanças em 2011.03.25 e, destinada ao PEF 1821201101017250, por considerar que esta fiança, não tem idoneidade suficiente, apesar do seu conceito de garantia idónea ser relativamente indeterminado, ele deve ser interpretado em obediência ao interesse público da regular cobrança dos tributos legalmente devidos ao credor tributário e, que e encontram em cobrança coerciva e a ser litigados. De resto, à face do interesse público, o órgão da administração tributária com competência para autorizar a constituição da garantia, no processo, deve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal, aqueles cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução, o que não acontece no caso sub judice as assinaturas dos representantes da firma fiadora e também porque a firma executada tem várias alternativas para poder constituir outras garantias que apresentem maior grau de liquidez, cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata. A garantia deverá ser prestada no prazo de 15 dias, a contar da data da notificação, nos termos do nº 6 do artº 199º do CPPT, sob pena de, o processo prosseguir a sua tramitação, se verificados os condicionalismos legais para essa tramitação. Notifique-se.” - cfr. fls. 45/46 dos autos.

g). A decisão referida em f) foi notificada à reclamante em 08.04.2011 e a presente reclamação foi apresentada em 19.04.2011.

h). De acordo com a informação de fls.45 que subjaz ao despacho reclamado, da informação empresarial simplificada referente a 2009 resulta que a fiadora tem um capital próprio de € 50.000,00.

Factos não provados:

Não se provaram outros factos além dos supra referidos.

Motivação da decisão de facto:

O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como no posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados.
2.2. De direito
2.2.1. Como já deixámos enunciado, a questão que, no âmbito do presente recurso, importa decidir é a de saber se a sentença agora impugnada e que anulou, com fundamento na existência de vício de violação de lei, o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos I que, no âmbito da execução fiscal com o nº 1821201101017179 que ali se encontra pendente, indeferiu o requerimento de prestação de garantia, através de fiança, com vista à obtenção da suspensão daquele processo executivo, enferma de erro de julgamento.

No essencial, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no discurso fundamentador da sentença recorrida, ponderou o seguinte: “Apesar a fiança de não vir especificamente prevista neste normativo, importa indagar se a mesma constitui um meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

(…)

No caso dos autos, está em causa um montante de €626.273,65, para cuja garantia a reclamante ofereceu uma fiança prestada pela sociedade S..., Modelo Continente, SGPS, SA, aceitando esta, inclusive, renunciar ao benefício de excussão prévia e assumindo - se como principal pagadora. Perante tais circunstâncias e sendo a capacidade económica e financeira da fiadora do conhecimento público - que, aliás, nem sequer vêm questionadas no acto reclamado - afigura-se-nos que a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia da dívida exequenda.

Quanto aos argumentos invocados pela administração tributária referentes à facilidade e rapidez da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia, que não tem suporte legal.

Como vem referido no Ac. do TCAS de 12.05.2010, proferido no Processo 03966/10: “(…) o artº 199º, nº 1 do CPPT não confere à Administração Tributária uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá, exactamente, entender por garantia idónea. Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere com base nos factos apurados nos autos…”.

Por último, a invocada falta de reconhecimento das assinaturas dos representantes da fiadora, não pode ter a virtualidade de retirar idoneidade à fiança em causa. Se é certo que, como diz o EMMP, a prova documental da qualidade de representante de pessoa colectiva sujeita a registo e da suficiência dos seus poderes se deve fazer, nomeadamente, nos termos do artigo 49º, nº 1 do Código de Notariado, a ausência dessa prova impunha, ao abrigo do princípio da colaboração (artigo 48º, nº 1 do Código de Processo e do Procedimento Tributário e 59º, nº 3, alínea d) da Lei Geral Tributária) a notificação da reclamante para suprir tal falta e não o seu indeferimento imediato.

Conclui-se, pois, que a decisão reclamada padece do invocado vício de violação de lei e, consequentemente, não pode manter-se.”
A Recorrente, por seu lado, alega que a sentença recorrida errou ao considerar que “sendo a capacidade económica e financeira da fiadora do conhecimento público (…) a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia da dívida exequenda” e que, perante as circunstâncias concretas, é inequívoca a desproporcionalidade entre o valor da dívida exequenda pretensamente afiançado e o valor representado pelo capital próprio da entidade fiadora “S..., SGPS, S.A.”, de apenas 49.412,00 euros.
Vejamos.
Estabelece-se na norma do artigo 52º da Lei Geral Tributária (LGT):
“1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
(…)” – sublinhado nosso.
Por outro lado, na norma do artigo 169º, nº 1 do CPPT, preceitua-se o seguinte: “A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (…), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente” – sublinhado nosso.
A “garantia idónea” a prestar pelo executado consistirá, nos termos resultantes da norma do artigo 199º, nº 1 do CPPT, para a qual remete o transcrito artigo 169º, nº 1 do mesmo diploma legal, em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente. Pode ainda consistir, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, tal como se infere do estatuído no nº 2 do artigo 199º do CPPT.
Daqui decorre que, não obstante a lei especificar algumas das formas que a garantia idónea pode revestir, essa especificação não é taxativa, podendo a garantia ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente – cf. neste mesmo sentido, acórdão STA 9 Abr. 97, Apêndice DR de 9/10/2000, pág. 886 e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 2007,pág. 298.
Ora, nos termos do disposto no artigo 627º, nº 1 do Código Civil, a fiança é uma das garantias especiais das obrigações, através da qual “o fiador garante a satisfação do crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor” e assim, não sendo de excluir, em abstracto, que a fiança constitua um meio de assegurar convenientemente a cobrança dos créditos tributários, é de concluir que não ocorre obstáculo legal a que a garantia a prestar em sede de execução fiscal com vista a obter a respectiva suspensão seja constituída por fiança.
Nesta parte, a sentença recorrida não merece qualquer censura.
2.2.2. Deste modo, tudo estará em saber se a sentença recorrida errou ao considerar que a decisão reclamada, que indeferiu o requerimento de prestação de garantia através de fiança, padece do vício de violação de lei por ter considerado que a tal garantia não era idónea.
Importará, para o efeito, recuperar os fundamentos que sustentaram aquele indeferimento e a consideração conclusiva de que a garantia oferecida pela Executada era inidónea tal como resultam da fundamentação contextual da decisão do órgão da execução fiscal que foi objecto de reclamação. São eles, os seguintes:
- O de que ao serviço de Finanças compete preferir garantias de maior e melhor liquidez e com cobrança expedita e célere;
- O de que deve ser dada preferência às garantias que apresentem maior grau de liquidez, como tal se entendendo aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata.
Ora, tais fundamentos não constituem parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida e por isso, como bem salientou a sentença recorrida, a sua mobilização como critérios de fundamentação substancial da decisão reclamada carece de suporte legal.
Na verdade, o órgão da execução fiscal, perante o oferecimento de determinada garantia e com vista à determinação da respectiva idoneidade apenas terá, nos termos resultantes do nº 1 do artigo 199º do CPPT, de ajuizar se a dita garantia é ou não susceptível de assegurar o cumprimento dos créditos do Exequente. Como assim, desse ponto de vista, serão irrelevantes considerações, como as que foram aduzidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 no seu despacho, atinentes à liquidez da garantia. Aliás, ainda que o não fosse, sempre careceria de qualquer apoio legal o entendimento plasmado na decisão reclamada e segundo o qual existiria uma preferência legal pelas garantias que apresentem maior grau de liquidez.
Como assim, ao ter fundado a decisão de indeferimento do requerimento apresentado pela Recorrida no sentido de ser admitida a prestar garantia através de fiança, em parâmetros decisórios que, seguramente, não integram o critério legal de aferição da idoneidade dessa garantia, incorreu o respectivo autor em vício de violação de lei implicante da respectiva anulação como bem sentenciou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
2.2.3. De referir, finalmente, que a questão da invocada desproporcionalidade entre o valor da dívida exequenda e o valor representado pelo capital próprio da entidade fiadora (a sociedade comercial S..., SGPS, S.A.) a que se referem as conclusões XIII a XVI das alegações do recurso e que, na tese da Recorrente, seria demonstrativo da falta de idoneidade da garantia oferecida, está subtraída aos poderes de cognição deste Tribunal, porquanto, só agora, em sede de recurso, este fundamento foi invocado pela Fazenda Pública, sendo certo que, não tendo o mesmo integrado a motivação da decisão do órgão de execução fiscal cuja legalidade foi objecto de apreciação por parte da sentença recorrida não foi por esta apreciado (nem, de resto, poderia ter sido por isso que, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto – cf., por todos, acórdão STA 7 Out. 2009, recurso 0192/09, disponível na sua versão integral em www.dgsi.pt).
Sendo os recursos jurisdicionais um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais, o tribunal ad quem está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida. Como a questão nova que a Recorrente agora coloca não reveste nenhuma dessas características não pode a mesma, como referimos, ser agora apreciada.
Do que vimos de dizer se conclui que a sentença recorrida não incorreu no erro de julgamento que lhe era imputado e que, em consequência, o presente recurso não poderá deixar de improceder.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
Negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 23 de Novembro 2011
Álvaro Dantas
Anabela Russo
Catarina Almeida e Sousa