Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01423/11.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:GARANTIA
FIANÇA
RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I. É ilegal e deve ser rejeitado o recurso da decisão judicial na parte em que aponta à decisão recorrida a falta de apreciação e de integração nos factos provados de elementos de facto que não foram alegados em 1.ª instância (nem serviram de suporte à decisão que lhe serviu de objecto) e de que o juiz não poderia conhecer oficiosamente – artigo 684.º, n.º 2, 2º §, do C.P.C.;
II. A enumeração das garantias a que alude o artigo 199.º, n.º 1, do C.P.P.T. não é taxativa nem gradativa, mas exemplificativa;
III. O artigo 199.º, n.º 1, do C.P.P.T. não veda o reconhecimento da fiança como garantia idónea;
IV. Cabe ao Órgão de Execução Fiscal aferir em cada caso da idoneidade da fiança como garantia, considerando os elementos que lhe sejam oferecidos, os que tenha em seu poder em virtude do cumprimento das obrigações acessórias do fiador ou de actos de inspecção realizados e aqueles que fundadamente solicitar no âmbito dos seus poderes de investigação oficiosa, com vista determinação da capacidade do fiador para pagar o valor garantido;
V. Deve ser confirmada a decisão judicial que julgou ilegal a decisão do Órgão de Execução Fiscal que, sem pôr em causa a capacidade do fiador para pagar o valor garantido, não aceitou a fiança com fundamento na preferência do legislador por outras formas de garantia.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C..., S.A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, interposta a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante sob a abreviatura «C.P.P.T.») por C… –, S.A., N.I.F. … … …, com sede na Rua…, que teve por objecto o despacho proferido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, onde foi decidido não aceitar como garantia idónea a fiança constituída por S... MC, M... C..., SGPS, S.A., N.I.F. 5…, com sede na Rua …, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 1821201101005227.
1.2. Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no artº 276º do CPPT, do despacho proferido em 2011/04/15, pelo Chefe do SF de Matosinhos 1, no âmbito do PEF nº 1821201101017187, que corre termos naquele SF e que indeferiu a prestação de garantia para efeito de suspensão da execução através de fiança, por inidoneidade da mesma.
B. No dito PEF, instaurado contra C…, SA, encontram-se em cobrança coerciva dívidas relativas a IVA dos anos de 2006 e 2007, no valor total de € 3.122.375,68, tendo a executada sido notificada para prestar garantia, no montante de € 3.976.884,01, para os efeitos do disposto no artº 169º, nº 1 do CPPT.
C. Perante tal notificação, veio a aqui reclamante, sociedade incorporante da executada, apresentar para garantia a fiança, ora controvertida, por via da qual a holding S... MC – M... C... SGPS, SA se constitui fiadora da executada.
D. O despacho reclamado, proferido em 2011/04/15, concluiu pelo indeferimento de tal pedido, por considerar que a garantia oferecida (fiança) não tem idoneidade suficiente, designadamente porque não consubstancia uma garantia que proporcione o necessário grau de liquidez, atendendo, quer à prossecução do interesse publico da regular cobrança dos tributos devidos ao Estado, quer ao facto do valor monetário que lhe está subjacente não ser realizável de forma certa e célere, em sede da respectiva execução.
E. Vindo alegados como fundamento da presente reclamação o vício de forma do despacho reclamado, por falta de fundamentação e o vício de violação de lei, a douta sentença recorrida julgou a reclamação procedente, com a consequente anulação do acto reclamado, por entender que o despacho reclamado padece de ilegalidade.
F. Para tal, a Mma juíza a quo considerou que “(…) o artigo 199º, nº 1 do CPPT, dispõe que «deverá o executado oferecer garantia idónea», referindo a lei, de forma exemplificativa as garantias aceites, referindo que a garantia idónea «consistirá (…) qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
Deste modo, o artigo 199º, nº 1 do CPPT não confere à Administração Tributária uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá, exactamente, entender por garantia idónea.
Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes”.
G. E conclui que “é a própria Administração Tributária, veja-se o despacho emitido pelo Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que reconhece expressamente que deve ser aceite a título de garantia a fiança de pessoa singular ou colectiva, que releve capacidade financeira, dúvidas não temos que a S... MC, M... C..., SGPS, S.A, com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal, factos que são do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio, detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
H. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
I. Contrariamente ao sentenciado, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não é de proceder a pretensão formulada na presente reclamação, porquanto não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade.
J. Acontece que, a douta sentença sob recurso decidiu no sentido de que a fiança ora em apreço não podia deixar de ser considerada idónea, devendo, como tal, ser aceite como garantia da dívida exequenda.
K. E, para dar como certa tal conclusão, baseia-se tão só o Tribunal a quo no facto de serdo conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio que a S... MC – M... C... SGPS, SA, “com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal”, “detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
L. Entende, porém, a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que é muito, que as referidas ilações não poderão servir de base, como adiante se constatará, à conclusão da idoneidade da garantia, não sendo ainda suficientes para que delas se possa inferir pela idoneidade da garantia oferecida, porquanto, não só as mesmas não resultam provadas, como não explica o Tribunal a quo como e de onde as retirou.
M. Ademais, afigura-se à Fazenda Pública, sempre com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que ao afirmar que a S... MC – M... C... SGPS, SA é uma das maiores empresas de Portugal, parece estar a confundir aquela empresa com o denominado “Grupo S...” (grupo económico “S.../E...”), como se constatará,
N. não resultando, porém da douta sentença sob recurso quais as premissas em que se baseou para retirar tal ilação.
O. Acresce que, afirma a Mma Juíza a quo que não estamos “perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea”, estando “tal aceitação (…) dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes” (Neste mesmo sentido, v. o Acórdão do TCAS, de 2010/05/12, proferido no processo nº 03966/10, disponível em www.dgsi.pt.).
P. Efectivamente, do despacho controvertido, cuja fundamentação, aliás, não foi questionada pela douta sentença em análise, não resulta que a AT tenha optado, sem mais, por recusar a garantia oferecida,
Q. antes resulta que o chefe do SF considerou que a fiança em causa não consubstancia garantia idónea para a suspensão da execução, nos escassos termos em que foi proposta, dado o valor em dívida, o conhecimento que tem da executada e da fiadora – designadamente pela informação disponível no sistema informático da DGCI - e ponderado o objectivo e princípios que regem a cobrança coerciva da receita tributária,
R. concluindo, a final, que a fiança em crise não é susceptível de assegurar os créditos exequentes.
S. O artº 52º da LGT permite a suspensão da cobrança da prestação tributária efectuada no processo de execução fiscal nos casos de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução, que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
T. Tal suspensão da execução encontra-se, porém, condicionada pelo artº 169º do CPPT à constituição de garantia (em conformidade com o artº 195º do mesmo CPPT), à sua prestação (nos termos do artº 199º do mesmo diploma) ou quando a penhora efectuada nos autos incida sobre bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido.
U. Especifica, no entanto, este último preceito, que a garantia a prestar deverá ser idónea, consistindo em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública.
V. Reporta-se, assim, a idoneidade da garantia à sua susceptibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo (em tempo útil), após citação para o efeito (nº 2 do artº 200º do CPPT), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente
W. Em suma, a exigência de garantia, nos termos previstos no artº 199º do CPPT, visa assegurar a boa cobrança dos créditos tributários, pelo que lhe é intrínseca uma exigência de liquidez num período de tempo limitado.
X. Os estritos termos e exigências reveladas pelo teor dos preceitos citados reflecte o princípio da vinculação à lei na actividade administrativa tributária, a indisponibilidade dos créditos fiscais e a proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, mormente se estiverem vencidos, assumindo que a suspensão tem um carácter verdadeiramente excepcional, sendo que é proibida nos casos não previstos da lei (cfr. artº 36º, nº 3 da LGT).
Y. A arrecadação da receita fiscal, já em fase de cobrança coerciva, implica a realização, no processo de execução fiscal, do princípio da efectividade da tutela judicial do direito do credor do imposto, que preside àquele processo judicial tributário, e necessariamente aos meios admissíveis de garantir a cobrança coerciva da dívida tributária em vista da suspensão da execução.
Z. Como tal, com a utilização da expressão “garantia idónea”, pretende-se significar que nem todas as garantias serão sempre adequadas e que a indicação exemplificativa dos meios de garantia bancária, caução ou seguro-caução, antes da alternativa “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, tem de entender-se como uma restrição pretendida dos demais meios que poderão enquadrar-se no conceito de garantia idónea.
AA. O escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efectiva cobrança da dívida, designadamente no que às garantias a prestar para suspensão da sua tramitação respeita, independentemente da qualidade do prestador.
BB. Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
CC. Por outro lado, a fiança representa uma garantia pessoal dada por um terceiro - o fiador – com o conteúdo da obrigação principal – cfr. artºs 627º e seg.s do CPC, sendo que, no plano cível, prevalece a noção de que a fiança não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência (artº 767º, nº 2 do CC).
DD. Não obstante por via da prestação da fiança ser suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. artº 627º do CC), o credor tem de concorrer, porém, em relação a ambos os patrimónios, com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída.
EE. Pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, a fiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio, o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das sua obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.
FF. Constata-se, assim, ser sempre necessário efectuar uma análise detalhada, designadamente, das obrigações assumidas pelo fiador, não podendo a avaliação do património do fiador estar ancorada na sua conhecida robustez económica, mas sim na sua capacidade financeira de cumprimento a curto prazo, razões que têm ainda maior acuidade para efeitos de avaliar a prestação de garantia tendente a suspender um processo de execução fiscal, atendendo à índole pública e indisponível da obrigação de imposto legalmente liquidado.
GG. In casu, cumpre salientar que está em causa a segurança do pagamento de dívida tributária vencida, de avultado montante, legitimadora da actuação do órgão da execução fiscal, seguindo exigências maiores na assunção das soluções adequadas à salvaguarda do interesse público no recebimento das quantias que lhe são devidas, especialmente no tipo de garantia a aceitar.
HH. Deste modo, do disposto no artº 199°, n°2 do CPPT, decorre que a Administração Tributária (AT), expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la (Em consonância com o referido Acórdão do TCAS, de 2010/05/12), uma vez que o critério pelo qual se há-de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido em tempo útil,
II. o que implicará sempre um acto de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspectiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito (cfr., por igualdade de razões, o artº 219º, nº1 do CPPT).
JJ. Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer susceptibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza.
KK. O órgão da execução fiscal, no despacho reclamado, assinalou precisamente a inidoneidade da garantia pessoal oferecida, tanto em face das dívidas tributárias tituladas por sociedades do grupo que se encontram em cobrança coerciva, como atendendo ao dever de precaução na cobrança dos tributos devidos ao credor tributário que estejam a ser litigados, argumentação mais posta em relevo pelo tipo de sociedade proposta como garante da dívida.
LL. Pois, figurando como fiadora uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), cujo objecto social, nos termos do Dec.-Lei nº 495/88, de 30/12 (com as alterações introduzidas pelos Dec.-Lei nºs 318/94, de 24/12, e nº 378/98, de 27/11 e pela Lei nº 109-B/2001, de 27/12) é a gestão de participações sociais de outras sociedades, o seu activo – regra geral – é constituído por participações financeiras e créditos sobre empresas participadas.
MM. E, é sabido que estas sociedades não detêm, muitas vezes, outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas, as quais constituem um tipo de activos altamente volátil, não só devido à sua oscilação em termos de valor de mercado, mas também devido à sua possibilidade de liquidação quase instantânea.
NN. Ou seja, em regra, as SGPS não apresentam estrutura física ou humana inerente, o que as torna sociedades meramente “virtuais”, isto é, sem substância física e que devem a sua existência à legislação vigente, auferindo apenas rendimentos de natureza passiva (lucros e juros).
OO. E, tendo a SGPS por activo patrimonial relevante partes sociais noutras sociedades, inscrito por valores escriturais estáticos que apenas revelariam a verdadeira realidade se conjugados com os balanços de cada uma das sociedades participadas, não se mostram por si só capaz de demonstrar da suficiência ou insuficiência do património da fiadora para garantir os créditos da reclamante,
PP. E, porque o fiador se apresenta como um verdadeiro devedor do credor, de acordo com o artº 627º, nº1, do Código Civil, obrigando-se a pagar a dívida de terceiro e respondendo pessoalmente, com o seu património, certo é que em nenhum momento anterior ao despacho reclamado o património do proposto fiador foi determinado rigorosamente pela garante ou pela afiançada reclamante, sem prejuízo do consabido risco financeiro normalmente atribuído à determinação do valor de participações sociais, sejam elas cotadas em bolsa ou não, e da transmissibilidade inerente à actividade da sociedade que as detém, que em abstracto poria sempre em causa a sua idoneidade.
QQ. A esta observação não se opõe a invocada notoriedade da fiadora ou do grupo económico em que se insere, pois que tal notoriedade pouco ou nada adianta sobre a real situação financeira desta.
RR. Acresce ainda que, atendendo que pela fiança, é suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios e que nos termos do artº 169° do CPPT a suspensão do processo de execução fiscal se mantém até à decisão do contencioso tributário, a admissibilidade da garantia oferecida (fiança) implicaria um acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão da execução fiscal.
SS. Tanto mais que, o património do fiador pode ter sofrido oscilações importantes desde o momento da constituição da garantia, não apenas devidas às oscilações do mercado, mas também por determinações resultantes de meras decisões de gestão do grupo económico em que aquele se insere.
TT. Acresce que, até pela circunstância de, dentro do mesmo grupo em que se insere a reclamante, diversas holdings terem sido propostas como garantes de avultadas dívidas tributárias de participadas em cobrança coerciva nos correspondentes PEF, o que, em vista da frequência de operações de fusão-concentração, fusão-incorporação ou cisão, verificadas nesse grupo económico em que se integram e de acordo com os seus interesses, como sucedeu já in casu, tem por efeito diluir a responsabilização assumida e aumentar o risco de futura litigiosidade aquando de eventual efectivação dessa responsabilidade e, em todo o caso, de real incobrabilidade.
UU. Releve-se que, a extinção deste tipo de empresas afigura-se extremamente simples e rápida (Mormente com a possibilidade de dissolução e liquidação de empresas “na hora”), o que se torna mais relevante se atentarmos no facto de a existência de dívidas tributárias em cobrança coerciva não obstar à liquidação de uma sociedade, por serem consideradas “passivo contingente”, não registado no balanço a título de passivo.
VV. Todas estas questões se tornam mais relevantes se considerarmos que em causa nos autos se encontra uma estrutura empresarial complexa [grupo económico S.../E... (Constituído por mais de 500 empresas)], constituído por SGPS sucessivas, em níveis hierárquicos diferentes, a maioria das quais em níveis intermédios.
WW. Saliente-se que a “S...”, enquanto património único, não existe, encontrando-se distribuído por um elevado número de empresas, numa complexa estrutura empresarial (Apresentando, em regra, administradores comuns), cada uma delas constituindo um património empresarial per si e não enquanto parte do grupo empresarial que integra, pelo que, no caso limite de necessidade de execução da fiança, apenas o património da empresa garante constitui garantia dos créditos tributários.
XX. A tudo o que vem de ser dito, acresce ainda o facto de que apenas as sociedades-mãe de cada grupo económico se encontram cotadas em bolsa, pelo que, a maioria das participações sociais detidas pela sociedade que ora se oferece como fiadora, não é de imediata transformação em liquidez, facto que vem reforçar a maior probabilidade de incumprir com a obrigação de pagamento em tempo útil.
YY. Ora, todos estes factos não foram tidos em conta, nem foram devidamente valorados, pela douta sentença recorrida, retirando o Tribunal a quo, desde logo, a ilação da capacidade económica e financeira ser do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio e daí retirando a conclusão da idoneidade da fiança, quando,
ZZ. atendendo ao que vem de ser dito, facilmente se constata não se poder concluir de forma tão linear, como fez o Tribunal a quo, que sendo “do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio” que a S... MC – M... C... SGPS, SA, “com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal”, “detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
AAA. O órgão de execução fiscal, usando da sua capacidade técnica, juízos de prognose e em conformidade com as regras de uma "boa administração", a que está vinculada, ponderou se a garantia que lhe foi apresentada era adequada para garantir a dívida exequenda e respectivo acrescido, tendo em conta a escolha da solução que melhor realizasse o interesse público, isto é, se a garantia apresentada era ou não idónea.
BBB. E, fê-lo tendo em consideração, designadamente, os elementos disponibilizados pelas aplicações informáticas existentes na DGCI, concluindo pela falta de idoneidade da fiança prestada.
CCC. Acresce que, a decisão ora em crise teve por base a incerteza com que o SF se deparou, ponderadas todas as questões que se afiguraram relevantes, em determinar, com segurança, pela possibilidade de cumprimento da obrigação de pagamento, em tempo útil, aquando da eventual interpelação para o efeito (artº 200º, nº 2 do CPPT), por parte da fiadora.
DDD. E, saliente-se, a característica da liquidez em tempo útil é intrínseca à idoneidade da mesma.
EEE. Ora, este facto serve de medida à maior ou menor segurança, certeza e celeridade que a garantia oferece para o credor.
FFF. Aliás, para aferir da suficiência (ou não) da robustez económica do fiador para assegurar o cumprimento da dívida, torna-se necessário analisar o valor da fiança.
GGG. Acontece que, no que a tal avaliação diz respeito, decidiu o douto Acórdão do TCAS, de 2000/06/20, processo nº 2986/99, que “a idoneidade se reporta ou é aferida não pelos valores morais ou sociais do fiador mas pelo valor do seu património” e que,
HHH. “a avaliação da capacidade económica ou do valor do património do fiador constitui ónus do requerente”.
III. Deve, pois, estar demonstrada a capacidade sustentada de pagar o montante a garantir.
JJJ. E, é o executado quem deve demonstrar a suficiência da garantia apresentada, designadamente pela demonstração do activo, do passivo e das obrigações entretanto assumidas pela sociedade garante.
KKK. Porém, in casu, a reclamante não demonstrou oportunamente, para efeitos da decisão de aceitação da fiança, que esta constituía uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequendos e que tinha subjacente um lastro patrimonial indiciador da sua idoneidade.
LLL. Diga-se ainda, no atinente ao Despacho nº 642/2002, de 2002/03/11, do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), a que se refere a douta sentença sob recurso, que o mesmo carecia, como condição de eficácia, da transposição para uma circular administrativa, por forma a vincular a AT, em conformidade com o disposto no artº 55º do CPPT.
MMM. Aliás, tal resulta do próprio texto do despacho em crise, o qual, na sua parte final (ponto 3) refere: “dê-se conhecimento à DGCI deste entendimento, solicitando a emissão de Circular administrativa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55º do CPPT, que acolha as orientações referidas (…)”, o que não aconteceu.
NNN. Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção dos factos dados como provados, não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados,
OOO. errando ainda na valoração dos factos que considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem que estabelecesse as premissas que conduziram às mesmas.
PPP. Padece ainda a douta sentença sob recurso de erro de julgamento da matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, mais concretamente os artºs 52º da LGT e 169º e 199º do CPPT.
A ora Recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
i. Delimitado que está o objecto do recurso, pelo teor das conclusões formuladas, deve dizer-se, desde já, que, nas alegações de recurso da Fazenda, existe erro na identificação do processo de execução fiscal, erro na identificação do imposto em causa, erro na identificação do ano em causa, e, portanto, erro na identificação da quantia exequenda e erro na identificação da garantia prestada.
ii. Está em causa um despacho de indeferimento de prestação de garantia através de fiança, tendo o órgão de execução fiscal entendido, em suma, que lhe cabe a escolha do tipo de garantia a prestar pelo Contribuinte; que tem de dar preferência a garantias que apresentem maior grau de liquidez; que a Recorrida tem alternativas para constitui garantias com maior grau de liquidez.
iii. Ao contrário do pretendido pela Fazenda Pública, constata-se que nunca o indeferimento da fiança se baseou na alegada falta de capacidade económica e financeira da fiadora.
iv. Entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito porque, alegadamente, para revogar o despacho do órgão de execução fiscal que indeferiu a prestação de garantia através de fiança «baseia-se tão só o Tribunal a quo no facto de ser “do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio” que a S... MC – M... C... SGPS SA, com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal”, “detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
v. Ou seja, a Fazenda Pública vem colocar em causa o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo, com base em tergiversações, juízos conclusivos e considerandos espúrios, invocando mesmo factos que, como veremos, nem sequer estiveram na base da decisão administrativa impugnada e, portanto, não poderiam ter sido considerados pelo Tribunal a quo.
vi. Não é possível deixar de expor o absurdo e silenciar o espanto, de que, no recurso em causa, a Fazenda Pública entende que uma das maiores empresas nacionais, detentora da actividade de retalho alimentar líder no mercado e em actividade há mais de 25 anos, não tem capacidade financeira para garantir, através de fiança, o bom pagamento de uma dívida de quatro mil euros.
vii. Aliás, o presente recurso é terreno fértil para a invocação de factos falsos e falseados, para a formação de processos de intenção e formulação de considerandos vilipendiosos acerca da Recorrida – o que é feito sem pejo e, naturalmente, sem qualquer base factual ou justificação intra ou extra processual.
viii. Entende a Fazenda Pública que existe erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, segundo entende, o Tribunal a quo anulou o despacho em causa, apenas com base no facto de “ser do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio que a S... MC – M... C... SGPS SA, com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal, detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou”.
ix. É falso! Como consta dos autos, e é de liminar clareza, o órgão de execução fiscal indeferiu a prestação de garantia através de fiança, por considerar que está na sua discricionariedade aceitar ou recusar as garantias prestadas pelos Contribuintes, - o que fez sem nunca colocar em causa, sequer, a idoneidade da fiança em causa para garantir a boa cobrança da quantia exequenda,
x. Decidiu o órgão de execução fiscal, de forma clara, que: «Compete ao Serviço de Finanças preferir garantias de maior e melhor liquidez e, com cobrança expedita e célere, o que não acontece “in casu” e, por isso, indefiro o pedido de prestação de garantia (…)», e que: «(…) o órgão da administração tributária com competência para autorizar a constituição da garantia, no processo, deve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal, aqueles cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução, o que não acontece no caso sub Júdice e por isso, não a aceito como garantia idónea (…)».
xi. E relação a este ponto, o Tribunal a quo decidiu, com liminar clareza, que: «No caso que nos detém, a S... MC, M... C... SGPS,S.A., constitui-se fiador da executada pelo valor da garantia fixada pelo órgão de execução fiscal, e nela renuncia ao benefício de excussão prévia previsto no artigo 638º do Código Civil (…) pelo que não se entende afirmação da Administração Tributária ao referir que a fiança apresentada não garante com eficiência e celeridade a cobrança do devido e acrescido, considerando no fundo inidónea para efeitos do disposto no art. 199º, nº1 do CPPT.», e ainda que: «No mais diga-se, que acresce razão à reclamante quando refere que administração carece de discricionariedade sobre a aceitação de determinada garantia para efeitos de suspensão do processo de execução (…)». (idem).
xii. Assim, ao invés do invocado pela Fazenda Pública, é óbvio que a decisão sub iudice não se baseou “apenas” na consideração da conhecida e reconhecida capacidade financeira da fiadora para garantir o cumprimento de uma obrigação de quatro mil euros – embora fosse mais do que suficiente.
xiii. A (alegada) falta de capacidade financeira da fiadora nunca constituiu fundamento para o indeferimento da fiança em causa, e, por isso, não incumbia ao Tribunal a quo apreciar outros fundamentos senão os constantes do despacho impugnado,
xiv. Face à reduzida quantia a garantir, por um lado, e aos elementos de conhecimento público e de conhecimento oficioso da Administração Fiscal, por outro, o Tribunal não tinha de convocar outro juízo de adequação senão o constante da sentença recorrida­, porquanto, face à falta de elementos indiciadores de que a fiadora não capacidade financeira para garantir uma dívida de quatro mil euros – o que nunca foi, sequer, colocado em causa pelo órgão de execução fiscal – apenas poderia concluir que a fiança prestada é idónea.
xv. Refere a Fazenda, nas suas conclusão P, que: «(…) do despacho controvertido, cuja fundamentação, aliás, não foi questionada pela douta sentença em análise, não resulta que a AT tenha optado, sem mais, por recusar, a garantia oferecida.».
xvi. É duplamente falso! Em primeiro lugar, porque é precisamente a fundamentação jurídica do despacho controvertido que é colocada em causa pelo Tribunal a quo e, em segundo lugar, porque o órgão de execução fiscal, limita-se a indeferir a prestação de garantia pelo único motivo de se tratar de uma fiança, sem nunca aferir da capacidade para sustentar o pagamento da dívida exequenda.
xvii. Afirma a Fazenda, na sua conclusão Q, que o órgão de execução fiscal «considerou que a fiança em causa não consubstancia garantia idónea para a suspensão da execução, nos escassos termos em que foi proposta, dado o valor em dívida, o conhecimento que tem da executada e da fiadora – designadamente pela informação disponível no sistema informático da DGCI (…)» (destaque nosso).
xviii. é falso! O órgão de execução fiscal jamais se refere ao valor em dívida!! Que é de QUATRO MIL EUROS!!!!!
xix. O absurdo do presente recurso é tal ordem que a Fazenda Pública não se coíbe de recorrer de uma decisão judicial que considerou a fiança idónea para pagamento de uma quantia de quatro mil euros, quando tem conhecimento oficioso que A FIADORA TEM CAPITAIS PRÓPRIOS NA ORDEM DOS SEISCENTOS MIL MILHÕES DE EUROS!!!!!
xx. A Fazenda tenta “convolar” um despacho de indeferimento de fiança, com fundamento no facto de a fiança não ser, alegadamente, uma garantia “cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata”, num despacho de indeferimento da fiança, com fundamento no facto de a fiadora não possuir, alegadamente, capacidade para garantir o bom pagamento da dívida exequenda, ou de não constar nos autos demonstrada essa capacidade, quando a mesma nunca foi suscitada.
xxi. Se a Administração Fiscal entendia que a fiança não era idónea, pelo facto de a fiadora não ter capacidade para assegurar o pagamento, deveria ter indeferido a fiança com esse fundamento, e se não o fez, não pode agora a Fazenda aditar, em sede de recurso, um novo fundamento ao despacho de indeferimento.
xxii. Vem agora a Fazenda Pública, invocar uma série de factos – se é que assim se lhes pode chamar – sobre a idoneidade de fianças prestadas por Sociedades Gestoras de Participações Sociais, quando essa idoneidade jamais foi colocada em causa no despacho impugnado, e portanto não constituía objecto do processo de reclamação judicial.
xxiii. Trata-se, indubitavelmente, da invocação de factos novos que, naturalmente, não podem ser considerados em sede de recurso, pela simples razão de que não estiveram na base da decisão impugnada, e, como tal, não sujeitos ao crivo do Tribunal a quo.
xxiv. Como resulta óbvio da leitura de tais factos, os mesmos versam, especificamente sobre as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) sendo certo que no despacho em causa nos autos o órgão de execução fiscal não faz qualquer menção a idoneidade ou inidoneidade das garantias apresentadas por estas sociedades.
xxv. Assim, não pode estar em causa nos presentes autos a apreciação da capacidade financeira e económica da fiadora – seja SGPS, seja outro tipo de sociedade - porque o despacho de indeferimento da fiança não lhe dedica uma só linha.
xxvi. Uma vez que, como nos autos, a Administração Fiscal não invocou, como fundamento para o indeferimento da fiança, a falta de capacidade financeira da fiadora, não se encontrava no objecto do processo aferir se essa capacidade existia ou não – pelo simples facto de que ela nunca foi administrativamente questionada,
xxvii. Sendo que, na esteira da Jurisprudência citada na decisão em causa: «(…) sendo a fiança prestada por uma sociedade gestora de participações sociais uma garantia idónea, desde que o património desta seja elemento indiciador da idoneidade de tal garantia(destaque nosso).
xxviii. A Fazenda pretenderá inverter o ónus da prova, para concluir que era a Recorrida a quem incumbia demonstrar que a fiadora tinha capacidade financeira e económica para garantir a dívida exequenda – e isto, note-se, quando essa capacidade jamais foi colocada em causa!
xxix. Ou seja, apesar de a fiança não ter sido indeferida por falta de capacidade económica ou por falta de valor do património, conclui a Fazenda que a Recorrida tinha de provar aquilo que nunca foi posto em causa – e que nem poderia ser, face à desproporção abissal entre a sua capacidade financeira e o ridículo montante a garantir.
xxx. A Recorrida, maugrado tal não lhe ser exigível por funcionamento das regras do ónus da prova, fez questão de, à cautela, levar aos autos elementos que apontavam no sentido completamente inverso ao agora defendido pela Recorrente – de que a fiadora tem mais do que capacidade financeira e económica para garantir o bom pagamento da dívida em causa.
xxxi. A Fazenda Pública urde toda uma teia de insinuações e considerandos insidiosos, não se coibindo de invocar factos falsos cuja falta de correspondência com a realidade e falta de rigor jurídico não pode ignorar – e que nunca estiveram subjacentes aos despacho em causa nos autos.
xxxii. Trata-se de um ataque sem precedentes à idoneidade moral corporativa da Recorrida, como, se subjacente à prestação da fiança em causa, estivesse latente o intento de escapar à responsabilidade de pagamento que a S... MC – M... C... SGPS assumiu.
xxxiii. Em suma: ao contrário do pretendido pela Recorrente, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento ao decidir que a capacidade económica e financeira da fiadora é de conhecimento público e que, portanto, não podia deixar de ser aceite como garantia a fiança por si prestada – sobretudo atendendo ao reduzidíssimo valor em causa.
xxxiv. Existe abundante matéria de facto, alegada pela Recorrida na petição inicial de reclamação, que não foi levada à matéria assente, nem tida em consideração, expressamente, na decisão recorrida, pelo que caso se entendesse que competia ao Tribunal a quo aferir da capacidade da fiadora para garantir o pagamento da dívida – o que não se concede e apenas se admite como mera hipótese - tal matéria de facto afigurar-se-ia da maior relevância para a completa análise da questão sub iudice, e para seu enquadramento nas várias soluções jurídicas possíveis.
xxxv. No entender da Recorrida estão nesta situação os seguintes factos, invocados na reclamação:
i. - QUE as informações e dados financeiros da S... MC estão disponíveis para consulta pública na internet em http://www.s....pt/, (ponto 6 da petição inicial);
ii. - QUE a S... MC tem actualmente um activo de €1.383.789.529,00 e capitais próprios na ordem dos €596.252.636,00, (ponto 8 da petição inicial).
xxxvi. A baixa do processo ao Tribunal a quo para ampliação da matéria de facto é condicionada pela necessidade da existência de factos alegados pelas partes, que não tenham sido consideradas e que tenham interesse para a decisão da causa, na sua adequação ao direito aplicável - como acontece no caso sub iudice (Art. 712.º do C.P.C.).
xxxvii. Apenas em sede de recurso vem a Fazenda pugnar pela manutenção do despacho que indeferiu a prestação de garantia por meio de fiança, com fundamento na falta de capacidade económica da fiadora.
xxxviii. Em sede de recurso apenas podem ser considerado factos novos notórios ou de conhecimento oficioso (artigo 514.º n.º 1 e 2 CPC, ex vi artigo 2.º e) do CPPT).
xxxix. Entende a Recorrida que, a ser admitida a apreciação desse facto novo, se reveste da maior relevância a junção aos autos da declaração de Informação Empresarial Simplificada da fiadora S... MC, relativa ao ano de 2010 – que constitui a única informação existente com data mais próxima da prestação da fiança em causa.
xl. O documento em causa é junto em sede de recurso por se entender que a junção se tornou supervenientemente útil, nos sobreditos termos, sob pena de violação do direito de defesa e contraditório da Recorrida e favorecimento da posição processual da Recorrente (artigos 2.º 3.º e 3.º -A, 727.º e 743.º n.º3 do C.P.C., ex vi, do artigo 2.º e) do CPPT).
xli. Como ressuma da sentença recorrida, a «administração carece de discricionariedade sobre a aceitação de determinada garantia para efeitos de suspensão do processo de execução (…)».
xlii. É esse, de resto, o entendimento da nossa Jurisprudência – aliás citada na decisão sob recurso, o que faz soçobrar o invocado vício de erro de julgamento da matéria de direito (Cfr. acórdão do TCAS, de 12.05.2010, dado no processo n.º 03966/10).
xliii. Entende a Fazenda Pública que “a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção dos factos dados como provados, não considerando factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados.».
xliv. Ora, como se deixou exposto ad nauseam, não poderiam ter sido seleccionados, pelo Tribunal a quo, factos que nunca constaram do despacho impugnado.
1.3. Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida integralmente a sentença recorrida.
1.4. Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – “C.P.T.A.” – e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – “C.P.C.”), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
1.5. São as seguintes as questões a decidir, expostas pela ordem da sua alegação e das conclusões no recurso:
1.5.1. Saber se a sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, por não considerar como provados factos relevantes para a boa decisão da causa – conclusão NNN da Recorrente;
1.5.2. Saber se o Tribunal “a quo”, na valoração dos factos que considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem estabelecer as premissas em que se sustentam – conclusão OOO da Recorrente;
1.5.3. Saber se a sentença padece de erro de julgamento da matéria de direito, na interpretação e aplicação dos artigos 52.º da Lei Geral Tributária (doravante sob a sigla “L.G.T.”) e 169.º e 199.º, estes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante sob a sigla “C.P.P.T.”) – conclusão PPP da Recorrente.
2. Fundamentação de Facto
2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados:
a) Em 12/01/2011 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 processo de execução fiscal n.° 1821201101005227, contra a reclamante C…, S.A., para cobrança coerciva de IRC de 2006, no montante de €3.310,42;
b) Em 24/02/2011 a reclamante foi notificada para no prazo de 15 dias apresentar garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro - caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos exequentes (n.° 1 do art. 199° do CPPT) no montante de €4.428,64, nos termos do disposto no n.° 2 do art. 169° do CPPT, cf. fls. 10 e 11 dos autos;
c) Em 03/03/2011 a reclamante juntou ao auto de execução fiscal identificado em A) “... garantia (fiança) no valor de € 4.428,64 (quatro mil quatrocentos e vinte e oito euros) conforme fixado... a fim de suspender este processo de execução fiscal”, cf. fls. 12 e 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
d) Em 07/03/2011 o Chefe de Serviço de Finanças de Matosinhos 1 proferiu o despacho de indeferimento em causa nos presentes autos onde consta o seguinte:
e) “(...) Compete ao Serviço de Finanças preferir garantias de maior liquidez e com cobrança expedia e célere, o que não acontece “in casu” e, por isso, indefiro o pedido de prestação de garantia com esta fiança apresentada neste Serviço de Finanças em 03 de Março de 2011 de e, destinada ao PEF n° 1821201101005227, por considerar que esta fiança, não tem idoneidade suficiente, apesar do seu conceito de garantia idónea ser relativamente indeterminado, ele deve ser interpretado em obediência ao interesse publico da regular cobrança dos tributos legalmente devidos ao credor tributário e, que se encontram em cobrança coerciva e a ser litigados. De resto, à face do interesse público, o órgão da administração tributária com competência para auto rizar a constituição da garantia, no processo, deve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se para tal, aqueles cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais ceda, directa e imediata, em sede da respectiva execução, o que não acontece no caso sub Júdice e por isso, não a aceito como garantia idónea, até porque, esta firma tem várias alternativas para poder constituir outras garantias que apresentem maior grau de liquidez, cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata (...)”, cf. fls. 14 e 15 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
f) A aqui reclamante foi notificada daquele despacho em por oficio datado de 14/03/2011, cf. fls. 16 a 18 dos autos.
g) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças competente em 18/03/2011, cf. fls. 22 dos autos.
3. Fundamentação de Direito
3.1. Como acima se disse, a Recorrente começa por apontar à decisão recorrida o erro de julgamento da matéria de facto por não ter dado como provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados.
A Recorrente não especifica os factos a que pretende aludir quando aponta este vício à decisão recorrida, pelo que este Tribunal teve que sinalizar nas extensas conclusões de recurso a respectiva argumentação de facto, assim delimitando – ainda que por excesso – a possível factualidade a que a Recorrente poderia estar a fazer alusão.
Assim, a Recorrente conclui nas alíneas “MM” e seguintes que (1) os activos das “SGPS’s” são muitas vezes constituídos apenas por participações sociais; que (2) os valores destes activos só podem ser valorados pelos balanços das sociedades participadas; (3) estes activos são de transmissibilidade e liquidação quase instantânea; que (4) as operações de fusão e cisão que se têm operado nas diversas empresas do grupo têm por efeito diluir a responsabilização assumida e aumentar o risco de litigiosidade; que (5) a extinção destas empresas se afigura extremamente simples e rápida; que, no caso (6), o grupo económico “S.../E...” tem uma estrutura empresarial complexa; que (7) apenas as sociedades-mãe de cada grupo económico se encontram cotadas em bolsa.
Ora, a argumentação que a Recorrente desenvolve nesta parte assenta – não em factos – ocorrências concretas da vida real, devidamente contextualizadas no espaço e no tempo – mas em conclusões que a própria Recorrente parece extrair, umas vezes, do próprio regime legal das sociedades gestoras de participações sociais e, outras vezes, de factos que nunca chegaram a ser alegados em primeira instância e são agora introduzidos ex novo em via de recurso.
Sendo que as conclusões a extrair de factos que não foram alegados em 1.ª instância e de que o juiz não tivesse que conhecer oficiosamente não aproveitam ao mérito do recurso. Porque, como decorre do artigo 684.º, n.º 2, 2º §, do C.P.C., o objecto do recurso é externamente delimitado pelo âmbito da decisão recorrida. Isto é, o recurso só pode incidir sobre questões (nomeadamente questões de facto) que tenham ou devessem ter sido anteriormente apreciadas pelo tribunal recorrido, não podendo o tribunal “ad quem” ser confrontado com questões novas que não sejam do conhecimento oficioso.
Se os motivos de discordância com a decisão recorrida assentam em factos novos – isto é, factos que a decisão recorrida não considerou nem poderia ter considerado (porque não foram oportunamente alegados nem eram do conhecimento oficioso) – o recurso é ilegal nessa parte e não deve ser apreciado.
E as conclusões a extrair do regime legal das SGPS’s não são conclusões de facto mas – como decorre da própria circunstancia de terem sido extraídas de um quadro normativo – verdadeiras conclusões de direito. Que, por isso, nunca poderiam ter sido relevadas na resposta à matéria de facto nem, por conseguinte, fundar o recurso da decisão respectiva.
Pelo que o recurso nunca poderia proceder por aqui.
3.2. O segundo fundamento do presente recurso centra-se no erro «na valoração dos factos que» a M.mª Juiz «considerou como provados e no juízo sobre os mesmos, retirando conclusões sem que estabelecesse as premissas que conduziram às mesmas» (alínea “OOO” das conclusões do recurso).
O desenvolvimento deste vício que é apontado à decisão recorrida pode ser encontrado nas alíneas “J” a “M” das referidas conclusões: a Recorrente considera que a afirmação que integra o último parágrafo da decisão recorrida não está assente em premissas que a suportem.
Está em causa o seguinte excerto do referido aresto: «dúvidas não temos que a S... MC, M... C..., SGPS, S.A, com cotação na bolsa de valores e uma das maiores empresas de Portugal, factos que são do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio, detém capacidade financeira para solver a obrigação que assumiu através da fiança que prestou, mal andou o órgão de execução fiscal ao decidir em sentido diferente».
A expressão ali utilizada («factos que são do conhecimento de qualquer homem de conhecimento médio») denuncia que a M.mª Juiz “a quo” considerou que os factos de a “S... MC, M... C..., SGPS, S.A” ter cotação na bolsa e ser uma das maiores empresas de Portugal eram factos notórios e que, por isso, não careciam de alegação e de prova – artigo 514.º do C.P.C.
Sendo essa, manifestamente, a razão porque não desenvolveu o seu raciocínio e se dispensou de, por sua vez, fazer a demonstração dos factos respectivos.
E este Tribunal pondera que, efectivamente, sendo um facto notório aquele que dispensa a respectiva prova por conter em si mesmo, «no mecanismo da sua estrutura, uma prova preconstituída, uma prova formada anteriormente ao processo e munida de maiores garantias externas do que as que o processo poderia dar» (Cit. in «Código de Processo Civil Anotado», Vol. III, 4.ª ed./reimp., Coimbra Editora, pág. 262, do Prof. Alberto dos Reis), também não precisa de ser sustentado num raciocínio silogístico fechado, estruturado numa relação directa entre a conclusão e as suas premissas.
Todavia, este Tribunal não considera que os factos de a “S... MC, M... C..., SGPS, S.A” ter «cotação na bolsa de valores» e ser «uma das maiores empresas de Portugal» sejam factos notórios ou do conhecimento geral. A dimensão económico-financeira e estruturação desta empresa são factores que, inequivocamente, escapam à generalidade dos cidadãos nacionais e só estão acessíveis a sectores mais ou menos restritos de cidadãos interessados em informação especializada da área económica. O que poderá ser notório é o nome “S...”, que a esmagadora maioria dos cidadãos informados no nosso país não deixará de associar a um grupo económico importante, que a “S... MC, M... C..., SGPS, S.A” integrará. Bem como a marca “M...” e “C...”, que o comum cidadão associará sem esforço aos hipermercados que o grupo implantou por todo o país.
Mas já é notório, a nosso ver, que a decisão recorrida de anular o acto reclamado também não se apoia exclusiva ou sequer fundamentalmente nesta conclusão. O argumento da decisão recorrida em que a Recorrente agora se enquista tem um relevo manifestamente secundário e não constitui, por isso, o suporte dessa decisão nem justifica o ênfase que lhe é atribuído nas conclusões do Recurso. As razões fundamentais porque a M.mª Juiz “a quo” entendeu que a decisão reclamada do Órgão de Execução Fiscal não se poderia manter são outras e é nessas outras razões que se jogará verdadeiramente o seu destino.
Referimo-nos, naturalmente ao facto de a M.mª Juiz ter concluído que o Órgão de Execução Fiscal não sustentou devidamente a sua conclusão na parte em que referiu que «a fiança apresentada não garante com eficiência e celeridade a cobrança do devido e acrescido, considerando no fundo inidónea para efeitos do disposto no art. 199°, n°1 do CPPT.» (pág. 13 da douta sentença recorrida e fls. 172 dos autos). E ao facto de a M.mª Juiz ter concluído o Órgão de Execução Fiscal «carece de discricionariedade sobre a aceitação de determinada garantia para efeitos de suspensão de processo de execução (…), não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia» (tb. Pág. 14 da douta sentença recorrida e fls. 173 dos autos).
O que daqui resulta é que o Tribunal “a quo” não anulou o acto reclamado por entender que a garantia era idónea, mas – antes de mais – por o Órgão de Execução Fiscal não ter demonstrado que não o era e não lhe ser atribuído o poder (discricionário) de a rejeitar sem pôr em causa a sua idoneidade.
Ou seja, as razões porque o Tribunal “a quo” considerou que a decisão reclamada não se podia manter na ordem jurídica colocam-se a montante da questão de saber se a garantia em causa é ou não idónea e assentam primariamente no facto de o Órgão que a rejeitou não ter posto em causa a sua idoneidade.
O que significa que a razão da Recorrente neste segmento não chega para pôr em causa o sentido da decisão nem conduz de per si à procedência do recurso. Sendo com este alcance que se conclui agora que o recurso também não teria provimento por aqui.

3.3. O terceiro e último fundamento do presente recurso é – como se disse – o erro de direito (erro na interpretação e aplicação dos artigos 52.º da L.G.T., 169.º e 199.º, estes do C.P.P.T.).
Como ponto prévio sobre esta questão deve assinalar-se que a Fazenda Pública não contesta que o Órgão de Execução Fiscal não tem poder discricionário de «escolher» a garantia mais idónea. Contesta apenas o entendimento segundo o qual os referidos dispositivos legais suportam a prestação de quaisquer meios que possam enquadrar-se no conceito de garantia idónea.
Fundamentalmente porque o artigo 199.º, n.º 1, ao especificar que a garantia idónea «consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», «aponta preferencialmente para certos tipos de garantia» (alínea “BB” das conclusões do recurso), isto é, para a prestação de garantia mediante garantia bancária, caução e seguro-caução.
E porque este artigo 199.º, n.º 1, deve ser interpretado conjugadamente com o artigo 219.º, n.º 1, do mesmo Código, donde decorre que «a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá que ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa» (alínea “JJ” das conclusões do recurso).
Este Tribunal não acompanha o entendimento da Recorrente. Que não tem do seu lado nem o conteúdo literal do preceito nem o comparativo com outros lugares do sistema.
Não tem do seu lado o conteúdo literal do preceito porque a referência a «garantia bancária», «caução» e «seguro-caução» é ali efectuada em absoluta paridade com a alusão a «qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», como decorre da utilização da conjunção alternativa «ou».
Não tem do seu lado o comparativo com outros lugares do sistema porque quando o legislador pretendeu ser mais restritivo não deixou de enumerar claramente as garantias especiais admitidas, como sucede no artigo 193.º do Código Aduaneiro Comunitário. Sendo que, mesmo em tais situações em que o legislador pretendeu ser mais restritivo, não deixou de admitir expressamente a fiança como forma de prestação de garantia.
Não faria sentido, de resto, que se privilegiasse a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução de entidade bancária, instituição financeira de crédito, sociedade financeira, seguradora ou outra legalmente habilitada a exercer a actividade de concessão de garantias, que se encontrasse em situação de grandes dificuldades financeiras, sobre uma fiança prestada por pessoa de reconhecida solvabilidade e grande robustez económica, apenas porque dali se oferece uma forma de caução e aqui temos uma fiança. O que vale por dizer que não é a forma abstracta da prestação da garantia ou a actividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade.
A alusão à «garantia bancária», «caução» e «seguro-caução» não se destinou, por isso, a privilegiar estas formas de prestação de garantia mas a enunciar, de forma exemplificativa, algumas formas possíveis de prestação de garantia, porventura as mais comuns.
Sendo que também não se nos afigura adequado importar do artigo 219.º, n.º 1, do C.P.P.T. o critério ali estabelecido para a ordem dos bens a penhorar. Porque não existe a pretendida paridade de situações: é que, enquanto no artigo 199.º, n.º 1, a garantia é oferecida pelo executado, destinando-se o normativo a formular o leque de opções que se apresentam, no artigo 219.º, n.º 1, a penhora é oficiosamente ordenada, destinando-se o normativo respectivo a escalonar a ordem a observar na sua execução. Ali alude-se a uma faculdade do devedor, que utilizará ou não de acordo com a sua vontade ou conveniência; aqui define-se o conteúdo (vinculado) de um dever do órgão de execução.
Também não se vê qualquer préstimo para o caso na alusão ao artigo 767.º, n.º 2, do Código Civil (cfr. alínea “CC” das doutas conclusões do recurso). De um lado, não está em causa o cumprimento de uma obrigação de garantir (mas um ónus de garantir o cumprimento de uma obrigação, caso se pretenda a suspensão da execução); de outro lado, a actuação do credor fiscal é, ao contrário do que ali sucede, uma actuação vinculada e subordinada ao interesse público, não fazendo sentido equipará-la ao credor comum nem encarar como um constrangimento as opções legislativas; de outro lado, ainda, a substituição do devedor por terceiro só prejudica o credor quando a prestação depende das qualidades pessoais do devedor, o que não sucede nas obrigações fiscais de conteúdo pecuniário.
Mas mesmo que se entendesse, com a Recorrente, que o legislador, instituiu uma preferência por determinadas formas de garantia e que a opção pela fiança seria inversamente proporcional ao valor da garantia a prestar, nem assim a razão estaria do lado da Recorrente porque, ao contrário do que (incompreensivelmente) alega na alínea “GG” das doutas conclusões do recurso, a dívida exequenda de € 3.310,42 jamais poderia ser considerada de «avultado montante», não se justificando por isso e no caso uma especial restrição nas formas de garantia a admitir.
No mais, a Recorrente lembra a necessidade de efectuar uma análise detalhada das obrigações assumidas pelo fiador (“FF”), acena com os fiscos financeiros associados à aceitação de SGPS’s como fiadoras (“LL”), objecta com a necessidade de «acompanhamento permanente da situação patrimonial do fiador, encargo que representaria um esforço administrativo irrazoável para o órgão de execução fiscal» (“RR”) e remata dizendo que recairia sobre o executado o ónus de demonstrar a capacidade de pagar do fiador (“KKK”).
No entanto, a garantia não foi rejeitada pelo Órgão de Execução Fiscal, por não ter sido possível aceder às obrigações assumidas pelo fiador ou porque a Executada não tivesse fornecido os elementos que permitissem aferir a capacidade de pagar daquele: foi rejeitada porque a fiança não favorecia a realização do respectivo valor monetário «de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução» e porque «esta firma tem várias alternativas para poder constituir outras garantias». Dando, assim, «preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez». Ou seja, assumindo precisamente a interpretação do preceito que acima rejeitamos e pelas razões que seria ocioso estar agora a repetir.
Por outro lado, o ónus de demonstrar a solvabilidade do fiador não desonera o Órgão de Execução Fiscal de a confirmar através dos elementos de que disponha e que serão, em princípio, muito superiores aos que acede o credor privado, dado o extenso conjunto de obrigações acessórias que impendem sobre os sujeitos passivos e que asseguram o acesso a informação económico-financeira privilegiada. Pelo que a rejeição de fiança com base na insuficiência de dados que atestem a idoneidade do fiador não dispensaria uma referência aos dados de que própria Administração Tributária dispõe. E o princípio da colaboração sempre reclamaria que o Órgão de Execução Fiscal solicitasse os elementos relevantes antes de rejeitar a garantia com tal fundamento.
Finalmente, também não julgamos consistente a argumentação segundo a qual a aceitação da garantia implicaria um esforço administrativo irrazoável para o Órgão de Execução Fiscal. De um lado, resulta do artigo 199.º, n.º 9, do C.P.P.T. que o Órgão de Execução Fiscal está genericamente obrigado a acompanhar as flutuações dos valores das garantias prestadas e de se manter vigilante sobre a necessidade de exigir o seu reforço. De outro lado, não estão densificados os meios excepcionais a alocar ao acompanhamento da situação patrimonial deste fiador. De outro lado, ainda, as razões de eficiência fiscal não podem servir para se sobrepor ou subverter direitos dos contribuintes que, na esmagadora maioria dos casos, dispõem de meios muito mais reduzidos para responder às crescentes obrigações acessórias que lhes são impostas pelo Estado. Finalmente, a introdução de critérios de razoabilidade para aferir em cada caso as garantias que o Órgão de Execução Fiscal significa, na prática, conceder a este Órgão o poder discricionário de aceitar o rejeitar as garantias de acordo com critérios de funcionalidade interna, justamente o poder que a Recorrente teve o cuidado de enjeitar.
Pelo que o recurso não merece provimento.
4. Conclusões
4.1. É ilegal e deve ser rejeitado o recurso da decisão judicial na parte em que aponta à decisão recorrida a falta de apreciação e de integração nos factos provados de elementos de facto que não foram alegados em 1.ª instância (nem serviram de suporte à decisão que lhe serviu de objecto) e de que o juiz não poderia conhecer oficiosamente – artigo 684.º, n.º 2, 2º §, do C.P.C.;
4.2. A enumeração das garantias a que alude o artigo 199.º, n.º 1, do C.P.P.T. não é taxativa nem gradativa, mas exemplificativa;
4.3. O artigo 199.º, n.º 1, do C.P.P.T. não veda o reconhecimento da fiança como garantia idónea;
4.4. Cabe ao Órgão de Execução Fiscal aferir em cada caso da idoneidade da fiança como garantia, considerando os elementos que lhe sejam oferecidos, os que tenha em seu poder em virtude do cumprimento das obrigações acessórias do fiador ou de actos de inspecção realizados e aqueles que fundadamente solicitar no âmbito dos seus poderes de investigação oficiosa, com vista determinação da capacidade do fiador para pagar o valor garantido;
4.5. Deve ser confirmada a decisão judicial que julgou ilegal a decisão do Órgão de Execução Fiscal que, sem pôr em causa a capacidade do fiador para pagar o valor garantido, não aceitou a fiança com fundamento na preferência do legislador por outras formas de garantia;
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Julgar ilegal o recurso na parte em que aponta à decisão recorrida a falta de apreciação e de integração nos factos provados de elementos de facto que não foram alegados em 1.ª instância, não serviram de suporte à decisão que lhe serviu de objecto e não poderiam ser oficiosamente apreciados;
b) No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 30 de Novembro de 2011
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia