Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01454/17
Data do Acordão:01/10/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
EXECUÇÃO
MOMENTO DA SUBIDA
Sumário:I - Os actos do órgão da execução fiscal susceptíveis de lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos são passíveis de sindicância judicial através da reclamação prevista no art. 276.º e segs. do CPPT, sendo que, em regra, o conhecimento da reclamação se fará apenas após a venda ou após a penhora, quando esta não dê lugar à venda (art. 278.º, n.º 1).
II - O conhecimento imediato da reclamação tem carácter excepcional e está reservado aos casos em que do diferimento da decisão resultariam prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, que serão, não apenas os previstos nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 278.º, mas todos aqueles em que do diferimento do conhecimento da reclamação resultaria a consumação dos efeitos do acto reclamado a que o interessado pretende obstar, interpretação que se impõe sob pena de restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do acesso aos tribunais (cfr. arts. 20.º e 286.º, n.º 4, da CRP).
III - A execução prevista na parte final da alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, a efectuar no próprio processo de execução fiscal contra o devedor do crédito penhorado que não proceda ao seu depósito, não visa a cobrança de um crédito tributário, mas a cobrança do crédito (de natureza privada) do executado sobre o devedor, pelo que não se justifica que às reclamações que se lhe refiram exclusivamente seja aplicado o regime de subida do art. 276.º e segs.
IV - Se a reclamação é deduzida pelo devedor do crédito penhorado contra a decisão do órgão da execução fiscal que lhe recusou suspender a execução para cobrança de quantia correspondente ao crédito penhorado e não depositada até que esteja homologado judicialmente o plano de recuperação já aprovado no âmbito de um PER e no qual o crédito penhorado consta da lista de créditos, justifica-se o conhecimento imediato da reclamação, sob pena de perda de utilidade da mesma.
Nº Convencional:JSTA00070473
Nº do Documento:SA22018011001454
Data de Entrada:12/15/2017
Recorrente:A,,,,,,
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC
Área Temática 2:DIR PROC
Legislação Nacional:CIRE ART17-A - ART17-I.
CPPTRIB ART224 N1 B ART278 N3 A N4 ART276 E SEGS.
CONST ART20 ART286 N4 ART268 N4.
L 66-B/2012 DE 31/12.
CPPTRIB ART97 N1.
LGT ART101 D.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0585/16 DE 2016/06/15.; AC STA PROC0909/14 DE 2014/09/17.; AC STA PROC0990/15 DE 2015/08/05.; AC STA PROC01112/15 DE 2015/10/14.; AC STA PROC0585/16 DE 2016/06/15.; AC STA PROC0444/11 DE 2011/05/25.; AC STA PROC0739/12 DE 2012/07/11.; AC STA PROC0818/12 DE 2012/10/31.; AC STA PROC01374/16 DE 2017/01/18.; AC STA PROC0459/11 DE 2011/07/06.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG302-303.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1209/17.3BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……., S.A.” (adiante Recorrente ou Reclamante) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra relegou para final a apreciação da reclamação por ela deduzida, ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho por que o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra - 4 recusou a suspensão da execução.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A) A Meritíssima Juiz [do Tribunal] “a quo” entendeu, na Douta Sentença ora recorrida, de que [sic] a Recorrente não alegou factos demonstrativos da situação de irreversibilidade que justificassem a subida imediata da presente reclamação, o que esta não pode aceitar.

B) Na conclusão “O” da petição inicial que a “prossecução e manutenção da presente situação e da ordem da penhora que dela resulta, traz à Reclamante um prejuízo irreparável pois poderá estar em causa a sua própria recuperação financeira que ocorre através do seu plano de revitalização já aprovado, pois existe um processo de execução fiscal alegadamente em curso, uma ordem de penhora e uma associação a processos executivos de terceiro que colocará certamente em causa a possibilidade de o implementar”.

C) É evidente que uma sociedade comercial que se encontra ao abrigo de um processo especial de revitalização, com um plano de recuperação já aprovado e a aguardar, a qualquer momento, pela homologação respectiva com o consequente início dos pagamentos, tem de contar com todas as suas disponibilidades financeiras;

D) A Recorrente ao ver-se, súbita e inopinadamente, na contingência de ter de pagar um crédito que não é seu ou ver as suas contas bancárias penhoradas num valor de cerca de € 33,000,00, vai ter como consequência óbvia o total desequilíbrio da sua tesouraria e a consequente impossibilidade de implementar o seu plano de recuperação.

E) E assim, não se pode acolher o entendimento perfilhado na Douta Sentença ora recorrida quando esta questiona “que impacto teria no PER (destrutivo do respectivo procedimento), a substituição tributária tendente à satisfação do crédito da sociedade B………., por parte da AT, na hipótese da prossecução da execução fiscal», quando estão em causa créditos de milhões de euros.

F) O impacto seria total pois uma penhora numa conta bancária da Recorrente no valor de € 33.000,00 seria suficiente para desequilibrar o plano financeiro decorrente da implementação do plano de recuperação, sobretudo quando o valor mensal a pagar aos credores é substancial.

G) Atente-se ainda o facto de o não pagamento atempado a todos os credores nos termos previstos para a implementação de tal plano ser suficiente para implicar o seu incumprimento generalizado, conforme decorre aliás do artigo 20.º n.º 1 al. f) do CIRE sempre aplicável por força do disposto no artigo 17.º A n.º 3 do mesmo Código.

H) Desta forma, o dano e objecto de prova invocados têm característica de irreparável, pois um incumprimento na implementação de um plano de recuperação não é susceptível de reparação.

I) E o prejuízo causado, de acordo com regras da experiência e juízo comum, ocorrerá com toda a probabilidade e não [(Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que, na tese da Recorrente, não haverá aqui lugar ao advérbio de negação, cuja utilização decorrerá de mero lapso. )] será de impossível reparação ou reconstituição.

J) Recorrendo a Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, Áreas Editora. 5.ª Edição. 2006, pág. 1095, “No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa” como é o caso dos presentes autos.

K) Face a tudo quanto supra se expande, parece à Recorrente de que a Meritíssima Juiz [do Tribunal] “a quo” violou o disposto no n.º 3 do art. 278.º do C.P.P.T.

Termos em que revogando a Douta Sentença ora recorrida e substituindo-a por Douto Acórdão que ordene que a presente lide prossiga com os seus demais termos dado estarem preenchidos pressuposto previstos no artigo 278.º n.º 3 do CPPT estarão V. Exas. a fazer a tão habitual e costumada Justiça».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, «sendo de admitir a reclamação com subida imediata, por a situação em causa, embora não expressamente prevista no n.º 3 do art. 278.º do C.P.P.T., se enquadrar em “prejuízo irreparável”», com a seguinte fundamentação:

«Está em causa decidir se a reclamação apresentada é de admitir com subida imediata, por ser de considerar existir “prejuízo irreparável”, nos termos do art. 278.º n.º 3 do C.P.P.T.

Tal foi recusado na sentença recorrida com fundamento na falta de alegação de factos demonstrativos da situação de irreversibilidade e de demonstração do impacto que tal teria na sua recuperação.

Ao contrário, a reclamante ora recorrente defende que, encontrando-se ao abrigo de um processo especial de revitalização (P.E.R.) com um plano de recuperação já aprovado e a aguardar a qualquer momento) pela homologação, a ter de pagar um crédito de € 33.000, tal tem como consequência o total desequilíbrio de tesouraria e a impossibilidade de implementar o seu plano de recuperação.

Esta situação confirma-se da informação de fls. 118 do processo apenso, dada por reproduzida na sentença recorrida.

Ora, para além dos casos elencados no n.º 3 do art. 278.º do C.P.P.T. em que a referida situação de “prejuízo irreparável” se verifica, outros casos são de considerar num critério mais aberto, a adoptar de acordo com o princípio da tutela judicial efectiva, como sejam aqueles em que se provocados prejuízos, não inerentes a qualquer execução.

Ora, afigura-se que a referida situação de se encontrar em P.E.R. com plano aprovado, a aguardar a homologação, aí é de enquadrar, tanto mais que no caso a penhora incide sobre crédito e tal implica normalmente que tenha efectuado depósito imediato do respectivo valor, com a consequente privação do respectivo valor que no caso é de considerar ser elevado».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 03.03.2010 foi instaurado contra a sociedade B………., LDA. o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3166-2010/01017616, a que foram apensados outros PEF, sendo este identificado como processo principal – cfr. informação de fls. 6/7 e fls. 1 e seguintes do PEF apenso.

B) Em 12.10.2012 foi instaurado também contra a sociedade B........., LDA. o PEF n.º 3166-2012/011982896 – cfr. informação de fls. 6/7 e fls. 112 e seguintes do PEF apenso.

C) Em 08.11.2010 a ora Reclamante, em resposta de “Penhora de Crédito” reconheceu, via internet, um crédito da sociedade B………., LDA., no valor de € 33.676,14, conforme extracto de conta de fornecedores – cfr. fls. 7/8, 36, 73 e 76 do PEF apenso e por acordo.

D) Em 12.11.2010 no âmbito do PEF n.º 3166-2010/01104527, apenso do PEF identificado em A), foi efectuada a penhora do crédito que antecede – cfr. fls. 9, 73 e 76 do PEF apenso.

E) Em 25.05.2012 a ora Reclamante foi notificada da penhora que antecede e para proceder ao depósito do valor em causa no prazo de 30 dias – cfr. fls. 10 a 12 do PFF apenso.

F) Em 17.12.2012 a ora Reclamante foi novamente notificada para proceder ao depósito do valor em causa no prazo de 10 dias “sob pena de não o fazendo, ser executado no próprio processo de execução fiscal pelo valor respectivo, sem prejuízo do procedimento criminal, artigo 233.º al. a) do CPPT” – cfr. fls. 36 a 38 do PEF apenso.

G) Em 19.12.2012 a sociedade aqui Reclamante comunicou ao órgão de execução fiscal, além do mais, que apesar da sociedade “A…….., Lda.” ter reconhecido o crédito na data mencionada, em 2010/11/08, o mesmo não [poderia] ser objecto de pagamento, por não reclamado no âmbito do PER – cfr. fls. 39 a 41 do PEF apenso.

H) No âmbito do PER n.º 5405/16.2T8VNF, que corre termos no tribunal da Comarca de Braga – Vila Nova de Famalicão – J2, foi aprovado em 16.01.2016 o respectivo plano de revitalização, que se encontra a aguardar sentença homologatória, onde se encontra reconhecido o crédito da Executada identificado em C) – cfr. doc. 3 junto com a reclamação.

I) O crédito identificado em C) integra a lista provisória de créditos apresentada no processo que antecede e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cfr. doc. 4 junto com a reclamação.

J) Em Junho de 2017 a ora Reclamante foi constituída executada, na qualidade de responsável solidário, pelo valor identificado em C) – cfr. doc. 1 junto com a reclamação fls. 116 e 117 do PEF apenso.

K) Em 02.08.2017 a ora Reclamante, dirigiu ao Serviço de Finanças requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca, com maior relevo para o caso, o seguinte:

[…]

- Em 31.07.2017 teve a A……. conhecimento de que penderiam contra si, na qualidade de contribuinte solidário, processos de execução fiscal movidos contra a sociedade B………. (Documento anexo: “Listagem Processos Contribuinte B Solidários”);

- Consultados os arquivos da A…….., conclui-se que o SF de Sintra 4 notificou, com recepção em 23 de Maio de 2013, a A……… para se declarar sobre a Notificação de penhora de créditos […]; tendo a A........ respondido, dentro do prazo, que tais créditos estariam compreendidos nos Créditos comuns reconhecidos da sociedade B………. no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 3695/12.9TBRG, […] desconhecendo-se, assim, e nos termos da lei, a obrigação de pagamento de tais créditos à Autoridade Tributário […];

- Conclui-se, também, que a Autoridade Tributária não efectuou mais diligências sobre a questão, tendo a A………. concluído de forma legítima que a resposta fora compreendida e internalizada pela AT;

[...]

Neste contexto, vem a A……… , SA que, nos termos do CIRE, seja cancelada a condição imposta de Contribuinte B/Solidário com a maior brevidade possível, pois tal constitui grave constrangimento à sua revitalização, potencial causador de irreparáveis danos e sem acolhimento nos termos da lei.

[…]” – cfr. fls. 115/116 do PEF apenso.

L) Em 07.08.2017 a ora Reclamante, representada pelo respectivo Administrador Judicial dirigiu ao Serviço de Finanças requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde termina pedindo que sejam suspensos todos os processos executivos existentes, nos termos do art. 17.º-E do CIRE, até ser homologado o plano de recuperação, após o que serão efectuados os pagamentos – cfr. fls. 118/119 do PEF apenso.

M) Acto reclamado: Por despacho de 11.08.2017, exarado sobre a informação de serviço da mesma data, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 4 decidiu sobre o requerimento apresentado pelo Administrador Judicial da ora Reclamante, a que faz referência a alínea que antecede, nos seguintes termos:

[…] indefiro a petição porquanto, “in casu”, o momento determinante na presente execução, ocorre em 29.10.2010, com o despacho do órgão de execução fiscal, com o reconhecimento do crédito do crédito em 08/11/2010 e términos da entrega de valores em 08/12/2 010, sendo que às datas referidas, não se verificava a existência de qualquer pedido de “P.E.R.” pela entidade ora executada, sendo de realçar que a dívida em questão não é uma dívida própria mas sim de Terceiros.

- Assim, não se verificando qualquer facto suspensivo legalmente admitido nos autos de execução fiscal e não podendo a A.T. conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, deverão os autos prosseguir os seus termos, tendo em vista a boa cobrança dos créditos tributários. [...]” – cfr. doc. 1 junto com a reclamação.

N) A decisão que antecede foi notificada à Reclamante em 22.08.2017 – cfr. doc. 1 junto com a reclamação.

O) A Reclamação deu entrada no órgão de execução fiscal em 01.09.2017 – cfr. fls. 8 dos autos».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Instaurada que foi uma execução fiscal contra a sociedade denominada “B……….”, à qual foram apensadas outras execuções fiscais instauradas contra a mesma sociedade, o órgão da execução fiscal, em ordem à penhora de um crédito da sociedade Executada sobre a ora Recorrente, ordenou a notificação desta ao abrigo do disposto no art. 224.º do CPPT, o que aconteceu em 2010.

A sociedade devedora (ora Recorrente) reconheceu esse crédito em 8 de Novembro de 2010. Já em 2012, quando foi notificada, de novo, para proceder ao pagamento do crédito, veio alegar junto do órgão da execução fiscal que, apesar de o ter reconhecido, não podia proceder ao depósito do crédito, por o mesmo não ter sido reclamado no âmbito do processo especial de revitalização (PER), previsto nos arts. 17.º-A a 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que foi instaurado relativamente a ela. Referia-se, então, a ora Recorrente ao PER que correu termos pelo Tribunal Judicial de Braga sob o n.º 3695/12.9TBRG.

Não há notícia de qualquer diligência ulterior do órgão da execução fiscal em ordem à execução do crédito penhorado até que, em Junho de 2017, entendeu, ao abrigo do disposto na parte final da alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, executar a sociedade ora Recorrente, no processo de execução fiscal, pela importância correspondente ao crédito.

Tendo tomado conhecimento de que tinha passado à condição de executada pelo valor do crédito penhorado, veio a ora Recorrente apresentar dois requerimentos ao órgão da execução fiscal em Agosto de 2017, o primeiro no dia 2 e o segundo no dia 7.

Em ambos se insurge contra o facto de estar a ser executada de imediato pelo valor correspondente ao crédito penhorado. Dá conta ao órgão da execução fiscal de que, entretanto, foi instaurado novo PER relativamente a ela sociedade ora Recorrente – com o n.º 5405/16.2T8VNF –, no âmbito do qual foi reconhecido o crédito penhorado e foi aprovado um plano de recuperação, que aguarda sentença de homologação. Sustenta que o crédito penhorado só deverá ser pago nos termos do PER, pelo que a execução deverá aguardar a homologação do plano de recuperação já aprovado, sendo nessa medida, e exclusivamente nessa, que deve interpretar-se o pedido de que seja suspenso o processo de execução fiscal (Na verdade, não faria sentido que a ora Recorrente pretendesse a suspensão da execução fiscal no que respeita às dívidas tributárias da sociedade executada. O que pretende é, tão-só, não ser executado de imediato (i.e., até que esteja homologado judicialmente o plano que visa a sua recuperação no âmbito do PER) pela quantia correspondente ao crédito penhorado, sendo exclusivamente nessa medida, enquanto devedor do crédito penhorado e pelo montante deste, que é executado no presente processo de execução fiscal.). Sustenta a ora Recorrente, em síntese, que o referido crédito, de que é devedora à sociedade executada, foi incluído no plano de recuperação já aprovado no âmbito do PER e, por isso, que lhe não deve ser exigido senão após a homologação daquele acordo (e nos termos do mesmo, pressupomos nós), que se prevê para breve; a não ser assim, poderá ficar comprometida a sua recuperação, uma vez que o imediato pagamento voluntário do crédito ou, na falta do pagamento, a penhora que lhe seja efectuada em ordem a esse pagamento coercivo inviabilizará ou, pelo menos, comprometerá a sua revitalização, bem como poderá obstar à homologação do plano de recuperação.

O órgão da execução fiscal, por decisão proferida em 11 de Agosto de 2017, indeferiu a pretensão da ora Recorrente. Nessa decisão, considerou o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra - 4 que às datas em que foi ordenada a penhora, em que foi reconhecido o crédito pela sociedade devedora (ora Recorrente) e em que ocorreu o termo do prazo para o pagamento do mesmo (respectivamente, em 29 de Outubro de 2010, em 8 de Outubro de 2010 e em 8 de Novembro de 2010), «não se verificava a existência de “P.E.R.” pela entidade ora executada, sendo de realçar que a dívida em questão não é uma dívida própria mas sim de Terceiros» e que «[a]ssim, não se verificando qualquer facto suspensivo legalmente admitido nos autos de execução fiscal e não podendo a A.T. conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, deverão os autos prosseguir os seus termos, tendo em vista a boa cobrança dos créditos tributários».

Foi dessa decisão que a ora Recorrente reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Sustentou, em síntese e na interpretação que a sentença fez da reclamação, que a execução fiscal deverá ser suspensa ao abrigo do disposto no art. 17.º-E do CIRE.

Porque a Reclamante requereu a subida imediata da reclamação a juízo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3, alínea a), e 4 do art. 278.º do CPPT, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, depois de salientar que, contrariamente ao sustentado pelo Representante da Fazenda Pública na contestação, «não há dúvida de que [a Reclamante] enunciou, ainda que de modo muito sumário a situação que, na sua opinião, consubstancia um dano irreparável: o eventual comprometimento do cumprimento do PER, por via da falta de suspensão dos processos em que figura como devedora solidária», passou a averiguar «se a alegação da reclamante é bastante para, de acordo com as regras do ónus da prova, demonstrar a existência de prejuízo irreparável na retenção da reclamação com vista à subida a final».

De seguida, enunciando as regras respeitantes ao momento da subida a juízo das reclamações da decisões e outros actos lesivos praticados pelo órgão da execução fiscal ou por outras autoridades da Administração tributária (AT) e o respectivo entendimento jurisprudencial, concluiu que a alegação aduzida pela Reclamante em ordem ao preenchimento do pressuposto que autorizaria a subida imediata da reclamação, para além de muito sumária – pois se limita a enunciar que «“a prossecução e manutenção da presente situação […] traz à reclamante um prejuízo irreparável pois poderá estar em causa a sua própria recuperação financeira que ocorre através do seu plano de revitalização já aprovado”» e que a prossecução da execução fiscal contra ela «colocará certamente em causa a possibilidade de o implementar» –, «é de qualificar como conclusiva».

Prosseguiu, afirmando que para a subida imediata da reclamação a juízo não basta a invocação de prejuízo ou dano grave ou irreversível, antes se impondo também a alegação de factualidade susceptível de integrar esse dano ou prejuízo decorrente do diferimento da decisão da reclamação. E concluiu:

«In casu, a reclamante não concretiza, do ponto de vista factual, a hipotética lesão irreversível dos direitos e interesses que visa acautelar com a subida imediata da reclamação. Ou seja, não fornece ao tribunal factos que, analisados por referência a uma subida diferida da reclamação, permitam concluir, através de um juízo de prognose e atento o princípio da causalidade adequada, que a retenção da reclamação a torna absolutamente inútil para os direitos e interesses que a reclamante pretende assegurar na execução e que os danos daí decorrentes serão insupríveis.

Estando em causa a pendência de execução fiscal na qual foi efectuada a penhora de um crédito da execução no valor de € 33.676,14, cuja devedora é a ora Reclamante, e relativamente ao qual figura no PEF como responsável solidária por falta de atempado depósito do valor em apreço, e pretendendo a suspensão da execução, que lhe foi indeferida, impunha-se que demonstrasse de que modo a dita recusa de suspensão constitui entrave à execução do PER, sendo certo que da listagem de créditos reconhecidos constam vários créditos de milhares e até milhões de euros, questionando-se, no mínimo, que impacto teria no PER (destrutivo do respectivo sucesso) a substituição tributária tendente à satisfação do crédito da sociedade B………. por parte de AT, na hipótese de prossecução da execução fiscal.

Assim, não tendo a Reclamante alegado factos demonstrativos da situação de irreversibilidade do status quo ante decorrente da dilação da decisão sobre a suspensão do PEF na execução do PER, impõe-se concluir que não se verificam os requisitos necessários para a subida imediata da reclamação, não sendo este o momento para se conhecer do mérito da presente reclamação, devendo os autos de execução prosseguir, subindo a reclamação, se necessário, a final».

É desta decisão judicial que a Reclamante recorre para este Supremo Tribunal. Discorda que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra tenha relegado para final a apreciação da reclamação judicial, pois entende que daí lhe advirá prejuízo irreparável, qual seja o de pôr em causa a revitalização visada com o PER, cujo plano de recuperação foi já aprovado e está a aguardar homologação judicial. Sustenta que, a lhe ser exigido o pagamento imediato e integral do crédito penhorado ou a ser concretizada penhora em ordem ao pagamento coercivo do mesmo crédito, toda a sua recuperação poderia ser posta em causa, com consequências irreversíveis.

Por isso, sustenta estar verificado o pressuposto para a “subida imediata” da reclamação, ao abrigo do disposto no art. 278.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT.

Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é, exclusivamente, a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra fez, ou não, correcto julgamento quando diferiu a apreciação da reclamação para final.

2.2.2 DA NATUREZA DA EXECUÇÃO PARA COBRANÇA DO CRÉDITO DO EXECUTADO SOBRE O DEVEDOR E DAS REGRAS DA SUBIDA DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL QUE RESPEITA EXCLUSIVAMENTE A ESSA EXECUÇÃO

Na apreciação da questão, não podemos perder de vista que, embora estejamos no âmbito da execução fiscal, a execução que a Recorrente pretende suspender não é a execução fiscal propriamente dita – em que estão a ser cobradas dívidas tributárias da Executada –, mas antes a execução que, dentro daquele processo, foi instaurada contra ela Reclamante por não ter efectuado o depósito do crédito de que é devedora à Executada, execução à qual serve de título executivo a certidão de notificação da penhora do crédito (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 4 a) ao art. 224.º, pág. 617.). Esta execução não visa a cobrança coerciva de qualquer crédito tributário, mas a cobrança de um crédito (de natureza privada) do executado sobre o devedor do mesmo.
Na verdade, o facto de o devedor do crédito penhorado não ter efectuado o depósito no prazo legalmente assinalado e, por isso, passar a ser executado no processo de execução fiscal, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, não o transforma em devedor da dívida tributária, pois a execução, no que a ele respeita, reporta-se exclusivamente ao crédito que sobre ele tem o executado e não ao crédito tributário (Neste sentido, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 585/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/21deba460a13148e80257fd5003b22c1.). Tanto basta, a nosso ver, para que se questione a aplicação da regra geral da subida diferida da reclamação, que a lei prevê com fundamento na celeridade que os fins de interesse público próprios da execução fiscal demandam (Em regra, a execução fiscal visa a cobrança coerciva dos créditos tributárias, sendo que as receitas provenientes dos tributos constituem a principal fonte de financiamento do Estado, motivo por que a lei impõe uma tramitação célere ao processo.) e a fim de obviar aos inconvenientes suscitados pelo efeito suspensivo da reclamação sobre a execução fiscal (Apesar de actualmente – mais precisamente, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal não ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, mas por apenso, e também apesar das alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária» –, entendemos que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo (que, antes das referidas alterações decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, como tem vindo a afirmar a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos seguintes acórdãos:
- de 17 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 909/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/85cb91cfce58359680257d6b002c8090;
- de 5 de Agosto de 2015, proferido no processo n.º 990/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b7a28fe921ffff0a80257ead004bda1e;
- de 14 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 1112/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/198fba666a31008a80257eea00572022;
- de 15 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 585/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/21deba460a13148e80257fd5003b22c1.).

Na verdade, a razão de ser da regra geral da subida diferida da reclamação das decisões e actos lesivos praticados pela AT em sede de execução fiscal não se verifica, porque se não verifica o efeito suspensivo da cobrança da dívida tributária, quando, como na situação sub judice, em causa está, não a execução da dívida tributária em cobrança no processo de execução fiscal, mas exclusivamente a execução do devedor de um crédito do executado.

Dito de outro modo, a subida imediata da reclamação judicial deduzida pelo devedor do crédito penhorado e que respeita exclusivamente a este crédito não tem efeito suspensivo da execução fiscal para cobrança do crédito tributário e, não o tendo, não se verificam relativamente a essa reclamação as razões que determinaram o legislador a impor como regra geral a subida diferida da reclamação em sede de execução fiscal.

Ao invés, porque a regra geral é a do conhecimento imediato pelo tribunal das pretensões que lhe são formuladas – e não a de relegar a sua apreciação para momento ulterior, o que só poderá fazer quando houver motivo legalmente atendível –, afigura-se-nos que não podia a Juíza do Tribunal a quo relegar para final o conhecimento da reclamação.

Acresce que, como melhor veremos adiante, quando apreciarmos a questão sob a óptica das regras dos arts. 276.º e segs. do CPPT, o não conhecimento imediato da reclamação implicaria a perda da sua utilidade, uma vez que, a final, estaria já consumado o efeito a que a Reclamante pretende obviar, ou seja, estaria já efectuada a penhora em ordem à cobrança coerciva da quantia correspondente ao crédito penhorado e de que a ora Recorrente é devedora.

Seja como for, ainda que se aprecie a questão sob a perspectiva das regras da subida a juíza da reclamação judicial na execução fiscal, a solução não será diversa.

2.2.3 APRECIAÇÃO DA QUESTÃO À LUZ DAS REGRAS DA SUBIDA A JUÍZO DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA NA EXECUÇÃO FISCAL

2.2.3.1 Como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, o regime de subida da reclamação judicial tem como regra geral a subida diferida a tribunal.
Na verdade, os actos da AT praticados em sede de execução fiscal e susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos são passíveis de sindicância judicial pelo interessado através da reclamação prevista no art. 276.º e segs. do CPPT, sendo que, em regra, o conhecimento da reclamação se fará apenas após a venda ou após a penhora, quando esta não dê lugar à venda (art. 278.º, n.º 1). O conhecimento imediato da reclamação tem carácter excepcional e está reservado aos casos em que do diferimento da decisão resultariam prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, que, no entendimento da jurisprudência (Vide,entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 444/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d8062c874a6f0713802578a20036ed87;
- de 11 de Julho de 2012, proferido no processo n.º 730/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/458cae6450c74e5e80257a4500378b5b;
- de 31 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 818/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3b1b4476be9ffd0280257ab50051450b;
- de 18 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 1374/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/90724f73f21ccb3e802580ae004c232e.), serão, não apenas os previstos nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 278.º, mas todos aqueles em que do diferimento do conhecimento da reclamação resultaria a consumação dos efeitos do acto reclamado a que o interessado pretende obstar, interpretação que se impõe sob pena de restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do acesso aos tribunais, consagrados nos arts. 20.º e 286.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Como lapidarmente ficou dito pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, «[a]pesar do carácter taxativo que a redacção do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, deverá ainda admitir-se, sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo, constitucionalmente garantido (cf. art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República), a remessa e conhecimento imediato da reclamação sempre que, sem eles, o interessado sofra prejuízo irreparável ou sempre que, sem ela, a reclamação perca toda a utilidade» (Acórdão de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 459/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0bfeefdf33a80e3e802578cc004716e5.).

Interessa-nos agora considerar as situações em que a subida imediata das reclamações é imposta, não por força do preenchimento da previsão de alguma das alíneas do n.º 3 do art. 278.º do CPPT, mas porque o diferimento da subida retira efeito útil à reclamação.

2.2.3.2 No caso sub judice, se a reclamação apenas subisse a final, como sustenta a decisão recorrida, a mesma perderia o seu efeito útil. Na verdade, nesse momento, porque estaria já consumada a penhora em ordem à cobrança do crédito da Executada sobre a ora Recorrente, a decisão da reclamação já não teria qualquer utilidade, uma vez que estaria já consumado o efeito a que a ora Recorrente pretende obviar, qual seja a penhora (e consequente indisponibilidade) dos seus meios financeiros, em montante igual ao daquele crédito.

Esta perda de utilidade é evidente e manifesta, o que sempre dispensaria a sua invocação ou articulação pelo interessado: a mesma resulta da não suspensão da execução no que se refere ao crédito da Executada sobre a ora Recorrente. A relegar-se o conhecimento da reclamação para final estariam já consumadas as diligências executivas, designadamente a penhora, a que a Reclamante e ora Recorrente pretende obviar.

O que significa que, mesmo a admitir-se que a reclamação judicial está sujeita às regras legais de subida das reclamações em sede de execução fiscal, sempre se imporia a subida imediata da reclamação sob pena de perda do seu efeito útil.

Finalmente, ainda sob a óptica do prejuízo irreversível que adviria para a ora Recorrente do não conhecimento imediato da reclamação se justificaria a subida imediata: estando aprovado um plano recuperação da sociedade ora Recorrente, o qual aguarda decisão homologatória, quaisquer pagamentos à margem desse plano poderão fazer perigar a homologação (cfr. art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, que dispõe que o despacho por que o juiz recebe o requerimento de revitalização e nomeia o administrador judicial provisório, «obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação»).

Assim, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a bem estruturada e fundamentada decisão recorrida, pois se impõe que a reclamação seja conhecida de imediato.

2.2.4 CONCLUSÕES

Por tudo quanto ficou dito, o recurso merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Os actos do órgão da execução fiscal susceptíveis de lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos são passíveis de sindicância judicial através da reclamação prevista no art. 276.º e segs. do CPPT, sendo que, em regra, o conhecimento da reclamação se fará apenas após a venda ou após a penhora, quando esta não dê lugar à venda (art. 278.º, n.º 1).

II - O conhecimento imediato da reclamação tem carácter excepcional e está reservado aos casos em que do diferimento da decisão resultariam prejuízos irreversíveis aos direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, que serão, não apenas os previstos nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 278.º, mas todos aqueles em que do diferimento do conhecimento da reclamação resultaria a consumação dos efeitos do acto reclamado a que o interessado pretende obstar, interpretação que se impõe sob pena de restrição inadmissível aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do acesso aos tribunais (cfr. arts. 20.º e 286.º, n.º 4, da CRP).

III - A execução prevista na parte final da alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, a efectuar no próprio processo de execução fiscal contra o devedor do crédito penhorado que não proceda ao seu depósito, não visa a cobrança de um crédito tributário, mas a cobrança do crédito (de natureza privada) do executado sobre o devedor, pelo que não se justifica que às reclamações que se lhe refiram exclusivamente seja aplicado o regime de subida do art. 276.º e segs.

IV - Se a reclamação é deduzida pelo devedor do crédito penhorado contra a decisão do órgão da execução fiscal que lhe recusou suspender a execução para cobrança de quantia correspondente ao crédito penhorado e não depositada até que esteja homologado judicialmente o plano de recuperação já aprovado no âmbito de um PER e no qual o crédito penhorado consta da lista de créditos, justifica-se o conhecimento imediato da reclamação, sob pena de perda de utilidade da mesma.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser apreciada a reclamação, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida.


*

Lisboa, 10 de Janeiro de 2018. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.