Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:075/20.6BALSB
Data do Acordão:12/09/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IRS
MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cf. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
II - Não pode considerar-se que existe jurisprudência recentemente consolidada se o Pleno ainda não se pronunciou sobre a questão e se, apesar de ao longo dos últimos doze anos, encontrarmos cinco acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, todos no mesmo sentido e unânimes, só dois foram proferidos nos últimos 5 anos e só um dos Conselheiros que os assinou se mantém na actual composição da Secção, constituída por 12 conselheiros.
III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.
IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.
Nº Convencional:JSTA000P26892
Nº do Documento:SAP20201209075/20
Data de Entrada:07/08/2020
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........................
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa

1. RELATÓRIO

1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 9 de Junho de 2020 no processo n.º 846/2019-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=4808.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 22 de Abril de 2019, no processo n.º 539/2018-T (Disponível em
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&id=3997.), transitada em julgado.

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A- O Acórdão arbitral recorrido (846/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de IRS n.º 20195005711608, no valor de € 326 074,00, e, de liquidação de juros compensatórios n.º 2019 00000245577, no valor de € 584,64, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária; b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios até à data do processamento da respectiva nota de crédito”.

B- E sustenta o referido acórdão arbitral que:
5. Como se depreende do alegado nos artigos 23.º a 25.º do pedido arbitral, a título de questão prévia, a Requerente não pretende discutir a desconsideração, para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, dos encargos incorridos com a realização de obras, no montante de € 157.465,49, mas unicamente a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.
A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.ºs 7 e 8 (actuais 13 e 14) ao artigo 72.º do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos, fora do território português, concluindo assim que a legislação nacional se mostra agora conforme com o direito europeu.
É, pois, esta a única questão que está em debate.
(…)
Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e, acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T que aqui se transcreveu, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas às liquidações impugnadas (…)”.

C- Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto:
a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efectuadas por residentes, previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19 - O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado “in toto”, como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20 - Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso”.

D- Concluindo o Acórdão fundamento que:
20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de € 47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)

E- Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.

F- Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

G- As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.

H- Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o [que] se verificou.

I- Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.

J- As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adoptaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

K- Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. A decisão recorrida julgou o pedido arbitral apresentado totalmente procedente por entender que a liquidação de IRS contestada é ilegal por não ter aplicado o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, tributado a mais-valia em 100% do seu valor e não em somente 50%.

B. Entendeu o CAAD que o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, ao não ser aplicável aos não residentes, constitui uma discriminação negativa dos não residentes face aos residentes em Portugal, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, como tal, contrária ao Direito da União Europeia, em especial das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE.

C. Não obstante, veio a Fazenda Pública interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o STA tendo identificado como acórdão fundamento o proferido no processo n.º 539/2018-T do CAAD, o qual concluiu, em situação semelhante à do presente caso, que inexiste uma discriminação negativa restritiva da liberdade de circulação de capitais.

D. O artigo 152.º, n.º 3 do CPTA estabelece que “o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”, pelo que, se a decisão recorrida estiver em sintonia com a jurisprudência do STA, o recurso não deve ser admitido.

E. A jurisprudência do STA está perfeitamente consolidada no sentido de que a não aplicação do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS às mais-valias obtidas por não residentes configura uma violação do disposto nos artigos n.º 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE, tendo o STA decidido neste sentido nos processos n.º 0439/06, 01031/10, 01172/14 e 0692/17.

F. Na sequência de diversos acórdãos no mesmo sentido, o STA, em decisão de 2019 (proferida no processo n.º 0692/17), expressamente sublinhou que tem vindo repetidamente a decidir que o artigo 43.º, n.º 2, ao ser aplicável somente aos residentes, é incompatível com as normas da União Europeia e, consequentemente, as liquidações que não apliquem esta norma aos não residentes devem ser anuladas por ilegais.

G. A decisão recorrida está completamente de acordo com a jurisprudência do STA, a qual expressamente referiu que o entendimento constante deste Tribunal é que o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 [atual 63.º] do Tratado CE consagra,

H. Pelo que, constituindo requisito de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência o facto de a decisão recorrida não estar em sintonia com a jurisprudência recente e consolidada do STA, verifica-se no caso que tal condição não se encontra verificada já que a decisão recorrida está completamente de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Razão pela qual o presente recurso não deve ser admitido e, caso assim não se entenda, o mesmo deverá ser considerado improcedente.

I. De acordo com Acórdão Fundamento, “ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao requerente. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado “in toto”, como proceder, e bem, a Recorrida, no entender do Tribunal”.

J. O acórdão fundamento vai ao encontro do que tem sido o entendimento [ilegal] da AT no sentido de que a norma prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, aplicável aos residentes, não é incompatível com o direito da União Europeia na medida em que os não residentes podem optar pela tributação de acordo com as normas aplicáveis aos residentes.

K. Mais se refira, apenas a título adicional, que o acórdão fundamento nem sequer parece ter tido em consideração as decisões mais recentes do TJUE nesta matéria (nomeadamente o acórdão Gielen, do qual resulta claro que a alteração legislativa invocada pela AT nesta sede não é passível de dirimir a discriminação da legislação portuguesa face às normas do Direito Europeu), único motivo pelo qual, na verdade, se poderia entender o erro de julgamento de tal decisão, em sentido dissonante com a jurisprudência assente quer do CAAD, quer do presente STA relativamente a esta questão.

L. De facto, a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal (e do CAAD) é a de que a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes, mesmo que estes não tenham optado pelas regras aplicáveis aos residentes, quando a referida norma é aplicável a residentes em território Português, relativamente ao mesmo rendimento, integrado na mesma categoria, também obtido em território Português, constitui uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE (conjugado com os artigos 18.º, 64.º e 65.º do mesmo Tratado).

M. No que respeita ao fundamento invocado pela AT a este respeito (conforme o acórdão fundamento), de que as alterações legislativas verificadas em 2007 (que introduziram a possibilidade de os residentes na UE e na EEE optarem pela aplicação das taxas gerais e progressivas de IRS à tributação de mais-valias) terão sanado a invocada desconformidade com o direito da União Europeia, refira-se que: (i) Resulta claro e admitido pela mais relevante jurisprudência que a alteração verificada em 2007 não é passível de sanar a referida desconformidade; e (ii) Em qualquer caso, tal alteração não é aplicável ao caso sub judice, na medida em que a mesma se encontra legalmente prevista apenas em relação a residentes na UE e no EEE, sendo a Recorrida residente num Estado Terceiro (o Brasil).

N. Mesmo que a opção fosse aplicável ao presente caso, a jurisprudência maioritária já decidiu que a opção, por parte dos não residentes, pela tributação de acordo com as regras dos residentes, não sana a discriminação vertida no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, conforme decidido, entre outros, nos processos do CAAD n.º 613/2018-T, 74/2019-T e n.º 562/2018-T.

O. Face às diversas decisões citadas, é por demais notório que a jurisprudência dos tribunais Portugueses não está alinhada com o entendimento da AT, a qual se muniu da única decisão em sentido contrário para interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência.

P. Pelo que deverá necessariamente concluir-se que a decisão recorrida não incorreu em nenhum erro de julgamento e, não merecendo reparo, deverá ser mantida na ordem jurídica.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência não ser admitido e, caso assim não se entenda, ser julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA ».

1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no qual, depois de enunciar o que foi decidido por cada uma das decisões arbitrais em confronto e de se referir ao regime do recurso, designadamente quanto aos seus requisitos, sustentou que o recurso não deve ser admitido, por, apesar de ocorrer a invocada oposição, não se encontrar verificada a condição prevista no n.º 3 do art. 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), com a seguinte fundamentação: «[…]
Em face das considerações atrás referidas e do confronto das decisões em causa afigura-se-nos, salvo melhor juízo, que no caso em apreço, as decisões arbitrais são opostas.
Todavia, o recurso não pode ser admitido se a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, conforme resulta do artigo 152.º n.º 3 do CPTA.
A este propósito, escreveu-se no douto Acórdão do STA de 17-09-2015:
… Não há dúvida que quando está em causa jurisprudência fixada pelo Pleno ou em formação alargada se deve entender que estamos perante jurisprudência consolidada para efeitos do preceito supra referido.
Como se refere, por exemplo, neste último Acórdão do STA supra citado, 0240/14 de 10/15/2014 “a existência de uma decisão do STA proferida em formação alargada deve considerar-se jurisprudência consolidada para efeitos do disposto no art. 152.º, 3 do CPTA. A razão de ser da existência de julgamentos em formação alargada – 148.º, 1 do CPTA – é precisamente a de assegurar a uniformização da jurisprudência”.
Mas, nem por isso, deve entender-se que se impõe quer a existência de decisão em formação alargada quer a existência de decisão pelo Pleno para que estejamos perante jurisprudência consolidada.
Basta, na verdade, que existam vários acórdãos, todos no mesmo sentido, sem qualquer acórdão em sentido contrário, em períodos recentes, para que se possa dizer que a jurisprudência é consolidada quanto a uma determinada questão.
Pelo que, sempre que esteja em causa no acórdão sindicado entendimento no sentido de tal jurisprudência, não existe qualquer utilidade na admissão do recurso para uniformização de jurisprudência…
Ora, o que se verifica, no caso em apreço, salvo melhor juízo, é que a orientação perfilhada pela decisão recorrida está em conformidade com o que tem sido decidido de forma uniforme e reiterada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Com efeito, a questão fundamental de direito que está em causa reporta-se ao regime de tributação autónoma incidente sobre as mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em território português mas residentes em território de outro Estado da União Europeia ou em país terceiro, decorrente do disposto nos artigos, 10.º e 43.º, n.º 2 do CIRS, mais concretamente, se o valor apurado a título de mais valia deve ser considerado em apenas 50% do seu valor de acordo com o disposto n artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, aplicável apenas a residentes e, por isso, violador do artigo 63.º do TJUE (antigo art. 56.º do TUE), por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais.
Ora, esta questão de direito, vem sendo decidida de forma uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo), conforme decorre dos doutos Acórdãos proferidos no Processo n.º 0439/06, de 16/01/2008, no Processo n.º 01031/10, de 22/03/2011, no Processo n.º 01374/12, de 30/04/2013, no Processo n.º 01172/14, de 03/02/2016 e no douto Ac. proferido em 20-02-2019 no processo 0901/11.0BEALM.
Pelo exposto, emito parecer no sentido de não dever ser admitido o recurso uma vez que se encontra verificado o condicionalismo previsto no n.º 3 do artigo 152.º, CPTA».

1.5 Notificados do teor do parecer do Ministério Público, a Recorrente e a Recorrida nada disseram.

1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que verificar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: primeiro, os requisitos processuais e, depois, os requisitos substanciais.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida (cf. art. 152.º, n.ºs 1 a 3, do CPTA).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) A Requerente é cidadã brasileira com residência, em 2018, no estrangeiro;

B) Em 2 de Julho de 2015, adquiriu um imóvel em Portugal pelo preço de € 1 600 000,00, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a habitação, sita na Rua de ………, n.º ……, freguesia da ……, em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 615 da mesma freguesia e inscrita na matriz predial urbana da freguesia da …… sob o n.º 3004;

C) Em 20 de Julho de 2018, a Requerente alienou o imóvel, pelo preço de € 3 000 000,00 (doc. n.º 5 junto ao pedido arbitral)

D) Para aquisição e alienação do imóvel, a Requerente incorreu em despesas e encargos com o IMT, no valor de € 12 800,00, prestação de serviços na comercialização do imóvel, no valor de € 190 650,00, e obras com a valorização do imóvel, no valor de € 157 465,49, que totalizaram € 360 915,49;

E) Em 28 de Junho de 2019, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 3 de IRS, como não residente, na qual declarou como rendimento obtido em território português a alienação do imóvel, de acordo com os seguintes elementos: valor de realização: € 3 000 000,00 (ano 2018); valor de aquisição: € 1 600 000,00 (ano 2015); despesas e encargos: € 360 915,49;

F) Em 26 de Julho de 2019, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2019 5005711608, relativa ao ano de 2018, com base na declaração Modelo 3 apresentada, no valor de € 281 983,66;

G) Na sequência de um pedido de esclarecimentos, a Autoridade Tributária desconsiderou, para efeitos de apuramento da mais-valia realizada com a alienação do imóvel, o valor das obras de valorização, no montante de € 157 465,49, tendo procedido à emissão de uma nova liquidação de IRS, relativa ao ano de 2018, no valor de € 326 074,00 de acordo com os seguintes dados: [valor de realização – valor de aquisição x coeficiente de desvalorização monetária)) – despesas e encargos admitidos pela AT] = (€ 3 000 000,00 – (€ 1 632 000,00) - € 203 450,00] = € 1 164 550,00.

H) Para efeito de apuramento de IRS, sobre o valor da mais-valia incidiu a taxa autónoma de 28%, fixando-se o montante a pagar em € 326 074,00».

2.1.2 A decisão fundamento deu como provados os seguintes factos:

«1- O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;

2- O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).

3- Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

4- E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

5- Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fracção autónoma designada pela letra C, a que corresponde o 1.º andar D.to, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua da ………, n.º …… Letras ……, freguesia de ………, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de ……… sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de € 255,000,00 (Doc. 3).
A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fracção autónoma designada pela letra F, a que corresponde o 2.º andar Esq.º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, n.º ……, em ………, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 539 (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de € 155,000,00 (Doc. 5).
A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de € 21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de € 19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de € 4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas fracções autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.

6- A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de € 46.551,36 (Doc. 7), posteriormente rectificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de € 47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de € 483,20 (Doc.8).

7- O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 em 24-08-2018 e também de € 483,20 na mesma data, num total de € 47.034,56 (Doc.s 9 e 10).

8- Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e colectável de € 167.980,58 e a colecta de €47.034,56 (à taxa de 28%).

9- O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 e também de € 483,20, num total de € 47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que diz: «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «[a]o recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».
Assim, constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:
i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);
ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);
iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].
Quanto ao requisito enunciado em ii), entende-se que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
O legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do art. 152.º do CPTA, aplicável por força do n.º 3 do art. 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do art. 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).
Vejamos, pois, se estão reunidos os requisitos da admissibilidade do recurso, sendo que, não se suscitando dúvidas quanto aos requisitos processuais (legitimidade da Recorrente, tempestividade do recurso e previsão legal do mesmo), passaremos de imediato a averiguar dos requisitos substanciais, acima enumerados.

2.2.1.2 É inquestionável que a decisão arbitral recorrida apreciou o mérito da pretensão que lhe foi apresentada.
Ambas as decisões em confronto se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito, qual seja a de saber se a tributação por mais-valias imobiliárias em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), no caso dos não residentes, tal como prevista na lei em vigor nos anos de 2017 e 2018, viola o princípio da livre circulação de capitais, consagrado no art. 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir numa situação de discriminação entre residentes e não residentes, ficando estes últimos sujeitos a um tratamento fiscal desfavorável.

2.2.1.2.1 No caso a que se refere a decisão recorrida, estava em causa a liquidação correctiva de IRS que foi efectuada pela AT a uma cidadã brasileira e residente na República Federativa do Brasil pelas mais-valias obtidas com a venda, em 2018, de um imóvel sito em Lisboa, por ela comprado em 2015. Para calcular o valor do rendimento a tributar, a AT atendeu exclusivamente ao disposto no n.º 1 do art. 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), ao qual aplicou a taxa autónoma de 28%, não aplicando o regime de exclusão de tributação de 50% previsto no n.º 2 desse artigo, na redacção em vigor à data dos factos.
Foi apresentado pedido de apreciação da legalidade dessa liquidação junto do CAAD, com o fundamento de que esse acto padece de vício de violação de lei, na medida em que constitui uma discriminação negativa dos não residentes, face aos residentes em Portugal, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, por isso, contrária ao Direito da União Europeia, em especial das disposições conjugadas dos arts. 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE.
A decisão recorrida deu razão à Requerente, entendendo que a não aplicação do disposto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, constitui uma discriminação negativa dos não residentes, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, por isso, violadora do disposto no art. 63.º do TFUE.
Mais entendeu que essa discriminação não foi sanada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), no art. 72.º do CIRS, que aditou os n.ºs 7 e 8 (actualmente n.ºs 13 e 14), que vieram permitir aos não residentes optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do art. 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português. Isto, em síntese, porque «a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação susceptível de excluir a discriminação em causa. // Na realidade, o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».
Assim, julgando incompatível com o Direito Europeu a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, a decisão recorrida anulou a liquidação em causa, na parte inquinada por essa ilegalidade.

2.2.1.2.2 No caso a que se refere a decisão fundamento, estava também em causa uma liquidação de IRS efectuada a um não residente – cidadão espanhol e residente no Reino de Espanha –, respeitante a mais-valias imobiliárias obtidas em Portugal no ano de 2017.
Foi apresentado pedido de apreciação da legalidade dessa liquidação junto do CAAD, com o fundamento de que esse acto padece de vício de violação de lei, na medida em que constitui uma discriminação negativa dos não residentes face aos residentes em Portugal, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, por isso, contrária ao Direito da União Europeia, em especial das disposições conjugadas dos arts. 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do TFUE.
A decisão fundamento entendeu que não se verifica a invocada ilegalidade; que a legislação nacional, pelo menos após as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2008 ao art. 72.º do CIRS, pôs cobro à discriminação negativa dos não residentes, na medida em que veio conceder-lhes a possibilidade de verem as suas mais-valias tributadas de harmonia com as regras aplicáveis aos residentes, desde que, para tanto, façam essa opção.

2.2.1.2.3 Podemos, pois, concluir que ambas as decisões se pronunciaram sobre a mesma questão, no âmbito do mesmo quadro legislativo (as liquidações em causa respeitam aos anos de 2018, na decisão recorrida, e 2017, na decisão fundamento, sem que as regras do CIRS aplicáveis tenham sofrido alteração), e o fizeram em sentido divergente.
Por outro lado, como melhor veremos adiante, apesar de a decisão fundamento respeitar a um residente num outro Estado-membro da União Europeia (Reino de Espanha) e a decisão recorrida respeitar a um residente num Estado terceiro (República Federativa do Brasil), essa diferença em nada releva, pois não foi com base nessa diferença entre as situações de facto que as decisões foram em sentido divergente.

2.2.1.3 Resta averiguar se a decisão recorrido perfilha orientação que esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – a afastar a admissibilidade do recurso, nos termos do art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT –, tanto mais que quer a Recorrida quer o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo entenderam que o recurso não deveria ser admitido com esse fundamento. Vejamos:
No sentido da decisão recorrida encontramos cinco acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Cf. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Janeiro de 2008, proferido no processo n.º 439/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1827bec1e1931004802573d800503721;
- de 22 de Março de 2011, proferido no processo n.º 1031/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5942b010aec666d280257862003e595e;
- de 30 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 1374/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/092c76d9e81d6d1f80257b79004c6fc7;
- de 3 de Fevereiro de 2016, proferido no processo.º 1172/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4f747ada186b82db80257f57003ae348;
- de 20 de Fevereiro de 2019, proferido no processo com o n.º 901/11.0BEALM (692/17), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45c0e711bf83a53c802583bc005bb3ac.), proferidos entre 2008 e 2019, sendo que só os dois mais recentes datam dos últimos 5 anos e de entre os Conselheiros que os subscreveram só um (A Senhora Conselheira Vice-Presidente.) se mantém na actual composição da Secção, constituída por 12 conselheiros.
Por outro lado, é a primeira vez que a questão é trazida perante o Pleno da Secção.
Tanto basta para que, de acordo com os critérios que têm vindo a ser definidos pela Secção para integrar o conceito de jurisprudência mais recentemente consolidada previsto no n.º 3 do art. 152.º do CPTA (Vide, por todos, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo com o n.º 932/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692,
no qual ficou dito que «a jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17º, nº 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção».), o mesmo não possa ter-se como verificado.

2.2.1.4 Verificados os requisitos da admissibilidade do recurso, há agora que conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida (cf. art. 152.º, n.ºs 1 a 3, do CPTA).


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2.2.2 DA TRIBUTAÇÃO DOS NÃO RESIDENTES POR MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS EM SEDE DE IRS

A nosso ver, a melhor interpretação é a que foi efectuada na decisão recorrida e que vem sendo adoptada pela maioria das decisões proferidas pela CAAD e pela totalidade dos acórdãos deste Supremo Tribunal. Vamos, por isso, seguir de perto a exposição que aí foi efectuada. Vejamos:
Os ganhos obtidos por pessoas singulares com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, quando não constituam rendimentos empresariais e profissionais, são tributados, em sede de IRS, no âmbito da categoria G (incrementos patrimoniais), como mais-valias, nos termos do disposto nos arts. 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.
Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos [art. 18.º, n.º 1, alínea h), do CIRS], pelo que ficam abrangidos pela incidência de IRS quando auferidos por titulares não residentes (cf. arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, do CIRS).
O valor desses rendimentos que seja qualificado como mais-valias, quando obtidos por sujeitos passivos residentes é sujeito a englobamento e a tributação é efectuada às taxas gerais progressivas estabelecidas no art. 68.º do CIRS, mas apenas é considerado em 50%, como resulta do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável.
Quanto aos sujeitos passivos não residentes, a tributação desse valor faz-se à taxa fixa especial de 28%, nos termos do art. 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, ou, se forem residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), neste caso por opção, às taxas gerais progressivas do art. 68.º o CIRS, considerando-se então todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, mas sobre 100% da mais-valia imobiliária realizada (cf. arts. 72.º, n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável).
A questão que se coloca é a de saber se, como alega a Recorrente, este regime opcional, que foi introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), então sob os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14 e n.ºs 9 e 10, na redacção aplicável), aditados ao art. 72.º do CIRS, veio pôr termo à discriminação negativa dos não residentes, que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tinha já considerado verificar-se relativamente ao n.º 2 do art. 43.º do CIRS.
Na verdade, o TJCE – em acórdão (Hollmann) proferido em 11 de Outubro 2007, no processo n.º C-443/06 (Disponível em
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62006CJ0443&from=EN.), em resposta ao reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 493/06 (Vide os acórdãos proferidos nesse processo n.º 439/06, o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, já referido na nota 3 supra, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJCE:
- de 28 de Setembro de 2006, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5b7c4837b616cebc802571fd003c0cec;
- de 16 de Janeiro de 2008, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1827bec1e1931004802573d800503721.), julgou «incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE».
É certo que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008), procurou obviar a esse tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do EEE, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao art. 72.º do CIRS os n.ºs 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14). Ou seja, após a referida alteração legislativa ficaram a vigorar, na área da tributação das mais-valias imobiliárias, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do EEE, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
Mas esse regime específico de opção, não só constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, como não afastou a referida discriminação negativa. Como bem concluiu a decisão recorrida, «o regime de equiparação actualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o carácter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal».
Como também salientou a decisão recorrida, o acórdão (Gielen) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º C-440/08 (Disponível em
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62008CJ0440.), após salientar que «a opção de equiparação [que] permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório» não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais, concluiu que «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório» e que o Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes».
Ou seja, o regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, não veio sanar a discriminação negativa resultante da norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS para os não residentes e a violação do art. 63.º do TFUE que dela resulta.
Finalmente, porque o caso respeita a um sujeito passivo residente, não num outro Estado-membro da União Europeia ou no EEE, mas num País terceiro, poderia questionar-se a validade das proposições acima formuladas. Mas não há motivo para tanto.
Desde logo, porque o regime de abolição de restrições à livre circulação de capitais vigorar, não só entre Estados-membros da Comunidade Europeia, mas também entre estes e Estados terceiros, sendo o seu conteúdo o mesmo para as duas situações, conforme decorre do n.º 1 do art. 63.º do TFUE (Cf. Manuel Lopes Porto e Gonçalo anastácio (coord.), Tratado de Lisboa Anotado e Comentado, Almedina, 2012, anotação aos arts. 63.º a 66.º, do TFUE, pág. 368 e João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Almedina, 2018, pág. 56.).
Como bem ficou dito na decisão recorrida, a esse propósito «é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin). Aí se refere que o artigo 63.º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21). No que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 63.º TFUE, embora o Tratado não defina o conceito de «movimentos de capitais», resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esses movimentos, na acepção desse artigo, compreendem, nomeadamente, as operações mediante as quais os não residentes efectuam investimentos imobiliários no território de um Estado-Membro. Pelo que as imposições efectuadas nos termos de uma legislação nacional que incidem sobre os rendimentos prediais e sobre uma mais-valia obtida na sequência da alienação de um imóvel, adquirido num Estado Membro por uma pessoa singular que reside num Estado terceiro, estão abrangidas pelo conceito de «movimentos de capitais», na acepção do artigo 63.º TFUE (parágrafos 22 e 23)».
Mas, se alguma dúvida subsistisse relativamente à aplicação do entendimento anteriormente expresso quando a discriminação operada pelo art. 43.º, n.º 2, do CIRS, incide sobre um residente em País terceiro, ela deve ter-se por expressamente afastada pelo TJUE, que, por despacho da 7.ª Secção proferido em 6 de Setembro de 2018, no processo C-184/18 (Disponível em
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62018CO0184&from=PT.) – em pedido de reenvio prejudicial formulado pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 1358/08.9BESNT (Vide os acórdãos proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nesse processo n.º 1358/08.9BESNT (6021/12), o primeiro fazendo o reenvio prejudicial e, o segundo, decidindo o recurso, após a pronúncia do TJUE:
- de 19 de Setembro de 2017, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/5a8ed864080e522d802581a200533e1c;
- de 8 de Maio de 2019, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/bca5ceb1b80d357f802583f40058bb8b .) –, se pronunciou no sentido de que «[u]ma legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado Membro, efectuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais valias realizadas por um residente naquele EstadoMembro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, TFUE».
Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.

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2.2.3 Em face de tudo quanto deixámos dito, uniformizamos jurisprudência no seguinte sentido: o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.

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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cf. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), não devendo, ainda, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - Não pode considerar-se que existe jurisprudência recentemente consolidada se o Pleno ainda não se pronunciou sobre a questão e se, apesar de ao longo dos últimos doze anos, encontrarmos cinco acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, todos no mesmo sentido e unânimes, só dois foram proferidos nos últimos 5 anos e só um dos Conselheiros que os assinou se mantém na actual composição da Secção, constituída por 12 conselheiros.

III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.


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3. DECISÃO

Em face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em Pleno, em julgar verificada a invocada oposição de decisões arbitrais, e negar provimento ao recurso, uniformizando a jurisprudência nos termos constantes do ponto 2.2.3 supra.


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Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.


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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, com uma declaração de voto do Ex.mo Senhor Conselheiro Gustavo Lopes Courinha, que se junta a final.

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Lisboa, 9 de Dezembro de 2020. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia – Joaquim Charneca Manuel Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha (com declaração de voto) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.
DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanho o sentido da presente decisão, por entender que ela corresponde à jurisprudência mais recente, apesar de ultra-rigorosa, do TJ da União Europeia, que não nos cabe questionar.
Sem prejuízo, entendo que a consideração de apenas metade do montante das mais-valias imobiliárias registadas para sujeitos não-residentes (e que sejam residentes dentro ou fora do espaço da União Europeia – porquanto, nos encontramos inquestionavelmente diante de um caso de livre circulação de capitais), quando acompanhada da aplicação do regime de tributação a taxas fixas e restrito exclusivamente ao rendimento apurado em Portugal (e não ao rendimento universal apurado pelo sujeito passivo), é anti-sistemática e afeta inexoravelmente a coerência do sistema fiscal nacional.
Com efeito, esta solução de consideração a 50% de tais valores para efeitos da base tributável foi pensada – e só nessa medida faz sentido – para casos de aplicação das taxas progressivas e no pressuposto do englobamento da generalidade dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, pois só nesses casos se verifica o risco de as muito elevadas taxas dos escalões superiores de IRS se estenderem às demais categorias de rendimentos. Não havendo, manifestamente, um tal risco no caso dos sujeitos não residentes, não faz sentido a aplicação obrigatória deste regime a tais sujeitos.
Por fim, tendo a liquidação em causa tido por base uma taxa fixa, admitiria a anulação meramente parcial da mesma.

Gustavo Lopes Courinha