Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1358/08.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:TRIBUTAÇÃO DOS NÃO RESIDENTES
PAÍSES TERCEIROS
REENVIO PREJUDICIAL
ALIENAÇÃO DE BEM IMOBILIÁRIO
ART. 56.º DO TJUE
Sumário:I. O “reenvio prejudicial» constitui um mecanismo processual criado com vista alcançar a interpretação e a aplicação uniformes do Direito da União, em todo o espaço da União Europeia (UE), com o intuito de garantir a igualdade jurídica de todos os cidadãos europeus, e tutelar os direitos que lhes são conferidos pelo Direito da União.

II. Decidida que seja uma questão colocada, nestes termos, ao TJUE, ela acarreta, para o tribunal que a colocou e para os que julguem a causa em sede de recurso, carater vinculativo quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais.

III. A operação de alienação de um bem imobiliário constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

IV. A legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitada, sendo o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, nncompatível com o referido art. 56.º do TJUE.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

CARLOS ................ e MARIA ................, vieram deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra a liquidação de IRS n.º ................, referente ao ano de 2007 e no montante de € 50.171,44.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 22 de março de 2012, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Visa o presente recurso reagir contra a Douta Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por Carlos ................ e Maria ................, contra a liquidação efectuada em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2007.

II - A fundamentação da sentença recorrida, assenta em síntese no entendimento de que o acto de liquidação deve ser anulado, uma vez a aplicação do artº 43º nº 2 do CIRS é incompatível com o artº 56° do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, sendo que por via do disposto no art° 135º do CPA o acto é ilegal.

III - Que, os impugnantes, que são residentes na Austrália, ao alienaram um imóvel localizado em Portugal, não podiam ter sido tributados, sobre a totalidade das mais valias realizadas, nos termos do artº 43° nº 2 do CIRS.

IV - A Meritíssima Juiz sustentou a sua decisão proferida na douta sentença ora recorrida, no acórdão do TJCE, que vem no sentido de que o artº 56° CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação Nacional, como a que estava em causa na questão prejudicial, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado Membro a uma carga fiscal superior á que incidiria, em relação a esta mesmo tipo de operação sobre as mais valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.

V - Considerou a Meritíssima Juiz, a liquidação de IRS nula, por considerar ter havido uma violação do Tratado da União Europeia, por estarmos em presença de sujeitos passivos não residentes em Portugal;

VI - Os impugnantes, proprietários de uma fracção autónoma do prédio em regime de propriedade horizontal sito no concelho de Oeiras, alienaram a referida fracção em 19/05/2008.

VII - E, assim sendo foram tributados nos termos do artº 43° nº 2 do CIRS. (A contrario sensu)

VIII - Uma mais valia realizada por um sujeito passivo residente na Austrália - não residente em Portugal - o valor dessa mais valia não pode ser considerado em 50% mas sim na sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu.

IX - A citada norma não viola, nem discrimina os direitos dos não residentes por contraposição aos residentes me Portugal, conforme o decidido na douta sentença.

X - E que os impugnantes não são residentes num Estado Membro da UE, mas são residentes na Austrália.

XI - O Tratado prevê no artº 63° do Tratado da UE (ex art° 56 do TCE), proibições de restrições nos movimentos de capitais entre Estados Membros e entre os Estados Membros e países terceiros, porquanto o artº 65° do Tratado da UE (ex artº 58° do TCE) prevê um salvaguarda que permite aos Estados Membros, em matéria de direito fiscal, que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

XII - Os Estados Membros da UE, em matéria de Impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico tributário que no caso de Portugal se rege pelo norma constitucional do nº 1 da alínea i) do art° 165° da CRP (reserva de lei da Assembleia da Republica em matéria fiscal).

XIII - O acto tributário de liquidação é legal porque está em conformidade com as leis tributárias vigente no ordenamento jurídico tributário português, não violando quaisquer princípios ou normas constitucionais nem disposições comunitárias.

XIV - Deverá por tudo o exposto, o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial por padecer a mesma de erro de julgamento de facto e de direito, mormente o artº 43° nº 2 do CIRS.

Termos em que, com mui Douto suprimento de V.Exªs, deverá ser considerado procedente o Recurso e revogada a Douta Sentença, como é de Direito e Justiça

PORÉM V.EXªS, DECIDINDO FARÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA»


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Os recorridos, CARLOS ................ e MARIA ................, apresentaram as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1.ª A liquidação de IRS anulada pela douta sentença recorrida foi nesta correctamente considerada ilegal, por assentar na observância de um preceito legal (o do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS) que, ao discriminar entre residentes e não residentes, é contrário ao direito comunitário (artigo 56.0 do Tratado da União), o qual tem de prevalecer sobre o preceito nacional com ele desconforme.
2.ª Essa ilegalidade da liquidação subsiste apesar de a discriminação respeitar a cidadãos nacionais portugueses (os ora Impugnantes) residentes em território exterior ao da União Europeia.
Efectivamente,

3.ª De conformidade com o estabelecido no artigo 12.º (na numeração resultante do Tratado de Amsterdão, correspondendo ao artigo 6.º da versão inicial) do Tratado de Roma, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

4.ª O preceito do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, se interpretado no sentido de que os não residentes, ainda que nacionais portugueses, ficam excluídos da restrição da tributação da mais-valia em questão a cinquenta por cento da mesma, é materialmente inconstitucional, por violador do princípio da igualdade,

5.ª Já que, de acordo com esse princípio, acolhido nos artigos 13.º e 14.º da constituição da República, todos os cidadãos são iguais perante a lei e não podem ser prejudicados em razão de nenhum dos factores indicados no n.º 2 primeiro dos artigos mencionados e, designadamente; de situação económica ou condição social.

6.ª Os cidadãos portugueses que residam no estrangeiro, «gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país.»

7.ª Assim, impõe-se a aplicação aos ora Recorridos da mesma regra válida para os cidadãos residentes em Portugal, da sujeição de apenas 50 % da mais-valia apurada à tributação em IRS, pelo que bem foi decidido dever a liquidação em apreço ser corrigida em ordem a que dos Recorridos resulte cobrado apenas o montante correspondente a metade do valor da mais-valia apurada.

8.ª A matéria da distinção / discriminação feita no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS já foi abordada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo Tribunal Europeu das Comunidades Europeias (TJCE), em sentido favorável à presente pretensão dos Impugnantes.

9.ª O n.º 1 do artigo 56.º do Tratado de Roma estabelece a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

10.ª No caso dos autos tratou-se, como no decidido no referido Acórdão do TJCE, de uma operação de liquidação de um investimento imobiliário.

11.ª Uma tal operação constitui um movimento de capitais, devendo ser tido em conta o princípio comunitário da livre circulação de capitais.

12ª O artigo 56.° CE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 58.º CE

13.ª A luz do artigo 43 .º do Código do IRS, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos

14.ª Como já decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE.

15.ª Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da Constituição, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

16.ª Atenta a prevalência, nos termos acabados de referir, do direito comunitário sobre o direito interno, o art. 43.º, n.º 2 do Código do IRS é incompatível com o referido art. 56.º do Tratado da EU.

17.ª Assim, o acto de liquidação impugnado padece do vício de violação do referido artigo 56.º do Tratado de Roma.

18.ª Esse vício representa ilegalidade, sendo que esta justifica a pedida anulação do acto de liquidação, atento o disposto no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo.

19.ª A luz do n.º 1 do artigo 56.º do Tratado de Roma, não é pelo facto de o produto da liquidação do investimento imobiliário feita ser para transferir, para um "país terceiro", que deixa de ter aplicação a proibição vertida naquele nº 1 do art. 56° do Tratado CE.

20.ª Admitindo, porém, que, não residindo os Impugnantes em território da União, lhes não aproveitariam o raciocínio e linha de orientação acolhidos nos Acórdãos do TJCE e do STA citados nesta alegação, ainda assim a impugnação terá de proceder.

21.ª Com efeito, o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, se interpretado no sentido de que os não residentes, ainda que nacionais portugueses, ficam excluídos da restrição da tributação da mais-valia em questão a cinquenta por cento do seu valor, será materialmente inconstitucional, por violador do princípio da igualdade, já que de acordo com todos os cidadãos são iguais perante a lei e não podem ser prejudicados em razão de nenhum dos factores indicados no n.º 2 do primeiro dos ditos artigos.

22.ª No que concerne aos cidadãos portugueses que residam no estrangeiro, o artigo 14.º da Constituição garante que «gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do país.»

23.ª Tendo presente a orientação explanada no referido acórdão do TJCE, a liquidação impugnada constituiria ou constituirá, à face dos artigos 13.º e 14.º da Constituição, intolerável discriminação dos Recorridos face aos cidadãos residentes em Portugal e ou nos demais Países Membros da União Europeia, sendo que os direitos dos Recorridos que estão em causa de modo algum são incompatíveis com a sua ausência do Pais.

24.ª Nunca poderá admitir-se que, por serem portugueses, os Recorridos ficassem penalizados, com tributação sobre os 100% da mais­ valia) enquanto, na linha do citado acórdão do TJCE, o não ficariam ou ficarão, nas mesmas circunstâncias, um checo, um búlgaro (ou um português residente na Roménia) teriam ou terão tributação restrita a 50 % da mais-valia.

25.ª A isso se opõe frontalmente também o estatuído no artigo 12.º do Tratado CE, que determina que «... é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

26.ª Por quanto fica exposto, deve ser negado provimento ao recurso da Representação da Fazenda Pública, confirmando-se inteiramente a douta sentença recorrida, que fez correcta aplicação da lei.

Assim se decidindo, far-se-á a sã e costumada JUSTIÇA.»


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

II – OBJECTO DO RECURSO

Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003 de 26/06).

Assim e tendo presente o que se deixa referido, na situação que nos vem posta, a questão que se coloca é a de saber se o disposto no n.° 2 do artigo 43.° do [CIRS], […], que limita a incidência de imposto a 50% das mais valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12.°, 18.°, 39.°, 43.° e 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia ao excluir dessa limitação as mais valias que tenham sido realizadas por residentes em pais terceiro.

FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em 19.05.2008, os Impugnantes apresentaram a declaração Mod. 3 de IRS para o ano de 2007, tendo declarado o estado civil de casados, residência no estrangeiro e rendimentos da Cat. G (Incrementos Patrimoniais). (Cfr. informação a fls. 111 do p.a.t. apenso)

B) Os rendimentos da Cat.G derivaram de uma mais-valia proveniente da alienação onerosa do prédio urbano sito no concelho e freguesia de Oeiras inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ........., fracção “A”. (Cfr. informação a fls. 111 do p.a.t. apenso)

C) Em 25.08.2008, foi emitida a liquidação de IRS n.º n.º ................, referente ao ano de 2007 e no montante de € 50.171,44, na qual se mostra aposta a data de 08.10.2008 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. n.º2 junto à p.i.)

D) Em 01.10.2008, os Impugnantes procederam ao pagamento da liquidação de IRS a que alude a al. C) do probatório. (Doc. n.º2 junto à p.i.)

E) Em 26.12.2008, deu entrada neste tribunal a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 5 dos autos)

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados que dos autos tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»


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Por acórdão de 19/09/2017, este TCAS, ao abrigo do art. 662.º do CPC, considerou alterar a matéria de facto constante do ponto C) por se encontrar errado o número da liquidação, e aditou à matéria de facto o ponto F), nestes termos:

“C) Em 25.08.2008, foi emitida a liquidação de IRS n.º .................referente ao ano de 2007, e no montante de 50.171,44€, com data limite de pagamento voluntário de 08/10/2008, que resultou da não aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS (cf. documento n.º 2 junto à p.i.)

F) No ano de 2007, os Impugnantes, de nacionalidade Portuguesa, residiam em Angola (cfr. informação de fls. 194 e documento de fls. 195 e ss dos autos).


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De direito

Assumindo estabilizada a matéria de facto considerou ainda este Tribunal que o ato de liquidação em conflito nos presentes autos não tem exatamente os mesmos contornos que rodeavam a situação sobre que se debruçou a sentença recorrida ao lançar mão do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo C-443/06, erigindo dúvidas quanto à sua aplicação.

Na verdade, o entendimento jurisprudencial vertido no acórdão citado, de que fez uso a sentença recorrida, tem subjacente a situação de em que os titulares do rendimento sujeito a mais valias (em sede de IRS) eram residentes de num Estado-Membro da União Europeia enquanto, nos presentes autos a questão a apreciar reporta-se a cidadãos nacionais com residência em pais terceiro (Angola).

Termos em que, depois de ouvir as partes, foi entendimento da Relatora com acolhimento no acórdão n.º 06021/12 em 19/06/2017, deste TCAS colocar a questão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia ao abrigo do disposto no art. 267.º do TFUE, o que fez nos seguintes termos:

“Resulta dos autos que, no ano de 2007, os Impugnantes, de nacionalidade Portuguesa, residiam em Angola.

Nesse ano de 2007 alienaram onerosamente o prédio urbano sito no concelho e freguesia de Oeiras inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º ........., fracção “A”, originando mais-valias tributáveis em sede de IRS.

A Autoridade Tributária (AT) considerando que os Impugnantes eram não residentes em Portugal, entendeu tributar a mais-valia na sua totalidade, sem a limitação da incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, consagrada no art. 43.º, n.º 2 do CIRS.

Em suma, o presente litígio opõe Carlos ................ e Maria ................ à Fazenda Pública porquanto os mesmos entendem que a liquidação de IRS referente ao ano de 2007 de que foram objecto é ilegal, por considerarem que a aplicação do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS os discrimina ao tributá-los por uma medida mais gravosa do que outras pessoas colocadas em idêntica situação patrimonial, mas residentes em Portugal. Esclarece-se que os impugnantes de nacionalidade portuguesa no ano de 2007 residiam em Angola.

As disposições nacionais aplicáveis aos factos do litígio são as normas constantes do n.º 2 do artigo 43.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, normas que já existiam substancialmente na redacção originária (Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro).

Redacção originária (Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro):

“Artigo 41.º Mais-valias 1 - O valor dos rendimentos da categoria G é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. “As mais-valias referidas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º são consideradas por 50% do seu valor.”

Redacção vigente à data dos factos (redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro):

“Artigo 43.º Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

(…).”

“Artigo 10.º Mais-Valias

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;”

Não se desconhece que o art. 56.º do TCE (actual 63.º do TFEU) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, não apenas entre Estados-Membros, mas também entre Estados-Membros e países terceiros.

Também não se desconhece que a jurisprudência que resulta do Acórdão do TJUE de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, que declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”, jurisprudência que foi aplicada pelo tribunal de 1.ª instância e que se encontra em recurso neste Tribunal Central Administrativo Sul.

Porém, permanece a dúvida se a situação dos autos se poderá subsumir inteiramente à do processo C-443/06, porquanto, por um lado, nesse caso estava em causa um residente de um Estado-membro, e não um residente num país terceiro (Angola), com nacionalidade portuguesa.

Por outro lado, importa ainda considerar o disposto no art. 57.º do TCE (actual art. 64.º do TFUE): “O disposto no artigo 63.º não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adoptada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento directo, incluindo o investimento imobiliário, (…)”, ou seja, admite-se a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993, ao abrigo de legislação nacional, sendo certo que a disposição nacional em causa (artigo 43.º, n.º 2 do actual Código do IRS), corresponde substancialmente à redacção originária, já em vigor desde 1 de Janeiro de 1989 (artigo 2.º do Preambulo do Decreto-lei n.º 442-A/88, 30 Novembro).

Face ao exposto, suscita-se questão sobre a interpretação dos Tratados (alínea a) do art. 267.º do TFUE), cuja resposta é necessária ao julgamento da causa, e nessa medida cumpre solicitar àquele tribunal que sobre elas se pronuncie.

Portanto, as disposições conjugadas do Direito da União Europeia, cuja interpretação é pedida, são os artigos 12.º, 56.º, 57.º e 58.º do Tratado da Comunidade Europeia [actuais artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia].

(…)

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul:

1 - Submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo da alínea a) do art. 267.º do TFUE, a seguinte questão prejudicial necessária ao julgamento da presente causa:

(ii) As disposições conjugadas dos artigos 12.º, 56.º, 57.º e 58.º do Tratado da Comunidade Europeia [actuais 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal (n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado num Estado-Membro (Portugal), quando essa alienação é efectuada por um nacional desse Estado-Membro, residente em país terceiro (Angola), a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel?

2 – (…)”

Por seu lado o TJUE responde por Despacho da 7.º Secção - proferido em 06/09/2018, nos seguintes termos:

“(…)

Quanto aos princípios e liberdades aplicáveis

15 A titulo liminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 18.° TFUE apenas se aplica de modo autônomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.° 28 e jurisprudência ai referida).

16 Ora, o Tratado prevê, designadamente no artigo 63.° TFUE, uma norma específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.° 29 e jurisprudência ai referida).

17 A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma operação relativa a liquidação de um investimento imobiliário, como a que esta em causa no processo principal, constitui um movimento de capitais (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.° 31 e jurisprudência ai referida).

18 Daqui decorre que a alienação onerosa de um bem imóvel situado num Estado-Membro efetuada por pessoas singulares não residentes é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 63.° TFUE.

Quanto à livre circulação de capitais

19 No que se refere ao processo principal, resulta do pedido de decisão prejudicial que as disposições do CIRS preveem, no caso de mais-valias realizadas em virtude da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, regras de tributação diferentes consoante os contribuintes sujeitos a imposto sobre o rendimento residam ou não nesse Estado-Membro.

20 Mais concretamente, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes em resultado da alienação de bens imóveis sitos em Portugal são apenas consideradas em 50% do seu valor. Ao invés, para os não residentes, o CIRS prevê que a tributação dessas mesmas mais-valias incide sobre a totalidade desse valor.

21 Daqui decorre que a matéria colável desse tipo de mais-valias não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, relativamente à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.° 37).

22 Como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre a conformidade de uma disposição do direito nacional, como o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, com o artigo 63.° TFUE no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), e declarou, no n.° 40 desse acórdão, que essa disposição, pelo facto de prever que sô as mais-valias realizadas por residentes são consideradas em 50% do seu valor para efeitos de determinação do imposto, constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE (Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.° 40).

23 O órgão jurisdicional de reenvio salienta, no entanto, que o processo principal é diferente do que deu origem ao Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), porque os sujeitos passivos do imposto de mais-valias em causa no processo principal não residem noutro Estado-Membro, mas num Estado terceiro.

24 Contudo, importa constatar que, como resulta da sua letra, o artigo 63.° TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados-Membros mas igualmente entre Estados-Membros e Estados terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Jahin, C-45/17, EU:C:2018:18, n.° 19).

25 Para este efeito, o artigo 63.° TFUE proíbe de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros.

26 Nestas condições, há que declarar que uma legislação de um Estado-Membro, como a que esta em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente no referido Estado-Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE.

27 Por conseguinte, importa verificar, por um lado, se essa restrição se inclui no âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e, por outro, se pode ser considerada objetivamente justificada, no sentido do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE.

Quanto à aplicação da exceção prevista no artigo 64. °, n. ° 1, TFUE

28 Nos termos do artigo 64.°, n.° 1, TFUE, a proibição das restrições à livre circulação de capitais, no sentido do artigo 63.° TFUE, não prejudica a aplicação, aos países terceiros, das restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo da legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo, entre outros, o investimento imobiliário (Acôrdâo de 11 de fevereiro de 2010, Fokus Invest, C-541/08, EU:C:2010:74, n.° 40 e jurisprudência ai referida).

29 No entanto, para poder beneficiar desse regime derrogatório, a legislação fiscal nacional deve satisfazer o requisito temporal e o requisito material previstos nessa disposição.

30 Quanto ao requisito temporal definido pelo artigo 64.°, n.° 1, TFUE, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, embora, em princípio, incumba ao órgão jurisdicional nacional determinar o conteúdo de uma legislação em vigor na data fixada por um ato da União, compete ao Tribunal de Justiça fornecer os elementos de interpretação do conceito do direito da União que serve de referência para a aplicação de um regime derrogatório previsto por esse direito a uma legislação nacional em vigor à data fixada (Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Sériés of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 47 e jurisprudência ai referida).

31 Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que uma medida nacional adotada posteriormente a 31 de dezembro de 1993 não fica, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório instituído pelo ato da União em causa. Com efeito, uma disposição essencialmente idêntica à legislação anterior ou que se limite a reduzir ou suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades consagradas pelo direito da União que constam da legislação anterior beneficiará da derrogação. Pelo contrário, uma legislação que assente numa lógica diferente da do direito anterior e institua novos procedimentos não pode ser equiparada à legislação em vigor na data tomada em consideração pelo ato da União em causa (Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Sériés of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 48 e jurisprudência ai referida).

32 No caso em apreço, segundo o tribunal de reenvio, a disposição aplicável ao litígio no processo principal, a saber, o artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109-B/2001, já estava em vigor, em substância, na redação originária daquele código, em vigor desde 1 de janeiro de 1989.

33 Todavia, há que salientar que, na versão originária do CIRS, citada pelo órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 41.°, n.° 2, deste código, a que corresponde atualmente o artigo 43.°, n.° 2, do mesmo, não estabelecia uma distinção entre residentes e não residentes no que respeita à limitação das mais-valias a 50% do seu valor para efeitos de determinação do imposto. Em contrapartida, na versão do CIRS em vigor à data dos factos do processo principal, na redação resultante da Lei n.° 109-B/2001, os não residentes estão excluídos desta limitação.

34 Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura-se assim que, na sequência desta modificação legislativa, a disposição do CIRS aplicável ao litígio no processo principal assenta numa lógica diferente da subjacente à disposição correspondente que estava em vigor em 31 de dezembro de 1993. Por conseguinte, aquela primeira disposição do direito nacional não pode ser considerada como estando «em vigor» naquela data, para efeitos de aplicação do artigo 64.°, n.° 1,TFUE.

35 Uma vez que o requisito temporal não se encontra preenchido e que os dois requisitos, temporal e material, previstos no artigo 64.°, n.° 1, TFUE devem ser preenchidos cumulativamente, este artigo não é aplicável ao processo principal, não sendo necessário examinar se o requisito material está preenchido (Acôrdâo de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Sériés of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 53).

Quanto à existência de uma justificação para a restrição à livre circulação de capitais nos termos do artigo 65.°, n.os 1 e 3, TFUE

36 Resulta do artigo 65.°, n.° 1, TFUE, lido em conjugação com o n.° 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua legislação nacional, uma distinção entre os contribuintes residentes e os não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

37 Deve, por conseguinte, ser estabelecida uma distinção entre os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE e as discriminações arbitrárias proibidas pelo n.° 3 desse mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional, como a que esta em causa no processo principal, possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou seja justificada por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.os 44, 45 e jurisprudência ai referida).

38 No que respeita, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça já precisou no n.° 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), em primeiro lugar, a tributação das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109-B/2001, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes; e, em terceiro lugar, o Estado-Membro de onde o rendimento colável provém é sempre a República Portuguesa. Por outro lado, não resulta do teor desta disposição que a mesma estabeleça uma distinção entre os contribuintes não residentes em função do seu local de residência.

39 Resulta do exposto que não existe nenhuma diferença objetiva das situações dessas duas categorias de contribuintes em causa no processo principal que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias por eles realizadas em resultado da alienação de um bem imóvel situado em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontram os contribuintes não residentes, como os recorridos no processo principal, é comparável à dos contribuintes residentes.

40 Em segundo lugar, no que respeita à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, resulta do n.° 57 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), que, para justificar a conformidade do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109-B/2001, com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, o Governo português alegou que esse regime fiscal tinha o objetivo de evitar penalizar os contribuintes residentes, no quadro da tributação das mais-valias, por lhes ser aplicada uma taxa progressiva, e que, no caso desses contribuintes, existe uma relação direta entre o benefício fiscal resultante da tributação das mais-valias imobiliárias com base numa matéria colável reduzida a metade e as taxas de tributação progressiva aplicáveis ao conjunto dos seus rendimentos. O Tribunal de Justiça considerou, no entanto, nos n.os 58 a 60 desse acórdão, em substância, que esse nexo direto não estava provado e que, por conseguinte, a restrição resultante dessa disposição do direito nacional não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.

41 Ora, como foi recordado no n.° 38 do presente despacho, há que constatar que não resulta da letra do artigo 43.°, n.° 2, do CIRS, na redação resultante da Lei n.° 109-B/2001, que este estabeleça uma distinção entre contribuintes não residentes em função do seu local de residência. Além disso, na decisão de reenvio, não são mencionados outros objetivos que pressuponham que essa distinção seja associada, nomeadamente, ao facto de os recorridos no processo principal residirem num Estado terceiro. Por conseguinte, a conclusão a que chegou o Tribunal de Justiça no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), é plenamente transponível para o presente processo.

42 Por conseguinte, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.

43 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razoes referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.

(…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secçâo) declara:

Uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razoes referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.

(…)”

Assim e considerando que o “reenvio prejudicial» constitui um mecanismo processual criado com vista alcançar a interpretação e a aplicação uniformes do Direito da União, em todo o espaço da União Europeia (UE), com o intuito de garantir a igualdade jurídica de todos os cidadãos europeus, e tutelar os direitos que lhes são conferidos por aquele Direito da União, decidida que seja uma questão colocada, nestes termos, ao TJUE, ela acarreta, para o tribunal que a colocou e para os que julguem a causa em sede de recurso, carater vinculativo quer quanto aos seus efeitos materiais, quer temporais (assim foi estabelecido no Acórdão Milch-, Fett-, und Eierkontor, acórdão de 24.06.69, processo C – 29/68 quanto a questão prejudicial de interpretação).

Na situação que nos ocupa, como supra deixamos exposto, a operação de alienação de um bem imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia, sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

Termos em que nos cabe concluir, como o fez despacho proferido, no sentido de que a legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supra citada.

Assim, à face do decidido o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, ao limitar a residentes em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano é incompatível com o referido art. 56.º.

Aqui chegados, resta-nos concordar com o decidido na sentença recorrida que considerou que o ato impugnado, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, na redação vigente, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do CPA).

Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a sentença recorrida;

IV - DECISÂO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Registe e Notifique

Lisboa em 08/05/2019

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(Hélia Gameiro Silva)


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(Jorge Cortez)


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(Lurdes Toscano)