Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01435/17
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
AUDIÊNCIA PRÉVIA
REVERSÃO
Sumário:I - Os recursos jurisdicionais são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que, em regra, neles não se podem conhecer questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se forem de conhecimento oficioso.
II - Porque o exercício do direito de audiência prévia pressupõe o conhecimento do projecto e decisão e respectiva fundamentação, não pode considerar-se que a notificação para audiência antes do despacho de reversão que foi revogado pelo órgão da execução fiscal com fundamento em falta de fundamentação dispense que se faculte o exercício desse direito antes da prática do novo despacho de reversão.
Nº Convencional:JSTA000P23437
Nº do Documento:SA22018062001435
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1241/14.9BEPNF

1. RELATÓRIO

1.1 A…………….. (adiante Executado por reversão, Oponente ou Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de coimas, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), reverteu contra ele, por ter sido considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões ( Corrigidas na sequência do despacho do Relator (cfr. fls. 236), na sequência de promoção nesse sentido do Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 235).) do seguinte teor:

«I. Nos presentes autos, o TAF de Penafiel decidiu contrariar Acórdãos proferidos pelo STA, in casu, acórdão n.º 01384/13 disponível in www.dgsi.pt, transitado em julgado – ou que se presume nos termos análogos ao n.º 2 do art. 688.º do CPC;

II. De igual forma, o STA, em acórdão proferido nos presentes autos, revogou a 1.ª sentença aqui proferida, por decidir que “(...) não gera uma situação de nulidade superveniente da lide, (...), se no mesmo acto em que é revogado o despacho de reversão é determinada nova reversão contra o mesmo responsável subsidiário” – Cfr. 3.º parágrafo, página 8, do Acórdão do STA junto aos autos;

III. “Assim, no caso em apreço, no mesmo despacho em que foi decidida a revogação foi decidida nova reversão da execução contra o aqui recorrente, pelo que não se divisa qualquer momento em que, depois do despacho de reversão inicial, lhe tenha deixado de ser imputada responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda»

IV. “Por isso, não se pode entender que a presente oposição à execução fiscal tenha deixado de ter interesse para o oponente ou que tenha ocorrido inutilidade superveniente da lide”

V. “Assim, justifica-se a continuação do processo, como pretende o recorrente, pelo que o recurso merece provimento”

VI. Sucede que o oponente, ora recorrente, verteu no seu pedido a “TOTAL EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO”, que não sendo considerada na sentença, nem no douto acórdão, inquina de insanável vício que inelutavelmente a afecta.

VII. De facto, o Acórdão do STA n.º 01384/13, de 25.09.2017, está sumariado: “A falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos elementos essenciais do acto de liquidação donde emerge a dívida exequenda, incluindo a respectiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do art. 22.º da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no art. 198.º do CPC, a que corresponde actualmente o art. 191.º do novo CPC”;

VIII. Ora, da análise dos autos, em concreto, resulta das alíneas A), B), C), D), E), F), G), H), I), J), K), N) e O), do probatório, que a sentença deveria julgar de modo diferente do decidido;

IX. Deveria ter julgado nula a citação;

X. Isto porque a citação efectuada ao responsável subsidiário tem de ser pessoal, nos termos do artigo 191.º, n.º 3, do CPPT, e conter as formalidades previstas no artigo 190.º, do mesmo diploma legal;

XI. Ora, o Tribunal julgou provado que “(…), o oponente não foi notificado para o exercício do direito de audição” – Cfr. O), dos factos provados;

XII. E, – Cfr. H) dos autos provados – o oponente somente foi citado para o PEF, bem como do despacho de reversão em 04.01.2013.

XIII. No entanto, a decisão notificada não contém todos os documentos – aliás a AT nem sequer o fez por remissão – daí, dentro do prazo de 30 dias, ter apresentado oposição, que foi de imediato autuada pelo competente OEF e, nos seus artigos 16.º e 17.º, arguido a nulidade da citação;

XIV. Ou seja, a referida nulidade foi conhecida pelo tribunal a quo no seguimento da sua arguição pelo interessado, no prazo de 30 dias da oposição, nos termos do n.º 1 do art. 203.º do CPPT;

XV. Assim, como decorrência da inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do art. 22.º da Lei Geral Tributária, foi expressamente invocado a violação, inter alia, o n.º 4 do art. 23.º da LGT – Conf. síntese após artigo 17.º, na pág. 5, da p.i.;

XVI. Nesse sentido, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência (revogada a sentença) e ser anulado o acto de reversão fiscal;

XVII. Por outro lado, a decisão proferida no acórdão em causa [(Por certo, o Recorrente pretende referir-se à sentença recorrida.)], perfilha uma solução oposta aos acórdãos do TCAN, proc. n.º 02021/10.6BEPRT, de 10.11.2011, do TCAS, processos n.º 06729/13 e 09095/15, de 19.03.2013 e 16.02.2015, respectivamente.

XVIII. Que dizem: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”; “(...) para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação”;

XIX. Assim, de acordo com o n.º 3 do art. 191.º do CPPT, não tendo a citação do responsável subsidiário sido pessoal, padece também de nulidade – conforme o invocado na petição inicial.

Nestes termos, […], caberá dar guarida à posição do aqui recorrente, sendo anulado o acto de reversão fiscal e, consequentemente, ser o aqui recorrente absolvido da instância executiva, como é de Direito e Justiça».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e «substituída por acórdão declaratório da procedência da oposição à execução», nos seguintes termos:

«1. A oposição deduzida tem por objecto o segundo despacho de reversão, proferido na sequência da revogação do primeiro despacho de reversão (conforme declarado no acórdão do STA-SCT proferido em 5.04.2017, fls. 165/173).

2. A questão da nulidade da citação (acto processual distinto da decisão de reversão) não foi suscitada pelo recorrente na petição de oposição e, não sendo de conhecimento oficioso (diferentemente da questão da falta de citação), não deve ser apreciada pelo tribunal de recurso.

3. O segundo despacho de reversão (objecto convolado da oposição à execução) foi proferido sem precedência do direito de audição do interessado, tendo a preterição da formalidade legal eficácia invalidante.
Sendo o segundo despacho de reversão conceptualmente distinto do primeiro despacho de reversão revogado, a promoção do direito de audição observada no âmbito deste não pode ser aproveitada por forma a dispensar a sua prática antes do proferimento do segundo despacho de reversão, coarctando a possibilidade de o revertido se pronunciar.
Abstractamente, a fundamentação do segundo despacho poderá ser diferente da fundamentação do primeiro despacho quanto aos pressupostos e extensão; ainda que coincidentes, o responsável subsidiário poderá aproveitar o exercício do direito de audição para invocar argumentos que não invocara anteriormente, por falta do exercício do direito (art. 23.º n.º 4 da LGT).
A preterição do direito de audição determina a invalidade consequente do despacho de reversão e a ilegitimidade substantiva do oponente, por inverificação dos pressupostos da sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento da dívida exequenda (art. 204.º n.º 1 al. b) último segmento do CPPT)».

1.5 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como provados os seguintes factos:

«A) O Serviço de Finanças de Amarante remeteu em nome e para a residência e domicílio fiscal do oponente, a notificação do despacho do projecto de reversão e para o exercício do direito de audição do PEF n.º 1759201201005839 e apensos, por carta registada em 12/11/2012 (fls. 28 a 32).

B) A carta registada não foi entregue no domicílio do destinatário por o carteiro não ter sido atendido no dia 14/11/2012, pelas 13H 00M, tendo o destinatário sido avisado para levantar a correspondência na estação dos correios (fls. 28 a 32).

C) Em 23/11/2012 a carta registada desta notificação foi devolvida ao Serviço de Finanças, por não ter sido reclamada pelo destinatário (fls. 28 a 32).

D) Por carta registada em 26/11/2012, o Serviço de Finanças de Amarante remeteu em nome e para a residência e domicílio fiscal do oponente, uma segunda notificação do despacho do projecto de reversão e para o exercício do direito de audição do PEF n.º 1759201201005839 e apensos (fls. 28 a 34).

E) A carta registada desta segunda notificação não foi entregue no domicílio do destinatário por o carteiro não ter sido atendido no dia 27/11/2012, pelas 12H 46M, tendo o destinatário sido avisado para levantar a correspondência na estação dos correios (fls. 28 a 34).

F) Em 06/12/2012 a carta registada desta segunda notificação foi devolvida ao Serviço de Finanças, por não ter sido reclamada pelo destinatário (fls. 28 a 34).

G) Em 11/12/2012, o órgão de execução fiscal reverteu os PEF contra o oponente pelo despacho de reversão de fls. 35 e 35 verso, complementado pelo despacho de reversão inserto na nota de citação de fls. 36 e 36 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

H) O oponente foi citado para o PEF e deste despacho de reversão em 04/01/2013 (fls. 35 a 42).

I) Em 04/02/2013 o oponente deduziu oposição (fls. 2 a 17).

J) A petição inicial da oposição foi autuada em 05/02/2013 (fls. 1 e 1 verso).

K) Pelo despacho do órgão de execução fiscal de 07/10/2014, de fls. 43 e 43 verso cujo teor aqui se dá por reproduzido, o órgão de execução fiscal revogou o despacho de reversão de 11/12/2012 e proferiu novo despacho de reversão.

L) Este despacho de reversão foi complementado pelo despacho de reversão inserto na nota de citação, de 07/10/2014, de fls. 44 a 45, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

M) O oponente foi pessoalmente citado em 09/10/2014 para o PEF e do despacho de reversão referido em K) e L) (fls. 43 a 48).

N) Em 25/11/2014 foi determinada a remessa da oposição a Tribunal pelo despacho de fls. 49, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

O) Entre o despacho de reversão de 11/12/2012 e o despacho de reversão de 07/10/2014, o oponente não foi notificado para o exercício do direito de audição (fls. 2 a 58)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrente veio deduzir oposição a uma execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes coimas, de IVA e de IRC, reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal como responsável subsidiário. Invocou, como fundamentos, que o despacho de reversão enferma de falta de fundamentação, bem como que a reversão é ilegal porque não foi precedida da notificação para o exercício do direito de audiência prévia.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu uma primeira sentença (fls. 109 a 114) na qual julgou extinta a instância de oposição por inutilidade superveniente da lide, com o argumento de que o despacho de reversão foi revogado na pendência da oposição, motivo por que esta perdeu o seu objecto. Mais considerou que essa inutilidade não podia ser questionada pelo facto de o órgão da execução fiscal ter proferido novo despacho de reversão na mesma data em que revogou o anterior, uma vez que este último não foi atacado pelo revertido.
Essa sentença foi revogada pelo acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de fls. 161 a 173 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/45eed1385a2dfba1802580fe004cb380.), que considerou, em síntese, que a revogação do despacho de reversão não gera uma situação de inutilidade superveniente da lide, nem permite concluir pela superveniência da falta de interesse em agir, se no mesmo acto em que é revogado o despacho de reversão é determinada nova reversão contra o mesmo responsável subsidiário.
Regressados os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, aí foi proferida nova sentença, que julgou a oposição improcedente. Nos termos dessa sentença, o despacho de reversão, proferido pelo órgão da execução fiscal na imediata sequência da revogação do primeiro despacho de reversão, não enferma dos vícios que lhe vinham assados pelo Oponente, designadamente, a falta de fundamentação, a omissão do direito de audiência prévia e a ilegalidade da revogação do anterior despacho de reversão.
O Oponente não se conforma com a sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações que apresentou e respectivas conclusões, suscita duas questões: primeira, a nulidade da sua citação por não ter sido acompanhada pela documentação pertinente; segunda, a preterição do direito de audiência prévia à reversão.
Quanto à primeira questão, diremos desde já, acompanhando o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer referido em 1.4, que se trata de questão que não foi suscitada na petição inicial, não foi apreciada pela sentença e não é do conhecimento oficioso.
Trata-se, pois, de uma questão nova e, por isso, fora do âmbito do presente recurso. Na verdade, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham ou devessem ter sido objecto da sentença. Isto porque os recursos jurisdicionais se destinam a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram (Por mais recentes e entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Outubro de 2017, proferido no processo n.º 1409/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c4ea47d520f74efc802581c900576595;
- de 11 de Abril de 2018, proferido no processo n.º 281/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b01ca204f8ce5158025827100393e76;
- de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 1023/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/78dcff1b829229b78025828700543602.).
O Recorrente sustenta que arguiu a nulidade da citação nos arts. 16.º e 17.º da petição inicial (cfr. conclusão XIII). A ser assim, a questão não seria nova.
No entanto, da leitura da petição inicial, com especial atenção aos referidos artigos, não resulta que tenha arguida essa nulidade; pelo contrário, a alegação aí aduzida destinava-se, na economia daquela peça processual, a demonstrar a invocada falta de fundamentação do despacho de reversão, que o Oponente entendeu ter como consequência a nulidade do mesmo.
Recorde-se que, como também bem salientou o Procurador-Geral Adjunto, a questão da nulidade da citação – contrariamente à da falta de citação – não é do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 5 ao art. 165.º, págs. 137/138. ).
Assim, a única questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando não atendeu a alegação do Oponente, de que não foi notificado para o exercício do direito de audiência prévia à reversão, em violação do expressamente determinado pelo n.º 4 do art. 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) e que, por esse motivo, deveria «ser anulado o acto de reversão fiscal» e a oposição julgada procedente.

2.2.2 DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA À REVERSÃO

A sentença considerou que a reversão foi precedida da audiência prévia do revertido.
O Recorrente discorda, sustentando que não foi. Vejamos:
É inequívoco que cumpre ao órgão da execução fiscal assegurar o direito de audiência prévia daquele contra quem se propõe efectuar a reversão. O n.º 4 do art. 23.º da LGT consagra expressamente esse dever: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
Por seu turno, os n.ºs 4 e 5 do art. 60.º da LGT, em harmonia com as regras do Código do Procedimento Administrativo (designadamente o seu art. 122.º), estipulam que o direito de audiência deve ser exercido no prazo a fixar pela Administração tributária (AT) em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte e que, para possibilitar o exercício desse direito a AT deve comunicar ao interessado o projecto de decisão e sua fundamentação.
Cumpre ainda ter presente que, como também salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal e tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 10 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 726/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f6c0157a2aaf60b780257aa0002d55f2;
- de 22 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 511/14, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/68288fca610e673180257e31003e9309;
- de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 361/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b3424c850f5dfd9b80257f310052ffdb;
- de 19 de Abril de 2017, proferido no processo n.º 100/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bd8496feea31e36280258109004fd77f;
- de 11 de Abril de 2018, proferido no processo n.º 978/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/11c2588ed5136b1380258271003201da.), os vícios formais do despacho de reversão, como o é o decorrente da preterição desse direito, constituem fundamento de oposição, na medida em que determinam a invalidade do acto de reversão e, consequentemente, deixam a execução sem título relativamente ao revertido, pelo menos transitoriamente. Assim, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação do acto de reversão e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.
Dito isto, verificamos que, de acordo com a matéria de facto dada como assente, o ora Recorrente foi notificado para exercer o direito de audiência prévia relativamente ao primeiro acto de reversão, mas já não quanto ao segundo, que foi praticado pela mesma decisão que revogou o primeiro.
Segundo a sentença, «uma vez que esta [segunda] reversão foi realizada na sequência da revogação do despacho de reversão de 11/12/2012, para o qual o oponente tinha sido regular e validamente notificado para o exercício do direito de audição, pelo que não tinha de ser novamente notificado para o exercício do direito de audição».
Salvo o devido respeito, não podemos aceitar esse entendimento. A AT entendeu revogar o primeiro acto de reversão e, do mesmo passo, praticar um novo acto «[e]m virtude de se verificar que o despacho de reverso contra o responsável subsidiário A…………… não está devidamente fundamentado» [cfr. alínea K) dos factos provados, que remete e dá por reproduzido o despacho de revogação, com cópia a fls. 43].
Tanto basta para que se intua que o facto de ter sido facultado o exercício do direito de audiência relativamente à primeira reversão não possa dispensar o órgão da execução fiscal de facultar de novo esse exercício relativamente à segunda reversão: é que não há identidade entre os fundamentos invocados num e noutro acto ou omitidos no primeiro e externados no segundo. Ora, como é bom de ver, o direito de audiência só poderá ser verdadeiramente exercido em face da comunicação do projecto de decisão e respectiva fundamentação, como prescreve o n.º 5 do art. 60.º da LGT. Sem conhecer esses fundamentos, como poderá o interessado pronunciar-se sobre o projecto e participar na formação da decisão?
Assim, sem necessidade de mais considerandos, o recurso será provido, a sentença será revogada e, julgando-se a oposição procedente, anular-se-á o despacho de reversão por preterição do direito de audiência prévia, com a absolvição do Oponente da instância executiva.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Porque os recursos jurisdicionais são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não se pode, em regra, neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo se forem de conhecimento oficioso.
II - Porque o exercício do direito de audiência prévia pressupõe o conhecimento do projecto e decisão e respectiva fundamentação, não pode considerar-se que a notificação para audiência antes do despacho de reversão que foi revogado pelo órgão da execução fiscal com fundamento em falta de fundamentação dispense que se faculte o exercício desse direito antes da prática do novo despacho de reversão.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a oposição procedente, anular o acto de reversão e absolver o Oponente da instância executiva.

Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal, uma vez que não contra-alegou o recurso.


*
Lisboa, 20 de Junho de 2018. - Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.