Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0918/17.1BEALM
Data do Acordão:01/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
IDENTIFICAÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Não identificando o oponente as execuções fiscais a que diz vir opor-se na petição inicial que apresentou no tribunal tributário, deve o juiz convidar o oponente a suprir essa irregularidade (cfr. art. 590.º do CPC) e, depois e se o oponente anuir ao convite, remeter os autos ao órgão da execução fiscal, onde deveriam ter sido apresentados (art. 207.º, n.º 1, do CPPT).
II - Não pode é indeferir liminarmente a petição inicial com fundamento na impossibilidade de dedução de uma única oposição contra execuções fiscais não apensadas.
Nº Convencional:JSTA000P24034
Nº do Documento:SA2201901090918/17
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão de indeferimento liminar proferida no processo de oposição à execução fiscal supra identificado

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (a seguir Executada, Oponente ou Recorrente) apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada uma petição em que disse vir «ao abrigo do artigo 204.º e seguintes do C.P.P.T., deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL, relativamente aos processos executivos do período de 23 de Janeiro de 2013 e Março de 2014» e concluiu pedindo «a absolvição do oponente da instância» (da instância executiva, entenda-se).

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada indeferiu liminarmente a petição inicial, com o fundamento de que nela se não identificavam as execuções fiscais a que a Executada pretendia opor-se e que não é admissível a dedução de uma única oposição contra execuções fiscais não apensadas, o que constitui excepção dilatória inominada que determina o indeferimento liminar e afasta a utilidade da remessa dos autos ao órgão da execução fiscal em ordem a sanar a irregularidade decorrente da apresentação da petição inicial directamente no tribunal tributário.

1.3 Inconformada, a Oponente interpôs recurso da decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, que foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor e que ora sujeitamos a numeração:

«1. Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 01 de Janeiro de 2018, este decidiu que: “No caso em apreço, não estando identificados os processos de execução fiscal a que se reporta a presente oposição tal omissão constitui uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela (art. 576.º do novo CPC), pelo que se torna inútil a remessa da petição ao órgão de execução fiscal para os efeitos do art. 208.º do CPPT, e, sendo tal excepção de conhecimento oficioso (cfr. art. 578.º do novo CPC), o tribunal decide indeferir liminarmente a presente petição nos termos do n.º 1 do art. 590.º do novo CPC.”

2. Na sua fundamentação veio o douto tribunal referir que a oposição à execução deve identificar em concreto a que processo de execução fiscal se refere. Não é permitida a formulação genérica da petição ora em apreço de deduzir “oposição judicial relativamente aos processos executivos do período de 23 de Janeiro e Março de 2014”.

3. O dever de gestão processual reserva para o juiz um papel de gestão activa do processo, providenciando para que no mesmo conste o que é essencial e se depure daquilo que o não é, com vista à justa composição do litígio num prazo razoável.

4. Numa visão que consideramos minimalista a douta decisão, nem sequer procedeu ao aproveitamento da matéria da oposição para uma das execuções, o que fez com que a mesma ficasse ferida de nulidade por força do disposto no artigo 125.º do CPPT, o que desde já se REQUER!

5. O tribunal a quo deveria ter tido em conta e aplicado as normas constantes nos artigos 6.º, 590.º e 7.º do CPC, não o tendo feito ficou a sua decisão inquinada por violação das mesmas.

6. Devendo privilegiar-se uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva,

7. Pautando-se pela promoção da sanação de defeitos considerados meramente processuais.

Ademais,

8. O despacho recorrido, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, citando vários acórdãos, decidiu pela verificação de excepção dilatória inominada consubstanciada na oposição a mais de uma execução fiscal não apensadas entre si e pela impossibilidade de sanação de tal excepção

9. Contudo, um recente acórdão do STA de 11 de Janeiro de 2017, processo n.º 054/16 decidiu que “Tendo em conta estas razões que impõem a apensação, naturalmente que se trata de um acto a praticar no(s) processo(s) de execução fiscal ex officio pelo órgão de execução fiscal, ou seja, deve ser praticado independentemente de o interessado particular formular um pedido expresso nesse sentido (ou de existir uma ordem expressa nesse sentido por parte do juiz), e terá que existir uma pronúncia sobre tal questão sempre que a mesma seja suscitada no processo, de forma directa ou indirecta, o que é imposto pelo disposto no n.º 1 do artigo 179.º do CPPT – correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase”.

10. Acrescenta ainda este douto acórdão que “No caso dos autos, a oposição não pode ser julgada, de mérito ou de forma, até que o órgão de execução fiscal decida a questão da apensação das execuções, o que se lhe impõe, como atrás vimos, por dever de ofício. Impondo-se, por conseguinte, que estes autos aguardem a tramitação processual adequada e necessária a tal questão e, só após se ter concluído com decisão transitada em julgado que tal apensação não é possível, nem viável (ou seja, se houver reclamação de eventual decisão de improcedência, apenas após o trânsito em julgado da respectiva decisão), é que poderá ser decidida a questão suscitada pela Fazenda Pública no tocante à não apensação das execuções”.

11. Culminando este acórdão com o seguinte: “E, no caso de o órgão de execução fiscal não se pronunciar sobre a questão da apensação, por negligência ou por se recusar a fazê-lo, então o juiz deverá certificar-se da verificação dos requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 179.º do CPPT e ordenar o prosseguimento da oposição relativamente a todas as execuções, incumbindo posteriormente ao órgão de execução fiscal adequar a tramitação das diversas execuções entre si.

12. Pelo que nestes termos impõe-se a revogação do douto despacho.

13. Perante a censurável violação dos preceitos ora mencionados, mais se requer a procedência por provado do presente recurso, tudo em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!

Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs Ex.ªs, deverá ser considerado procedente por provado o presente recurso, revogando-se o douto despacho, em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!».

1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul julgou-se incompetente em razão da hierarquia, indicando este Supremo Tribunal Administrativo como sendo o tribunal competente para conhecer do recurso, ao qual os autos foram remetidos a requerimento da Recorrente.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que convide a Oponente a sanar a irregularidade decorrente da não identificação das execuções fiscais, nos seguintes termos:

«O presente recurso vem interposto da decisão do TAF de Almada que julgou verificada excepção dilatória inominada e indeferiu liminarmente a petição, com o fundamento de que o autor da acção não identificou os processos executivos a que respeita a acção e se desconhece se os mesmos estão ou não apensos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 590.º do CPC, ao abrigo do qual foi proferido o despacho sindicado, que a petição é indeferida quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias inominadas. Entendeu a Mma. Juiz [do Tribunal] “a quo” que a não identificação dos processos executivos a que a oposição respeita configura uma excepção inominada e nessa medida considerou fundamento bastante para o indeferimento liminar da acção.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que tal entendimento não é a melhor interpretação dos dispositivos legais aplicáveis, designadamente do disposto no artigo 590.º do CPC, de aplicação subsidiária ao processo tributário.
Com efeito, não subsistem dúvidas que o autor da acção deve identificar o(s) processo(s) de execução fiscal a que respeita a oposição. Todavia a falta de menção do processo de execução fiscal é facilmente sanável, pelo que caberia à Mma. Juiz, dentro dos poderes/deveres de gestão do processo a que alude o citado art. 590.º do CPC, notificar o Autor para, no prazo que lhe for indicado, corrigir tal defeito. E só no caso em que tal defeito não for corrigido, então sim há fundamento para o indeferimento liminar.
Por outro lado e como se refere na decisão recorrida, a oposição deve ser apresentada junto do órgão de execução fiscal onde pender a execução – art. 207.º do CPPT –, motivo pelo qual, após identificação do processo e respectivo serviço, deverá a oposição ser remetida para o mesmo. Pelo que é prematuro conjecturar se a oposição se refere a um ou mais processos e se no caso da sua pluralidade estão ou não apensos.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a decisão recorrida fez uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 590.º do CPC, uma vez que se impunha a notificação do Autor para a regularização da imperfeição da petição, motivo pelo qual deve a mesma ser revogada, determinando-se a baixa dos autos a fim de ser proferido novo despacho com esse desiderato, julgando-se nessa medida procedente o recurso».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada decidiu correctamente ao rejeitar in limine a petição inicial de oposição.


* * *

2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão recorrida não fixou factualidade alguma, o que bem se compreende porque se trata de uma rejeição liminar, ou seja, uma decisão que não entrou no mérito da causa, motivo por que também não entrou na apreciação e discussão da matéria de facto, designadamente com a produção de prova sobre os fundamentos que poderiam relevar para a decisão de fundo.

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ter presente o teor da fundamentação expendida decisão recorrida para justificar o decretado indeferimento liminar:

«Vem a A…………, Lda., com os sinais dos autos, ao abrigo do art. 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, deduzir “oposição judicial relativamente aos processos executivos do período de 23 de Janeiro e Março 2014” com os fundamentos constantes da petição de fls. 2/7 enviada por fax a este tribunal.
Importa neste momento proferir despacho liminar.
Nos termos do art. 207.º n.º 1 do CPPT a petição inicial de oposição à execução deve ser apresentada junto do órgão onde pender a execução.
Pese embora a oponente não tenha respeitado o referido formalismo optando por apresentar directamente (via fax) a petição neste tribunal, sempre haveria possibilidade de suprir tal irregularidade através da remessa pelo tribunal ao órgão de execução fiscal da referida petição nos termos e para os efeitos do art. 208.º do CPPT.
Contudo, analisando o teor da petição inicial tal remessa traduziria a prática de um acto inútil, proibido por lei nos termos do art. 130.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, como veremos de seguida.
Importa destacar que a oposição à execução fiscal funciona como contestação à pretensão do exequente visando a extinção ou suspensão do processo executivo e cujos fundamentos são taxativamente enunciados no n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Assim a petição de oposição à execução deve identificar em concreto a que processo de execução fiscal se refere. Não é permitida a formulação genérica constante da petição ora em apreço de deduzir “oposição judicial relativamente aos processos executivos do período de 23 de Janeiro e Março 2014” como vem invocado a fls. 2.
É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, que a oposição a dois ou mais processos de execução fiscal distintos não pode ser concretizada através de uma única oposição, mesmo considerando a circunstância de a fundamentação de facto e de direito ser idêntica relativamente às diversas oposições.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/07/2014 – rec. 0390/14, ao enunciar que “I- Apesar de ser legalmente permitida a apensação de processos de execução, nos termos do art. 179.º do CPPT (desde que corram contra o mesmo executado e se encontrem na mesma fase), essa decisão de apensação inscreve-se na competência do órgão da execução fiscal, não obstante a natureza judicial do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 103.º da LGT). II- A dedução de unia única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas constitui excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela (art. 576.º do novo CPC)”.
Também no Acórdão do STA de 25/01/2012 – rec. 0802/11 se afirma “I- Porque a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma, funciona como unia contestação à execução fiscal, não pode aquele que foi citado em várias execuções fiscais que não se encontram apensadas deduzir uma única oposição, ainda que os fundamentos por que se opõe sejam os mesmos. II- Nessa situação, a instauração de uma única oposição constitui excepção dilatória inominada, a determinar o indeferimento liminar da petição inicial ou a absolvição da instância, consoante seja verificada em fase liminar ou na sentença (cf. arts. 234.º-A, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 495.º e 660.º, n.º 1, todos do CPC); III- No entanto, sempre pode o oponente prevalecer-se do disposto nos arts. 234.º-A e 476.º do CPC, se houve indeferimento liminar, ou do disposto no art. 289.º do CPC, se houve absolvição da instância. IV- Relativamente aos pressupostos processuais que visam acautelar, não o interesse das partes, mas o interesse público da boa administração da Justiça, não pode funcionar o princípio contido no n.º 3 do art. 288.º do CPC”.
No caso em apreço, não estando identificados os processos de execução fiscal a que se reporta a presente oposição tal omissão constitui uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela (art. 576.º do novo CPC), pelo que se torna inútil a remessa da petição ao órgão de execução fiscal para os efeitos do art. 208.º do CPPT, e, sendo tal excepção de conhecimento oficioso (cfr. art. 578.º do novo CPC), o tribunal decide indeferir liminarmente a presente petição nos termos do n.º 1 do art. 590.º do novo CPC».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR – A REJEIÇÃO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL

Como resulta do que ficou já dito, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada começou por salientar que a petição inicial foi erradamente apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, pois o deveria ter sido no órgão da execução fiscal. Mas logo salientou que essa irregularidade seria sanável mediante a remessa, a efectuar por aquele Tribunal, ao Serviço de Finanças competente, ao abrigo do disposto no art. 208.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remessa que apenas não ordenou porque, a seu ver, constituiria um acto inútil e, por isso, proibido, atento o disposto no art. 130.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do art. 2 do CPPT.
A inutilidade dessa remessa, se bem interpretamos a decisão recorrida, decorre de uma dupla circunstância: por um lado, a Oponente não identificou os processos de execução fiscal a que se pretendia – não servindo esse desiderato a mera afirmação de que se vinha opor «aos processos executivos do período de 23 de Janeiro e Março de 2014» – e, por outro lado, não é permitida a dedução de uma única oposição a dois ou mais processos de execução fiscal que não estejam apensados, louvando, quanto a esta última circunstância, em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Considerou, pois, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que se verifica uma excepção dilatória inominada decorrente da falta de identificação dos processos de execução fiscal a que se refere a oposição, a determinar o indeferimento liminar da petição inicial, tudo nos termos do disposto nos arts. 576.º, 578.º e 590.º, n.º 1, do CPC, aplicável subsidiariamente.
A Oponente discordou desse entendimento e, por isso, recorreu do despacho de rejeição liminar. Em síntese, considera que a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Dá como exemplo o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 11 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 54/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d68bee6de05a055802580a7003bc29f.) vai no sentido de que o tribunal tributário não deverá pronunciar-se sobre a oposição deduzida contra mais do que uma execução fiscal antes de a questão da possibilidade da apensação das execuções fiscais estar decidida, em primeira linha pelo órgão da execução fiscal, mas com possibilidade de impugnação judicial (mediante a reclamação judicial prevista no art. 286.º e segs. do CPPT) dessa decisão.
Assim, cumpre-nos agora, em sede de recurso, verificar se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada decidiu correctamente ao rejeitar in limine a petição inicial de oposição à execução fiscal, o que passa por indagar se as irregularidades detectadas naquela peça processual são ou não susceptíveis de correcção e, sendo-o, se não deveria o indeferimento liminar ter sido precedido de convite à Oponente para que fossem corrigidas.

2.2.2 DO INDEFERIMENTO LIMINAR

Como é sabido o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (Princípio do contraditório, hoje entendido, não na sua dimensão negativa, de direito de defesa, oposição ou resistência à actuação alheia, mas na sua dimensão positiva, de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo, é um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário. Para maior desenvolvimento quanto ao princípio do contraditório, designadamente com aprofundados considerandos de natureza doutrinal e citação de jurisprudência, vide o seguinte acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Março de 2010, proferido no processo n.º 63/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b.) (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.).
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 9 de Agosto de 2017, proferido no processo n.º 927/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f99540e3f3d0d2e8025817f0032803e;
- de 19 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 350/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afb23f359fab0977802583120050a7d7;
- de 17 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 646/17.8BEAVR (121/18), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e959fb7614ed2abf8025832e003aca97.).
Será que no caso sub judice estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial?
Afigura-se-nos que não.
Desde logo, se a Oponente não identificar, como não identificou de modo útil (Como bem assinalou a Juíza do Tribunal a quo, a mera alusão, feita na petição inicial, de que se vem opor «aos processos executivos do período de 23 de Janeiro e Março de 2014», não tem préstimo para o efeito: deveria a Oponente ter identificado essas execuções fiscais pelo respectivo número. A falta de identificação justificaria a recusa da petição inicial.), os processos de execução fiscal aos quais se veio opor, mesmo admitindo que seja mais do que um, não vislumbramos como possa afirmar-se ou, pelo menos, pressupor-se – como pressupôs a decisão recorrida para – que os mesmos não estão apensados. Salvo o devido respeito, trata-se de uma afirmação sem suporte material: só depois de se saber quais os processos de execução fiscal que são objecto da oposição se poderá saber se os mesmos estão ou não apensados.
Assim, antes do mais, impõe-se saber quais os processos a que a ora Recorrente se veio opor e, só depois, e verificando se estão ou não apensados, será possível fazer um juízo sobre a possibilidade de a oposição prosseguir relativamente a mais do que um processo de execução fiscal.
Deveria, pois, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada ter convidado a Oponente a identificar os processos de execução fiscal a que pretende opor-se. Se a Oponente anuir a esse convite, mesmo a oposição seja dirigida a dois ou mais processos de execução fiscal e que estes não estejam apensados, afigura-se-nos que também não deverá indeferir-se sem mais a petição inicial.
Ao invés, a petição inicial deverá ser remetida ao órgão da execução fiscal – onde deveria ter sido apresentada (cfr. art. 207.º, n.º 1, do CPPT) –, que deverá tomar posição expressa sobre a possibilidade de apensação dos processos de execução fiscal.
Como resulta do exemplo invocado pela Recorrente – a que podemos adicionar alguns mais (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 883/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c6058ea75887d01a8025814c004938b9;
- de 11 de Abril de 2018, proferido no processo n.º 1027/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/985f8a0346f29b15802582790049b5a2;
-de 4 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 373/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cf40d9853dba91b0802581b4004eb9bb;
- de 7 de Novembro de 2018, proferido no processo n.º 490/18 (1762/17.1BEPRT), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a9d19c898d3d6633802583430043403c.) –, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a afirmar, não só que a apensação de diversas execuções que corram contra o mesmo executado, deve ser conhecida pelo órgão de execução fiscal oficiosamente, ou logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos, nos termos do disposto no art. 179.º do CPPT, como também que nalgumas situações em que não houve decisão de apensação, mas a tramitação dos processos seguiu como se a tivesse havido, se deverá admitir a dedução de uma única oposição deduzida contra mais do que uma execução fiscal.
Seja como for, por ora haverá que notificar a Oponente para suprir a irregularidade decorrente da falta de identificação dos processos de execução fiscal aos quais se veio opor, não havendo motivo para indeferimento liminar da petição inicial.
O despacho recorrido, que assim não entendeu, fez errada interpretação e aplicação do art. 590.º do CPC, motivo por que será revogado.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não identificando o oponente as execuções fiscais a que diz vir opor-se na petição inicial que apresentou no tribunal tributário, deve o juiz convidar o oponente a suprir essa irregularidade (cfr. art. 590.º do CPC) e, depois e se o oponente anuir ao convite, remeter os autos ao órgão da execução fiscal, onde deveriam ter sido apresentados (art. 207.º, n.º 1, do CPPT).
II - Não pode é indeferir liminarmente a petição inicial com fundamento na impossibilidade de dedução de uma única oposição contra execuções fiscais não apensadas.

* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para aí ser proferido despacho nos termos supra referidos.

Custas pela Recorrente, que, na ausência de parte vencida, é quem retira proveito da decisão (cfr. art. 527.º do CPC).

Lisboa, 9 de Janeiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Ana Paula Lobo.