Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01274/15.8BEPNF 0755/17
Data do Acordão:10/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário:I - A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insusceptível de convite para correcção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico que pretende obter com a acção.
II - Não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido na petição inicial, é de aceitar a petição de oposição à execução fiscal em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efectuada de acordo com a praxis do foro, o oponente conclui aquela peça processual com a afirmação, referida às dívidas exequendas, de que «em momento algum poderá a aqui oponente ser responsabilizada pelo pagamento desses quantitativos», sendo possível identificar sem dificuldade de maior que o efeito jurídico que pretende obter é a extinção da execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P25000
Nº do Documento:SA22019100901274/15
Data de Entrada:06/28/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………... Ld.ª, melhor identificada nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal da Penafiel, que julgou inepta a petição inicial e absolveu da instância a Fazenda Pública

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«PRIMEIRA: Não será relevante para determinar a nulidade da Petição Inicial meras deficiências de qualificação jurídica, designadamente a errónea qualificação dos factos invocados e a deficiente qualificação do efeito jurídico pretendido, devendo antes ser proferido despacho corrigindo o erro ou convidando as partes a corrigi-lo
SEGUNDA: Dos presentes autos resulta que:
- A petição inicial foi admitida
- A Fazenda Pública foi notificada da petição inicial não tendo arguido a sua ineptidão;
- Não foi proferido despacho nem a aqui recorrente foi notificada, para corrigir o erro ou convidar a parte a corrigi-lo, no que respeita à falta do pedido
TERCEIRA: Como decorre dos autos, a Fazenda Pública interpretou convenientemente a petição inicial
QUARTA: E aqui consiste, naturalmente, a primeira critica a fazer à sentença recorrida, ou omissão de aplicação do n.º 3 do artigo 186° do C.P.C. já que se haverá de reconhecer que a Fazenda Pública interpretou convenientemente a petição inicial
QUINTA: Ou pelo menos, sempre se haverá de reconhecer e admitir não resultar dos autos que a Fazenda Pública não tivesse interpretado convenientemente a petição inicial corrigida
SEXTA: O que se impõe seja reconhecido, revogando-se a sentença recorrida.
SÉTIMA: Sem prescindir, dir-se-á que, tal como assim aconteceu relativamente à notificação à recorrente para indicar ou identificar a parte demandada, também se impunha que o Tribunal tivesse proferido despacho corrigindo o erro ou convidando as partes a corrigi-lo.
OITAVA: Até porque se entende, com clareza, que era perfeitamente percetível qual o efeito jurídico pretendido com a apresentação da petição inicial e que, ao fim e ao cabo, consistia na procedência da Oposição deduzida, atendendo aos fundamentos e factualidade invocados.
NONA: Em todo o caso, por último e sem prescindir, sempre se dirá que a aqui recorrente cumpriu os requisitos da petição da oposição à execução previstos no artigo 206° do C.P.P.T.
DÉCIMA: E ainda que, porventura, se entendesse que a petição da Oposição deveria obedecer aos requisitos substanciais e formais exigidos para a impugnação judicial, a verdade é que, constando da petição inicial aperfeiçoada os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (que consistem na impugnação da respetiva execução) sempre se mostrariam preenchidos os requisitos e pressupostos exigidos no n.º 1 do artigo 108º do C.P.P.T.
TERMOS EM QUE, PELOS FUNDAMENTOS INVOCADOS E ALUDIDOS, SE REQUER A V/EXAS, JUÍZES DESEMBARGADORES, SEJA REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.»

2- Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O recurso foi interposto no Tribunal Central Administrativo Norte que, por acórdão a fls. 122 e seguintes dos autos, veio declarar-se incompetente em razão da hierarquia e declarou competente, para esse efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.

4 - O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal remete para o parecer do Ministério Público do TCA Norte a fls. 116 a 117 dos autos que vai no sentido que a decisão sob recurso não merece censura, motivo que configura a rejeição liminar da petição inicial, nos termos do disposto no artigo 209.º nº1, alínea b) do CPPT.

5 – Notificadas as partes do teor do parecer do MP, nada vieram dizer sobre o mesmo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

6 – A decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel tem o seguinte conteúdo:
«A…………, Ld.ª, pessoa coletiva n.º ………, com sede na ……….., n.º ……., ………, Paredes, executada no processo de execução fiscal (PEF) n.º 184820150101113798, do Serviço de Finanças de Paredes, abreviadamente designada oponente, por dívidas de taxas de portagens, no montante de € 10.796,72, deduziu oposição.
Na petição inicial a oponente invoca alegadas ilegalidades.
A Fazenda Pública regularmente notificada contestou.
A oponente foi notificada da contestação.
A Digna Magistrada do Ministério Público pugna pela absolvição da instância da entidade demandada, por nulidade de todo o processo, atenta a ineptidão da petição inicial por falta de pedido.

Questões que ao tribunal cumpre solucionar.

A primeira questão a apreciar é a questão prévia da ineptidão da petição inicial, pois a verificar-se obsta à apreciação do mérito dos autos.
I - Pressupostos Processuais.
O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia, da nacionalidade e do território.
A ineptidão da petição inicial.
O art. 186.°, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, do CPC, prevê:
“1 — É nulo todo o processo quando for inepta apetição inicial.
2 — Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (...)
3 — Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
No caso em apreço, a petição inicial não têm nenhum pedido.
A petição inicial tem, por isso, de julgar-se inepta por falta de pedido (art. 186°, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 3, do CPC).
A ineptidão determina a nulidade de todo o processo e consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública (arts. 186°, n.º 1, 278°, n.º 1, alínea b), 576°, n.°s.1 e 2, 577.°, alínea b), e 578°, do CPC).
I - Decisão.
Pelo exposto, absolve-se a Fazenda Pública da instância (arts. 186°, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, 278°, n.º 1, alínea b), 576°, n.ºs 1 e 2, 577°, alínea b), e 578°, do CPC).
Condena-se a oponente nas custas do processo (arts. 48°, n.º 2, 527.° do CPC, 1. 2°, 6°, 7°, n.º 1, e Tabela II-A, do RCP).
Para efeitos de custas e outros previstos na lei fixo o valor da causa em €10.796,82 (art.97.°-A, n.° 1, alínea e), do CPPT.»

7- Do objecto do recurso:
Resulta dos autos que, tendo a Recorrente apresentado oposição a uma execução fiscal instaurada contra ela para cobrança de taxas de portagem e custos administrativos associados, devidos pela transposição das barreiras de portagem ou locais de detecção de veículos integrados em infra-estruturas rodoviárias, sem que tivesse efectuado o pagamento das portagens, a Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu decisão em que, julgando verificada a ineptidão da petição inicial por falta de pedido, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Não conformada vem a Oponente interpor o presente recurso.
A base da sua argumentação assenta nas seguintes proposições:
a) Contrariamente ao que entendeu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, é perfeitamente perceptível qual o efeito jurídico pretendido com a apresentação da petição inicial, devendo considerar-se cumpridos os respectivos requisitos (cfr. conclusão oitava);
b) A Fazenda Pública interpretou correctamente a petição inicial, motivo por que deveria ter sido cumprido o n.º 3 do art. 186.º do Código de Processo Civil (CPC), (cfr. conclusões segunda a sexta);
c) A decisão foi proferida sem que previamente lhe tivesse sido endereçado convite para corrigir a petição inicial, como se impunha (cfr. conclusões primeira e sétima).

Assim a questão objecto do recurso reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou inepta a petição inicial de oposição à execução fiscal deduzida por A……….. Ldª por falta de pedido (artº 186º, nºs 1 e 2, alínea a) e 3 do Código de Processo Civil) e, bem assim, se podia declarar-se a ineptidão da petição inicial antes de convidar a Oponente a corrigir a petição inicial.

7.1 Da ineptidão da petição inicial
A questão nestes termos suscitada é em tudo idêntica à questão que foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 17.05.2017, proferido no recurso 362/17, sendo idênticas as alegações de recurso como semelhantes são os pressupostos de facto e os fundamentos da decisão recorrida, nele se tendo decidido que, não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido na petição inicial, é de aceitar a petição de oposição à execução fiscal em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efectuada de acordo com a praxis do foro, o oponente conclui aquela peça processual com a afirmação, referida às dívidas exequendas, de que «em momento algum poderá a aqui oponente ser responsabilizada pelo pagamento desses quantitativos», sendo possível identificar sem dificuldade de maior que o efeito jurídico que pretende obter é a extinção da execução fiscal.
Não vemos razão para alterar tal entendimento, que merece a nossa concordância e cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação no caso vertente.
Por isso, considerando também o disposto no artº 8º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, não tendo a Recorrente ou a Recorrida aportado outras razões que infirmem a fundamentação em que assentou essa decisão ou que nos levem a inflectir ou a divergir do entendimento aí afirmado, remetemos para o que sobre tal questão se escreveu no supra citado Acórdão 362/17.
Tal como se sublinha naquele aresto, «a ineptidão constitui um vício da petição inicial, que determina a nulidade de todo o processo e que ocorre i) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir ii) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou iii) quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (cfr. art. 183.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Também em processo judicial tributário a ineptidão da petição inicial está prevista como nulidade insanável, do conhecimento oficioso [cfr. art. 98.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CPPT].
Na verdade, a petição inicial, sendo o articulado por que o autor expõe os fundamentos de facto e de direito da acção e formula o pedido correspondente, introduzindo o feito em juízo [cfr. arts. 147.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC], tem como uma das suas funções a individualização da acção, quer no plano subjectivo (partes e tribunal), quer no plano objectivo (exposição dos fundamentos de facto e de direito e a formulação do pedido).
É neste último plano que se situa a controvérsia a dirimir no presente recurso, uma vez que, enquanto a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel entendeu que à petição inicial falta o pedido, a Oponente e ora Recorrente entende que não.
É inequívoco que, como diz a sentença recorrida, constitui requisito da petição inicial a indicação do pedido, constituindo a falta dessa indicação fundamento de ineptidão da petição inicial [cfr. art. 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT].
O pedido é o efeito jurídico pretendido com a causa (cfr. art. 581.º, n.º 3, do CPC), é a concreta pretensão de tutela jurídica deduzida em juízo.
Será que, como afirma a Juíza do Tribunal a quo, «a petição inicial não tem nenhum pedido»?
Afigura-se-nos que a resposta à questão impõe alguns considerandos prévios.
Desde logo, quanto à natureza da oposição à execução fiscal. Esta, como é sabido, não obstante se configurar como um processo autónomo relativamente à execução [cfr. art. 97.º, n.º 1, alínea o) do CPPT], é dependente desta, funcionando como uma contestação à execução. Em regra, com a oposição pretende-se a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, podendo também a oposição, em casos contados, ter por objecto a suspensão da execução quando a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, como, v.g., concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos.).
Depois, quanto à formulação do pedido, a qual não está dependente de exigência legal específica. Como tem vindo desde há muito a afirmar este Supremo Tribunal, «[n]ão impondo a lei os termos ou expressões a utilizar na formulação do pedido, haverá que afastar a exigência de fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis em tal matéria», motivo por que «de exigir é apenas que o autor, depois de descrever a sua pretensão, expondo os respectivos fundamentos e objecto, exprima a vontade de que o tribunal actue em ordem a proferir uma sentença de conteúdo favorável à pretensão manifestada» (Vide, por mais antigos, mas com doutrina que permanece actualizada, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 4 de Outubro de 1991, proferido no processo n.º 19501, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Novembro de 1997 (https://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32240.pdf), págs. 2205 a 2207, com sumário também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/06a3a2f73960edbf802568fc0039445b;
- de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 541/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1221 a 1223, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9db72caeabe4979a802574f7003ee338. ).
Haverá ainda que ter presente que, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar inúmeras vezes, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do Código Civil («Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente».) (CC), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC («A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».), o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado (Por outro lado, vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – denominado do mínimo de correspondência verbal –, de que «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238.º, n.º 1 do CC).), bem como que a declaração pode deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, nos termos do disposto no art. 217.º, também do CC («1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz».).
Acresce ainda que, não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios da lei processual e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva [cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] (Vide, entre outros, os seguintes acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 154/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fd626d6071eab7780257b7f0054b163;
- de 8 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 32/13,disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/05f925c2f9dbfb7e80257c62005ae50a;
- de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1508/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3ae0c6a1a8e08d4380257f32004f8db4;
- de 27 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 431/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1aa45cb220ac208a80257fa7003c01f9.) e que a nossa lei adjectiva procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão nas diversas leis processuais, que afastam o rigor formalista na interpretação das peças processuais (Cf. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».).
Feito este enquadramento, estamos agora em melhores condições para verificar se a sentença fez correcto julgamento ao considerar a petição inicial inepta por falta de pedido.
Nessa tarefa de sindicância da correcção da sentença, que nos está legalmente cometida, não podemos também ignorar que o processo ultrapassou a fase liminar, tendo a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferido despacho expresso de recebimento da oposição e ordenado a notificação do representante da Fazenda Pública para contestar, sendo que foi apresentada contestação na qual não foi arguida a ineptidão da petição inicial por falta de pedido.
Compulsada a petição inicial, ficamos em condições de perceber que a Oponente, tendo sido citada para pagamento de quantias proveniente de portagens e custos administrativos, entende que não é devedora dessas quantias, quer porque o veículo que terá efectuado as passagens que originaram as taxas de portagem estava equipado com o denominado “sistema Via Verde” e não foi avisada de qualquer anomalia com o funcionamento do mesmo, quer porque o veículo não efectuou alguns dos trajectos que lhe são imputados, quer porque à data a que se referem as passagens que deram origem às taxas, o veículo já não era propriedade da Oponente; e, com esses fundamentos (cuja admissibilidade não cumpre aqui apreciar), concluiu a Oponente que «em momento algum poderá a aqui oponente ser responsabilizada pelo pagamento desses quantitativos».
Ou seja, a Oponente não terá utilizado a fórmula usual, consagrada pela praxis do foro, que consiste em pedir, a final, que, na procedência da oposição à execução fiscal, seja julgada extinta a execução fiscal, mas não restam dúvidas de que é essa a sua pretensão, é esse o efeito jurídico que pretende obter com a presente oposição.
Por outro lado, se a referida afirmação de que «em momento algum poderá a aqui oponente ser responsabilizada pelo pagamento desses quantitativos» deixasse algumas dúvidas quanto à pretensão da Oponente, as mesmas deveriam ser esclarecidas mediante convite nesse sentido. Note-se que esse convite só não será admissível quando a petição inicial for de todo omissa quanto ao pedido e se imporá nos casos em que o efeito jurídico pretendido seja insuficiente ou erradamente enunciado.
Como bem advertia ALBERTO DOS REIS, «O pedido deve ser formulado com toda a precisão, para que a petição possa considerar-se modelar, sob este aspecto; mas se, não obstante a falta de precisão completa ou apesar de haver alguma imprecisão, puder ainda assim saber-se qual é o pedido, o tribunal não deverá julgar inepta a petição. Petição inepta é uma coisa, petição incorrecta é outra. Ou melhor, nem toda a incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz a ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta» (Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2.º, Coimbra Editora, págs. 364/365.)» fim de citação
Concorda-se com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica, porque a decisão recorrida se moveu em parâmetros idênticos, tem plena aplicação também no caso vertente.
Daí que se conclua que o recurso merece provimento e que se impõe que seja apreciado o mérito da oposição, se a tal nada mais obstar, tendo como assente que deve considerar-se ter sido indicado o efeito jurídico pretendido na petição inicial e que este deve ser interpretado como sendo de extinção da execução fiscal.

8. Decisão
Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do mérito da oposição, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 9 de Outubro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.