Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0908/12
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
FIANÇA
Sumário:I – Do art. 199º do CPPT não resulta a exclusão da fiança como forma legalmente admissível de prestação da garantia e, pelo contrário, deve ser admitida por referência à previsão na parte final do seu nº 1 :«ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
II – Sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da Administração Fiscal caso a caso, em concreto, em face das susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido.
III – A Administração Fiscal não pode recusar a constituição da garantia mediante fiança com o fundamento que esta não assegura plena e seguramente a cobrança do seu crédito e com desprezo pelos interesses legítimos do executado.
Nº Convencional:JSTA000P14511
Nº do Documento:SA2201209120908
Data de Entrada:08/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I. RELATÓRIO

1. A……., SA., apresentou reclamação, ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças da Feira 2, que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança, que foi julgada procedente e revogado o despacho reclamado.

2.Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este Supremo Tribunal, apresentando as alegações com as seguintes Conclusões:
A. O Meritíssimo juiz a quo julgou procedente a reclamação identificada em epígrafe, revogando o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Feira 2, que indeferiu a prestação de garantia através de fiança a apresentar pela sociedade comercial B……, SA, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal.
B. Considera o Ilustre julgador, na esteira da doutrina vertida no Ac. do STA de 14.03.2012, proferido no âmbito do proc. nº 0208/12, que a enumeração das garantias efectuadas no nº 1 do art. 199.º do CPPT, não é taxativa, mas, pelo contrário, meramente exemplificativa, pelo que o que verdadeiramente «(…) interessa é que em concreto seja apreciada a garantia oferecida e que não seja apreciada de forma abstracta para aferir a sua idoneidade».
C. Em conformidade, o Tribunal a quo revogou o despacho reclamado, uma vez que «(…) resulta da simples leitura do despacho recorrido que não foi feita a avaliação concreta da solvabilidade da sociedade fiadora, contendo, na verdade, afirmações de carácter genérico e abstracto, não apreciando os factos e circunstâncias concretas da capacidade económica da sociedade fiadora».
D. Segundo o n.º 1 do artigo 52.º da LGT, a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude, designadamente, de reclamação ou impugnação, não obstante, nos termos do n.º 2, tal suspensão dependa da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
E. O n.º 1 do artigo 169.º do CPPT prescreve, por sua vez, que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso, nomeadamente, de reclamação graciosa ou impugnação judicial, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
F. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, se, após o termo do prazo de pagamento voluntário, for prestada garantia, acompanhada de requerimento com a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda, a execução fica igualmente suspensa, dando origem a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução, conforme resulta do n.º 3.
G. De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT, caso inexistam bens suficientes penhorados, a garantia idónea poderá consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente, ou ainda, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, mas mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, devendo, em todo o caso, ser prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo.
H. O n.º 1 do artigo 199.º do CPPT não confere à administração tributária qualquer possibilidade de escolha entre garantias, estando essa vinculação, nos termos em que a lei a estabelece, apenas prevista para as garantias ali expressamente mencionadas (garantia bancária, caução, seguro-caução), pelo que terão que ser sempre aceites, desde que suficientes.
I. O disposto no artigo 199.º do CPPT não acolhe um elenco meramente exemplificativo de tipos de garantia susceptíveis de constituir garantia idónea.
J. Decorre da parte final do n.º 1 do mesmo artigo que este configura um preceito aberto, o qual é concretizado e regulamentado nos seus n.ºs 2 e 4.
K. Para além dos três tipos de garantia expressamente enunciados no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT (garantia bancária, caução e seguro-caução), apenas podem e devem ser considerados como garantias idóneas para suspender o processo de execução, o penhor e a hipoteca voluntária, além da penhora constituída pela administração, nos termos do n.º 4.
L. O n.º 3 do artigo 200.º do CPPT, obriga a que, no processo de execução, se façam constar os bens que foram dados em garantia, preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do fiador), indicador de que o legislador tinha em mente apenas aquelas garantias que expressamente enunciou.
M. A ser admissível a fiança como meio susceptível de assegurar os créditos da Exequente, é óbvio que esta terá de ser prestada sob a forma de fiança bancária, atendendo a que esta é uma modalidade da “garantia bancária” elencada sob o n.º 1 do artigo 199.º do CPPT.
N. A fiança prestada por uma entidade que não tenha a natureza de instituição de crédito (ou bancária), ou seja, sem o seu carácter de uma fiança bancária, como historicamente se encontrava estatuída pelo artigo 160.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI), não tem correspondência com a intenção do legislador face à redacção actual do artigo 199.º do CPPT.
O. Subjaz ao espírito do legislador que a única garantia capaz de assegurar o processo de execução fiscal é a garantia bancária e, quando muito, seria admissível a mesma sob uma das suas modalidades, isto é, a fiança bancária.
P. A lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que, pela sua natureza financeira, tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
Q. Este entendimento é reforçado pela vinculação da administração tributária ao principio da proibição da moratória no pagamento das dívidas fiscais, expresso no n.º 3 do artigo 36.º da LGT, bem como do n.º 3 do artigo 85.º do CPPT, e a necessária proibição de suspensão da execução, fora dos casos previstos legalmente, bem como ao princípio da indisponibilidade do crédito tributário, constante do n.º 2 do artigo 30.º da LGT, sob pena de violação do princípio da prossecução do interesse público e do princípio da legalidade.
R. O processo de execução fiscal, como processo executivo especial, e tendo como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, tem como característica específica a estruturação em termos mais simples do que o processo de execução comum, tendo em vista uma maior celeridade naquela cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público associadas à respectiva arrecadação da receita, isto, naturalmente, sem implicar uma qualquer diminuição dos direitos e garantias dos contribuintes, rectius executados.
S. Um requerimento manifestando a intenção de contestar a dívida em cobrança coerciva, com a consequente suspensão de execução da mesma, estará sempre dependente da prestação de garantia, e de uma garantia idónea, que assegure os especiais interesses da entidade exequente, porque associados ao bem comum e à própria manutenção de um Estado Democrático de Direito Social, pois, naturalmente, pretende-se evitar que o atraso na cobrança da dívida que a suspensão logicamente produz possa conduzir a uma inviabilidade da mesma cobrança, pondo em risco a concretização daquela configuração jurídico-constitucional de Estado.

T. Respondendo o património do fiador não apenas perante o credor da relação afiançada, mas também perante todos os outros credores do fiador, tal é susceptível de indiciar que essa massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das suas obrigações.
U. A fiança, em abstracto, não pode assegurar o pagamento de forma suficiente e eficaz os créditos do exequente no prazo de 30 dias após citação, previsto no n.º 2 do artigo 200.º do CPPT, o que pode colocar em risco a viabilidade de cobrança da dívida tributária.
V. A aferição da idoneidade em concreto da fiança passa pela prévia determinação da data em que o fiador poderá vir a ser chamado a cumprir em lugar do primitivo devedor e pelo apuramento do património e da concreta situação económico-financeira do garante nessa data futura e indeterminada.
W. Não sendo possível prever a data em que o fiador poderá vir a ser chamado a cumprir, em lugar do primitivo devedor, a avaliação da idoneidade da fiança, em concreto, configura tarefa praticamente impossível de concretizar.
X. Qualquer avaliação que se faça à idoneidade de uma fiança em concreto, deve ter em conta a data em que se prevê que o fiador seja citado para pagamento, nos termos do nº 2 do artigo 200.º do CPPT.
Y. A impossibilidade de determinar o momento em que a fiança pode vir a ser exigida, acarreta, necessariamente, a impossibilidade de aferição da exacta situação patrimonial e financeira do garante nessa data futura e indeterminada.
Z. Em conformidade com o exposto, considera a Fazenda Pública, ressalvado o devido respeito, que a douta peça decisória sob recurso enferma de erro de julgamento, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente os artigos 52.º da LGT e 169.º, 199.º e 200.º do CPPT.
Nos termos vindos de expor e nos que Vªs. Exªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão por outra que julgue a reclamação de todo improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o
Direito e a Justiça.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Admitido o recurso, o Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

5. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.


II- FUNDAMENTOS

1. DE FACTO

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal recorrido julgou provado:
“1. A 20 de Janeiro de 2012, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Feira 2, o processo de execução fiscal nº 3441201201002660, em que figura como executada a aqui reclamante “A……, SA”, por dívidas de IRC, referentes ao exercício de 2008, no valor de € 101.757,19 (cento e um mil e setecentos e cinquenta e sete euros e dezanove cêntimos);
2. A reclamante foi citada a 26 de Janeiro de 2012;
3. A reclamante solicitou a 30 de Janeiro de 2012 a prestação de garantia através de fiança a prestar pela sociedade comercial B……, SA, tendo em vista a suspensão do processo de execução;
4. A 16 de Abril de 2012, foi proferido despacho a indeferir o pedido referido em 3, o qual se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 31/32 dos presentes autos – e no qual consta “(...) Desde logo se verifica que a fiança não consta expressamente do artigo 199º do CPPT. (...) a vinculação que do mesmo resulta está apenas determinada para as garantias ali expressamente elencadas (garantia bancária, caução, seguro-caução), pelo que estas terão que ser sempre aceites, desde que de valor suficiente. Mas apenas essas, sendo ilógico e insustentável entender que a Administração Tributária está vinculada à aceitação de qualquer outra garantia, ainda que de maior fragilidade, como se verifica com a fiança.”;
5. Através do ofício 0198 de 16 de Abril de 2012 foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento;
6. A reclamação deu entrada a 30 de Abril de 2012.


2. DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Vem o presente recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em 12 de Julho de 2012, através da qual dando razão à reclamante, revogou a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças da Feira 2, que recusou a fiança oferecida pela ora recorrida como garantia, com vista a obter a suspensão da execução fiscal contra si deduzida.
Para tanto, ponderou o Mmº Juiz “a quo”, em síntese, que:
· “A Administração Tributária indeferiu a prestação da garantia através da fiança com fundamento na sua idoneidade, reconduzindo o juízo sobre a idoneidade da fiança a uma apreciação em abstracto sobre a fiança como modo de prestar garantia, concluindo que a mesma seria inadmissível, quer porque não está prevista no artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quer porque não assegura plena e seguramente o interesse público da efectiva cobrança dos créditos por impostos”.
· “Como resulta da sua simples leitura, a enumeração das garantias efectuadas” (…) no nº 1 do art. 199º do CPPT, “não é taxativa, mas, pelo contrário, meramente exemplificativa, como aliás, resulta da sua parte final, onde expressamente se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”.
· “Nesse sentido, aliás, tem entendido a jurisprudência dos Tribunais Superiores, vertido em Acórdãos, como o do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Março de 2012, disponível in www.dgsi.pt. Acresce que está este Tribunal de total acordo com o entendimento vertido no referido Acórdão.
· Como tal, entende este Tribunal que interessa é que em concreto seja apreciada a garantia oferecida e que esta não seja apreciada de forma abstracta para aferir da sua idoneidade. O que se mostra vital a é que a garantia oferecida seja susceptível de assegurar o pagamento da quantia exequenda.
Porém, resulta da simples leitura do despacho recorrido que não foi feita a avaliação concreta da solvabilidade da sociedade fiadora, contendo, na verdade, afirmações de carácter genérico e abstracto, não apreciando os factos e circunstâncias concretas da capacidade económica da sociedade fiadora”.
Como tal, cumpre dar razão à reclamante, revogando-se o despacho reclamado.

Contra este entendimento se insurge a Fazenda Publica, argumentando, em síntese, que:

· “(…) o artigo 199.º do CPPT não acolhe um elenco meramente exemplificativo de tipos de garantia susceptíveis de constituir garantia idónea.
· “(…) além dos três tipos de garantia expressamente enunciados no n.º 1 do artigo 199.º do CPPT (garantia bancária, caução e seguro-caução), apenas podem e devem ser considerados como garantias idóneas para suspender o processo de execução, o penhor e a hipoteca voluntária, além da penhora constituída pela administração, nos termos do n.º 4.
· “(…) a ser admissível a fiança como meio susceptível de assegurar os créditos da Exequente, é óbvio que esta terá de ser prestada sob a forma de fiança bancária, atendendo a que esta é uma modalidade da “garantia bancária” elencada sob o n.º 1 do artigo 199.º do CPPT.
· “(…) a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que, pela sua natureza financeira, tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
· “(…) a fiança, em abstracto, não pode assegurar o pagamento de forma suficiente e eficaz os créditos do exequente no prazo de 30 dias após citação, previsto no n.º 2 do artigo 200.º do CPPT, o que pode colocar em risco a viabilidade de cobrança da dívida tributária.
· “(…) a aferição da idoneidade em concreto da fiança passa pela prévia determinação da data em que o fiador poderá vir a ser chamado a cumprir em lugar do primitivo devedor e pelo apuramento do património e da concreta situação económico-financeira do garante nessa data futura e indeterminada”, pelo que não sendo possível prever a data em que o fiador poderá vir a ser chamado a cumprir, em lugar do primitivo devedor, “a avaliação da idoneidade da fiança, em concreto, configura tarefa praticamente impossível de concretizar”.

Em face das conclusões, que delimitam o objecto do presente recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº3, e 685º-A/1 do CPC, a questão sub judice traduz-se em saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a reclamação, revogando o despacho reclamado, por considerar, em suma, ilegal a decisão do órgão da Administração Fiscal que recusou a fiança como forma de constituição de garantia em ordem a suspender o processo executivo.
A resposta a esta questão gira em torno da determinação do sentido e alcance desde logo do art. 199º do CPPT no sentido de saber se o mesmo exclui a possibilidade de constituição de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por fiança e se tal meio de garantia deve em abstracto ter-se por inidóneo


2.2 Da admissibilidade e idoneidade da Fiança como meio de constituição de garantia

A solução da questão que vem posta passa pela determinação do sentido e alcance a dar aos seguintes preceitos:

O art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT), que dispõe nos seus n.ºs 1 e 2:
«1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes Estados membros.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
[…]».
Por seu turno, o art. 169.º do CPPT diz nos seus n.ºs 1 e 2:
«1. A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
2. A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda».

Por sua vez, a redacção do art. 199.º do CPPT, nºs 1, 2 e 4, é a seguinte:
«1. Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2. A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
[…]
4. Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7».

Sobre o sentido e alcance destes preceitos, em especial no sentido de saber se o art. 199º do CPPT consagra um elenco taxativo ou aberto de garantias e se existe uma preferência legal sobre determinado tipo de garantias, atenta a sua imediata ou mais rápida conversão ou receita ou mesmo a maior ou menor liquidez, existe jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal.
Em concreto sobre a idoneidade da fiança já se pronunciou o STA, designadamente, por Acórdão de 14 de Março de 2012, proc nº 208/11.
Atendendo à identidade das situações e estando em causa a aplicação das mesmas normas jurídicas, não havendo razões para nos afastarmos da jurisprudência vazada no mencionado Acórdão, no qual interviemos como adjunta, na apreciação do caso dos autos passaremos a segui-lo de muito perto.
Assim, pode ler-se, desde logo, no mencionado Acórdão, que a leitura do art. 199º “revela inequivocamente que a enumeração feita no n.º 1 não é taxativa, mas meramente exemplificativa, como resulta da sua parte final, onde expressamente se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
Salvo o devido respeito, não faz sentido sustentar, como o faz a Recorrente, que naquele conceito aberto cabem apenas as formas de prestação de garantia previstas nos n.ºs 2 – penhor ou hipoteca voluntária – e 4 – penhora já efectuada ou a efectuar em bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido – do mesmo artigo. A ser assim, o legislador por certo teria optado por outra redacção que traduzisse essa sua intenção e não faria sentido algum a referência feita no n.º 1 do preceito a «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», sobretudo antecedida da conjunção disjuntiva ou (cfr. art. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC)). Na verdade, na interpretação que a Recorrente preconiza para o art. 199.º, de que as únicas formas de prestação de garantia legalmente admissíveis são as aí expressamente aludidas, por que teria o legislador incluído no n.º 1 tal referência? A aceitar-se a tese da Recorrente, essa referência seria absolutamente redundante, pois a interpretação do artigo sempre seria a mesma, ainda que no n.º 1 não se tivesse incluído aquela passagem. Por outro lado, que sentido faria o recurso ao conceito aberto em face da completa determinação das situações fácticas susceptíveis de o preencherem, ademais tão escassas?
Manifestamente, a lei, apesar de especificar algumas das formas por que pode ser prestada a garantia, fá-lo a título meramente exemplificativo, enunciando as mais comuns; mas, como resulta clara e inequivocamente do teor do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, podendo a garantia ser constituída por qualquer outro meio que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (Nesse sentido: na jurisprudência, o acórdão de 9 de Abril de 1997 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 21.021, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 886 a 890, sendo embora que o aresto se refira ao art. 282.º do Código de Processo Tributário, este artigo tem hoje correspondência no art. 199.º do CPPT; na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 199.º, pág. 411.).
Nesse conceito aberto – «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do
exequente» – cabe, designadamente, a fiança.
Pela fiança, que é uma das garantias especiais das obrigações, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor a satisfazer o direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor e respondendo, em princípio, com todo o seu património (cfr. art. 627.º, n.º 1, do CC).
A obrigação do fiador é acessória da do devedor, o que significa que a obrigação daquele tem o mesmo conteúdo da obrigação deste, como resulta do disposto no art. 634.º do CC, que dispõe: «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor».
Por outro lado, embora, por regra, a fiança tenha natureza subsidiária, o que significa que o fiador tem o direito de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiver excutido o património do devedor principal (cfr. art. 638.º do CC(Diz o art. 638.º do CC:
«1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
2. É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do devedor».), pode o fiador renunciar a esse benefício, como resulta do disposto no art. 640.º, alínea a), do CC(Diz o art. 640.º do CC na sua alínea a):
«O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores:
a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador;
[…]».). e como sucedeu no caso sub judice (cfr. n.ºs 5 e 11 dos factos provados).
Note-se, no entanto, que a característica da subsidiariedade da fiança nunca conflitua com a sua característica essencial – a acessoriedade –, pois o fiador nunca deixa de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito (cfr. o já referido art. 627.º do CC), podendo ser chamado a cumprir mesmo antes mesmo do devedor (cfr. art. 641.º do CC (Diz o art. 641.º do CC:
«1. O credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado.
2. Salvo declaração expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor à demanda importa renúncia ao benefício da excussão».).
Assim, em abstracto e na medida em que a fiança constitui um meio de assegurar convenientemente o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, temos que admiti-la como um meio legalmente admissível de constituição de garantia(É neste sentido que têm vindo a decidir os tribunais centrais administrativos. Vide os seguintes acórdãos:
· do Tribunal Central Administrativo Norte
­ de 23 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1497/11.9BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/58da49f26f8266c3802579650042bde1?OpenDocument;
­ de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1423/11.5BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/2761b93ca5ef5bb18025796b0050e84d?OpenDocument;
­ de 18 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 2615/11.2BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ba6b0667f03242e480257996004f8e34?OpenDocument;
· do Tribunal Central Administrativo Sul
­ de 6 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 3966/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e2b23d90e326312f80257734003c2597?OpenDocument.). Isto, obviamente, sem prejuízo do juízo que venha a ser efectuado em concreto relativamente à capacidade e idoneidade do fiador (cfr. art. 633.º, n.º 1, do CC(Diz o art. 633.º, n.º 1, do CC:
«1. Se algum devedor estiver obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem não tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a obrigação.
[…]».)”.
Não podemos, pois, concordar com a Recorrente quando esta sustenta que o art. 199.º do CPPT exclui a possibilidade da garantia se constituir mediante a prestação de fiança, através de um juízo abstracto”.
Outra ilação que se retira da jurisprudência do STA é que qualquer decisão sobre a idoneidade de uma garantia há-de resultar da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido.
O órgão da execução fiscal, perante o oferecimento de garantia mediante fiança, e não se questionando a capacidade do fiador se obrigar nem os quantitativos e prazos dos n.ºs 5 e 6 do art. 199.º do CPPT, deve limitar-se, com vista à averiguação da respectiva idoneidade, a avaliar se a fiança é ou não susceptível de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, maxime em face do património do fiador.
Com efeito, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, o legislador apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido.
Assim sendo, tal como ficou consignado no Acórdão do STA, de 15 de Fevereiro de 2012, proc nº 126/12, “a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração Fiscal não pode recusar a substituição com fundamento em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199º do CPPT conjugado com o nº 5 do art. 52º da LGT”.
No caso em apreço, o órgão de execução fiscal limita-se a fazer uma apreciação em abstracto sobre a idoneidade da fiança fazendo uma interpretação restrita e fechada do art. 199º, do CPPT restringindo-o às garantias nele expressamente enunciadas (garantia bancária, caução e seguro caução). Além destas, apenas devem ser consideradas como garantias idóneas para suspender o processo de execução, o penhor e a hipoteca voluntária, além da penhora constituída pela administração, nos termos do nº 4.
Assim sendo, segundo, este modo de ver as coisas, acrescenta a Administração fiscal que a ser admissível a fiança como meio susceptível de “assegurar os créditos da Exequente, é óbvio que esta terá de ser prestada sob a forma de fiança bancária, atendendo a que esta é uma modalidade da “garantia bancária” elencada sob o n.º 1 do artigo 199.º do CPPT”.
Em face da jurisprudência do STA, não assiste qualquer razão à recorrente quando retira do art. 199º do CPPT a enumeração taxativa de um elenco garantias que excluem a fiança, a não a ser a prestada sob a forma de fiança bancária.
Por outro lado, pese embora a inegável margem de discricionariedade que assiste à Administração Fiscal nesta matéria (Sobre a questão, vide os seguintes recentes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
­ de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 786/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b93c19fff50f44278025791a003aa551?OpenDocument;
­ de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 126/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d8816a5999c153cf802579b80056a4fd?OpenDocument.), a verdade é que não podem relevar-se como fundamentos válidos para afastar a fiança os esgrimidos no caso em apreço.
Como se pode ler na sentença recorrida, “Administração Tributária indeferiu a prestação da garantia através da fiança com fundamento na sua idoneidade, reconduzindo o juízo sobre a idoneidade da fiança a uma apreciação em abstracto sobre a fiança como modo de prestar garantia, concluindo que a mesma seria inadmissível, quer porque não está prevista no artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quer porque não assegura plena e seguramente o interesse público da efectiva cobrança dos créditos por impostos” (sublinhado nosso).
Alega a recorrente, neste sentido, designadamente, que a fiança não pode assegurar o pagamento de forma suficiente e eficaz dos créditos do exequente, no prazo de 30 dias, nos termos do art. 200º, nº2, do CPPT. Ora, pelas suas características também a hipoteca não satisfaz este requisito, o que levaria, segundo a tese da recorrente, a excluir também a hipoteca como garantia idónea.
O interesse da administração fiscal na realização célere dos seus créditos é um interesse legítimo e acautelado pela lei, mas que não passa pela preferência do legislador por certo tipo de garantias consoante a sua maior segurança, liquidez ou imediata execução.
O critério que o legislador elegeu para esse efeito assenta sim na idoneidade em concreto da garantia prestada para cobrir a totalidade da dívida exequenda, podendo a Administração Fiscal, em caso de diminuição significativa do valor dos bens, ordenar o seu reforço, nos termos do disposto no art. 199º, nº 9, do CPPT e nº 3 do art. 53º da LGT.
Como ficou dito no referido Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro passado, “[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”.
Como ficou consignado no Acórdão de 14 de Março de 2012, “Estes considerandos são válidos relativamente à fiança. É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efectuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT.
A interpretação subscrita pela Recorrente permitiria à AT estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar todas as que não assegurassem imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto”.
Finalmente, improcedem também os argumentos avançados pela Administração Fiscal quanto às dificuldades ligadas à avaliação em concreto da idoneidade da fiança e relacionadas com o facto de, por exemplo, não sendo possível prever a data em que o fiador poderá vir a ser chamado a cumprir, em lugar do primitivo devedor, a avaliação da idoneidade da fiança, em concreto, configurar tarefa praticamente impossível de concretizar.
Ora, acontece que esta dificuldade deriva do facto de a Administração Fiscal não ter procedido à avaliação em concreto da idoneidade da garantia prestada, no âmbito da qual não estaria impedida de colher dados e informações sobre, por exemplo, os ónus ou garantias que incidem sobre o património da empresa fiadora, a identificação dos beneficiários e até de pedir certidão sobre as fianças já existentes. Acresce que também não estaria igualmente impedida de exigir a actualização periódica no futuro destes dados bem como dos relativos a informações sobre o balanço da empresa fiadora.
Em suma, não tendo o órgão de execução fiscal procedido à avaliação em concreto da garantia oferecida, que rejeitou exclusivamente com o fundamento que este tipo de garantia – fiança – não seria admissível, apenas com o argumento da sua maior segurança e qualidade (liquidez imediata), significa que não há interesse público que justifique o sacrifício dos interesses da Executada.
Tal como ficou consignado no Acórdão de 14 de Março de 2012, “A AT pode recusar a fiança oferecida se achar que a mesma, em concreto, não garante o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. O que não pode é, em abstracto, recusar essa forma de prestação de garantia, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos da Executada”.
Realce-se que a administração fiscal deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e art. art. 5.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo), o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles.
Em conclusão, ao ter fundado a decisão de recusa da garantia oferecida através de fiança em parâmetros que, seguramente, não integram o critério legal de aferição da idoneidade dessa garantia, incorreu o respectivo autor em vício de violação de lei, a determinar a respectiva anulação, como bem decidiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Por tudo o exposto, o recurso não merece provimento, confirmando-se a sentença recorrida.


III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 12 de Setembro de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.