Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0585/16
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
LEGITIMIDADE
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:I - O devedor do crédito penhorado tem legitimidade para reclamar do acto por que o órgão da execução fiscal o considera executado, por entender que aquele incumpriu com a obrigação de depósito no prazo legal, na medida em que tal acto é lesivo dos seus direitos, sendo manifesto o seu interesse directo em impugná-lo (cfr. art. 276.º do CPPT e 30.º do CPC).
II - A reclamação deduzida pelo executado contra o indeferimento do pedido de pagamento em prestações tem efeito suspensivo da execução fiscal [mesmo depois das alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, e na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do mesmo Código pela Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro], sob pena de perda do efeito útil da reclamação e de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP.
III - O facto de o devedor do crédito, no caso de o depósito não ser efectuado no prazo referido, passar a ser executado no processo de execução fiscal, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, não o transforma em devedor da dívida tributária, pois a execução, no que a ele respeita, reporta-se ao crédito que sobre ele tem o executado e não ao crédito tributário.
IV - Assim, na reclamação judicial dita em I não pode o devedor do crédito penhorado esgrimir fundamentos que respeitam exclusivamente à relação material entre o exequente e o executado, mas nada obsta a que invoque como fundamentos do pedido de anulação do acto impugnado invalidades respeitantes à relação processual entre estes e que se repercutam na sua esfera jurídica, designadamente que a execução fiscal devia estar suspensa por força da reclamação dita em II.
Nº Convencional:JSTA00069754
Nº do Documento:SA2201606150585
Data de Entrada:05/10/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPT ART125 ART224 ART276 ART278.
LGT ART52 ART95 ART103.
CPC13 ART30 ART608 N2 ART773 ART777
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC019243 DE 1995/05/31.; AC STA PROC019217 DE 1995/09/27.; AC STA PROC0532/10 DE 2010/04/07.; AC STA PROC0909/14 DE 2014/09/17.; AC STA PROC0990/15 DE 2015/08/05.; AC STA PROC01112/15 DE 2015/10/14.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG361-362 VOLIII PAG268-269 PAG617-618 VOLIV PAG302-303.
LEBRE DE FREITAS E OUTROS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLI PAG51.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2925/15.0BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Tributário de Lisboa, deferindo a reclamação deduzida pela sociedade denominada “A…………, S.A.” (doravante Reclamante ou Recorrida) ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anulou o acto por que o órgão da execução fiscal a “declarou” executada pela falta de depósito do valor do crédito penhorado, de que é devedora à sociedade contra quem foi instaurada a execução.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1.º O respeitoso tribunal a quo incorreu em nulidade, por contradição por oposição entre os fundamentos e a decisão e a existência de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, ou subsidiariamente por excesso de pronúncia;

2.º Porquanto, na análise da excepção suscitada de caso decidido, entendeu o respeitoso tribunal a quo que “na presente reclamação não é pedida a anulação do acto de penhora de créditos, de 12/05/2015 mas sim é pedida a anulação do acto que declarou executada a Reclamante, datado de 23/07/2015, sendo esta ilegalidade a sindicar”.

3.º Porém, veja-se agora, a argumentação expendida para fundamentar a pretensão reclamatória e em suma, dar provimento ao peticionado:
“após o dia 16/04/2015, a Autoridade Tributária tinha de suspender a execução, devido ao efeito suspensivo da apresentação da reclamação, nessa data por parte da Executada.
Assim sendo, assiste razão à Reclamante, uma vez que a Autoridade Tributária estava impedida de praticar actos no âmbito do processo de execução fiscal, não podendo designadamente ter praticado a penhora de créditos, nem o despacho impugnado, que lhe seguiu” (negrito e sublinhado nossos)

4.º Ou seja, o respeitoso tribunal a quo, indefere as suscitadas excepções alegando que o despacho, que o acto reclamado não é o de penhora, mas depois por outro lado, julga ilegal tal acto.

5.º Entendemos pois que, com base na fundamentação vertida na douta sentença, maxime a indeferir as excepções suscitadas, não poderia fundamentar a sentença com tal ilegalidade, pois deveria seguir o itinerário cingindo-se ao despacho proferido a 23.07.2015, pois o acto de penhora encontra-se coberto pelo caso decidido, devendo, em consequência, o silogismo dar como válido tal acto, e não indo a montante procurar uma ilegalidade, que não existe, mas ainda assim, não pode ser assacada para fundamentar a anulação do despacho de 23.07.2015, pois sanadas estão pelo decurso do tempo, maxime pelo princípio da certeza e segurança jurídica e do caso decidido.

6.º Decidindo assim o respeitoso tribunal a quo, incorreu em nulidade, por contradição por oposição entre os fundamentos e a decisão e a existência de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, ou subsidiariamente por excesso de pronúncia

7.º Incorre ainda em nulidade por excesso de pronúncia, porquanto o respeitoso tribunal a quo refere que “os actos praticados pelo órgão de execução fiscal na pendência de um processo de execução que está suspenso serão ilegais”.

8.º Porém, os autos executivos não se encontram suspensos, pois tal prerrogativa (de suspender ou não) compete em exclusivo à Autoridade Tributária, enquanto órgão de execução fiscal, sendo que o Tribunal controla a legalidade da sua actuação, mas o que verdadeiramente importa in casu é que os autos de execução não se encontram suspensos

9.º Assim, parte de uma premissa, de todo, errada para chegar a conclusão vertida na sentença.

10.º Diferente seria a determinação, pelo Tribunal, da suspensão dos autos. Mas não é o que se está a discutir nesta sede, até porque o órgão de execução fiscal não se pronunciou quanto a esta matéria (da suspensão dos autos)

11.º Poderia ser até provocado, maxime através de requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal a requerer a suspensão dos autos, porém, tal nunca foi feito, não havendo como tal qualquer decisão do Chefe de Finanças nesse sentido, pelo que há excesso de pronúncia do Tribunal a quo, porquanto se deve cingir ao despacho que executa o reclamante

12.º Por erro de julgamento, porquanto centrando-nos no caso dos autos, constatamos que a reclamante não assaca qualquer vício ao despacho que ordena a sua execução, antes a outros actos no processo de execução fiscal, nomeadamente a penhora do crédito que a executada detinha sobre a reclamante e que esta última expressamente reconheceu e em momento algum nega a sua existência

13.º Discordamos frontalmente do vertido na douta sentença, a fls. 18, em que vai dito que “a penhora de créditos está numa relação de prejudicialidade e precedência cronológica, estando umbilicalmente relacionado e sendo causa da prática do acto impugnado, mas através destes dois existe uma causa maior a que é imputado o vício de ambos, sem a qual nenhum dos dois teriam sido praticados, que reside tão só no prosseguimento eventualmente ilegal da reclamação, depois do dia 16/04/2015, por inobservância do seu efeito alegadamente suspensivo no processo”.

14.º Ora, no nosso modesto entendimento, a penhora, como acto lesivo que é, mostra-se ser um acto inteiramente destacável, pelo que deveria ter sido colocado em crise através de reclamação dos actos do órgão de execução fiscal.

15.º Até porque a reclamação do indeferimento do pedido de pagamento em prestações da executada originária deu entrada no dia 16/04/2015, sendo a penhora posterior, de 12/05/2015, não fazendo qualquer sentido o silogismo que o respeitoso tribunal a quo adoptou

16.º Assim, se eventualmente a penhora ocorresse em momento anterior à apresentação da reclamação seria compreensível o caminho trilhado com tal argumentação, pois ocorreria uma superveniência de factos objectiva.

17.º Porém, in casu, não ocorreu qualquer superveniência, nem objectiva nem subjectiva, pois não consta do probatório nem é alegado que só posteriormente a reclamante tenha tido conhecimento da apresentação da reclamação, pelo que a argumentação vertida na douta sentença não pode colher.

18.º Assim, neste pendor, sendo que o acto de penhora se encontra a coberto do caso decidido, não pode ser declarado como ilegal nem tão pouco ser visto e analisado numa relação de prejudicialidade com o acto impugnado, sob pena de violação do caso decidido e dos princípios da certeza e segurança jurídicas.

19.º Devendo pois ser, apenas e tão-somente, no nosso humilde entendimento, apreciada a legalidade do acto impugnado, ou seja, o acto que declarou a reclamante executada.

20.º Acresce que, para aferirmos da legalidade do acto colocado em crise e ao qual nos devemos cingir, devemos ter em atenção ao cotejo dos artigos 224.º do CPPT, 773.º e 777.º do CPC.

21.º Donde se pode concluir que “Nos termos conjugados dos citados preceitos resulta, claramente, que cabe ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, a data em que se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar a execução, e, bem assim, que na falta dessa declaração se entende que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito a penhora.

22.º “Nesta fase, o terceiro devedor do crédito penhorado apenas tem o ónus de confirmar ou negar a existência do crédito, devendo, no primeiro caso, colocar o respectivo montante à ordem do órgão de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 224.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, sob pena de vir a ser forçado a esse cumprimento através do direccionamento da execução contra ele com base num título que é agora a declaração de reconhecimento do devedor, como estabelece o n.º 3 do artigo 777.º do CPC”.

23.º “Visto o quadro normativo de referência e de regresso ao caso dos autos, constata-se que o despacho reclamado, que declarou a ora reclamante executada no processo de execução fiscal, ao abrigo dos artigos 224.º do CPPT e 777.º do CPC, por ter reconhecido a existência do crédito já vencido e não ter procedido à respectiva entrega, se limitou a concretizar as disposições legais supra citadas e o regime legal que das mesmas resulta”

24.º “Não se detecta, assim, qualquer ilegalidade na decisão do órgão de execução fiscal que declarou a ora reclamante executada no processo de execução fiscal ao abrigo das supra citadas disposições legais, em face da penhora de créditos efectuada em 12 de Maio de 2015 e dá inexistência de depósito em seu cumprimento”.

25.º Entendemos pois, que não enferma de qualquer ilegalidade o despacho proferido a 23.07.2015.

26.º Finalmente, entendemos ainda, que da forma como tribunal a quo configura a acção, careceria de legitimidade activa a própria reclamante, porquanto, esta não é a executada, logo, quem teria legitimidade para questionar a violação do princípio da proporcionalidade seria a executada, uma vez que estaria a ser onerada com imposição excessiva ou seja, além da garantia oferecida ainda veria um crédito seu executado.

27.º Sendo que a reclamante, enquanto devedora, não teria legitimidade, e na perspectiva dos seus direitos não haveria qualquer desproporcionalidade ou excesso, pois esta reconheceu a dívida à executada, pelo que ter de pagar directamente à executada ou ao credor, in casu Fazenda Pública, não vislumbramos qualquer desproporção.

28.º Esta ocorreria sim na óptica da executada, pelo que consubstancia ilegitimidade activa que se invoca.

29.º Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada com todas as legais consequências devidas,

Termos em que,

Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue improcedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, com todas as consequências legais».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…]
Recorre a Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 10.03.2016 que julgou, em parte, procedente a reclamação, anulando o acto reclamado.
Começa por alegar que a sentença recorrida é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, por ambiguidade ou obscuridade ou, subsidiariamente, por excesso de pronúncia.
Mas não tem razão, salvo melhor entendimento.
Não tem razão porque ao decidir nos termos do segmento transcrito na Conclusão 3.ª não está, obviamente, o Tribunal a quo a formular um juízo de invalidade do acto de penhora do qual venha a retirar consequências decisórias. O que a sentença claramente refere, sem quaisquer ambiguidades, é que “devido ao efeito suspensivo da apresentação da reclamação” não podia a AT praticar actos no âmbito da execução fiscal, não podendo praticar, designadamente, o acto de penhora de créditos e o acto impugnado nestes autos. Há, de resto, nesse segmento, uma clara distinção entre o acto de penhora e o acto impugnado, sendo este, como não podia deixar de ser, o único que é anulado, anulação essa que, ao invés do que vem alegado, manifestamente não se fundamenta na ilegalidade do acto de penhora.
Não tem ainda razão porque ao considerar, no discurso fundamentador da decisão, que o processo de execução fiscal se encontra suspenso, não está o Tribunal a quo a conhecer de questão de que não pudesse conhecer desde logo porque se trata de questão que expressamente vem alegada no articulado inicial. Poderá entender-se, como parece entender a ora Recorrente, que tal afirmação consubstancia um erro de julgamento. O que não pode entender-se é que o conhecimento dessa questão constitua excesso de pronúncia.
No que respeita à questão de fundo, para além de me rever na argumentação vertida na sentença recorrida quanto à questão do apelidado “caso decidido ou resolvido”, igualmente tendo a acompanhar o entendimento expresso na sentença recorrida quanto à questão da suspensão da execução fiscal decorrente da dedução da reclamação a que alude o ponto G) dos factos provados e isso, não obstante as objecções que se podem suscitar em face da alteração da norma do art. 278.º do CPPT, operada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dez.
Com efeito, se bem que as alterações operadas pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dez. pareçam indicar que o legislador pretendeu eliminar a possibilidade da dedução de reclamação do art. 276.º do CPPT, com subida imediata, poder determinar a suspensão automática da prática de actos de execução, essa interpretação não será de admitir, como critério absoluto, sob pena de irremediável esvaziamento da utilidade desse meio processual em casos como o dos autos. E, sendo certo que o efeito suspensivo está em princípio limitado ao acto reclamado, casos há em que a substância deste acto claramente impõe que o efeito suspensivo decorrente da dedução da reclamação não se circunscreva ao acto reclamado, podendo implicar, como forma de assegurar a tutela judicial efectiva dos interesses do reclamante, que o efeito suspensivo tenha uma maior extensão levando à suspensão automática da própria execução fiscal.
No caso vertente, como bem se refere na sentença recorrida “tendo sido reclamado um acto de indeferimento do pedido de pagamento em prestações, deve considerar-se suspensa toda a execução, uma vez que, através de tal pedido, o objectivo é evitar a execução e a realização de penhoras (o que só aconteceria, no primeiro caso, se fosse incumprido o pagamento das prestações, nos termos do art. 200.º do CPPT), sendo certo que caso não ficasse suspensa a execução, após a reclamação, a execução prosseguiria através destes mesmos actos de penhora e posterior venda, tornando-se absolutamente inútil uma sentença judicial que viesse a deferir a reclamação e a anular aquele acto que indeferiu o pedido de pagamento em prestações. Ou seja, neste caso a suspensão da eficácia do acto reclamado reveste grande amplitude, traduzindo-se na impossibilidade de prosseguir a execução”.
Ao assim decidir não padece, pois, a sentença recorrida, dos vícios que lhe são assacados».

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.7 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença enferma das nulidades e erros de julgamento que a Recorrente lhe assaca, designadamente, se incorreu em nulidade por «oposição entre os fundamentos e a decisão», por «ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível» ou por excesso de pronúncia (cfr. conclusões 1.ª a 11.ª), e se fez errado julgamento quando considerou que a ora Recorrida tem legitimidade para reclamar (cfr. conclusões 26.ª a 28.ª), quando considerou não se verificar violação do caso decidido ou caso resolvido (cfr. conclusões 12.ª a 18.ª) e quando averiguou da legalidade do acto reclamado para além da conformidade deste com o disposto nos arts. 224.º do CPPT e 773.º e 777.º do Código de Processo Civil (CPC), designadamente considerando que a execução deveria estar suspensa na sequência da reclamação deduzida pela Executada contra o indeferimento do seu pedido de pagamento da dívida exequenda e do acrescido em prestações (cfr. conclusões 19.ª a 25.ª).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) Em 17/07/2013, a Reclamante celebrou um “acordo obtido em processo SIREVE”, que aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. admissão por acordo e fls. 40 e 41 dos autos;

B) Em 05/02/2015, foi extraída “certidão de dívida” no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3255201501072200, relativamente à executada sociedade “A…………, S.A.” (Executada originária), para cobrança de dívidas de IVA referentes ao mês de Novembro de 2014, no valor de € 498.853,42 - cfr. fls. 3 e 4 do processo de execução fiscal (PEF) apenso;

C) Em 13/02/2015, a referida Executada apresentou junto do Serviço de Finanças Lisboa 10 um pedido de pagamento em 24 prestações da dívida relativa ao processo de execução fiscal em apreço - cfr. fls. 5 e 6 do PEF;

D) Por despacho de 24/02/2015, a chefe do Serviço de Finanças Lisboa 10 determinou o envio imediato do pedido de pagamento em prestações à Direcção de Finanças de Lisboa - Divisão de Gestão da Dívida Executiva, em virtude de a autorização para tal pedido competir ao órgão periférico regional - cfr. fls. 9 do PEF;

E) Por despacho de 19/03/2015, proferido pelo Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, que se dá por integralmente reproduzido, o pedido de pagamento em prestações apresentado pela Executada originária foi indeferido - cfr. fls. 20 a 23 do PEF;

F) Por ofício datado de 30/03/2015, foi comunicado à Executada originária o indeferimento do seu pedido de pagamento em prestações, salientando-se o seguinte teor deste ofício - cfr. fls. 24 do PEF:

“(...) Assunto: PEDIDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES

Ficam V. Exas., por este meio notificados, do teor dos despachos de indeferimento proferidos relativamente aos requerimentos entrados neste Serviço em 2015/02/13 e relativo a pedido de pagamento em prestações dos PEF 3255201481036760 e apensos e 3255201501072200.
Caso não concorde com a decisão proferida poderá, no prazo de 10 (dez) dias contados da assinatura do AR, reclamar para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância nos termos dos artigos 276.º e 277.º do CPPT.
Juntam-se cópias da informação e despacho.
Com os melhores cumprimentos.
O Chefe de Finanças Adjunto,
(…………)”;

G) Em 16/04/2015, através de carta registada nessa data com A/R, a Executada originária, sociedade “A…………, S.A.” enviou à Autoridade Tributária uma reclamação dirigida ao Tribunal Tributário de Lisboa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando “prejuízo irreparável”, requerendo a sua “subida imediata” e pedindo “a anulação do despacho que indeferiu o pagamento em prestações requerido” - cfr. fls. 26 a 39 dos autos;

H) A referida reclamação foi recebida pela Autoridade Tributária em 17/04/2015, conforme aviso de recepção assinado nessa data - cfr. fls. 39 dos autos;

I) Em 12/05/2015, no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, foi “penhorado o crédito” da Executada originária sobre a ora Reclamante, no montante de € 2.952.000,00, nos termos do auto de penhora a fls. 28 e 29 do PEF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J) Na data supra referida, a Reclamante prestou a seguinte declaração e foi-lhe comunicado, conforme auto de penhora a fls. 28 e 29 do PE cujo teor se dá por integralmente reproduzido:

(...) A devedora, na pessoa do seu administrador supra melhor identificado, declarou, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 224.º do CPPT reconhecer a existência do crédito já vencido/a vencer no dia 30/01/2015, tendo sido, ainda, notificada para efectuar o depósito do valor penhorado no prazo de 30 dias a contar da data da penhora/vencimento, depositar a respectiva importância em Operações de Tesouraria, à ordem do respectivo Chefe do Serviço de Finanças, mediante guias a solicitar num Serviço de Finanças, sob pena de não o fazendo ser executado/a no próprio processo de execução fiscal pelo valor respectivo, sem prejuízo de eventual procedimento criminal (al. b) do n.º 1 do artigo 224.º do CPPT, alínea a) do artigo 233.º do CPPT e n.º 2 do artigo 771.º do CPC).(...)

K) A Reclamante não apresentou reclamação da referida penhora de créditos (admissão por acordo);

L) Em 23/07/2015, foi elaborada pelo Serviço de Finanças Lisboa 10 a seguinte informação (cfr. fls. 30 do PEF):

EXECUTADO: A…………, S.A., NIF ………

Processos executivos: 3255201501072200
Valor em dívida: Quantia Exequenda - € 498.853,42
Juros de Mora - € 10.926,88
Custas - € 5.221,36
TOTAL € 515.001,66

INFORMAÇÃO

No processo executivo supra identificado, foi, em 2015.05.12, penhorado o crédito, já vencido, detido pela sociedade executada sobre a A…………, S.A., NIF ……….
O crédito é no montante de € 2.952.000,00, conforme factura n.º 9336000100.
O mesmo crédito foi, na mesma data, também penhorado nos seguintes processos de execução fiscal instaurados contra a mesma executada:

Número do Processo
Valor da Dívida
3255201401439227
87.415,79
3255201481036760 e apensos
733.302,68
3255201501099612
608.523,31

No momento das penhoras, o crédito foi reconhecido como já vencido e, apesar de notificada para efectuar o respectivo depósito no prazo de 30 dias, a entidade devedora do crédito não entregou os valores em causa.
Assim, atendendo a que o crédito penhorado e não entregue é de montante superior à soma dos valores necessários para assegurar a totalidade dos processos, proponho que a entidade detentora do crédito seja executada, no próprio processo, pela importância correspondente ao valor actualmente em dívida, acrescida de custas e juros de mora vincendos.
À consideração superior.
Serviço de Finanças de Lisboa 10, 2015.07.23
O Chefe de Finanças Adjunto
(…………)”;

M) Em 23/07/2015, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10 proferiu o seguinte despacho, exarado na informação supra referida - cfr. fls. 30 do PEF:

DESPACHO

Concordo com a proposta de decisão. Atendendo a que a entidade A…………, S.A., NIF ………, apesar de notificada e de ter reconhecido a existência do crédito já vencido, não procedeu à respectiva entrega, declaro-a executada no processo 3255201501072200 (artigos 224.º/1-b, do CPPT e 777/3 do CPC), pela importância de € 515.001,66, acrescida de custas e juros de mora vincendos. Notifique-se e extraia-se o mandado de penhora.
Serviço de Finanças Lisboa 10
A Chefe de Finanças
…………

N) Em 03/08/2015, a Reclamante tomou conhecimento do referido, através do ofício com o seguinte teor, que se dá por integralmente reproduzido, enviado por carta registada com A/R assinado nessa data: (cfr. fls. 31 e 32 do PEF);

(...) Assunto: EXECUÇÃO EM PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL - ART 224.º/1-B) E 777.º/3 DO CPC

Ficam V. Exas., por este meio notificados de que por despacho de 2015/07/23 proferido no PEF 325520150 foram executados nos termos dos artigos 224.º n.º 1 alínea b) e 777.º n.º 3 do CPC, em virtude de não terem procedido à entrega do produto da penhora de créditos reconhecidos, conforme cópia da informação e despacho que se juntam.
Caso não concorde com a decisão proferida poderá, no prazo de 10 (dez) dias contados da assinatura do AR, reclamar para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância nos dos artigos 276.º e 277.º do CPPT
Juntam-se cópias da informação e despacho.
Com os melhores cumprimentos.
O Chefe de Finanças Adjunto
(…………)

O) A presente reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças de Lisboa 10, através de carta registada com data de 13/08/2015 - cfr. fls. 16 dos autos;

P) A reclamação apresentada pela Executada originária (em 16/04/2015) não “subiu” ao Tribunal (cfr. admissão por acordo e consulta do SITAF)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal deduzida contra a sociedade denominada “A…………, S.A.” para cobrança coerciva de uma dívida de IVA no valor de € 498.853,42 a Executada pediu o pagamento da dívida exequenda e do acrescido em prestações. O pedido foi recusado e a Executada reclamou ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT dessa decisão, invocando o prejuízo irreparável e requerendo a subida imediata da reclamação a juízo. A referida reclamação ainda não foi decidida (Sendo até que, inexplicavelmente, não terá ainda sido remetida a tribunal, como decorre da alínea P) dos factos provados.).
Já depois de deduzida a referida reclamação, o órgão da execução fiscal penhorou um crédito que a Executada detinha sobre a sociedade denominada “A…………, S.A.”, do montante de € 2.952.000,00, sendo que esta, nos termos do disposto no art. 224.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, reconheceu a existência do mesmo, já vencido.
Considerando que a sociedade devedora desse crédito não cumpriu a obrigação de proceder ao depósito do respectivo valor dentro do prazo legal de 30 dias que lhe foi assinalado quando da penhora (Apesar de o n.º 1 do art. 224.º do CPPT dispor que «[a] penhora de créditos consiste na notificação ao devedor […] de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal», a penhora foi concretizada através de auto de penhora.), o órgão da execução fiscal determinou que aquela sociedade fosse executada no processo pelo «produto da penhora de créditos reconhecidos», ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 224.º («O devedor, se reconhecer a obrigação imediata de pagar ou não houver prazo para o pagamento, depositará o crédito em operações de tesouraria, à ordem do órgão da execução fiscal, no prazo de 30 dias a contar da penhora, e, se o não fizer, será executado pela importância respectiva, no próprio processo».).
Foi do despacho que determinou que a sociedade devedora do crédito penhorado fosse executada nos autos nos referidos termos que esta interpôs reclamação ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT.
Alegou, como fundamentos da reclamação e no que ora nos interessa considerar, que a execução fiscal deveria considerar-se suspensa pela interposição pela Executada da reclamação contra o indeferimento do pedido de pagamento em prestações, pelo que a sua prossecução, quer com a penhora quer com o despacho reclamado – que ordenou que fosse executada no processo de execução fiscal ao abrigo da parte final da alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT – deve ser considerada ilegal, por violação do efeito suspensivo decorrente do art. 278.º do CPPT, a determinar a anulação daquele despacho.
Na contestação, a Fazenda Pública invocou, no que ora nos interessa considerar, a ilegitimidade da Reclamante, por entender que esta não pode invocar factos que respeitam a uma relação material a que é alheia, que o acto da penhora se consolidou como caso decidido ou caso resolvido por falta de oportuna impugnação e que a execução fiscal não estava suspensa, pois a suspensão só é possível nas situações previstas no art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) e a sociedade Executada não prestou garantia nem foi dispensada de a prestar.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou o acto impugnado que, recorde-se, é aquele por que o órgão da execução fiscal determinou que a sociedade devedora do crédito penhorado (aí Reclamante e ora Recorrida) fosse executada no próprio processo de execução fiscal pelo montante correspondente à dívida exequenda e ao acrescido (uma vez que o valor do crédito penhorado excedia aquele montante).
Sempre apenas na parte que ora nos interessa considerar, por ser a que se refere às questões suscitadas pela Recorrente, a sentença começou por apreciar a legitimidade da Reclamante, para, depois de vários considerandos em torno deste pressuposto processual, considerar, em síntese, que não há dúvidas de que a Reclamante é parte legítima, porque, sendo esta aferida em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial, à luz do pedido aí formulado e da causa de pedir invocada, é manifesto que aquela tem um interesse directo na anulação do acto reclamado, cuja lesividade para a sua esfera jurídica é evidente. Depois, reportando-se à excepção do caso decidido invocada pela Fazenda Pública, a sentença, após tecer pertinentes considerandos sobre a natureza e alcance da excepção e de distingui-la da excepção do caso julgado, também invocada pela Fazenda Pública na contestação, considerou que não é o acto da penhora que está a ser atacado (pese embora a Reclamante sustente também a sua ilegalidade), mas antes o acto por que o órgão da execução fiscal decidiu executar a sociedade devedora do crédito penhorado, sendo que a ilegalidade imputada a este último não advém da ilegalidade da penhora, mas antes da ilegal prossecução da execução. Finalmente, quanto ao efeito suspensivo da reclamação deduzida pela Executada contra o indeferimento do seu pedido de pagamento em prestações, considerou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, também após exaustiva tarefa hermenêutica, com pertinentes considerandos em torno do art. 278.º do CPPT e análise da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015), que o único meio de assegurar efeito útil àquela reclamação é reconhecer-lhe efeito suspensivo da execução fiscal, o qual, não tendo sido respeitado, tem como consequência a ilegalidade do acto reclamado, a determinar a sua anulação.
A Fazenda Pública discorda do decidido. Em síntese, considera que a sentença i) enferma de nulidades «por contradição por oposição entre os fundamentos e a decisão e a existência de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, ou subsidiariamente por excesso de pronúncia» e fez errado julgamento, quer ao ii) entender que a Reclamante é parte legítima, quer ao iii) considerar que a reclamação não viola o caso decidido que se formou relativamente à penhora do crédito, quer ao iv) reconhecer efeito suspensivo à reclamação deduzida pela Executada contra a decisão que lhe indeferiu o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda e do acrescido.
Assim, as questões a apreciar e decidir no presente recurso são as que enunciámos em 1.7.

2.2.2 DAS NULIDADES ASSACADAS À SENTENÇA

2.2.2.1 Contrariamente ao que parece supor a Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo refere-se exclusivamente ao acto reclamado, que foi por ela bem identificado como sendo o acto por que a ora Recorrida foi chamada à execução fiscal ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, no pressuposto de que incumpriu com a obrigação que sobre ela impendia enquanto devedora do crédito penhorado, de depositar o valor desse crédito à ordem da execução no prazo de 30 dias a contar da penhora. Como resulta inequivocamente do teor da sentença, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa apenas decretou a anulação desse acto.
Não vislumbramos, pois, como possa sustentar-se a existência de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (Esta nulidade, como a doutrina e jurisprudência têm vindo a dizer, ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, a solução diversa da que foi adoptada na sentença, quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência. Vide, por todos, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 9 ao art. 25.º, págs. 361/362.), que a Recorrente parece referir à circunstância de na sentença, depois de se ter dito que «na presente reclamação não é pedida a anulação do acto de penhora de créditos, de 12/05/2015, mas sim é pedida a anulação do acto que declarou executada a Reclamante, datado de 23/07/2015, sendo esta a ilegalidade a sindicar», se ter adiante afirmado que não podia a Autoridade Tributária ter praticado actos no processo de execução fiscal depois de a Executada ter apresentado reclamação da decisão de indeferimento do pedido de pagamento em prestações, afirmação efectuada nos seguintes termos: «a Autoridade Tributária estava impedida de praticar actos no âmbito do processo de execução fiscal, não podendo designadamente ter praticado a penhora de créditos, nem o despacho impugnado, que se lhe seguiu». Dessa circunstância, a Recorrente retirou a conclusão de que o Tribunal a quo «indefere as suscitadas excepções alegando que o despacho, que o acto reclamado não é o de penhora, mas depois por outro lado, julga ilegal tal acto».
Como resulta claramente da leitura integral da sentença, nela não se formulou qualquer juízo decisório quanto ao acto de penhora, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo.
Como deixámos já dito, a única decisão proferida nos presentes autos foi a de anulação do acto por que o órgão da execução fiscal chamou a ora Recorrida à execução na qualidade de executada por falta de depósito do crédito penhorado. Assim, e uma vez que toda a fundamentação expendida na sentença vai no sentido de demonstrar a ilegalidade da decisão de chamar à execução na qualidade de executada a devedora do crédito penhorado e a decisão aí proferida foi a de anulação desse acto, não é possível configurar oposição alguma entre os fundamentos e a decisão, não vislumbrando nós a mínima incoerência e, muito menos, qualquer contradição lógica entre aqueles e esta.
Em síntese, não ocorre a invocada nulidade por oposição entre os fundamentos e decisão pelo simples facto de que neste processo nada foi decidido relativamente ao acto de penhora.

2.2.2.2 A Recorrente arguiu também nulidade da sentença por «ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível».
Salvo o devido respeito, mal se compreende a arguição da Recorrente, insuficientemente fundamentada e que, desde logo, não esclarece se o vício imputado à sentença é a ambiguidade ou a obscuridade. Sendo certo que revela um correcto entendimento do âmbito da nulidade, afirmando que a mesma ocorre «quando o pensamento do juiz que se retira da análise da decisão se afigura incompreensível ou imperceptível ou quando o sentido da decisão não seja unívoco, por ser susceptível de diversas interpretações ou comportar vários significados ou sentidos», não concretiza de modo perceptível o vício.
Num esforço hermenêutico da nossa parte, parece que a Recorrente entende que, tendo a Juíza considerado expressamente – em ordem a julgar improcedente a invocada excepção de violação do caso decidido ou caso resolvido – que o acto reclamado não era o acto de penhora, não podia depois «fundamentar a sentença com tal ilegalidade» e, ao invés, «deveria seguir o itinerário cingindo-se ao despacho proferido a 23.07.2015, pois o acto de penhora encontra-se coberto pelo caso decidido, devendo, em consequência, o silogismo dar como válido tal acto, e não indo a montante procurar uma ilegalidade, que não existe, mas ainda assim, não pode ser assacada para fundamentar a anulação do despacho de 23.07.2015, pois sanadas estão pelo decurso do tempo, maxime pelo princípio da certeza e segurança jurídica e do caso decidido».
Ou seja, a Recorrente discorda do entendimento adoptado na sentença recorrida, mas, salvo o devido respeito, revela uma menos perfeita compreensão do âmbito desta. A sentença não assentou a invalidade do acto reclamado na ilegalidade da penhora; o que a sentença afirmou, com meridiana clareza, foi que, por força do efeito suspensivo da reclamação que a Executada apresentou contra o acto que lhe indeferiu o pedido de pagamento em prestações, não podia o órgão da execução fiscal praticar actos no âmbito do processo de execução. Foi por isso que, de modo também evidente e inequívoco, anulou o acto impugnado.
Seja como for, tal discordância, podendo integrar a alegação de erro de julgamento, manifestamente não se situa no âmbito da validade formal da sentença, que é onde se integram as nulidades.
Concluindo, não se verifica a arguida nulidade, sendo claro e inequívoco o sentido da sentença, quer quanto aos seus fundamentos quer quanto à decisão aí proferida.

2.2.2.3 Invoca ainda a Recorrente a nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que a sentença considera que «os actos praticados pelo órgão da execução fiscal na pendência de um processo de execução que está suspenso serão ilegais», quando a execução fiscal não se encontrava suspensa e a suspensão da mesma nem sequer foi matéria abordada pelo órgão da execução fiscal, sendo que poderia tê-lo sido, bastando para tanto que a questão lhe tivesse sido suscitada.
Assim, na tese da Recorrente, não podia conhecer-se a questão da suspensão da execução fiscal na sentença, antes devendo esta cingir-se «ao despacho que executa a reclamante».
Sempre salvo o devido respeito, a Recorrente revela uma menos perfeita compreensão do âmbito da nulidade por excesso de pronúncia, que se refere ao conhecimento pelo tribunal de questões que, não sendo do conhecimento oficioso, não tenham sido suscitadas pelas partes [cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e arts. 615.º, n.º 1, alínea d), e 608.º, n.º 2, do CPC].
Na verdade, a ora Recorrida, na reclamação que deduziu contra o despacho por que foi chamada à execução fiscal, invocou, para além do mais, a ilegalidade do acto impugnado com o fundamento de que o mesmo não poderia ter sido praticado atento o efeito suspensivo decorrente da interposição de reclamação pela Executada contra o indeferimento do seu pedido de pagamento em prestações.
Pode, eventualmente, a sentença não ter feito correcto julgamento da questão (e disso cuidaremos adiante); não pode, seguramente, é afirmar-se que o Tribunal excedeu os seus poderes de cognição ao apreciar se a referida reclamação interposta pela Executada tinha ou não efeito suspensivo da execução fiscal e ao, decidindo afirmativamente a questão, anular o acto impugnado com fundamento na violação desse efeito suspensivo.
A sentença não enferma, pois, de nulidade por excesso de pronúncia.

2.2.3 DA LEGITIMIDADE DA RECLAMANTE

Sustenta a Recorrente que, «tal como o tribunal configura a acção», a Reclamante não teria legitimidade porquanto apenas a Executada «teria legitimidade para questionar a violação do princípio da proporcionalidade», pois seria ela «que estaria a ser onerada com imposição excessiva», na medida em que «além da garantia oferecida ainda veria um crédito seu executado»; já a Reclamante «enquanto devedora» do crédito penhorado «não teria legitimidade», uma vez que «na perspectiva dos seus direitos não haveria qualquer desproporcionalidade ou excesso, pois esta reconheceu a dívida à executada, pelo que ter de pagar directamente à executada ou ao credor, in casu Fazenda Pública».
Ou seja, se bem interpretamos a posição da Recorrente, esta sustenta que a Reclamante carece de legitimidade para invocar como vício invalidante do acto impugnado a não concessão de efeito suspensivo à reclamação deduzida pela Executada contra a decisão por que o órgão da execução fiscal lhe indeferiu o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda e do acrescido.
À questão da legitimidade da Reclamante, deu a sentença cabal resposta, para a qual remetemos, porque com ela concordamos integralmente. Vejamos:
Nos termos do disposto nos arts. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), e 103.º, n.º, 2, da LGT e no art. 276.º do CPPT, a intervenção dos órgãos da administração tributária no processo de execução fiscal está sujeita a um apertado controle de legalidade, reconhecendo a lei aos interessados o direito de solicitarem a intervenção do titular judicial do processo – o juiz, pois que se trata de um processo judicial, no qual os órgãos da administração intervém na realização de actos sem natureza jurisdicional –, através da reclamação judicial, relativamente a todos os actos que tenham potencialidade lesiva, ou seja, que tenham capacidade de afectar a esfera jurídica do executado ou de terceiros.
É inquestionável que se impõe, até por imperativo constitucional (Cf. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.), garantir a todos os interessados, e não apenas ao executado, a possibilidade de sindicar judicialmente todos os actos praticados no âmbito da execução fiscal pelas autoridades administrativas. Aliás, foi no sentido de dirimir quaisquer dúvidas quanto à possibilidade de outros interessados, que não apenas o executado, deduzirem reclamação ao abrigo do disposto no art. 276.º, possibilidade que a jurisprudência desde sempre reconheceu (Vide, por mais antigos, ainda no âmbito da vigência do art. 355.º do Código de Processo Tributário, a que corresponde o art. 276.º do CPPT, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 31 de Maio de 1995, proferido no processo n.º 19.243, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Agosto de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32220.pdf), págs. 1614 a 1616, sumário disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/629dfed30cb50241802568fc00394532;
– de 27 de Setembro de 1995, proferido no processo n.º 19.217, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32230.pdf), págs. 2131 a 2134, sumário disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cbfd6b7b81d40e86802568fc0039482a.), que o legislador, através da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002), veio dar nova redacção ao n.º 1 do preceito (A redacção inicial do artigo era: «As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância». Após a entrada em vigor daquela Lei passou a ser: «As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância».) (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 3 ao art. 276.º, págs. 268/269.).
Mas, se, por um lado, é certo que o art. 276.º do CPPT atribui legitimidade quer ao executado quer a terceiros para reclamarem para o juiz das decisões do órgão de execução fiscal que afectem os seus direitos e interesses legítimos, não podemos olvidar que, «[c]onstituindo o processo uma sequência de actos dirigida à obtenção da decisão de mérito, a legitimidade, como uma das condições necessárias ao proferimento dessa decisão, isto é, como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o. Tal como no campo do direito material, há que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os nºs. 1 e 2 [do art. 30.º do CPC], pelo interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e pelo interesse directo em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu)» (LEBRE DE FREITAS e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, nota 2 ao art. 26.º (que corresponde ao actual art. 30.º), pág. 51.).
Ou seja, o juízo, em concreto, sobre a legitimidade da Reclamante, sempre passará pela indagação, nos termos do art. 30.º do CPC, do seu interesse directo em reclamar, que será aferido pela vantagem jurídica que para ela resultará da anulação do acto por que foi constituída executada na presente execução fiscal e pela desvantagem jurídica que lhe advirá da manutenção dessa qualidade, sendo que nessa indagação são de considerar como titulares daquele interesse os sujeitos da relação controvertida, tal como a configura a Reclamante (Neste sentido e com aprofundado tratamento da questão, vide o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 532/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1183 a 1186, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9799c0a35122e99380257767004eba7b.), pois, como é sabido, após a reforma de 1995/1996, o legislador, expressa e inequivocamente, tomou partido na querela relativa ao critério de determinação da legitimidade (Ficou dito no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: «Decidiu-se, por outro lado, após madura reflexão, tomar expressa posição sobre a vexata quaestio do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução legislativa proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que se haja até agora alcançado um consenso. Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.º 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis».).
De tudo isso bem deu conta a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que em cuidada e bem fundamentada exposição, chegou à conclusão, que subscrevemos integralmente, de que «a legitimidade é aferida em função da relação material controvertida tal como e configurada pelo autor na sua petição inicial, à luz do pedido aí formulado e da respectiva causa de pedir, a qual residirá num acto lesivo praticado no âmbito de uma execução fiscal, com repercussões na esfera jurídica do executado ou de um terceiro».
E subscrevemos igualmente a subsunção efectuada pela sentença do caso concreto a essa doutrina: «analisada a petição inicial e tendo presente a relação material controvertida tal como é configurada pela Reclamante, resulta clara e indubitavelmente a sua legitimidade processual, porquanto a mesma veio pedir a anulação de um despacho que a declarou executada, sendo o mesmo, na sua óptica, consequência do prosseguimento ilegal da execução no âmbito da relação antecedente entre a Executada originária e a Autoridade Tributária».
A legitimidade processual da Reclamante radica, pois, no seu manifesto interesse em agir, expresso na consequência jurídica favorável de uma eventual procedência da reclamação: não prosseguimento da execução contra a própria Reclamante, agora na qualidade de executada por responsabilidade pessoal (Note-se que não se trata, aqui, sequer, de caso de responsabilidade subsidiária, mas, antes, «de uma responsabilidade pessoal do próprio do devedor do crédito, pelo que a sua responsabilização não está dependente dos requisitos da reversão indicados nos arts. 23.º da LGT e 153.º deste Código [de Procedimento e de Processo Tributário]» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 4 a) ao art. 224.º, págs. 617/618).), para cobrança coerciva do montante do crédito não depositado. Como bem ficou dito na sentença recorrida, o acto reclamado «corresponde à decisão de proceder à cobrança de uma dívida, à custa do seu património, podendo os seus direitos e bens ser objecto de penhora e de venda, sem possibilidade de negociação ou dilação no modo de pagamento».
Aliás, contrariamente ao que pretende a Recorrente, não é indiferente para a ora Recorrida «ter de pagar directamente à executada ou […à] Fazenda Pública», podendo até o prejuízo para a ora Recorrida resultar, simplesmente, da alteração do credor.
Mas será que, como argumenta a Recorrente, a ilegitimidade da Reclamante poderá decorrer do fundamento por ela invocado como invalidade do acto impugnado, ou seja, da alegada ilegalidade do prosseguimento da execução fiscal na sequência da interposição pela Executada de reclamação judicial contra a decisão que lhe indeferiu o pedido de pagamento em prestações?
Manifestamente, não. Se a referida reclamação tinha efeito suspensivo da execução (e saber se a sentença fez ou não errado julgamento a esse respeito é questão que cuidaremos adiante), não podia o órgão da execução fiscal ter proferido o acto ora impugnado. E não há motivo algum para restringir as ilegalidades susceptíveis de ser invocadas como causa de pedir da anulação do acto impugnado.
Admitimos que não possa o devedor do crédito penhorado esgrimir fundamentos que respeitam exclusivamente à relação material entre o exequente e o executado (ao crédito em cobrança coerciva), mas nada obsta a que invoque como fundamentos do pedido de anulação do acto impugnado invalidades respeitantes à relação processual entre estes, designadamente que a execução fiscal devia estar suspensa por força de reclamação judicial deduzida pelo executado.
A sentença recorrida, na medida em que decidiu neste sentido, não merece censura.
Assim, o recurso não merece provimento com fundamento no invocado erro de julgamento quanto à questão da legitimidade processual da Reclamante.

2.2.4 DA VIOLAÇÃO DO CASO DECIDIDO OU CASO RESOLVIDO

Sustenta também a Recorrente que a sentença fez errado julgamento quando decidiu não haver violação do caso decidido.
Isto, porque continua a sustentar que, porque «o acto de penhora se encontra a coberto do caso decidido, não pode ser declarado como ilegal nem tão pouco ser visto e analisado numa relação de prejudicialidade com o acto impugnado, sob pena de violação do caso decidido e dos princípios da certeza e segurança jurídica». Ou seja, o caso decidido invocado pela Fazenda Pública reporta-se ao acto de penhora.
Salvo o devido respeito, a tese da Recorrente assenta num pressuposto errado, qual seja o de que a sentença terá decidido sobre a validade do acto de penhora ou, pelo menos, que terá feito assentar a ilegalidade do acto impugnado na ilegalidade do acto de penhora. Mas não é assim. Como deixámos já dito, a sentença, não só deixou bem explícito que não é o acto da penhora que está a ser atacado e que, por isso, nada havia que decidir relativamente ao mesmo, como também deixou claro que a ilegalidade imputada ao acto impugnado – acto por que o órgão da execução fiscal decidiu executar a sociedade devedora do crédito penhorado – não advém da ilegalidade da penhora, mas antes da ilegal prossecução da execução.
Assim, é patente que a sentença não incorreu em erro de julgamento quanto à questão do caso decidido, motivo por que o recurso também não pode ser provido com esse fundamento.

2.2.5 DO EFEITO SUSPENSIVO DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA PELA EXECUTADA
A Recorrente discorda também da sentença porque considera que esta se deveria ter limitado a aferir a legalidade do acto reclamado em face do disposto nos arts. 224.º do CPPT e 773.º e 777.º do CPC, não lhe cabendo averiguar se a execução deveria estar suspensa na sequência da reclamação deduzida pela Executada contra o indeferimento do seu pedido de pagamento da dívida exequenda e do acrescido em prestações (não porque a questão não tenha sido suscitada pela Reclamante, como vimos já ter sido, mas porque essa suspensão não poderia constituir fundamento da reclamação) e, ademais, que não pode considerar-se que a execução fiscal estivesse suspensa, pois tal suspensão sempre requereria, nos termos do disposto no art. 52.º da LGT, que tivesse sido prestada garantia ou houvesse dispensa da prestação de garantia.
Como deixámos já dito, não faz sentido pretender excluir da sindicância judicial da validade do acto impugnado os fundamentos que respeitem à relação processual entre a Exequente e a Executada cujos efeitos se possam repercutir na esfera jurídica do reclamante. Na verdade, se a execução fiscal deveria estar suspensa, não deveria nela ter sido promovida a execução contra a ora Recorrida. Pretender o contrário é fazer tábua rasa dos mais elementares princípios processuais e subverter o efeito suspensivo que, como veremos, está associado à reclamação contra o indeferimento do pedido de pagamento em prestações e que, contrariamente ao que parece supor a Recorrente, não se confunde com a suspensão da execução fiscal.
Na verdade, é inequívoco que a reclamação deduzida pela Executada contra o acto de indeferimento do pedido de pagamento em prestações tem efeito suspensivo da execução fiscal. Se esta pudesse prosseguir, ficaria irremediavelmente comprometido o efeito útil da reclamação judicial, em violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
De tudo isso bem deu conta a Juíza do Tribunal a quo, que salientou que não obstante as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária» – e na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do mesmo Código pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro – que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal» (Sendo que, então, ou seja, antes desta alteração, o efeito suspensivo da reclamação que subisse imediatamente a tribunal decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal. Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303.) –, se impõe a manutenção do efeito suspensivo da reclamação com subida imediata, «sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 4, na Lei Fundamental».
Aliás, como também salientou a sentença recorrida, este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar sem tibieza que o facto de ter desaparecido da epígrafe do art. 278.º do CPPT a referência ao “efeito suspensivo” da reclamação com subida imediata e de esta ter deixado de ser tramitada nos próprios autos, não significa que não deva reconhecer-se-lhe efeito suspensivo, ou seja, suspensão da eficácia do acto reclamado (Cfr. os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 909/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/85cb91cfce58359680257d6b002c8090;
- de 5 de Agosto de 2015, proferido no processo n.º 990/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b7a28fe921ffff0a80257ead004bda1e;
- de 14 de Outubro de de 2015, proferido no processo n.º 1112/15, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/198fba666a31008a80257eea00572022.). Suspensão de eficácia que pode, ou não, demandar a total suspensão da execução fiscal, como bem explica a sentença.
No caso, o efeito suspensivo decorrente da reclamação deduzida pela Executada contra o acto de indeferimento do pedido de pagamento em prestações implica a impossibilidade de prosseguimento da execução, não podendo o órgão da execução fiscal nela praticar acto algum em ordem à cobrança coerciva enquanto aquela reclamação não estiver decidida.
Porque o órgão da execução fiscal não respeitou esse efeito suspensivo, o acto impugnado é ilegal, como bem decidiu a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, pelo que o recurso não pode ser provido com fundamento em errado julgamento quanto a esta questão.

2.2.6 CONCLUSÕES

Por tudo o que ficou dito, o recurso não merece provimento, antes sendo de confirmar integralmente a bem fundamentada e modelar sentença, pelo que, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O devedor do crédito penhorado tem legitimidade para reclamar do acto por que o órgão da execução fiscal o considera executado, por entender que aquele incumpriu com a obrigação de depósito no prazo legal, na medida em que tal acto é lesivo dos seus direitos, sendo manifesto o seu interesse directo em impugná-lo (cfr. art. 276.º do CPPT e 30.º do CPC).
II - A reclamação deduzida pelo executado contra o indeferimento do pedido de pagamento em prestações tem efeito suspensivo da execução fiscal [mesmo depois das alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, e na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do mesmo Código pela Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro], sob pena de perda do efeito útil da reclamação e de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP.
III - O facto de o devedor do crédito, no caso de o depósito não ser efectuado no prazo referido, passar a ser executado no processo de execução fiscal, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 224.º do CPPT, não o transforma em devedor da dívida tributária, pois a execução, no que a ele respeita, reporta-se ao crédito que sobre ele tem o executado e não ao crédito tributário.
IV - Assim, na reclamação judicial dita em I não pode o devedor do crédito penhorado esgrimir fundamentos que respeitam exclusivamente à relação material entre o exequente e o executado, mas nada obsta a que invoque como fundamentos do pedido de anulação do acto impugnado invalidades respeitantes à relação processual entre estes e que se repercutam na sua esfera jurídica, designadamente que a execução fiscal devia estar suspensa por força da reclamação dita em II.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


*

Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.