Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0208/12
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
FIANÇA
AVALIAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - Do art. 199.º do CPPT não resulta a exclusão da fiança como forma legalmente admissível de prestação da garantia e, pelo contrário, deve ser admitida por referência à previsão na parte final do seu n.º 1: «ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
II - Sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da AT caso a caso, em concreto, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido.
III - A AT não pode recusar a constituição da garantia mediante fiança com o fundamento que esta não lhe dá segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado.
Nº Convencional:JSTA00067476
Nº do Documento:SA2201203140208
Data de Entrada:02/24/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART46 ART169 ART199
LGT98 ART52 ART55
CCIV66 ART8 N3 ART627 ART633 ART638 ART640 ART641
CADUCOM92 ART193
CPA91 ART5 N2
DESP SE ORÇAMENTO 642/2002 DE 2002/03/11
Jurisprudência Nacional:AC TCAN PROC1423/115BEPT DE 2011/11/30; AC STA PROC21021 DE 1997/04/09; AC STA PROC126/12 DE 2012/02/15; AC TCAN PROC2615/11 DE 2012/01/18; AC TCAS PROC3966/10 DE 2010/05/06
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG207-208 PAG415 VIV PAG369
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A………, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto no arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto da decisão do órgão da Administração tributária (AT) que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança (Apesar de no relatório e na parte inicial da fundamentação a sentença referir que o pedido formulado pela Executada ao órgão de execução fiscal foi de «substituição de garantia bancária por fiança de igual valor», não é isso que resulta da matéria de facto que foi dada como assente.) (A prestação de garantia foi pedida, ao abrigo do disposto no art. 169.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em ordem à suspensão da execução fiscal por a Executada ter manifestado a intenção de impugnar administrativa ou judicialmente contra a liquidação do imposto que está na origem da dívida exequenda.) com o fundamento de que, em face da legislação em vigor e das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 60.076, de 29 de Julho da 2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (DSGCT) (Ofício que pode ser consultado na íntegra em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/DE11F847-5746-4142-ADFC-EEA0F609DCF9/0/OFICIO_60076_.pdf.), a fiança não é um meio legalmente admissível de prestação de garantia.
A Executada pediu que aquela decisão fosse anulada com o fundamento de que a mesma enferma de violação de lei. Alegou, em resumo e no que ora nos interessa, que a Administração tributária (AT) não pode excluir a fiança como meio de prestação da garantia.
1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou o acto reclamado.
Para tanto, louvando-se num acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, considerou, em síntese, que
· a enumeração das garantias a que alude o art. 199.º, n.º 1, do CPPT não é taxativa nem gradativa, mas exemplificativa;
· a mesma norma não veda o reconhecimento da fiança como meio de prestação da garantia;
· a idoneidade da fiança como garantia deve ser aferida pelo órgão de execução fiscal caso a caso, considerando os elementos que lhe sejam oferecidos, os que tenha em seu poder em virtude do cumprimento das obrigações acessórias do fiador ou de actos de inspecção realizados e aqueles que fundadamente solicitar no âmbito dos seus poderes de investigação oficiosa, com vista à determinação da capacidade do fiador para pagar o valor garantido.
1.3 A Fazenda Pública (adiante também Recorrente) não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Por facilidade de transcrição, vamos reproduzir as notas de rodapé no próprio texto, entre parêntesis rectos.):
«
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho proferido em 10.08.2011, pelo substituto legal do Director de Finanças do Porto no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201101026364, (adiante designado PEF), que corre termos no Serviço de Finanças da Maia e que indeferiu a prestação de garantia para efeito de suspensão da execução através de fiança, por inidoneidade da mesma.
B. O despacho reclamado, concluiu, que atendendo à legislação em vigor e às instruções difundidas no ofício-circulado n.º 60.076, de 29.07.2010, da DSGCT, tal pedido merecia indeferimento, por considerar que a garantia assim oferecida (fiança) não consubstancia uma garantia que proporcione o necessário grau de liquidez, atendendo, quer à prossecução do interesse público da regular cobrança dos tributos devidos ao Estado, quer ao facto do valor monetário que lhe está subjacente não ser realizável de forma certa e célere, em sede da respectiva execução, não sendo assim a fiança uma garantia idónea.
C. A douta sentença recorrida julgou então a presente reclamação procedente, com a consequente anulação do despacho reclamado, por entender que o mesmo se encontre inquinado pelo vício de violação de lei, sustentando o Tribunal a quo tal conclusão nas considerações constantes da transcrição do extracto do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo que identifica como sendo o n.º 0539/11, de 30/11/2011. [ Uma vez que a decisão de tal processo com o n.º 0539/11 de 30.11.2011, poderá não ter sido publicitada no sítio www.dsi.pt, não podendo assim a Fazenda Pública imputar ao Tribunal a quo a ocorrência de um lapso na identificação do n.º de processo do TCA Norte, refere-se, porém, que caso seja um lapso, do conspecto daquela base de dados, constata-se estar disponível um Acórdão do TCA Norte dessa mesma data, com igual fundamentação, mas com o n.º 01423/11.5BEPRT, em que é relator Álvaro Dantas]
D. Contrariamente ao sentenciado, e com o devido respeito que nos merece a fundamentação expendida pelo Venerando Tribunal superior, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade, padecendo a sentença recorrida de erro de julgamento de direito.
Vejamos,
E. O art. 52º da LGT, nos seus nºs 1 e 2, permite a suspensão da cobrança da prestação tributária efectuada no processo de execução fiscal nos casos de pagamento em prestações o reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução, que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
Por sua vez,
F. O art. 169º do CPPT condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia, em conformidade com o art. 195º do mesmo diploma, à sua prestação, nos termos do disposto no art. 199º, também do CPPT ou à penhora em bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido.
G. Especifica este último preceito que a garantia a prestar deverá ser idónea, consistindo em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública.
H. Esta redacção tem motivado uma leitura, quer doutrinal quer jurisprudencial, de que a enunciação daqueles tipos de garantia é meramente exemplificativa, pois a redacção da parte final daquele número amplia essa possibilidade a todas as outras garantias, desde que de valor suficiente para assegurar os créditos do exequente.
I. Tem a Fazenda Pública entendimento distinto.
J. Questão que se coloca então será se uma fiança se inclui como uma garantia prevista pelo legislador no art. 199.º como idónea em sede de execução fiscal com vista à suspensão dos processos executivos.
Assim,
K. No n.º 1 do art. 199.º do CPPT, o legislador enuncia expressamente os três tipos de garantia que a administração terá de aceitar como idóneas: garantia bancária, caução, seguro-caução, terminando, no entanto, a redacção desse número com um conceito aberto: “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, que importa então concretizar.
L. Concretização essa, no nosso entendimento, que acontece logo de seguida, no nº 2 desse mesmo preceito: “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária”.
M. E no nº 4 acrescenta uma última situação passível de integrar o conceito de garantia idónea: “vale como garantia para os efeitos do nº 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado”.
N. A redacção do artigo 199.º do CPPT define então com exactidão os tipos de garantia aceitáveis.
O. No n.º 1 refere especificamente: a garantia bancária, a caução e o seguro-caução. E acrescenta o conceito aberto, não para mostrar que se trata de uma configuração meramente exemplificativa (se assim fosse, seria desnecessário o nº 2, pois a hipoteca e o penhor seriam incluídas no nº 1 por qualquer intérprete que prosseguisse a leitura com mais exemplos de garantias), mas para dizer que além destes três tipos existem outros, que o legislador especifica nos números seguintes,
P. ou seja, entendemos, ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, que o n.º 2 e o n.º 4 do art. 199.º do CPPT, serviram para o legislador especificar, então, o que se entende por “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”,
Q. desde logo porque em ambos os números é feita referência ao nº 1: quer no nº 2, onde se diz que “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda” [destacado nosso], quer no nº 4, dizendo que “vale como garantia para efeitos do nº 1”,
R. entendendo nós que aquele “ainda” só pode significar “para além da garantia bancária, caução e seguro-caução”, sendo ilógico e contraditório entender como “para além de todos os meios susceptíveis de assegurar os créditos do exequente”, onde já se incluiriam o penhor e a hipoteca que o legislador de seguida repetia.
S. O quadro então definido é de tipificação das garantias atendíveis, com um tratamento diferenciado que se justifica pela posição da administração tributária em relação a cada uma: - garantia bancária, caução e seguro-caução, estando a administração fiscal vinculada à sua aceitação, sempre que o valor assegure o cumprimento da obrigação; - penhor e hipoteca voluntária, “mediante concordância da administração tributária” e penhora, por actuação da administração tributária na constituição da garantia,
T. pelo que, concluímos não ser de incluir a fiança como uma garantia admitida pelo legislador nos exactos termos em que preceituou no artigo em análise.
Porém, sem prescindir,
e caso se considere ser de improceder este entendimento da Fazenda Pública,
U. Importa então analisar se, admitidas outras garantias que não as elencadas do art. 199.º do CPPPT, a fiança se inclui como uma garantia idónea em sede de execução fiscal com vista à suspensão dos processos executivos, desde que preenchidos os demais requisitos.
V. Entendemos que não.
Pois,
W. A configuração legal no que a esta matéria concerne, parece indiciar uma justificada preferência, atribuída pelo legislador às garantias com maior grau de liquidez, que melhor asseguram o cumprimento da obrigação, como acontece com a garantia bancária, caução e seguro-caução.
X. Com a utilização da expressão “garantia idónea”, pretende-se então significar que nem todas as garantias serão sempre adequadas e que a indicação exemplificativa dos meios de garantia bancária, caução ou seguro-caução, antes da alternativa “qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, tem de entender-se como uma restrição pretendida pelo legislador dos demais meios que poderão enquadrar-se no conceito de garantia idónea.
Y. Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
Z. Do disposto no art. 199.º, n.º 2 do CPPT, decorre que a administração tributária, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há-de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido em tempo útil,
AA. o que implicará sempre um acto de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspectiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito (cfr., por igualdade de razões, o art. 219º, nº 1 do CPPT).
BB. Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser, directamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer susceptibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza.
CC. Uma garantia apenas se pode considerar idónea caso, vindo a verificar-se o incumprimento por parte do devedor original, a entidade garante possa assegurar o pagamento da dívida ao credor em tempo útil.
DD. Decorre da exigência estabelecida no n.º 2 do art.º 200.º do CPPT que essa liquidez se deve verificar no prazo de 30 dias.
EE. E só a disponibilidade financeira e patrimonial nesse momento e até a vontade de cumprimento do fiador, que são factores relativamente aleatórios e desconhecidos da Administração Tributária, poderão estar na origem do cumprimento no prazo de 30 dias após citação para efectuar o pagamento, sob pena de ser executada no processo.
FF. No caso de inexistir disponibilidade financeira e patrimonial (recorde-se que o património do fiador pode ter sofrido oscilações importantes desde o momento da constituição da garantia) ou de existir animus litigandi da parte do fiador, este poderá incumprir o pagamento no prazo legal para tal fixado, levando apenas a que seja mais um executado no processo de execução fiscal, que não tendo património no momento dessa posição, nada acrescenta à boa cobrança do crédito,
GG. ou seja, o facto de, no caso de incumprimento da obrigação de pagamento pelo fiador, a lei permitir a execução do garante no processo de execução do devedor principal, isto é, a penhora e venda do património do garante até ao montante em dívida, pode ter pouco significado se tal património tiver sido entretanto liquidado ou dissipado,
HH. operações cujo desenrolar é dificilmente controlável, para não dizer, impossível, pela administração tributária,
II. pois, não constituindo a fiança qualquer tipo de direito real efectivo sobre o património da empresa garante, nada impede que a mesma “esvazie” o seu activo com vista à frustração dos créditos tributários, algo aliás extremamente simples de ocorrer na generalidade, ainda mais face à natureza dos activos envolvidos no caso em concreto - participações sociais e créditos exclusivamente sobre participadas, ou até mesmo ocorra a extinção da empresa para a qual foi prestada a garantia.
JJ. Não se concebe então a possibilidade da fiança ter os mesmos efeitos da garantia bancária, caução e seguro-caução, por, desde logo, ser uma garantia geral sobre todo o património do fiador, sem a eficácia absoluta própria dos direitos reais e que sofre todas as oscilações, para mais ou para menos, desse património.
KK. Como refere J.M. Antunes Varela [Das Obrigações em geral, vol. II, 5.ª Ed., Almedina], é aí que reside o calcanhar de Aquiles da fiança, fragilidade que, explica o mesmo autor, remete a fiança para uma posição secundária, no elenco das garantias especiais das obrigações constantes no artigo 623º do Código Civil.
LL. No plano cível, prevalece a noção de que a fiança - negócio jurídico pelo qual o fiador se compromete, pessoalmente, a pagar uma dívida de outrem -, não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência, pois que o credor não pode ser constrangido a receber de terceiro a prestação se a substituição o prejudicar (art. 767º, nº 2 do CC).
MM. Por via da prestação da fiança é, pois, suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. art. 627º do CC).
Não obstante,
NN. Em relação a ambos os patrimónios, o credor tem de concorrer com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída 8 [8 Como acontece, por exemplo, no caso de aceitação de fianças, para garantia de dívidas por entidades bancárias, as quais se garantem também com a constituição de hipotecas sobre o património do fiador], pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, a fiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio,
OO. o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das suas obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.
PP. É então desde logo, e pelas características próprias do seu regime legal, uma garantia mais frágil para o credor, por comparação com o que sucede com as garantias reais e a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
Deste modo,
QQ. A maior ou menor segurança, certeza, celeridade que uma forma de garantia oferece para o credor pode ser medida objectivamente em função da determinação, em termos objectivos, da possibilidade de incumprimento da obrigação de pagamento após interpelação para o efeito, tendo em conta o respectivo regime jurídico, o que decorre da prestação de uma fiança sem qualquer outra garantia associada.
RR. Uma garantia visa, no limite, assegurar que o credor receba o valor em dívida, pelo que a característica da liquidez em tempo útil se encontra intrínseca à idoneidade da mesma.
SS. Por todo o exposto, cremos que a fiança (pelo tipo de garantia que é, sem sequer se equacionar o valor no caso em concreto), não pode ser aceite como capaz de ter um efeito suspensivo da execução fiscal, por não constituir uma garantia idónea para a suspensão da execução fiscal.
TT. Invocar que a administração tributária poderá executar o património da entidade garante, face às razões expostas, esvaziaria de conteúdo e sentido a exigência legal de prestação de garantia idónea com vista à suspensão da tramitação do processo executivo.
UU. A característica da liquidez de uma garantia em tempo útil, invocada pelo órgão de execução fiscal para não aceitar a fiança como garantia, é intrínseca à idoneidade da mesma, servindo este facto de medida à maior ou menor segurança, certeza e celeridade que a garantia oferece para o credor.
VV. Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do PEF, mais concretamente os arts 52º da LGT e 169º e 199º do CPPT.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências».
1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1.5 A Reclamante contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
«As questões a decidir parecem ser a da admissibilidade da garantia prestada por fiança e, se tendo sido oferecida esta e não sendo a mesma aceite por falta de idoneidade, conforme consta do respectivo despacho da Administração Tributária (AT), não resulta afectado pelo vício de violação de lei gerador de anulabilidade, conforme decidido foi.
Analisemos.
Vem-se decidindo, com base no entendimento actualmente dominante na jurisprudência (acs. do S.T.A. de 9-4-97, do TCA Norte de 30-11-11, do T.C.A. Sul de 12-5-2010, todos já identificados nos autos, e ainda nos deste último de 23/9/08 e de 27/9/11, proferidos, respectivamente, nos processos 2586/01 e 04925/11), no sentido de que é possível proceder à prestação de garantia na dita forma de fiança, o que obtém cobertura na letra da lei, conforme parte final do art. 199.º n.º 1 do C.P.P.T., em que não se vislumbram razões para excluir, pelo menos, pela forma como foi, a fiança.
No presente caso, a decisão que foi preferida pela A.T. a indeferir a mesma sustenta-se na sua menor força e liquidez que outros tipos de garantia, o que parece não bastar para que se possa manter o despacho recorrido.
Com efeito, se a A.T. tinha dúvidas sobre a idoneidade da garantia que foi oferecida sempre deveria ter efectuado uma avaliação/fixação do seu valor, nomeadamente, lançando mão do previsto no art. 250.º do C.P.P.T. e no caso da mesma vir a revelar-se como insuficiente ser pedido o seu reforço, nos termos previstos no art. 52.º n.º 3 da L.G.T., sendo que no seu anterior n.º 2 nenhuma especificação resulta também prevista, para além da mesma ter de ser idónea»
1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.
1.8 A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou que viola a lei a decisão da AT que recusou a fiança como forma de constituição da garantia em ordem a suspender o processo executivo na sequência da declaração de intenção de impugnar administrativa ou judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Para apreciar as questões suscitadas, importa assentar a seguinte matéria de facto:
1 – Em nome da ora reclamante, foi em 22.03.2011, instaurada a execução fiscal nº 1805201101026364 para cobrança da dívida exequenda de IRC do ano de 2008, no valor total de € 920.119,13, cfr. fls. 1 e 2 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
2 – Com data de 05.04.2011 a reclamante requereu ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia, a fixação do montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução identificada em 1), nos termos constantes de fls. 4 e 5 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
3 – Em 08.04.2011 e no âmbito do pedido formulado pela reclamante e identificado em 2), foi proferido pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças o seguinte despacho “(...) Em face da informação supra e dos demais elementos constantes do processo e por força do estipulado no artº 199º nº 1 do CPPT, determino a suspensão do presente processo, condicionada à apresentação, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da notificação do presente Despacho, de garantia idónea no valor de € 1.163.638,20 (...)” , cfr. fls. 10 destes autos.
4 – Por carta datada de 08.04.2011 foi remetido o despacho referido em 3).
5 – Em 27.04.2011, por requerimento dirigido ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia, a reclamante apresenta fiança até ao montante de € 1.163.638,20, nos termos constantes de fls. 13 e 14 destes autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
6 – Em 10.08.2011 pelo Exmo. Director da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, foi proferido despacho de indeferimento do pedido identificado em 5), com o seguinte teor: (...) No caso em apreço, para apreciar a admissibilidade ou não da garantia oferecida (fiança até ao montante de € 1.163.638,20, ficando o B………, SGPS, SA (...) fiador do sociedade executada) pela sociedade executada, sempre será de referir alguns pontos – quanto a eventual admissibilidade (ou não) da garantia oferecido dada a natureza jurídica deste tipo de garantia e tendo em conta as instruções superiormente difundidas com vista a garantir de forma eficiente e célere a cobrança da dívida executiva; (...)
Vejamos agora, sem fazer, no entanto, uma análise à situação concreta, se é de admitir a fiança como garantia idónea em sede da execução fiscal com vista à suspensão dos processos executivos, tendo em conta a legislação em vigor e as instruções difundidas no Ofício-Circulado nº 60.076, de 29.07.2010, da DSGCT, (…) Importa referir que o presente Ofício-Circulado visa uniformizar os procedimentos da Administração Tributária (evitando-se eventuais factores de discricionariedade) tendo em conta a lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal (nomeadamente artigo 52º da LGT; 169º e 199º, ambos do CPPT), bem como a salvaguarda do interesse público de cobrança dos créditos tributários; (…) Nesse sentido, o órgão da Administração Tributária com competência para autorizar a constituição de garantia no processo “deve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução”; (…) Nestes termos, é entendido dever “dar-se preferência à constituição de garantia bancária, caução, ou seguro caução”. E, quando não seja possível a constituição das garantias referidas no nº 1 do artigo 199º do CPPT, “deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária”. (…) Porém “em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, como seja o caso do penhor” (…) Em suma e face ao exposto, poder-se-á concluir que: (…) as instruções difundidas no Ofício-Circulado nº 60.076 de 29.07.2010, da DSGCT não contemplam a fiança como garantia idónea; (…) E assim será, porventura, dado a natureza jurídica e a capacidade deste tipo de garantia de não assegurar de forma plena e segura os interesses de efectiva cobrança da Fazenda Pública, na medida em que poderão advir obstáculos ao pagamento de quantia garantida, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar. (…) Assim, (…) sou do parecer que não será de aceitar a fiança como garantia idónea (…)”. (ACTO RECLAMADO)
7 – O despacho referido em 6) foi notificado à reclamante por carta datada de 02.09.2011, cfr. fls.157 destes autos.
8 – Em 09.09.2011 foi apresentada a petição de reclamação nos termos do artº 276º do CPPT, cfr. fls. 160 e 161 destes autos.
9 – Por despacho proferido em 13.09.2011 foi mantido o acto reclamado, cfr. fls. 350 destes autos e que aqui se dá por reproduzido».
2.1.2 Para melhor compreensão da situação fáctica à qual ora cumpre verificar da correcção do direito aplicável, afigura-se-nos pertinente respigar aqui o teor de alguns dos documentos para que a sentença remeteu nos factos que deu como provados, o que fazemos nos seguintes termos (Note-se que, mesmo nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista, se tem entendido que cabem dentro dos seus poderes de cognição os factos constantes do próprio processo judicial, apreensíveis por mera percepção. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 23 h) ao art. 279.º, pág. 369.):
10 - No requerimento de fls. 4 e 5, referido supra em 2, a Executada pediu ao Chefe do Serviço de Finanças da Maia 1 a fixação do montante da garantia a prestar em ordem à suspensão da execução fiscal pois pretendia reagir graciosa ou contenciosamente contra a liquidação do imposto;
11 - Pelo documento aludido supra em 5, subscrito pelos administradores da sociedade denominada “B………, SGPS, S.A.”, que disseram ter poderes para o acto, esta declarou constituir-se fiadora da sociedade Executada até ao montante de € 1.163.638,20, fixado pelo órgão de execução fiscal como montante da garantia a prestar, declarando ainda que «[a] presente fiança é prestada para efeito de suspensão do processo de execução fiscal n.º 1805201101026364, até resolução definitiva do litígio jurídico-tributário que envolve a liquidação exequenda, ficando da responsabilidade do fiador o pagamento, até à sobredita verba, renunciando ao benefício de excussão prévia previsto no artigo 638.º do Código Civil».
*
2.2 DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Numa execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívida de IRC, a Executada, manifestando a intenção de impugnar graciosa ou contenciosamente a liquidação daquele imposto, requereu ao órgão de execução fiscal a fixação do montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão da execução, nos termos do art. 169.º do CPPT.
Na sequência da notificação que lhe foi feita do montante da garantia a prestar, a Executada apresentou um documento pelo qual uma sociedade terceira se obrigou perante a AT como fiadora pelo montante calculado pelo órgão de execução fiscal para efeitos de prestação da garantia, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.
O órgão da AT competente para o efeito (Nos termos do art. 199.º, n.º 8, do CPPT, o órgão competente para apreciar as garantias é aquele a que competiria autorizar o pagamento em prestações, ou seja, de acordo com o art. 197.º do mesmo Código, aquela competência reparte-se entre o órgão periférico regional e o órgão da execução fiscal, consoante o valor da dívida exequenda seja ou não superior a 500 UC. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 8 ao art. 199.º, pág. 415.), indeferiu o requerimento da Executada, com o fundamento de que, em face da legislação em vigor e das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 60.076, de 29 de Julho da 2010, da DSGCT), a fiança não é um modo legalmente admissível de prestação de garantia. Se bem interpretamos a referida decisão, o órgão de execução fiscal entendeu proceder à apreciação da idoneidade da fiança em abstracto, ou seja, nas suas próprias palavras, «sem fazer […] uma análise à situação concreta», mas apenas verificando «se é de admitir a fiança como garantia idónea em sede da execução fiscal». Assim, e considerando que
· «o órgão da Administração Tributária com competência para autorizar a constituição de garantia no processodeve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução”», que
· «é entendido dever “dar-se preferência à constituição de garantia bancária, caução, ou seguro caução”. E, quando não seja possível a constituição das garantias referidas no nº 1 do artigo 199º do CPPT,deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária» e que
· «“em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, como seja o caso do penhor»,
concluiu que «as instruções difundidas no Ofício-Circulado nº 60.076 de 29.07.2010, da DSGCT não contemplam a fiança como garantia idónea; […] E assim será, porventura, dado a natureza jurídica e a capacidade deste tipo de garantia de não assegurar de forma plena e segura os interesses de efectiva cobrança da Fazenda Pública, na medida em que poderão advir obstáculos ao pagamento de quantia garantida, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar».
Ou seja, a AT indeferiu a requerida prestação de garantia através de fiança com fundamento na inidoneidade da mesma, reconduzindo o juízo sobre a idoneidade da fiança, não à apreciação da capacidade económica do fiador, mas a uma apreciação em abstracto sobre a fiança como modo de prestar garantia, concluindo que a mesma seria inadmissível, quer porque não está prevista no art. 199.º do CPPT, quer porque não assegura plena e seguramente o interesse público da efectiva cobrança dos créditos por impostos, uma vez que não proporciona o grau de liquidez requerido, pois poderão surgir dificuldades na realização do valor monetário que lhe está subjacente.
A Executada reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto dessa decisão com o fundamento de que a mesma enferma de violação de lei. Alegou, em resumo e no que ora nos interessa, que a AT não pode excluir a fiança dos diversos meios legalmente admissíveis de constituição de garantia.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto atendeu a argumentação da Reclamante e anulou o acto reclamado. Para tanto, louvando-se num acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (O acórdão proferido em 30 de Novembro de 2011, no processo com o n.º 1423/11.5BEPRT (sendo que o número referido na sentença resulta de lapso), disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/2761b93ca5ef5bb18025796b0050e84d?OpenDocument.), considerou, em síntese, que a enumeração das garantias a que alude o art. 199.º, n.º 1, do CPPT não é taxativa, sendo que aquele artigo não veda a possibilidade de constituição de garantia mediante fiança, cuja idoneidade deve ser aferida caso a caso, com vista à determinação da capacidade do fiador para pagar o valor garantido.
A Fazenda Pública discorda dessa decisão: por um lado, mantém que o art. 199.º do CPPT não admite a fiança como modo de constituição da garantia (cfr. conclusões K) a T)); por outro lado e subsidiariamente, sustenta que nunca a fiança poderia haver-se como garantia idónea (cfr. conclusões U) a UU)).
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é exclusivamente a de saber se o art. 199.º do CPPT exclui a possibilidade de constituição de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por fiança e, ainda que não a exclua, se tal meio de prestação da garantia deve, em abstracto, ter-se por inidóneo.
2.2.2 A FIANÇA COMO MEIO DE CONSTITUIÇÃO DE GARANTIA: SUA ADMISSIBILIDADE E IDONEIDADE
O art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe nos seus n.ºs 1 e 2:
«1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes Estados membros.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
[…]».
Por seu turno, o art. 169.º do CPPT diz nos seus n.ºs 1 e 2:
«1. A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
2. A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda».
Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA, comentando o art. 169.º do CPPT, «os actos tributários (liquidação de quantias) são susceptíveis de execução imediata, através de processo de execução fiscal, findo o prazo de pagamento voluntário, como decorre do art. 88.º do CPPT.
Findo esse prazo de pagamento voluntário dos tributos, é extraída certidão de dívida pelos serviços competentes, que é enviada aos órgãos periféricos locais competentes para instauração que a devem promover, independentemente de o acto subjacente à certidão ter sido impugnado graciosa ou contenciosamente (arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, 149.º e 152.º do CPPT).
No entanto, a execução suspender-se-á nos casos previstos neste art. 169.º do CPPT, desde que tenha sido constituída ou prestada garantia, nos termos dos arts. 195.º e 199.º, ou tiver sido efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido ou tiverem sido nomeados bens à penhora pelo executado no prazo referido no n.º 6 do art. 199.º do CPPT, que sejam suficientes para aquele efeito (n.º 4 deste mesmo artigo). Para além disso, há situações em que o efeito suspensivo pode ser obtido sem prestação de garantia […].
Esta suspensão está prevista genericamente no art. 52.º da LGT para os casos de pagamento em prestações, reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução fiscal que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda» (Ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 169.º, págs. 207/208.).
No caso sub judice, a Executada, manifestando a intenção de impugnar graciosa ou contenciosamente a liquidação de IRC ora em cobrança coerciva, disse pretender constituir garantia em ordem à suspensão da execução fiscal e, na sequência da notificação que lhe foi feita pelo órgão de execução fiscal do montante da garantia a prestar, veio oferecer a fiança documentada a fls. 16 dos presentes autos.
Sustenta a Recorrente que a fiança não constitui forma admissível de prestação da garantia porque não está como tal prevista no art. 199.º do CPPT.
Recordemos a redacção dos n.ºs 1, 2 e 4 daquele artigo:
«1. Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2. A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
[…]
4. Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7».
A leitura do artigo revela inequivocamente que a enumeração feita no n.º 1 não é taxativa, mas meramente exemplificativa, como resulta da sua parte final, onde expressamente se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
Salvo o devido respeito, não faz sentido sustentar, como o faz a Recorrente, que naquele conceito aberto cabem apenas as formas de prestação de garantia previstas nos n.ºs 2 – penhor ou hipoteca voluntária – e 4 – penhora já efectuada ou a efectuar em bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido – do mesmo artigo. A ser assim, o legislador por certo teria optado por outra redacção que traduzisse essa sua intenção e não faria sentido algum a referência feita no n.º 1 do preceito a «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente», sobretudo antecedida da conjunção disjuntiva ou (cfr. art. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC)). Na verdade, na interpretação que a Recorrente preconiza para o art. 199.º, de que as únicas formas de prestação de garantia legalmente admissíveis são as aí expressamente aludidas, por que teria o legislador incluído no n.º 1 tal referência? A aceitar-se a tese da Recorrente, essa referência seria absolutamente redundante, pois a interpretação do artigo sempre seria a mesma, ainda que no n.º 1 não se tivesse incluído aquela passagem. Por outro lado, que sentido faria o recurso ao conceito aberto em face da completa determinação das situações fácticas susceptíveis de o preencherem, ademais tão escassas?
Manifestamente, a lei, apesar de especificar algumas das formas por que pode ser prestada a garantia, fá-lo a título meramente exemplificativo, enunciando as mais comuns; mas, como resulta clara e inequivocamente do teor do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, podendo a garantia ser constituída por qualquer outro meio que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (Nesse sentido: na jurisprudência, o acórdão de 9 de Abril de 1997 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 21.021, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 886 a 890, sendo embora que o aresto se refira ao art. 282.º do Código de Processo Tributário, este artigo tem hoje correspondência no art. 199.º do CPPT; na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 199.º, pág. 411.).
Nesse conceito aberto – «qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente» – cabe, designadamente, a fiança.
Pela fiança, que é uma das garantias especiais das obrigações, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor a satisfazer o direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor e respondendo, em princípio, com todo o seu património (cfr. art. 627.º, n.º 1, do CC).
A obrigação do fiador é acessória da do devedor, o que significa que a obrigação daquele tem o mesmo conteúdo da obrigação deste, como resulta do disposto no art. 634.º do CC, que dispõe: «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor».
Por outro lado, embora, por regra, a fiança tenha natureza subsidiária, o que significa que o fiador tem o direito de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiver excutido o património do devedor principal (cfr. art. 638.º do CC (Diz o art. 638.º do CC:
«1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
2. É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do devedor».)), pode o fiador renunciar a esse benefício, como resulta do disposto no art. 640.º, alínea a), do CC (Diz o art. 640.º do CC na sua alínea a):
«O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores:
a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador; […]».) e como sucedeu no caso sub judice (cfr. n.ºs 5 e 11 dos factos provados).
Note-se, no entanto, que a característica da subsidiariedade da fiança nunca conflitua com a sua característica essencial – a acessoriedade –, pois o fiador nunca deixa de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito (cfr. o já referido art. 627.º do CC), podendo ser chamado a cumprir mesmo antes mesmo do devedor (cfr. art. 641.º do CC (Diz o art. 641.º do CC:
«1. O credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado.
2. Salvo declaração expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor à demanda importa renúncia ao benefício da excussão».)).
Assim, em abstracto e na medida em que a fiança constitui um meio de assegurar convenientemente o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, temos que admiti-la como um meio legalmente admissível de constituição de garantia (É neste sentido que têm vindo a decidir os tribunais centrais administrativos. Vide os seguintes acórdãos:
· do Tribunal Central Administrativo Norte
­ de 23 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1497/11.9BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/58da49f26f8266c3802579650042bde1?OpenDocument;
­ de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1423/11.5BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/2761b93ca5ef5bb18025796b0050e84d?OpenDocument;
­ de 18 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 2615/11.2BEPRT, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ba6b0667f03242e480257996004f8e34?OpenDocument;
· do Tribunal Central Administrativo Sul
­ de 6 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 3966/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e2b23d90e326312f80257734003c2597?OpenDocument.). Isto, obviamente, sem prejuízo do juízo que venha a ser efectuado em concreto relativamente à capacidade e idoneidade do fiador (cfr. art. 633.º, n.º 1, do CC (Diz o art. 633.º, n.º 1, do CC:
«1. Se algum devedor estiver obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem não tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a obrigação. […]».)).
Não podemos, pois, concordar com a Recorrente quando esta sustenta que o art. 199.º do CPPT exclui a possibilidade da garantia se constituir mediante a prestação de fiança.
Note-se ainda que, como bem salientou a Recorrida, quando o legislador entendeu restringir as formas de garantia admissíveis, enumerou clara e taxativamente as que eram aceites, como sucede no art. 193.º do Código Aduaneiro Comunitário, e nem aí excluiu a fiança.
Aliás, como bem se salientou no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30 de Novembro de 2011, mal se compreenderia que se privilegiasse a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução de entidade bancária, instituição financeira de crédito, sociedade financeira, seguradora ou outra legalmente habilitada a exercer a actividade de concessão de garantias, que se encontrasse em situação de grandes dificuldades financeiras, sobre uma fiança prestada por pessoa de reconhecida solvabilidade e grande robustez económica, apenas porque ali se oferece uma forma de caução e aqui temos uma fiança. Na verdade, como aí ficou dito, não é a forma abstracta da prestação da garantia ou a actividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade.
Esta há-de resultar, isso sim, da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido.
Não é essa a tese da Recorrente, que sustenta a título subsidiário (ou seja, para a eventualidade de se entender, como entendemos, que o art. 199.º do CPPT não exclui a possibilidade da constituição da garantia por fiança) que tal forma de prestação de garantia nunca poderia haver-se por idónea.
Isto, em síntese, porque considerou, na leitura que fez das instruções administrativas veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 60.076, de 29 de Julho da 2010, da DSGCT, que a AT, no que se refere à prestação de garantia deve preferir as garantias de maior e melhor liquidez, como tal se entendendo aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, e com cobrança expedita e célere.
Salvo o devido respeito, os fundamentos em que a AT suportou o indeferimento da fiança oferecida não constituem parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia, pelo que ao utilizá-los e neles suportar a recusa da garantia oferecida incorreu em violação de lei.
Na verdade, o órgão da execução fiscal, perante o oferecimento de garantia mediante fiança, e não se questionando a capacidade do fiador se obrigar nem os quantitativos e prazos dos n.ºs 5 e 6 do art. 199.º do CPPT, deve limitar-se, com vista à averiguação da respectiva idoneidade, se a fiança é ou não susceptível de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, maxime em face do património do fiador. O legislador, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido.
Assim, e pese embora uma inegável margem de discricionariedade que assiste à AT nesta matéria (Sobre a questão, vide os seguintes recentes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
­ de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 786/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b93c19fff50f44278025791a003aa551?OpenDocument;
­ de 15 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 126/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d8816a5999c153cf802579b80056a4fd?OpenDocument.), a verdade é que não podem relevar-se como fundamentos válidos os atinentes ao grau de liquidez da garantia.
Como ficou dito no referido acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro passado, «[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”».
Estes considerandos são igualmente válidos relativamente à fiança. É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efectuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do art. 199.º do CPPT.
A interpretação subscrita pela Recorrente permitiria à AT estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar todas as que não assegurassem imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.
Voltando ao caso dos autos, o órgão decisor reconhece que nem sequer procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida, que rejeitou exclusivamente com o fundamento que este tipo de garantia – fiança – não seria admissível, apenas com o argumento da sua maior segurança e qualidade (liquidez imediata), o que significa que não há interesse público que justifique o sacrifício dos interesses da Executada. Note-se que a AT deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e art. art. 5.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo), o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles.
A AT pode recusar a fiança oferecida se achar que a mesma, em concreto, não garante o pagamento da quantia exequenda e do acrescido. O que não pode é, em abstracto, recusar essa forma de prestação de garantia, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos da Executada.
Aliás, o Ofício-Circulado n.º 60.076, de 29 de Julho da 2010, da DSGCT, salvo o devido respeito, não suporta a interpretação que dele fez o órgão decisor (e, se a suportar, então haverá de concluir-se pela ilegalidade das instruções por ele veiculadas). Na verdade, as instruções veiculadas por aquele ofício em ponto algum excluem a fiança como modo de prestação da garantia e visaram apenas «uniformizar os procedimentos e as práticas dos Serviços da DGCI à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução fiscal, bem como a salvaguarda do interesse público de cobrança dos créditos». A única tomada de posição administrativa que conhecemos a esse propósito é a do Despacho com o n.º 642/2002, de 11 de Março de 2002, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no seguinte sentido:
«Os Serviços da Direcção-Geral dos Impostos competentes, nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 199.º do CPPT, para apreciar as garantias a prestar para assegurar os créditos tributários exequendos, devem aceitar a título de garantia e em cumprimento do consignado no n.º l do artigo 199.º do CPPT, qualquer garantia ou meio susceptível de assegurar os créditos do Estado, designadamente a fiança de pessoa singular ou colectiva, respectivamente domiciliada ou com sede em território português, cujos rendimentos de fonte nacional, património localizado em Portugal e/ou capital social e declarações de rendimentos demonstrem a sua capacidade sustentada de pagar o montante a garantir, nos termos do n.º 5 daquele mesmo artigo 199.º do CPPT».
Em suma, ao ter fundado a decisão de recusa da garantia oferecida através de fiança em parâmetros que, seguramente, não integram o critério legal de aferição da idoneidade dessa garantia, incorreu o respectivo autor em vício de violação de lei, a determinar a respectiva anulação, como bem decidiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Por tudo o exposto, o recurso não merece provimento.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Do art. 199.º do CPPT não resulta a exclusão da fiança como forma legalmente admissível de prestação da garantia e, pelo contrário, deve ser admitida por referência à previsão na parte final do seu n.º 1: «ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente».
II - Sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da AT caso a caso, em concreto, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido.
III - A AT não pode recusar a constituição da garantia mediante fiança com o fundamento que esta não lhe dá segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 14 de Março de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.