Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0359/12
Data do Acordão:10/09/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:AVALIAÇÃO
AVALIAÇÃO INDIRECTA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Não se verifica excesso de pronúncia se esse vício imputado à sentença se refere a questão que foi suscitada pelo impugnante, ainda que com fundamentos diversos dos utilizados no respectivo conhecimento.
II - Não pode julgar-se procedente um vício de um acto com base em meros considerandos teóricos desligados da realidade fáctica sub judice.
III - Não permitindo a factualidade fixada na sentença averiguar da legalidade do recurso aos métodos directos na avaliação da matéria tributável, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e o regresso dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser conhecida a questão, após o pertinente julgamento da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P16369
Nº do Documento:SA2201310090359
Data de Entrada:03/30/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 367/09.5BEPNF

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……….., Lda.” (a seguir Impugnante ou Recorrida) impugnou judicialmente as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que lhe foram efectuadas relativamente aos anos de 2004, 2005 e 2006 na sequência de correcções à matéria tributável efectuadas na sequência de uma acção de inspecção, mediante a invocação de métodos indirectos e de métodos directos.
Pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a anulação dessas liquidações, invocando diversos fundamentos, dos quais por ora nos interessa considerar os que foram apreciados na sentença recorrida, a saber:

· a incompetência da entidade administrativa que tramitou e decidiu o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, por considerar que essa competência é do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa e não do Director de Finanças do Porto;
· a ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos directos no que se refere às correcções efectuadas com base nas guias de transporte, que, porque não constam da contabilidade da Impugnante, apenas poderiam eventualmente autorizar a avaliação por métodos indirectos, mas nunca por métodos directos.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a impugnação judicial procedente. Para tanto,

(i) relativamente à parte em que as liquidações decorreram da fixação da matéria tributável por métodos indirectos, considerando que se verifica a «incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável» e que esse esse vício se repercute na decisão do procedimento e nas liquidações consequentes, decidiu que «a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b),do CPPT)» e que, assim, «fica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrente da fixação da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 660.º, n.º 2, do CPC)»;

(ii) relativamente à parte em que as liquidações decorreram das correcções da matéria tributável mediante a invocação de métodos directos (ditos aritméticos) e se referem ao imposto que a AT considerou devido com referência a guias de transporte que não têm correspondência em facturas, que localizou no âmbito do procedimento de inspecção, mas que não constam da contabilidade, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que houve ilegal recurso a tais métodos, uma vez que o fundamento que os determinou não legitima as correcções por métodos directos e, ao invés, apenas justificaria o recurso aos métodos indirectos, pelo que decidiu no sentido de que «procede quanto a esta questão a defesa da Impugnante» e, assim, «[f]ica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrentes da fixação da matéria tributável por métodos directos relativos às vendas alegadamente tituladas por guias de transporte - art. 660.º, n.º 2, do CPC».

1.3 A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. A interposição do presente recurso tem por base a não-aceitação da douta decisão proferida, no que concerne à decisão de julgar procedente a impugnação deduzida por considerar que se verifica:
–“a incompetência do Director Distrital de Finanças para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável, a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b), do CPPT)”.
–“A alegada emissão de guias de transporte, como documento, equivalente à factura, para titular vendas não declaradas (vendas não facturadas, vendas omitidas à contabilidade e não declaradas quer nas declarações de IRC, quer de IVA), não constitui fundamento legal para proceder às correcções técnicas à matéria tributável esta correcção pressupunha a existência desses documentos na contabilidade da impugnante subjacente às liquidações impugnadas, para poder sustentar uma qualificação jurídica distinta da realizada pela impugnante. Todavia, resulta da fundamentação da decisão da inspecção tributária que esses documentos embora estivessem em poder da impugnante, não faziam parte da contabilidade das liquidações impugnadas (as vendas alegadamente tituladas pelas guias de transporte não faziam parte das vendas contabilizadas)”.

B. A impugnação apresentada visa o sujeito a anulação das liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 2004, 2005 e 2006, no valor global de 777.858,81 €, invocando como fundamentos, em síntese, a incompetência da entidade que decidiu o pedido de revisão, a violação do direito de audição, a falta de fundamentação da decisão, a ilegalidade da avaliação indirecta da matéria tributável e a errónea quantificação da matéria tributável. Conclui pedindo a procedência da impugnação judicial e a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos exercícios de 2004, 2005 e 2006.

C. Sendo que as liquidações aqui postas em crise advêm da constatação da existência de Escalpelizando [sic] as circunstâncias que motivaram as correcções efectuadas, embora doravante apenas estejam em causa as correcções de natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal porquanto as correcções por métodos indirectos foram já [sic] de refutação supra da anulação decidida por alegada incompetência do Director Distrital de Finanças, haverá que apreciar a situação em globo.

D. A sociedade impugnante foi submetida a uma inspecção tributária com incidência em IVA e IRC dos exercícios de 2004, 2005 e 2006, que decorreu entre 5 de Setembro de 2007 e 6 de Maio de 2008.

E. No seguimento dessa acção inspectiva, foram efectuadas correcções ao rendimento tributável em sede daqueles tributos com recurso a correcções meramente técnicas e a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável.

F. A inspecção tributária consultou os registos informáticos da sociedade impugnante e constatou que havia divergências entre as bases de dados.

G. Essas bases de dados continham os registos em valor e quantidade da totalidade dos movimentos de entradas e de saídas dos stocks bem como a totalidade das facturas, guias de transporte, encomendas, notas de débito e crédito, vendas a dinheiro, guias de remessa, orçamentos, facturas pró-forma e confirmações de encomendas, que tinham sido emitidas pela impugnante.
Esses documentos eram relativos a cada cliente.

H. A sociedade impugnante utilizava para esses registos as bases de dados com a denominação PRI0982005, com várias cópias de segurança, das quais foram destacadas duas com a denominação «0982005 Antes de Anulação dos Registos dos PXXX. BAR» e outra denominada RI0982004.

I. Assim, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2006 a inspecção tributária encontrou divergências nos documentos relativos a encomendas a clientes no valor global de 4.693.966,35 €.

J. Ao nível das guias de transporte esse valor foi de 767.757,86 €.

K. O procedimento utilizado nas vendas de mercadorias e produtos era o seguinte «encomenda de cliente – guia de remessa – factura» sendo certo que as vendas estavam reflectidas na contabilidade.

L. A inspecção tributária detectou que a sociedade impugnante alterava sistematicamente os registos contidos nas bases de dados com o intuito de dissimular os respectivos proveitos.

M. Essas alterações ocorreram em todos os registos de encomendas a clientes; guias de transporte, nas quais se constatou que tinham sido eliminados 72 documentos em 2004 e 682 nos exercícios de 2005 e 2006;

N. A Inspecção Tributária constatou assim que nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 ocorreram vendas de mercadorias e produtos que estavam titulados por guias de transporte precedidas de uma nota de encomenda, que intencionalmente foram eliminadas do sistema informático no intuito de as subtrair aos proveitos declarados e de não proceder à entrega do IVA liquidado.

O. Com o respeito devido que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante a matéria de facto (insuficiência desta sem delimitação adequada dos factos relevantes para a solução quer em matéria de direito, uma vez que não efectuou correctamente a interpretação dos arts. 91.º n.º 1 da LGT, DL 398/98, DL 366/99 (e posteriores portarias que mantiveram no essencial a estrutura deste DL), art. 10.º do CPPT e art. 99.º, al. b) do CPPT, art. 34.º n.º 1 al. a) do CIRC e 135.º do CPA.

P. Assim, e seguindo a sistematização do Relatório do douto aresto proferido a quo haverá a referir:

A incompetência da entidade que decidiu o pedido de revisão da matéria tributável.

Q. A competência para a orientação do procedimento de revisão, tendo em vista a harmonização do art. 91.º da LGT e do art. 10.º do CPPT, atendendo à interpretação que alguns autores (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, págs. 462 e segs.), consideram que a competência para o procedimento de revisão da matéria colectável, a partir de 01.01.2000 passou a caber aos chefes de finanças, atenta a redacção dos n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º do CPPT e do n.º 1 do artigo 91.º da LGT.

R. Na verdade, não esclarecendo este último artigo qual o órgão que deve considerar-se como órgão da administração tributária do domicílio do sujeito passivo, prevalece o primeiro artigo que atribui competência para a globalidade dos procedimentos tributários, na falta de lei especial, aos órgãos periféricos locais do domicílio ou sede do contribuinte ou da situação dos bens ou da liquidação, apenas cabendo a competência aos órgãos regionais nos casos em que não existam aqueles órgãos locais.

S. É certo, que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT, referindo-se às competências para o procedimento de revisão, previa que “Para efeitos de regime do processo de revisão da matéria tributável e até à reorganização da Direcção-Geral dos Impostos, são considerados órgãos da Administração Tributária do domicílio ou sede dos sujeitos passivos os directores distritais de finanças e os directores de finanças das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores”.

T. Contudo, o Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, que procedeu à reestruturação da Direcção-Geral dos Impostos, não esclareceu qual o órgão que deve considerar-se como órgão da administração tributária do domicílio do sujeito passivo, para efeitos do n.º 1 do artigo 91.º da LGT. Assim, tendo cessado a vigência do referido artigo 4.º, sem que no Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, haja norma equivalente, prevalece a competência para a globalidade dos procedimentos tributários, na falta de lei especial, nos órgãos periféricos locais do domicílio ou sede do contribuinte ou da situação dos bens ou da liquidação.

U. Por tal facto, é entendimento da administração fiscal que este não seria o espírito do legislador, mas não obstante não concordarmos que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, cessou a sua vigência com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, uma vez que não houve qualquer revogação tácita, porque a havê-la esta teria sido expressa, como ocorreu com outras normas,

V. E também por este motivo não se nos afigura que tal facto tenha determinado a mudança de órgão competente para a apreciação do pedido de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91.º da LGT.

W. Assim, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, é uma disposição transitória, que mantinha, na linha da legislação anterior à LGT, a competência da fixação da matéria tributável por métodos indirectos nas estruturas intermédias da Administração Tributária, ou seja, no caso da Administração Fiscal, nas Direcções Distritais de Finanças.

X. A transitoriedade da norma visava prevenir que, numa eventual reestruturação deixassem de existir estas estruturas intermédias, caso em que a competência aqui prevista deveria ser atribuída a outro órgão.

Y. Ora, no Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, estas estruturas intermédias não foram eliminadas, mantendo-se sob a denominação de Direcções de Finanças. Assim, não obstante a reestruturação, as direcções de finanças sucederam às anteriores direcções distritais de finanças, pelo que estas actualmente continuam a ser os órgãos da administração tributária do domicílio ou sede dos sujeitos passivos, para efeitos do processo de revisão da matéria tributável consagrado na LGT.

Z. Tal conclusão extrai-se não do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, mas das normas do Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, que consagram a referida sucessão de competências no âmbito da reorganização da DCCI a que procederam, nomeadamente dos artigos 11.º a 15.º deste diploma legal, bem como do n.º 2 do artigo 90.º do CIVA, 59.º do CIRC, n.º 1 do artigo 39.º do CIRS e n.º 6 do artigo 92.º da LGT, que também estabelecem a competência para a fixação da matéria colectável no director de finanças.

AA. De referir que, o anterior artigo 84.º do CIVA, actual artigo 90.º, foi adaptado pelo Decreto-Lei n.º 472/99 de 8 de Novembro, ao conteúdo da LGT, em ordem à harmonização da competência dos directores de finanças na fixação da matéria tributável por métodos indirectos em sede de IRS, IRC e IVA.

BB. Deste modo, sendo aqueles os órgãos competentes para fixar a matéria colectável devem, igualmente ser os órgãos competentes para receber o pedido de revisão da matéria tributável, bem como nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT, serão também os órgãos competentes para resolver, “(...) de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos”, na falta de acordo entre o perito da administração tributária e o perito do contribuinte.

CC. Atento o supra exposto, é nossa opinião que, a competência para receber o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, se mantém na direcção de finanças enquanto órgão intermédio da administração tributária, que sucedeu à direcção distrital de finanças.

DD. De referir ainda que o próprio texto da lei refere o “órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal”; ora esta expressão só por si abarca ambos os serviços periféricos – locais e regionais; e isto porque quer uns quer outros têm competências no âmbito da inspecção tributária.

EE. O acto de fixação do lucro tributável, constante da Nota de Fixação, foi praticado nos termos e para os efeitos do art. 54.º do Código do IRC, verificando-se que a decisão foi proferida no uso de poderes subdelegados pelo Director de Finanças Adjunto, a que no mesmo se faz referência expressa, não se verificando, contrariamente ao alegado, a prática de qualquer ilegalidade.

FF. E ainda que por mera hipótese académica se considerasse existir a falta de competência para a condução do procedimento do pedido de revisão, no que não se concede esta apenas configuraria uma mera preterição de formalidade, e sempre seria de considerar-se uma mera irregularidade, sem qualquer influência ao nível da validade dos actos tributários de liquidação, por não se verificar incompetência do órgão decisor, nem afectando de nenhum modo os direitos e garantias do contribuinte.

GG. No que toca ao enquadramento das comissões de revisão, enquanto tais, sempre se entendeu que as mesmas não se integram na orgânica da Administração Tributária. Aliás, nas palavras de Diogo Freitas do Amaral, in Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, “Entende-se, na verdade, que a colegialidade é incompatível com a subordinação hierárquica”.

HH. Por isso, as decisões emanadas da Comissão de Revisão só podem ser submetidas a escrutínio judicial, quer com fundamento em preterição de formalidades essenciais, quer por razões de substância.

II. Assim, a confirmação de legalidade incide apenas sobre as formalidades legais praticadas, relativas a questões marginais, sob pena de vício de usurpação de poderes.

JJ. Entre as formalidades legais previstas poderão enquadrar-se, nomeadamente, a regular convocação da Comissão, a legitimidade dos seus membros, a deficiência de fundamentação da decisão do Presidente da Comissão de Revisão ou o respeito pelas competências atribuídas à própria Comissão.

KK. Não pode a Fazenda conformar-se com as consequências que a douta sentença retira de tal interpretação, que ao considerar-se existir seria não configuraria uma formalidade essencial, uma vez que nem sequer recai sobre a decisão proferida pela Comissão que não foi objecto de apreciação da legalidade, e conclui que uma eventual irregularidade procedimental acarretaria uma anulação das liquidações ora impugnadas.

LL. Ora, o conceito de formalidade essencial, embora não estando positivado, decorreria, no presente caso, da inexistência de acto de confirmação da legalidade, e não é esse o circunstancialismo verificado.

MM. O acto de confirmação da legalidade da decisão tomada pelo órgão decisor e, portanto, a formalidade essencial decorrente do n.º 6 do art. 92.º do CPT foi cumprida, facto pelo qual nos distanciamos das considerações constantes da douta sentença.

NN. Considera a Fazenda que o acto de confirmação da legalidade existiu, isto é, que o Senhor Director Distrital de Finanças, através de delegado legalmente constituído, aferiu do cumprimento das formalidades legais inerentes à conclusão emergente da reunião da Comissão de Revisão.

OO. Assim, deve considerar-se que a existir erro este apenas constituiria uma mera preterição de formalidade não essencial, visto caber no conceito elaborado por Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, vol. 1, página 469), segundo o qual devem considerar-se não essenciais “as formalidades preteridas ou irregularmente praticadas quando, apesar da omissão ou irregularidade, se tenha verificado o facto que elas se destinavam a preparar ou alcançado o objectivo específico que mediante elas se visava produzir”.

Por último,

PP. Considerando que, no fundo, aqui se discute a problemática da interpretação dos actos administrativos, assumem pertinência as considerações tecidas por Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, comentado, Vol. II, em anotação ao Art. 135.º do CPA, que afirmam que “o absurdo de uma interpretação cingida à letra da lei – quando confrontamos o interesse da estabilidade do acto com os interesses que, por exemplo, outras normas procedimentais menores e meramente burocráticas do procedimento administrativo visam proteger – é tal, que não custa vaticinar que, pelo menos nos casos mais nítidos, a jurisprudência e a doutrina chamados a interpretar e aplicar o Código não deixarão de retirar força invalidante à inobservância de normas destas. Como sempre fizeram, mesmo na omissão de lei que o permitisse.”

Nestes termos,

QQ. Pelo que não poderá conformar-se a FP com a anulação relativa às correcções relativas ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos assim decidida pelo tribunal a quo.

Por outro lado,

RR. Com a ressalva do devido respeito, que é muito, não pode a FP conformar-se com o assim doutamente decidido, nem com as premissas em que se baseou a douta sentença recorrida, por considerar ter havido erro de julgamento EM MATÉRIA DE DIREITO.

SS. Com efeito, não obstante não constituir fundamento da presente impugnação, o M.º Juiz do tribunal “a quo” conheceu da ilegalidade, e decidiu julgar procedente a impugnação deduzida, por considerar que se verifica:

– “a incompetência do Director Distrital de Finanças para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável, a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b), do CPPT)”.

TT. Vício este que, sublinhámos, não foi oportunamente invocado na P.I. pela impugnante – antes tendo sido abordado, como bem se refere na sentença – à incompetência da entidade que decidiu o pedido de revisão (cf. n.º 1 do art. 108.º do CPPT).

UU. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a decisão proferida extravasa os limites legais definidos, cometendo excesso de pronúncia.

VV. De facto, como vem sustentando a jurisprudência do STA “a pronúncia pelo Tribunal de questões que não pode conhecer, implica nulidade por excesso de pronúncia (art. 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC)”.

WW. Continua aquele Douto Acórdão referindo que “Os limites aos poderes de cognição do tribunal são definidos na segunda parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, de que se infere que o Tribunal só pode conhecer de questões suscitadas pelas partes e questões de conhecimento oficioso.” 3 [3 Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0416/06, de 04-11-2009]

XX. Na mesma esteira vai o Acórdão proferido pelo STA no proc. n.º 01021/09, de 18-11-2009, ao referir, sumariamente que 4 [4 Neste sentido veja-se ainda o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0416/06, de 04-11-2009]:

“I – Por força da regra de proibição de conhecimento extra petição, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sob pena de nulidade da sentença nos termos previstos tanto no art. 668.º n.º 1 al. d) do CPC como no art. 125.º, n.º 1 do CPPT.”

YY. Salvo o devido respeito e salvo melhor opinião, de entre as questões de “conhecimento oficioso”, de que são exemplo as previstas no artigo 175.º do CPPT ou no artigo 494.º do CPC, não se integra a ilegalidade da reversão, apontada pelo tribunal “a quo”.

ZZ. No entanto, e como Doutamente se escreve no Acórdão do STJ, proferido no proc. N.º 04B036, de 19-02-2004, que “Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão.

AAA. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que “não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido”

Destarte,

BBB. Ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia, em virtude de o M.º Juiz ter conhecido de questão que não é de conhecimento oficioso ou que tenha sido suscitada pelas partes, designadamente quanto à inexistência de incompetência do Director Distrital de Finanças quer para a decisão quer para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 91.º da LGT,... e do n.º 1 do art. 668.º e n.º 2 do artigo 660.º, ambos do CPC,

CCC. Consubstanciando erro de julgamento em matéria de DIREITO.

A ilegalidade das correcções de natureza meramente aritmética das vendas tituladas por guias de transporte.

DDD. No que se refere aos acréscimos aos resultados líquidos dos exercícios de 2004,2005 e 2006, nos valores de, respectivamente, € 767 757,86, € 561 893,23 e € 1 517 391,10 relativos às vendas omitidas à contabilidade e à tributação, tituladas por guias de transporte, precedidas de notas de encomenda, eliminadas do sistema informático e para as quais não foram emitidas as correspondentes facturas, vem a impugnante alegar que tais correcções deveriam ser inseridas na avaliação indirecta efectuada, porquanto:

· para a equiparação de guias de transporte a facturas é necessária a existência de norma legal que o preveja expressamente, o que não existe no nosso ordenamento jurídico;

· os dados que ressaltam das bases de dados em causa não são minimamente fiáveis nem fidedignos, como descreve nos artigos 151.º e seguintes da pi.

EEE. Por outro lado, vem, de imediato, tentar demonstrar que as guias de transporte, afinal, têm associada a correspondente factura.

FFF. Sem prejuízo de acabar por concluir que do “... pequeno trabalho de análise contabilística efectuado (...) resultam 68 (...) situações de supostas guias de transportes não declaradas como vendas C…”,

GGG. Da análise efectuada ao sistema informático mencionada no ponto II.3.2 do RIT verificou-se que o SP embora não tenha emitido facturas procedeu à emissão de Guias de Transporte como documentos equivalentes para a titulação da venda de bens nos termos dos artigos 28.º e 35.º do mesmo diploma, durante os exercícios de 2004, 2005 e 2006, no montante global de 2.847.042,22 €, procedendo à liquidação do imposto devido nas referidas Guias de Transporte, no montante global de 578.901,66 €, em conformidade com o disposto no artigo 7.º do CIVA, não tendo no entanto mencionado nem a base tributável nem esse imposto nas declarações periódicas enviadas nos termos do artigo 40.º do CIVA ou procedido à consequente entrega do referido imposto nos Cofres do Estado de harmonia com o preceituado no artigo 26.º do código atrás citado.

HHH. Para cálculo do custo das vendas totais dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 aceitou-se o valor declarado pelo sujeito passivo dado o custo das vendas omitidas já ter sido expurgado do valor do Stock declarado através da movimentação dos documentos tipo “SS”, conforme ficou comprovado no ponto IV.2 do RIT.

III. Para o cálculo do lucro tributável dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 corrigiu-se os valores das vendas conforme mencionado no ponto anterior e aceitaram-se os restantes custos, com excepção dos corrigidos no ponto III.1 do RIT, declarados pelo S.P. nas declarações de rendimento.

JJJ. Primordialmente não pode deixar de se referir que a IT validou de facto o custo das vendas declarado e contabilizado, o que não validou foi as quantidades facturadas/vendidas e correspectivamente o valor das vendas declarado.

KKK. Por outro lado, ao contrário do defendido pela impugnante, as guias de transporte devem fazer parte da contabilidade, ainda mais por terem sido tratados como “documentos equivalentes”, do que é prova neles ter sido liquidado IVA.

LLL. De qualquer modo tal não inibiria o contribuinte de emitir a respectiva factura nos termos legais;

MMM. Os documentos “existem” na contabilidade, por isso é que com base neles foi efectuada a correcção talvez outra situação se tratasse se tivessem sido relevados na rubrica de “Proveitos” por pretenderem ser tratados como documentos equivalentes, pois embora não seja o procedimento contabilisticamente mais correcto, mais correcta seria a contabilidade no que respeita ao espelhamento da situação real da empresa.

NNN. Diga-se, a este propósito, que apesar de não terem sido colocados em crise os valores contabilizados e declarados das existências finais dos exercícios, conforme Inventários elaborados pela empresa, verifica-se pela sua análise que o conteúdo destes não é coerente com a informação disponibilizada pelos ficheiros de gestão de stocks. Situação esta a que não deve ser estranha a movimentação operada nos ficheiros através de documentos do tipo Acertos de Inventário Positivos (AIP) e Acertos de Inventário Negativos (AIN).

OOO. Pela sua relevância, salienta-se o caso do inventário final do exercício de 2006 que comparativamente aos ficheiros de stock, BD_actual e BD_seg, arrola muito menores quantidades de Bobine, de aproximadamente 155.000 Kg, e, portanto, potencialmente muito menor valor de existências. Valor que se tivesse sido presente, faria com que o custo das vendas a considerar fosse inferior ao declarado pela empresa.

PPP. Foi convicção da AT que a grande maioria dos movimentos ocorridos nos ficheiros de stocks, nas bases de dados BD actual, Seg-2004 e BD seg, decorrem de registos ponderados e que se justificam na óptica da empresa, o não propriamente a acertos por omissões de registos ou por falta de emissão do qualquer documento, visto que o(s) operador(es) das bases de dados utilizarão o sistema, como bem se entenderá, com base em suporte documental.

QQQ. Por outro, porque em sede de comissão de revisão não se comprovou que os registos em questão correspondam no que o sujeito passivo vem alegar em sede do pedido formulado nesta sede.

RRR. Tanto mais, porque tendo sido questionado o perito do contribuinte para a impossibilidade da empresa apresentar, para análise, os suportes de todos os movimentos que invocam não corresponder a compras e vendas, os documentos dos ditos acertos de entrada de stock (AGE), de acertos de saída de stock (ACS), de entrada de stock (ES), saídas de stock (SS), saídas de stock para transformação (SST), saídas de stock para transformação (ST1), saídas de stock para transformação (ES2), entradas de stock de transformação (EST), bem como os documentos de acertos de inventários negativos (AIN) e acertos de inventário positivos (ATP), o certo é que não se mostrou receptivo à exibição dos aludidos documentos.

SSS. No tocante às quebras, relembra-se que a sua expressão não pode deixar de estar reflectida nas bases de dados, na decorrência do movimento de saídas/entradas de stocks para e de transformação.

TTT. Quanto ao controlo global de compras/vendas/stocks, o da desconsideração do stock final de 2006, a impetrante coloca apenas um dos lados do problema, o de que os stocks finais inviabilizariam que as compras e existências iniciais seriam suficientes para fazer face às quantidades vendidas descritas nas facturas, vendas a dinheiro, guias de transporte e restantes movimentos do tipo (SS).

UUU. Em relação à avaliação indirecta segundo o art. 81.º da LGT, a matéria colectável é avaliada ou calculada segundo os critérios próprios da cada tributo só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições previstas na lei.

VVV. Nos termos do art. 31.º da LGT, são obrigações acessórias dos sujeitos passivos as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações.

WWW. O procedimento de liquidação instaura-se precisamente com essa declaração ou, na sua falta, com base em todos os elementos de que a administração fiscal disponha – art. 59.º do CPPT.

XXX. Acompanhamos pois a mais recente jurisprudência publicada sobre a matéria.

«Para que os custos sejam aceites para efeitos fiscais é necessário que se comprovem com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos, implicando a falta de qualquer destes requisitos a sua não consideração e o seu adicionamento ao resultado contabilístico» (Ac. do TCAS de 10/02/2009, recurso 02469/08)

«Para os custos poderem ser considerados, para além de se comprovar a sua efectiva existência, impõe-se igualmente comprovar a sua indispensabilidade e o nexo causal com os ganhos sujeitos a imposto» (Ac. do STA de 13/02/2008, recurso 0798/07)

«A aferição da indispensabilidade de determinadas despesas “ocorridas, nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC, para relevarem como custos fiscais, reporta-se a uma ponderação entre aquelas e a actividade concretamente exercida do contribuinte.» (Ac. do TCAS de 6/10/2009, processo 03022/09)

YYY. Pelo exposto, porque se considera que a sociedade impugnante não demonstrou a existência dos serviços constantes das facturas, que a administração tributária desconsiderou, mostra-se adequada a correcção ao lucro tributável efectuada pela administração tributária.

ZZZ. Quanto à avaliação indirecta que, como se sabe, é subsidiária da avaliação directa e é feita com base «em indícios, presunções e outros elementos de que a administração fiscal disponha».

AAAA. A sociedade impugnante não demonstrou igualmente que existiu erro na quantificação que tinha sido apurada.

BBBB. A administração tributária justificou e fundamentou exaustivamente no relatório de inspecção as correcções efectuadas.

CCCC. A administração tributária fundamentou devidamente a decisão e cumpriu o direito de participação antes da decisão.

DDDD. Justificam-se assim as correcções efectuadas em sede do IRC relativo aos exercícios de 2004, 2005 e 2006.

EEEE. Entende-se pois que se devem manter as liquidações de IRC ora impugnadas.

FFFF. Em conclusão, sendo a avaliação indirecta de aplicação meramente subsidiária, e subsistindo aqui em análise as correcções meramente aritméticas por imperativo legal, nada há a apontar as referidas correcções, sendo, portanto, estas de manter.

GGGG. Pelo que andou bem a Administração Tributária na liquidação efectuada.

HHHH. Não se verificando a ilegalidade sentenciada, a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por violação ao disposto no arts. 91.º n.º 1 e 92.º n.º 6 da LGT, DL 398/98, DL 366/99 (e posteriores portarias que mantiveram no essencial a estrutura deste DL), art. 10.º do CPPT e art. 99.º, al. b) do CPPT, art. 125.º do CPPT, 7.º, 26.º, 28.º, 35.º e 87.º do CIVA, e 668.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC, devendo considerar-se válidos os actos tributários de liquidação e, como tal, manterem-se na ordem jurídico-tributária.

Nestes termos,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

1.5 A Recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«1.ª O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, e não sobre a matéria de facto, pelo que o Tribunal competente para o conhecer é o Supremo Tribunal Administrativo.

2.ª A direcção de finanças não é a entidade competente para conduzir o procedimento de revisão da matéria tributável, não sendo, em face do disposto nos artigos 61.º/n.º 4 e 19.º/ n.º 1 da LGT, órgão da administração tributária do domicílio fiscal do sujeito passivo.

3.ª A Impugnante e ora Recorrida invocou este vício, pelo que não houve excesso de pronúncia por parte do Mmo. Juiz [do Tribunal ]“a quo”.

4.ª As guias de transporte não estavam na contabilidade da Recorrida, pelo que ao servir-se das mesmas para propor correcções deveria a Administração Fiscal lançar não de métodos indirectos e não correcções técnicas.

5.ª A Administração Fiscal incorre em contradição insanável quando invoca factos que afastam a aplicação da contabilidade – por deixar de ser credível – e ao mesmo tempo faz correcções a essa mesma contabilidade com base em documentos externos.

6.ª Qualquer recurso tem por objecto a decisão recorrida, não se podendo discutir factos que não foram apreciados pela 1.ª instância.

Termos em que deve o recurso interposto improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida».

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a requerimento da Recorrente.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação:

«Além do mais, alega a recorrente que a sentença recorrida sofre do vício formal de nulidade por excesso [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se omissão onde se queria dizer excesso.)] de pronúncia. (alíneas UU, VV e BBB das conclusões).
O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 660.º/2 do CPC).
Ora, ao contrário do que sustenta, a recorrida na sua PI, além de invocar a incompetência do DF para a decisão do procedimento de revisão da matéria colectável, invoca, simultaneamente, a incompetência de tal órgão para a condução [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se decisão onde se queria dizer condução.)] do procedimento, pelo que não ocorre a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Quanto à alegada incompetência da DF para a condução do procedimento de revisão da matéria colectável, com a devida vénia, subscrevemos, por inteiro, a posição do MP junto do TCAN, que consta de fls. 1352 a 1354 e que aqui se dá por reproduzida.
Assim, a nosso ver, não ocorre o alegado vício de incompetência do DF para conduzir o procedimento de revisão da matéria tributável.

No que concerne às correcções atinentes às pretensas vendas tituladas por guias de transporte, com a sentença recorrida, pensamos que a razão está do lado da recorrida.
De facto, a Administração Tributária considerou as guias de transporte como documento equivalente a factura, uma vez que presumiu que titulavam operações de venda não declaradas.
Ora, essa actuação por banda da Administração Fiscal não consubstancia uma simples correcção aritmética, mas traduz antes a utilização de métodos indirectos para determinação da matéria colectável.
Como é sabido o rendimento real é apurado através da contabilidade.
Todavia, no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável procede-se à sua avaliação indirecta (artigo 87.º/1/a) da LGT).
Tal impossibilidade pode resultar, nomeadamente, de inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal. (artigo 88.º/ a) da LGT).
Ora a AT, através da análise do sistema informático verificou a existência de guias de transporte sem emissão da correspondente factura das quais constava a liquidação de IVA, não tendo sido mencionada a base tributável nem o IVA nas declarações periódicas enviadas nos termos do artigo 40.º do CIVA.
Perante essa constatação considerou que se tratava de documentos equivalentes a facturas e presumiu que titulavam operações de venda não declaradas.
Ora, esta conduta consubstancia a utilização de métodos indirectos na determinação da matéria tributável e não uma correcção técnica.
De facto, a AT perante as referidas guias de transporte, sem apoio legal, equipara-as a documento equivalente a facturas por delas constar alegada liquidação de IVA e daí presume que titulam operações de venda não declaradas.
De um facto conhecido, a existência de guias de remessa, a AT tira ilações para firmar um facto desconhecido, operações de venda não declaradas (artigo 349.º do CC).
Portanto, salvo melhor juízo, a AT utilizou presunções para a determinação da matéria tributável.
Ora, tendo a AT utilizado métodos indirectos na determinação da matéria tributável impunha-se que respeitasse as normas relativas ao respectivo procedimento, nomeadamente, dando à recorrida a possibilidade de pedir a revisão da matéria tributável, nos termos do disposto no artigo 91.º da LGT, o que não foi feito.
Assim sendo, nesta parte, o recurso não merece provimento.

Nos termos dos artigos 726.º e 715.º/2 devem os autos baixar à 1.ª instância para, serem apreciados os restantes vícios e cujo conhecimento havia ficado prejudicado, uma vez que alguns destes vícios (ligados à questão do erro na quantificação) não podem ser apreciados neste STA, uma vez que se toma necessária ampliação da matéria de facto para o efeito.
Termos em que deve ser dado provimento parcial ao presente recurso jurisdicional, na parte respeitante à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, baixando os autos à 1.ª instância para os efeitos atrás referidos».

1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida

(i) enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que conheceu da incompetência do Director de Finanças para “condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável”, vício que a Recorrente sustenta que, porque não foi invocado na petição inicial (onde, na sua tese, apenas foi suscitada essa questão relativamente à decisão final daquele procedimento), não podia ter sido apreciado na sentença (cfr. conclusões RR a BBB); na negativa, se

(ii) fez correcto julgamento quanto a essa questão, ou seja, se essa competência era do Director Distrital de Finanças do Porto, que foi quem presidiu àquele procedimento (de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos), ou do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa, como decidiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e sustenta a Recorrida (cfr. conclusões Q a QQ); em qualquer caso, se

(iii) fez correcto julgamento quando considerou que a AT, em face das guias de transporte que localizou nas instalações (no sistema informático) da ora Recorrida quando do procedimento de inspecção e às quais não correspondem facturas, não podia proceder à fixação da matéria tributável (e do imposto em falta) por métodos directos, sendo que eventuais correcção só poderiam ser feitas por recurso aos métodos indirectos (cfr. conclusões DDD a MMM); caso alguma ou ambas as questões ditas em ii) e iii) sejam respondidas negativamente,

(iv) se é possível conhecer das demais questões suscitadas na petição inicial e que a sentença recorrida considerou prejudicadas.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos termos que reproduzimos de seguida ipsis verbis:

«I. Factos provados com relevância para a decisão dos autos:

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados – art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), também corroborados pelos documentos juntos aos autos – arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)

1.º- À data dos factos a Impugnante era uma sociedade por quotas com sede na Zona ….., ……., ………., ………., Trofa, que alterou para Rua …….., Zona …….., ………, …… (….. …….), Trofa, área do Serviço de Finanças da Trofa e tinha como objecto o comércio por grosso de aço inoxidável – cfr. doc. 1.

2.º- Pelo ofício n.º 61301/0507, de 19/7/2007, a Impugnante foi notificada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças do Porto (DFP) de que iria ser objecto de uma acção de inspecção, a abranger os exercícios de 2004, 2005 e 2006, em sede de IRC e IVA – cfr.doc.2.

3.º- Em 5.09.2007 deu-se início ao procedimento de inspecção externa – cfr. doc. 3.

4.º- Através do ofício n.º 35736/0507, de 9.05.2008, remetido pelos SIT da DFP, a ora Impugnante foi notificada, nos termos do art. 60.º da LGT e do art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), para exercer o seu direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária (PRIT) – doc. 5.

5.º- Neste projecto foram propostas várias correcções com recurso a métodos indirectos e meramente aritméticas resultantes de imposição legal, em sede de IRC, IVA e Imposto do Selo, relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, nos termos aí previstos – doc. 5.

6.º- No mapa resumo do PRIT foram propostas as correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética nos valores 870.040,20 euros, 561.893,26 euros e 1.517.391,10 euros, para os exercícios de 2004, 2005 e 2006, respectivamente.

7.º- No PRIT constam as correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável pela constituição de provisões que não são fiscalmente dedutíveis no valor de 102.282,34 euros, 69.787,84 euros e 44.358,24 euros, nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, respectivamente, e por vendas omitidas, tituladas por guias de transporte, no valor de 767.757,86 euros, 581.8932 euros e 1.517.391,10 euros, nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, respectivamente.

8.º- A Impugnante não exerceu o direito de audição.

9.º- Pelo ofício n.º 43499/0507 de 11/6/2008, remetido pelos SIT da DFP, a impugnante foi notificada, nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 62.º do RCPIT, do RIT (doc.6).

10.º- Nesta notificação a Impugnante foi informada que “Poderá V. Ex.a solicitar a revisão da matéria tributável ou do imposto, fixado por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de finanças da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha a notificação, com a indicação do perito que o representa e, eventualmente, o pedido de nomeação de Perito independente, nos termos do artigo 91.º da LGT”.

11.º- Por entender que o RIT não estava fundamentado, a Impugnante apresentou, ao abrigo do art. 37.º do CPPT, um requerimento a solicitar o esclarecimento das questões suscitadas no requerimento de fls. 583 a 587, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

12.º- Como o RIT continha correcções à matéria tributável por métodos indirectos, em 10/7/2008, a ora Impugnante apresentou junto da Direcção de Finanças do Porto pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do art. 91.º da LGT.

13.º- Pelo ofício n.º 54976/0507, de 30/7/2008, a ora Impugnante foi notificada da resposta ao seu requerimento do art. 37.º do CPPT – doc. 9.

14.º- Porque a Impugnante considerava que a resposta dos SIT da DFP ao seu requerimento do art. 37.º do CPPT não se encontrava completa, em 25/8/2008 a Impugnante voltou a apresentar novo requerimento, no qual solicitava um complemento do esclarecimento que lhe havia sido dado anteriormente, cujo teor consta de fls. 657 e 658 dos autos.

15.º- Em 29/8/2008, a Impugnante apresentou um segundo pedido de revisão da matéria colectável, ao abrigo do art. 91.º da LGT, tendo presente a correcção ao RIT efectuada pelos SIT – fls. 659 dos autos.

16.º- Através do ofício n.º 64474/0507, de 17/9/2008, a Impugnante foi notificada pelos SIT da resposta ao seu segundo requerimento do art. 37.º do CPPT.

17.º- Por igual motivo, em 15/10/2008 a Impugnante apresentou um terceiro pedido de revisão da matéria colectável ao abrigo do art. 91.º da LGT, por estar na posse de mais informações – doc. 13.

18.º - Os pedidos de revisão da matéria tributável estão dirigidos ao Sr. Director de Finanças do Porto.

19.º - Não houve acordo entre o perito da administração tributária e o contribuinte no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável – doc. 14.

20.º - O pedido de revisão da matéria tributável foi indeferido por decisão proferida pela Directora de Finanças Adjunta, por delegação do Director de Finanças do Porto, publicada no Diário da República n.º 163, 2 Série, de 25/8/2008, por falta de acordo dos peritos – doc. 14.

21.º- A decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável foi notificada à Impugnante através do ofício n.º 83031/0208, de 20/11/2008 – doc.14.

22.º- A administração fiscal procedeu a correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável, por da análise efectuada aos documentos contabilísticos da Impugnante ter verificado a constituição de provisões para cobertura do risco de cobrança de notas de débito emitidas relativas a juros e encargos de conta de clientes, que não foram acrescidas ao resultado para efeitos de determinação do lucro tributável.

23.º- A fundamentação destas correcções consta de fls. 88 a 103 do RIT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

24.º- A inspecção tributária fundamentou estas correcções nos seguintes termos: doc. de fls. 90 do RIT.

“III.3 – Da análise efectuada ao sistema informático mencionada no ponto 11.3.2 verificou-se que o SP embora não tenha emitido facturas procedeu à emissão de Guias de Transporte como documentos equivalentes para a titulação da venda de bens nos termos dos artigos 28.º e 35.º do mesmo diploma, durante os exercícios de 2004, 2005 e 2006, no montante global de 2.847.042,22 euros, procedendo à liquidação do imposto devido nas referidas Guias de Transporte, no montante global de 578.901,66 euros, em conformidade com o disposto no artigo 7.º do CIVA, não tendo no entanto mencionado nem a base tributável nem esse imposto nas declarações periódicas enviadas nos termos do artigo 40.º do CIVA ou procedido à subsequente entrega do referido imposto nos cofres do Estado de harmonia com o preceituado no artigo 26.º do Código atrás citado, conforme quadro resumo (Anexo 6): (...)”.

25.º- Ao relatório de inspecção tributária foi anexado o documento denominado Anexo 6, onde estão discriminadas as guias de transporte – cfr. doc. de fls. 238 a 241 do RIT apenso aos autos.

26.º- A análise efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária ao sistema informático da ora Impugnante está descrita a fls. 79 a 88 do RIT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

II. Não há matéria de facto não provada relevante para a decisão da causa.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A AT, na sequência de uma visita de fiscalização à sociedade ora Recorrida, entendeu efectuar diversas correcções em sede de IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006, sendo umas por métodos indirectos e outras por métodos directos, o que originou diversas liquidações de imposto e de juros compensatórios.
A Impugnante impugnou essas liquidações com diversos fundamentos. Sem preocupação de sermos exaustivos, detectámos

· a incompetência da entidade administrativa que tramitou e decidiu o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, por considerar que essa competência é do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa e não do Director de Finanças do Porto;
· ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos directos no que se refere às correcções efectuadas com base nas guias de transporte,
(i) porque não existe norma legal que faça equivaler as guias de transporte a facturas,
(ii) porque todas as referidas guias de transporte deram origem a facturas, pelo que não houve qualquer venda à margem da contabilidade, o que significa que a AT liquidou imposto sobre operações que já haviam sido tributadas,
(iii) porque essas guias não constam da contabilidade da Impugnante, apenas poderiam eventualmente autorizar a avaliação por métodos indirectos, mas nunca por métodos directos;
· violação do direito ao procedimento de revisão da matéria colectável, que lhe ficou vedado em virtude do uso ilegal dos métodos directos, quando o procedimento adequado para a correcção da matéria tributável e do imposto declarados, se a AT considerava que a contabilidade não era merecedora de credibilidade, seria o da avaliação por métodos indirectos;
· ilegalidade do recurso aos métodos indirectos e erro e excesso na quantificação da matéria tributável;
· violação dos princípios da legalidade, da justiça, da boa fé e da verdade material.

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, relativamente à parte em que as liquidações decorreram da fixação da matéria tributável por métodos indirectos, considerando que se verifica a «incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável» e que esse esse vício se repercute na decisão do procedimento e nas liquidações consequentes, decidiu que «a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b),do CPPT)» e que, assim, «fica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrente da fixação da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 660.º, n.º 2, do CPC)»; relativamente à parte em que as liquidações decorreram das correcções da matéria tributável efectuadas mediante a invocação de métodos directos, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que houve indevida utilização da avaliação directa, uma vez que o fundamento invocado para a suportar não a legitima e, ao invés, apenas justificaria o recurso aos métodos indirectos, pelo que (em face dessa violação de lei) decidiu pela procedência da impugnação judicial também nessa parte e, assim, que «[f]ica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrentes da fixação da matéria tributável por métodos directos relativos às vendas alegadamente tituladas por guias de transporte - art. 660.º, n.º 2, do CPC».
A Fazenda Pública insurge-se contra essa sentença.
Desde logo, considera que a sentença incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, uma vez que, a seu ver, a Impugnante apenas tinha suscitado a questão da incompetência do Director Distrital de Finanças para decidir, e já não para “conduzir”, o procedimento de revisão.
Sem prejuízo, considerou que foi feito errado julgamento dessa questão, uma vez que o Director Distrital de Finanças é competente para «conduzir e instruir» o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos.
Discorda também do julgamento no que respeita às correcções que a AT efectuou ao abrigo de métodos directos. Em síntese, sustenta, contrariamente ao que entendeu a Juíza do Tribunal a quo, que essas correcções não consubstanciam presunção alguma, a exigir a utilização dos métodos indirectos e, consequentemente, a determinar a possibilidade de a Contribuinte aceder ao procedimento de revisão da matéria tributável.
Daí as questões a apreciar e decidir serem as que deixámos enunciadas em 1.9.

2.2.2 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao apreciar e decidir a questão da incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para «conduzir e instruir» o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, uma vez que tal questão não foi suscitada na petição inicial. A seu ver, a questão suscitada pela Impugnante na petição inicial relativamente à competência daquela autoridade administrativa foi apenas quanto à decisão do procedimento e já não quanto à competência para “conduzir e instruir” o procedimento.
Como é sabido, impõe-se que haja uma correspondência entre o que é pedido e o que é pronunciado, devendo o juiz pronunciar-se sobre tudo o que for pedido e só sobre o que for pedido. Só em casos excepcionais previstos na lei processual ou na lei substantiva pode o juiz apreciar oficiosamente questão que não foi suscitada pelas partes.
Nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT, ocorre nulidade da sentença quando o juiz se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (Nulidade também prevista na alínea d) do art. 668.º, n.º 1, do CPC.). Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil (CPC), na redacção em vigor à data, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Com esta norma pretendeu o legislador proibir o juiz de se ocupar de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, com excepção daquelas que a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
Ao contrário do que sustenta a Recorrente, na petição inicial, além de ter sido invocada a incompetência do Director Distrital de Finanças para a decisão do procedimento de revisão da matéria colectável, foi também invocada a incompetência dessa autoridade administrativa para a “condução” do procedimento (cfr. itens 33.º e 50.º da petição inicial), como bem salientaram a Recorrida e o Procurador-Geral adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo.
Aliás, «[o] que se proíbe, naquele art. 660.º, n.º 2, do CPC é que se conheça de «questões» não suscitadas. Não se deve confundir «questões» com «argumentos». Quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 12 ao art. 125.º, pág. 366.).
Ora, o vício invocado pela Impugnante foi o da incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto em razão da hierarquia para o procedimento de revisão da matéria tributável. Assim, na medida em que a sentença conheceu desse vício, não releva que o haja, eventualmente, feito sob um enquadramento diverso do que lhe foi dado na petição inicial.
Voltando a citar JORGE LOPES DE SOUSA, «O que o tribunal não poderá fazer, por força da regra da identidade entre causa de pedir e causa de julgar é anular um acto por vício diferente daquele que foi invocado pelo impugnante (por exemplo, se o impugnante invocou apenas o vício de falta de fundamentação, não pode o tribunal anular o acto por violação do direito de audição prévia ou por violação de uma regra de incidência tributária), a não ser que se trate de vícios de conhecimento oficioso» (Ibidem.).
Ora, no caso sub judice a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel conheceu do vício de incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para o procedimento de revisão da matéria tributável sob uma dupla perspectiva: a competência para a decisão e a competência para a «instrução e condução». Assim, porque conheceu de vício que foi arguido pela Impugnante, nunca se verificaria a nulidade por excesso de pronúncia, ainda que a Juíza do Tribunal a quo tivesse entendido fazê-lo sob uma perspectiva diferente daquela sob a qual a questão foi suscitada, o que nem sequer foi o caso.
Poderá, eventualmente, ter feito errado julgamento da questão (o que se apreciará no ponto seguinte), mas não pode afirmar-se que tenha incorrido em excesso de pronúncia.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença.

2.2.3 DA COMPETÊNCIA PARA “CONDUZIR E INSTRUIR” O PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Como deixámos já dito, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, cindindo a questão da competência para “conduzir” e para decidir o procedimento de revisão da matéria tributável, entendeu que a Impugnante não tinha razão quanto à questão da competência para a decisão, que considerou ser do Director Distrital de Finanças do Porto, mas tinha razão quanto à questão da competência para conduzir esse procedimento, que seria, já não daquele Director, mas do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa.
Quanto à competência do Director de Finanças, o recurso restringe-se a esta última decisão, ou seja, à questão de saber se o mesmo tem competência para «conduzir e instruir» o procedimento de revisão previsto no art. 91.º e segs. da Lei Geral Tributária (LGT).
Recordemos, em síntese, a argumentação da sentença recorrida:

«A instrução e condução do pedido de revisão da matéria tributável é agora uma tarefa cometida pela lei ao Serviço de Finanças da área do domicílio fiscal do contribuinte, nos termos dos artigos 91.º, n.º 1, da LGT, 38.º, alínea c), da Portaria 257/2005 e 31.º, n.º 1, alínea c), da Portaria 348/2007.
A DGI sofreu uma nova reorganização aprovada pelo DL 81/2007, de 29 de Março e pela Portaria 348/2007, de 30 de Março, que no essencial manteve a estrutura criada pelo DL 366/99 e pela Portaria 257/2005, pelo que a competência para a instrução e condução do procedimento de pedido de revisão da matéria tributável mantém-se no Chefe do Serviço de Finanças enquanto órgão periférico local (arts. 1.º, n.º 2 e 11.º do DL 81/2007 e 28.º, a contrario, e 31.º, n.º 1, alínea c), da Portaria 348/2007).
Pelo que o Director de Finanças do Porto não tinha competência para conduzir e instruir o procedimento do pedido de revisão da matéria tributável da Impugnante.
O órgão competente para conduzir e instruir o procedimento do pedido de revisão da matéria tributável era o Chefe do Serviço de Finanças da Trofa (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3.ª edição, Setembro de 2003, Vislis Editores, págs. 35, 36 e 462)».

Com fundamento nestes considerandos, entendeu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que o procedimento de revisão enferma de vício que, consequencialmente, determina a anulação da respectiva decisão e das liquidações impugnadas na parte em que tiveram origem na fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
Antes do mais, é de realçar que na sentença recorrida não encontramos a mínima alusão a que o procedimento de revisão tenha sido “conduzido e instruído” pelo Director de Finanças do Porto. Na verdade, vista a matéria de facto dada como assente, não vislumbramos que tenha sido praticado por essa entidade administrativa qualquer acto de “condução ou instrução” do procedimento de revisão; o único acto que consta do probatório como tendo sido praticado pelo Director de Finanças do Porto, rectius pela Directora de Finanças Adjunta mediante delegação do Director de Finanças do Porto, é a decisão do procedimento de revisão (cfr. facto provado sob o n.º 20). Mas, relativamente a essa decisão, motivada pela falta de acordo dos peritos (cfr. facto provado sob o n.º 19 e n.º 6 do art. 92.º da LGT), a sentença decidiu pela competência do Director de Finanças do Porto e, nessa parte, transitou em julgado.
Ou seja, a nosso ver, a questão da incompetência do Director de Finanças para “conduzir e instruir” o procedimento de revisão, decidida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, não constitui sequer uma verdadeira questão, pois carece em absoluto de substrato fáctico: não está provado nem foi alegado facto algum do qual, ainda que remotamente, se possa inferir que o Director de Finanças do Porto praticou no procedimento qualquer acto que possa ser qualificado como de “condução ou instrução” do procedimento ( Note-se, a latere, que a lei refere expressamente que «o procedimento é conduzido pelo perito da administração tributária» (cfr. n.º 2 do art. 92.º da LGT).
Assim, ainda que se conceda que o Tribunal a quo não incorreu em excesso de pronúncia, nos termos que ficaram expostos no ponto anterior, a verdade é que os considerandos que expendeu sobre a competência para “conduzir e instruir” o procedimento de revisão – certos ou errados, não interessa agora apurar – não assumem relevância alguma sobre a situação de facto tal qual ela vem configurada. Para que a pudessem assumir seria necessário que estivesse demonstrado, e não está, que o Director de Finanças do Porto, de algum modo, “conduziu e instruiu” o procedimento.
Trata-se, pois, e sempre salvo o devido respeito, de um vício putativo que nunca poderia determinar a anulação (consequencial) da liquidação.
O Tribunal a quo, na medida em que decidiu em sentido contrário, incorreu em erro de julgamento, motivo por que a sentença não pode ser confirmada nesse segmento.
Cumpriria, pois, na sequência da revogação da sentença nessa parte, conhecer dos demais vícios assacados pela Impugnante às liquidações na parte em que tiveram origem na determinação da matéria tributável (e do imposto) por métodos indirectos e que a sentença deu expressamente como prejudicados em face da solução que deu à questão da competência para “conduzir e instruir” o procedimento de revisão. Assim o determina o disposto no art. 715.º, n.º 2, do CPC («Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários».) (hoje, art. 665.º, n.º 2), norma que é aplicável ao recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal Administrativo por força do disposto nos arts. 749.º e 762.º, nº 1 (estes revogados pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mas que se mantêm aplicáveis ao recurso em processo tributário), e do preceituado no artigo 726.º (hoje, 679.º), todos do CPC.
No entanto, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a ausência de julgamento da pertinente matéria de facto, tendo presente que este Supremo Tribunal Administrativo, enquanto tribunal ad quem dos recursos interpostos das decisões proferidas pelos tribunais tributários não tem competência em matéria de facto [cfr. art. 26.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: […] b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; […]».)], impede esse conhecimento em substituição. Impõe-se, pois, atento o disposto nos arts. 729.º e 730.º do CPC (hoje, arts. 682.º e 683.º), ordenar que os autos regressem à 1ª instância, a fim de aí, após julgamento da matéria de facto pertinente, se conhecer desses fundamentos, se a tal nada mais obstar.

2.2.3 DA NATUREZA DAS CORRECÇÕES EFECTUADAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E IMPOSTO DECLARADOS EM CONSEQUÊNCIA DA DESCOBERTA DE GUIAS DE TRANSPORTE (NÃO LANÇADAS NA CONTABILIDADE) E A QUE NÃO CORRESPONDEM FACTURAS

A sentença recorrida considerou também que as liquidações enfermam de ilegalidade na parte em que decorrem das correcções da matéria tributável mediante a invocação de métodos directos, pois o fundamento que determinou o recurso a esse método de avaliação não legitima as correcções por métodos directos e, ao invés, apenas justificaria o recurso aos métodos indirectos, pelo que decidiu no sentido de que «procede quanto a esta questão a defesa da Impugnante» e, assim, «[f]ica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrentes da fixação da matéria tributável por métodos directos relativos às vendas alegadamente tituladas por guias de transporte - art. 660.º, n.º 2, do CPC».
Ou seja, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel aderiu à alegação da Impugnante, de que a AT, em face das guias de transporte que considerou titularem operações reais e não terem correspondência em facturas nem terem sido levadas à contabilidade, não podia proceder a correcções por métodos directos, mas apenas por métodos indirectos, uma vez que está a presumir a existência de operações e, consequentemente, de imposto omitido.
Salvo o devido respeito, também aqui não podemos acompanhar a sentença.
Não porque possamos afirmar categoricamente que está legitimada a conduta da AT, mas antes porque, a nosso ver, a deficiente fixação da matéria de facto também não permite afirmar que não o está. Senão vejamos:
Em regra, a tributação das empresas faz-se com base nas declarações apresentadas à AT e com base na contabilidade; aquelas, desde que apresentadas nos termos da lei, e esta, desde que organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, gozam da presunção de veracidade (cfr. art. 75.º, n.º 1, da LGT)
Porém, essa presunção não opera quando as declarações ou a contabilidade deixarem se ser merecedoras de credibilidade, designadamente por «revelarem omissões, erro, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo» [cfr. art. 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT].
Nesse caso, a AT, desde que não lhe seja possível proceder à quantificação directa e exacta da matéria tributável, devendo externar os fundamentos dessa impossibilidade, fica autorizada a socorrer-se da avaliação por métodos indirectos (cfr. arts. 85.º, n.º 1, 87.º, n.º 1, alínea b), e 77.º, n.º 4, todos da LGT).
Mas nem a AT nem o sujeito passivo podem optar pela tributação indiciária, sendo que o apuramento da matéria tributável, mesmo quando as declarações e a contabilidade do sujeito passivo não mereçam credibilidade, deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos de avaliação, isto é, pela determinação da matéria colectável através de elementos que permitam a «comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável», e só pode haver recurso a métodos indirectos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável.
Ou seja, a opção por um qualquer dos métodos em detrimento do outro não depende de um critério discricionário da AT e, ao invés, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, na estrita medida do necessário ao evitar da evasão fiscal por parte dos contribuintes faltosos.
Ao que aqui e agora nos importa considerar, a AT encontra-se vinculada ao recurso a métodos directos quando, apesar da violação dos deveres de declaração ou de cooperação do sujeito passivo, se encontre em condições de apurar directa e exactamente a matéria tributável e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia presuntiva.
A sentença, aderindo à tese da Impugnante, afirmou que a situação sub judiceexige necessariamente o recurso aos métodos indirectos na avaliação da matéria tributável. Isto, porque considera que a AT presume a existência de operações (vendas) omitidas à contabilidade.
Por seu turno, a AT sustenta que detectou nas instalações da Contribuinte diversas guias de transporte de mercadorias nas quais foi liquidado IVA e a que não correspondem facturas.
Ou seja, a ser como afirma a AT, i.e, se foram emitidas guias de transporte em que foi liquidado IVA e a que não correspondem facturas, poderão estar justificadas as correcções por métodos directos.
Na verdade, nesse caso, as correcções não terão origem em quaisquer operações presumidas, mas apenas no facto de a Impugnante ter liquidado IVA que não entregou nos cofres do Estado. Note-se que a mera liquidação do imposto (por força da sua natureza), independentemente de lhe corresponderem ou não operações reais, determina a obrigatoriedade da sua entrega ao Estado.
Na verdade, o art. 2.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA (CIVA) dispõe que «[s]ão sujeitos passivos do imposto [….] as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA».
Ou seja, a simples menção do IVA em tais documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto. Esta obrigação, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo (Vide, entre outros e por mais recente, o seguinte acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 26 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 555/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e5ec3d8d26cbe9580257a9300358188?OpenDocument.), deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo.
Note-se que, atenta a mecânica do imposto, cada factura ou documento equivalente com menção de imposto constitui «um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, [...] a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados» (XAVIER DE BASTO, A harmonização Fiscal na CEE, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 362, pág. 44.).
Quer isto dizer que, se a ora Recorrida liquidou IVA nas guias de transporte, a menção do imposto atribuiu aos destinatários o direito de deduzir com base nela o IVA. O legislador comina com a obrigação de entregar o imposto a simples menção do IVA, cujo emissor se torna “devedor do imposto”, pois só assim se consegue, como refere XAVIER DE BASTO, «que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda uma obrigação de pagar”, com vista a assegurar “o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”».
Tendo presente o que vimos de dizer, logo verificamos que a matéria de facto que foi dada como assente não permite um juízo seguro quanto à legalidade do recurso aos métodos directos para a fixação da matéria tributável.
Na verdade, a sentença recorrida omitiu por completo o julgamento da matéria de facto necessária para decidir a questão, não se pronunciando, designadamente, sobre a menção do IVA nas guias de transporte em causa e se às mesmas correspondem ou não facturas.
Ou seja, não foi fixada factualidade alguma em ordem a apreciar a questão analisada e decidida, que, se bem interpretamos a sentença – cuja fundamentação, salvo o devido respeito, é escassa e pouco perceptível –, foi no sentido de, pura e simplesmente, considerar que houve presunção de vendas.
Impunha-se, designadamente, que ficasse estabelecida com rigor a factualidade pertinente para a caracterização formal das guias de transporte em causa e para estabelecer a sua correspondência, ou não, com as facturas emitidas pela ora Recorrida. Por outro lado, em face da alegação aduzida pela Impugnante na petição inicial, surge também como relevante, ainda que instrumentalmente, o estabelecimento da factualidade subjacente à emissão das referidas guias de transporte.
Nada disso foi feito na sentença recorrida. Ora, como ficou dito no acórdão de 29 de Maio 2002 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Proferido no processo com o n.º 228/02 e publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Novembro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32320.pdf), págs. 85 a 88, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a974e1d33e382b3080256bd10039427d?OpenDocument.), citando ALBERTO DOS REIS (Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág. 139.), «“uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, “tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior”; carecendo este “também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso».
Assim, em face da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo nesta sede em matéria de facto, impõe-se a anulação oficiosa da sentença ao abrigo do disposto nos arts. 729.º, n.º 3, e 730.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (hoje, arts. 682.º e 683.º).
Há, pois, que reconhecer a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, motivo por que se impõe a sua anulação e o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto, determinando os factos que julga provados, em ordem à solução de direito.
É nesse sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal Administrativo em situações idênticas (Vide,entre outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 12 de Janeiro de 2011, proferido no processo com o n.º 638/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 22 a 24, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/14ea05a2531e3c418025781d004440de?OpenDocument ;
- de 26 de Janeiro de 2011, proferido no processo com o n.º 595/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 147 a 149, também disponível
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/403ad7adb35850038025782a004e1564?OpenDocument;
- de 10 de Março de 2011, proferido no processo com o n.º 716/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf ), págs. 408 a 411, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d0ee4061993740bb80257855005358cb?OpenDocument.) e que decidiremos também no presente recurso.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não se verifica excesso de pronúncia se esse vício imputado à sentença se refere a questão que foi suscitada pelo impugnante, ainda que com fundamentos diversos dos utilizados no respectivo conhecimento.
II - Não pode julgar-se procedente um vício de um acto com base em meros considerandos teóricos desligados da realidade fáctica sub judice.
III - Não permitindo a factualidade fixada na sentença averiguar da legalidade do recurso aos métodos directos na avaliação da matéria tributável, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e o regresso dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser conhecida a questão, após o pertinente julgamento da matéria de facto.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância a fim de, depois de fixada a factualidade pertinente, prosseguirem os autos.


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Sem custas.
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Lisboa, 9 de Outubro de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Valente Torrão - Casimiro Gonçalves.