Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0359/12 |
Data do Acordão: | 10/09/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | AVALIAÇÃO AVALIAÇÃO INDIRECTA EXCESSO DE PRONÚNCIA |
Sumário: | I - Não se verifica excesso de pronúncia se esse vício imputado à sentença se refere a questão que foi suscitada pelo impugnante, ainda que com fundamentos diversos dos utilizados no respectivo conhecimento. II - Não pode julgar-se procedente um vício de um acto com base em meros considerandos teóricos desligados da realidade fáctica sub judice. III - Não permitindo a factualidade fixada na sentença averiguar da legalidade do recurso aos métodos directos na avaliação da matéria tributável, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e o regresso dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser conhecida a questão, após o pertinente julgamento da matéria de facto. |
Nº Convencional: | JSTA000P16369 |
Nº do Documento: | SA2201310090359 |
Data de Entrada: | 03/30/2012 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A...., LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 367/09.5BEPNF
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A……….., Lda.” (a seguir Impugnante ou Recorrida) impugnou judicialmente as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que lhe foram efectuadas relativamente aos anos de 2004, 2005 e 2006 na sequência de correcções à matéria tributável efectuadas na sequência de uma acção de inspecção, mediante a invocação de métodos indirectos e de métodos directos. · a incompetência da entidade administrativa que tramitou e decidiu o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, por considerar que essa competência é do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa e não do Director de Finanças do Porto; 1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a impugnação judicial procedente. Para tanto, (i) relativamente à parte em que as liquidações decorreram da fixação da matéria tributável por métodos indirectos, considerando que se verifica a «incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável» e que esse esse vício se repercute na decisão do procedimento e nas liquidações consequentes, decidiu que «a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b),do CPPT)» e que, assim, «fica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrente da fixação da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 660.º, n.º 2, do CPC)»; (ii) relativamente à parte em que as liquidações decorreram das correcções da matéria tributável mediante a invocação de métodos directos (ditos aritméticos) e se referem ao imposto que a AT considerou devido com referência a guias de transporte que não têm correspondência em facturas, que localizou no âmbito do procedimento de inspecção, mas que não constam da contabilidade, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que houve ilegal recurso a tais métodos, uma vez que o fundamento que os determinou não legitima as correcções por métodos directos e, ao invés, apenas justificaria o recurso aos métodos indirectos, pelo que decidiu no sentido de que «procede quanto a esta questão a defesa da Impugnante» e, assim, «[f]ica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrentes da fixação da matéria tributável por métodos directos relativos às vendas alegadamente tituladas por guias de transporte - art. 660.º, n.º 2, do CPC». 1.3 A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: B. A impugnação apresentada visa o sujeito a anulação das liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 2004, 2005 e 2006, no valor global de 777.858,81 €, invocando como fundamentos, em síntese, a incompetência da entidade que decidiu o pedido de revisão, a violação do direito de audição, a falta de fundamentação da decisão, a ilegalidade da avaliação indirecta da matéria tributável e a errónea quantificação da matéria tributável. Conclui pedindo a procedência da impugnação judicial e a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos exercícios de 2004, 2005 e 2006. C. Sendo que as liquidações aqui postas em crise advêm da constatação da existência de Escalpelizando [sic] as circunstâncias que motivaram as correcções efectuadas, embora doravante apenas estejam em causa as correcções de natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal porquanto as correcções por métodos indirectos foram já [sic] de refutação supra da anulação decidida por alegada incompetência do Director Distrital de Finanças, haverá que apreciar a situação em globo. D. A sociedade impugnante foi submetida a uma inspecção tributária com incidência em IVA e IRC dos exercícios de 2004, 2005 e 2006, que decorreu entre 5 de Setembro de 2007 e 6 de Maio de 2008. E. No seguimento dessa acção inspectiva, foram efectuadas correcções ao rendimento tributável em sede daqueles tributos com recurso a correcções meramente técnicas e a métodos indirectos de avaliação da matéria tributável. F. A inspecção tributária consultou os registos informáticos da sociedade impugnante e constatou que havia divergências entre as bases de dados. G. Essas bases de dados continham os registos em valor e quantidade da totalidade dos movimentos de entradas e de saídas dos stocks bem como a totalidade das facturas, guias de transporte, encomendas, notas de débito e crédito, vendas a dinheiro, guias de remessa, orçamentos, facturas pró-forma e confirmações de encomendas, que tinham sido emitidas pela impugnante. H. A sociedade impugnante utilizava para esses registos as bases de dados com a denominação PRI0982005, com várias cópias de segurança, das quais foram destacadas duas com a denominação «0982005 Antes de Anulação dos Registos dos PXXX. BAR» e outra denominada RI0982004. I. Assim, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2006 a inspecção tributária encontrou divergências nos documentos relativos a encomendas a clientes no valor global de 4.693.966,35 €. J. Ao nível das guias de transporte esse valor foi de 767.757,86 €. K. O procedimento utilizado nas vendas de mercadorias e produtos era o seguinte «encomenda de cliente – guia de remessa – factura» sendo certo que as vendas estavam reflectidas na contabilidade. L. A inspecção tributária detectou que a sociedade impugnante alterava sistematicamente os registos contidos nas bases de dados com o intuito de dissimular os respectivos proveitos. M. Essas alterações ocorreram em todos os registos de encomendas a clientes; guias de transporte, nas quais se constatou que tinham sido eliminados 72 documentos em 2004 e 682 nos exercícios de 2005 e 2006; N. A Inspecção Tributária constatou assim que nos exercícios de 2004, 2005 e 2006 ocorreram vendas de mercadorias e produtos que estavam titulados por guias de transporte precedidas de uma nota de encomenda, que intencionalmente foram eliminadas do sistema informático no intuito de as subtrair aos proveitos declarados e de não proceder à entrega do IVA liquidado. O. Com o respeito devido que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante a matéria de facto (insuficiência desta sem delimitação adequada dos factos relevantes para a solução quer em matéria de direito, uma vez que não efectuou correctamente a interpretação dos arts. 91.º n.º 1 da LGT, DL 398/98, DL 366/99 (e posteriores portarias que mantiveram no essencial a estrutura deste DL), art. 10.º do CPPT e art. 99.º, al. b) do CPPT, art. 34.º n.º 1 al. a) do CIRC e 135.º do CPA. P. Assim, e seguindo a sistematização do Relatório do douto aresto proferido a quo haverá a referir: A incompetência da entidade que decidiu o pedido de revisão da matéria tributável. Q. A competência para a orientação do procedimento de revisão, tendo em vista a harmonização do art. 91.º da LGT e do art. 10.º do CPPT, atendendo à interpretação que alguns autores (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, págs. 462 e segs.), consideram que a competência para o procedimento de revisão da matéria colectável, a partir de 01.01.2000 passou a caber aos chefes de finanças, atenta a redacção dos n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º do CPPT e do n.º 1 do artigo 91.º da LGT. R. Na verdade, não esclarecendo este último artigo qual o órgão que deve considerar-se como órgão da administração tributária do domicílio do sujeito passivo, prevalece o primeiro artigo que atribui competência para a globalidade dos procedimentos tributários, na falta de lei especial, aos órgãos periféricos locais do domicílio ou sede do contribuinte ou da situação dos bens ou da liquidação, apenas cabendo a competência aos órgãos regionais nos casos em que não existam aqueles órgãos locais. S. É certo, que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT, referindo-se às competências para o procedimento de revisão, previa que “Para efeitos de regime do processo de revisão da matéria tributável e até à reorganização da Direcção-Geral dos Impostos, são considerados órgãos da Administração Tributária do domicílio ou sede dos sujeitos passivos os directores distritais de finanças e os directores de finanças das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores”. T. Contudo, o Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, que procedeu à reestruturação da Direcção-Geral dos Impostos, não esclareceu qual o órgão que deve considerar-se como órgão da administração tributária do domicílio do sujeito passivo, para efeitos do n.º 1 do artigo 91.º da LGT. Assim, tendo cessado a vigência do referido artigo 4.º, sem que no Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, haja norma equivalente, prevalece a competência para a globalidade dos procedimentos tributários, na falta de lei especial, nos órgãos periféricos locais do domicílio ou sede do contribuinte ou da situação dos bens ou da liquidação. U. Por tal facto, é entendimento da administração fiscal que este não seria o espírito do legislador, mas não obstante não concordarmos que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, cessou a sua vigência com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, uma vez que não houve qualquer revogação tácita, porque a havê-la esta teria sido expressa, como ocorreu com outras normas, V. E também por este motivo não se nos afigura que tal facto tenha determinado a mudança de órgão competente para a apreciação do pedido de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91.º da LGT. W. Assim, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, é uma disposição transitória, que mantinha, na linha da legislação anterior à LGT, a competência da fixação da matéria tributável por métodos indirectos nas estruturas intermédias da Administração Tributária, ou seja, no caso da Administração Fiscal, nas Direcções Distritais de Finanças. X. A transitoriedade da norma visava prevenir que, numa eventual reestruturação deixassem de existir estas estruturas intermédias, caso em que a competência aqui prevista deveria ser atribuída a outro órgão. Y. Ora, no Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, estas estruturas intermédias não foram eliminadas, mantendo-se sob a denominação de Direcções de Finanças. Assim, não obstante a reestruturação, as direcções de finanças sucederam às anteriores direcções distritais de finanças, pelo que estas actualmente continuam a ser os órgãos da administração tributária do domicílio ou sede dos sujeitos passivos, para efeitos do processo de revisão da matéria tributável consagrado na LGT. Z. Tal conclusão extrai-se não do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, mas das normas do Decreto-Lei n.º 366/99, de 18 de Setembro, que consagram a referida sucessão de competências no âmbito da reorganização da DCCI a que procederam, nomeadamente dos artigos 11.º a 15.º deste diploma legal, bem como do n.º 2 do artigo 90.º do CIVA, 59.º do CIRC, n.º 1 do artigo 39.º do CIRS e n.º 6 do artigo 92.º da LGT, que também estabelecem a competência para a fixação da matéria colectável no director de finanças. AA. De referir que, o anterior artigo 84.º do CIVA, actual artigo 90.º, foi adaptado pelo Decreto-Lei n.º 472/99 de 8 de Novembro, ao conteúdo da LGT, em ordem à harmonização da competência dos directores de finanças na fixação da matéria tributável por métodos indirectos em sede de IRS, IRC e IVA. BB. Deste modo, sendo aqueles os órgãos competentes para fixar a matéria colectável devem, igualmente ser os órgãos competentes para receber o pedido de revisão da matéria tributável, bem como nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT, serão também os órgãos competentes para resolver, “(...) de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos”, na falta de acordo entre o perito da administração tributária e o perito do contribuinte. CC. Atento o supra exposto, é nossa opinião que, a competência para receber o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, se mantém na direcção de finanças enquanto órgão intermédio da administração tributária, que sucedeu à direcção distrital de finanças. DD. De referir ainda que o próprio texto da lei refere o “órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal”; ora esta expressão só por si abarca ambos os serviços periféricos – locais e regionais; e isto porque quer uns quer outros têm competências no âmbito da inspecção tributária. EE. O acto de fixação do lucro tributável, constante da Nota de Fixação, foi praticado nos termos e para os efeitos do art. 54.º do Código do IRC, verificando-se que a decisão foi proferida no uso de poderes subdelegados pelo Director de Finanças Adjunto, a que no mesmo se faz referência expressa, não se verificando, contrariamente ao alegado, a prática de qualquer ilegalidade. FF. E ainda que por mera hipótese académica se considerasse existir a falta de competência para a condução do procedimento do pedido de revisão, no que não se concede esta apenas configuraria uma mera preterição de formalidade, e sempre seria de considerar-se uma mera irregularidade, sem qualquer influência ao nível da validade dos actos tributários de liquidação, por não se verificar incompetência do órgão decisor, nem afectando de nenhum modo os direitos e garantias do contribuinte. GG. No que toca ao enquadramento das comissões de revisão, enquanto tais, sempre se entendeu que as mesmas não se integram na orgânica da Administração Tributária. Aliás, nas palavras de Diogo Freitas do Amaral, in Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, “Entende-se, na verdade, que a colegialidade é incompatível com a subordinação hierárquica”. HH. Por isso, as decisões emanadas da Comissão de Revisão só podem ser submetidas a escrutínio judicial, quer com fundamento em preterição de formalidades essenciais, quer por razões de substância. II. Assim, a confirmação de legalidade incide apenas sobre as formalidades legais praticadas, relativas a questões marginais, sob pena de vício de usurpação de poderes. JJ. Entre as formalidades legais previstas poderão enquadrar-se, nomeadamente, a regular convocação da Comissão, a legitimidade dos seus membros, a deficiência de fundamentação da decisão do Presidente da Comissão de Revisão ou o respeito pelas competências atribuídas à própria Comissão. KK. Não pode a Fazenda conformar-se com as consequências que a douta sentença retira de tal interpretação, que ao considerar-se existir seria não configuraria uma formalidade essencial, uma vez que nem sequer recai sobre a decisão proferida pela Comissão que não foi objecto de apreciação da legalidade, e conclui que uma eventual irregularidade procedimental acarretaria uma anulação das liquidações ora impugnadas. LL. Ora, o conceito de formalidade essencial, embora não estando positivado, decorreria, no presente caso, da inexistência de acto de confirmação da legalidade, e não é esse o circunstancialismo verificado. MM. O acto de confirmação da legalidade da decisão tomada pelo órgão decisor e, portanto, a formalidade essencial decorrente do n.º 6 do art. 92.º do CPT foi cumprida, facto pelo qual nos distanciamos das considerações constantes da douta sentença. NN. Considera a Fazenda que o acto de confirmação da legalidade existiu, isto é, que o Senhor Director Distrital de Finanças, através de delegado legalmente constituído, aferiu do cumprimento das formalidades legais inerentes à conclusão emergente da reunião da Comissão de Revisão. OO. Assim, deve considerar-se que a existir erro este apenas constituiria uma mera preterição de formalidade não essencial, visto caber no conceito elaborado por Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, vol. 1, página 469), segundo o qual devem considerar-se não essenciais “as formalidades preteridas ou irregularmente praticadas quando, apesar da omissão ou irregularidade, se tenha verificado o facto que elas se destinavam a preparar ou alcançado o objectivo específico que mediante elas se visava produzir”. Por último, PP. Considerando que, no fundo, aqui se discute a problemática da interpretação dos actos administrativos, assumem pertinência as considerações tecidas por Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, comentado, Vol. II, em anotação ao Art. 135.º do CPA, que afirmam que “o absurdo de uma interpretação cingida à letra da lei – quando confrontamos o interesse da estabilidade do acto com os interesses que, por exemplo, outras normas procedimentais menores e meramente burocráticas do procedimento administrativo visam proteger – é tal, que não custa vaticinar que, pelo menos nos casos mais nítidos, a jurisprudência e a doutrina chamados a interpretar e aplicar o Código não deixarão de retirar força invalidante à inobservância de normas destas. Como sempre fizeram, mesmo na omissão de lei que o permitisse.” Nestes termos, QQ. Pelo que não poderá conformar-se a FP com a anulação relativa às correcções relativas ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos assim decidida pelo tribunal a quo. Por outro lado, RR. Com a ressalva do devido respeito, que é muito, não pode a FP conformar-se com o assim doutamente decidido, nem com as premissas em que se baseou a douta sentença recorrida, por considerar ter havido erro de julgamento EM MATÉRIA DE DIREITO. SS. Com efeito, não obstante não constituir fundamento da presente impugnação, o M.º Juiz do tribunal “a quo” conheceu da ilegalidade, e decidiu julgar procedente a impugnação deduzida, por considerar que se verifica: – “a incompetência do Director Distrital de Finanças para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável, a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b), do CPPT)”. TT. Vício este que, sublinhámos, não foi oportunamente invocado na P.I. pela impugnante – antes tendo sido abordado, como bem se refere na sentença – à incompetência da entidade que decidiu o pedido de revisão (cf. n.º 1 do art. 108.º do CPPT). UU. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a decisão proferida extravasa os limites legais definidos, cometendo excesso de pronúncia. VV. De facto, como vem sustentando a jurisprudência do STA “a pronúncia pelo Tribunal de questões que não pode conhecer, implica nulidade por excesso de pronúncia (art. 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC)”. WW. Continua aquele Douto Acórdão referindo que “Os limites aos poderes de cognição do tribunal são definidos na segunda parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, de que se infere que o Tribunal só pode conhecer de questões suscitadas pelas partes e questões de conhecimento oficioso.” 3 [3 Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0416/06, de 04-11-2009] XX. Na mesma esteira vai o Acórdão proferido pelo STA no proc. n.º 01021/09, de 18-11-2009, ao referir, sumariamente que 4 [4 Neste sentido veja-se ainda o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0416/06, de 04-11-2009]: “I – Por força da regra de proibição de conhecimento extra petição, o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sob pena de nulidade da sentença nos termos previstos tanto no art. 668.º n.º 1 al. d) do CPC como no art. 125.º, n.º 1 do CPPT.” YY. Salvo o devido respeito e salvo melhor opinião, de entre as questões de “conhecimento oficioso”, de que são exemplo as previstas no artigo 175.º do CPPT ou no artigo 494.º do CPC, não se integra a ilegalidade da reversão, apontada pelo tribunal “a quo”. ZZ. No entanto, e como Doutamente se escreve no Acórdão do STJ, proferido no proc. N.º 04B036, de 19-02-2004, que “Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. AAA. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que “não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido” Destarte, BBB. Ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia, em virtude de o M.º Juiz ter conhecido de questão que não é de conhecimento oficioso ou que tenha sido suscitada pelas partes, designadamente quanto à inexistência de incompetência do Director Distrital de Finanças quer para a decisão quer para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 91.º da LGT,... e do n.º 1 do art. 668.º e n.º 2 do artigo 660.º, ambos do CPC, CCC. Consubstanciando erro de julgamento em matéria de DIREITO. A ilegalidade das correcções de natureza meramente aritmética das vendas tituladas por guias de transporte. DDD. No que se refere aos acréscimos aos resultados líquidos dos exercícios de 2004,2005 e 2006, nos valores de, respectivamente, € 767 757,86, € 561 893,23 e € 1 517 391,10 relativos às vendas omitidas à contabilidade e à tributação, tituladas por guias de transporte, precedidas de notas de encomenda, eliminadas do sistema informático e para as quais não foram emitidas as correspondentes facturas, vem a impugnante alegar que tais correcções deveriam ser inseridas na avaliação indirecta efectuada, porquanto: · para a equiparação de guias de transporte a facturas é necessária a existência de norma legal que o preveja expressamente, o que não existe no nosso ordenamento jurídico; · os dados que ressaltam das bases de dados em causa não são minimamente fiáveis nem fidedignos, como descreve nos artigos 151.º e seguintes da pi. EEE. Por outro lado, vem, de imediato, tentar demonstrar que as guias de transporte, afinal, têm associada a correspondente factura. FFF. Sem prejuízo de acabar por concluir que do “... pequeno trabalho de análise contabilística efectuado (...) resultam 68 (...) situações de supostas guias de transportes não declaradas como vendas C…”, GGG. Da análise efectuada ao sistema informático mencionada no ponto II.3.2 do RIT verificou-se que o SP embora não tenha emitido facturas procedeu à emissão de Guias de Transporte como documentos equivalentes para a titulação da venda de bens nos termos dos artigos 28.º e 35.º do mesmo diploma, durante os exercícios de 2004, 2005 e 2006, no montante global de 2.847.042,22 €, procedendo à liquidação do imposto devido nas referidas Guias de Transporte, no montante global de 578.901,66 €, em conformidade com o disposto no artigo 7.º do CIVA, não tendo no entanto mencionado nem a base tributável nem esse imposto nas declarações periódicas enviadas nos termos do artigo 40.º do CIVA ou procedido à consequente entrega do referido imposto nos Cofres do Estado de harmonia com o preceituado no artigo 26.º do código atrás citado. HHH. Para cálculo do custo das vendas totais dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 aceitou-se o valor declarado pelo sujeito passivo dado o custo das vendas omitidas já ter sido expurgado do valor do Stock declarado através da movimentação dos documentos tipo “SS”, conforme ficou comprovado no ponto IV.2 do RIT. III. Para o cálculo do lucro tributável dos exercícios de 2004, 2005 e 2006 corrigiu-se os valores das vendas conforme mencionado no ponto anterior e aceitaram-se os restantes custos, com excepção dos corrigidos no ponto III.1 do RIT, declarados pelo S.P. nas declarações de rendimento. JJJ. Primordialmente não pode deixar de se referir que a IT validou de facto o custo das vendas declarado e contabilizado, o que não validou foi as quantidades facturadas/vendidas e correspectivamente o valor das vendas declarado. KKK. Por outro lado, ao contrário do defendido pela impugnante, as guias de transporte devem fazer parte da contabilidade, ainda mais por terem sido tratados como “documentos equivalentes”, do que é prova neles ter sido liquidado IVA. LLL. De qualquer modo tal não inibiria o contribuinte de emitir a respectiva factura nos termos legais; MMM. Os documentos “existem” na contabilidade, por isso é que com base neles foi efectuada a correcção talvez outra situação se tratasse se tivessem sido relevados na rubrica de “Proveitos” por pretenderem ser tratados como documentos equivalentes, pois embora não seja o procedimento contabilisticamente mais correcto, mais correcta seria a contabilidade no que respeita ao espelhamento da situação real da empresa. NNN. Diga-se, a este propósito, que apesar de não terem sido colocados em crise os valores contabilizados e declarados das existências finais dos exercícios, conforme Inventários elaborados pela empresa, verifica-se pela sua análise que o conteúdo destes não é coerente com a informação disponibilizada pelos ficheiros de gestão de stocks. Situação esta a que não deve ser estranha a movimentação operada nos ficheiros através de documentos do tipo Acertos de Inventário Positivos (AIP) e Acertos de Inventário Negativos (AIN). OOO. Pela sua relevância, salienta-se o caso do inventário final do exercício de 2006 que comparativamente aos ficheiros de stock, BD_actual e BD_seg, arrola muito menores quantidades de Bobine, de aproximadamente 155.000 Kg, e, portanto, potencialmente muito menor valor de existências. Valor que se tivesse sido presente, faria com que o custo das vendas a considerar fosse inferior ao declarado pela empresa. PPP. Foi convicção da AT que a grande maioria dos movimentos ocorridos nos ficheiros de stocks, nas bases de dados BD actual, Seg-2004 e BD seg, decorrem de registos ponderados e que se justificam na óptica da empresa, o não propriamente a acertos por omissões de registos ou por falta de emissão do qualquer documento, visto que o(s) operador(es) das bases de dados utilizarão o sistema, como bem se entenderá, com base em suporte documental. QQQ. Por outro, porque em sede de comissão de revisão não se comprovou que os registos em questão correspondam no que o sujeito passivo vem alegar em sede do pedido formulado nesta sede. RRR. Tanto mais, porque tendo sido questionado o perito do contribuinte para a impossibilidade da empresa apresentar, para análise, os suportes de todos os movimentos que invocam não corresponder a compras e vendas, os documentos dos ditos acertos de entrada de stock (AGE), de acertos de saída de stock (ACS), de entrada de stock (ES), saídas de stock (SS), saídas de stock para transformação (SST), saídas de stock para transformação (ST1), saídas de stock para transformação (ES2), entradas de stock de transformação (EST), bem como os documentos de acertos de inventários negativos (AIN) e acertos de inventário positivos (ATP), o certo é que não se mostrou receptivo à exibição dos aludidos documentos. SSS. No tocante às quebras, relembra-se que a sua expressão não pode deixar de estar reflectida nas bases de dados, na decorrência do movimento de saídas/entradas de stocks para e de transformação. TTT. Quanto ao controlo global de compras/vendas/stocks, o da desconsideração do stock final de 2006, a impetrante coloca apenas um dos lados do problema, o de que os stocks finais inviabilizariam que as compras e existências iniciais seriam suficientes para fazer face às quantidades vendidas descritas nas facturas, vendas a dinheiro, guias de transporte e restantes movimentos do tipo (SS). UUU. Em relação à avaliação indirecta segundo o art. 81.º da LGT, a matéria colectável é avaliada ou calculada segundo os critérios próprios da cada tributo só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições previstas na lei. VVV. Nos termos do art. 31.º da LGT, são obrigações acessórias dos sujeitos passivos as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações. WWW. O procedimento de liquidação instaura-se precisamente com essa declaração ou, na sua falta, com base em todos os elementos de que a administração fiscal disponha – art. 59.º do CPPT. XXX. Acompanhamos pois a mais recente jurisprudência publicada sobre a matéria. «Para que os custos sejam aceites para efeitos fiscais é necessário que se comprovem com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos, implicando a falta de qualquer destes requisitos a sua não consideração e o seu adicionamento ao resultado contabilístico» (Ac. do TCAS de 10/02/2009, recurso 02469/08) «Para os custos poderem ser considerados, para além de se comprovar a sua efectiva existência, impõe-se igualmente comprovar a sua indispensabilidade e o nexo causal com os ganhos sujeitos a imposto» (Ac. do STA de 13/02/2008, recurso 0798/07) «A aferição da indispensabilidade de determinadas despesas “ocorridas, nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC, para relevarem como custos fiscais, reporta-se a uma ponderação entre aquelas e a actividade concretamente exercida do contribuinte.» (Ac. do TCAS de 6/10/2009, processo 03022/09) YYY. Pelo exposto, porque se considera que a sociedade impugnante não demonstrou a existência dos serviços constantes das facturas, que a administração tributária desconsiderou, mostra-se adequada a correcção ao lucro tributável efectuada pela administração tributária. ZZZ. Quanto à avaliação indirecta que, como se sabe, é subsidiária da avaliação directa e é feita com base «em indícios, presunções e outros elementos de que a administração fiscal disponha». AAAA. A sociedade impugnante não demonstrou igualmente que existiu erro na quantificação que tinha sido apurada. BBBB. A administração tributária justificou e fundamentou exaustivamente no relatório de inspecção as correcções efectuadas. CCCC. A administração tributária fundamentou devidamente a decisão e cumpriu o direito de participação antes da decisão. DDDD. Justificam-se assim as correcções efectuadas em sede do IRC relativo aos exercícios de 2004, 2005 e 2006. EEEE. Entende-se pois que se devem manter as liquidações de IRC ora impugnadas. FFFF. Em conclusão, sendo a avaliação indirecta de aplicação meramente subsidiária, e subsistindo aqui em análise as correcções meramente aritméticas por imperativo legal, nada há a apontar as referidas correcções, sendo, portanto, estas de manter. GGGG. Pelo que andou bem a Administração Tributária na liquidação efectuada. HHHH. Não se verificando a ilegalidade sentenciada, a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por violação ao disposto no arts. 91.º n.º 1 e 92.º n.º 6 da LGT, DL 398/98, DL 366/99 (e posteriores portarias que mantiveram no essencial a estrutura deste DL), art. 10.º do CPPT e art. 99.º, al. b) do CPPT, art. 125.º do CPPT, 7.º, 26.º, 28.º, 35.º e 87.º do CIVA, e 668.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC, devendo considerar-se válidos os actos tributários de liquidação e, como tal, manterem-se na ordem jurídico-tributária. Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências». 1.5 A Recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença, tendo formulado conclusões do seguinte teor: «1.ª O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, e não sobre a matéria de facto, pelo que o Tribunal competente para o conhecer é o Supremo Tribunal Administrativo. 2.ª A direcção de finanças não é a entidade competente para conduzir o procedimento de revisão da matéria tributável, não sendo, em face do disposto nos artigos 61.º/n.º 4 e 19.º/ n.º 1 da LGT, órgão da administração tributária do domicílio fiscal do sujeito passivo. 3.ª A Impugnante e ora Recorrida invocou este vício, pelo que não houve excesso de pronúncia por parte do Mmo. Juiz [do Tribunal ]“a quo”. 4.ª As guias de transporte não estavam na contabilidade da Recorrida, pelo que ao servir-se das mesmas para propor correcções deveria a Administração Fiscal lançar não de métodos indirectos e não correcções técnicas. 5.ª A Administração Fiscal incorre em contradição insanável quando invoca factos que afastam a aplicação da contabilidade – por deixar de ser credível – e ao mesmo tempo faz correcções a essa mesma contabilidade com base em documentos externos. 6.ª Qualquer recurso tem por objecto a decisão recorrida, não se podendo discutir factos que não foram apreciados pela 1.ª instância. Termos em que deve o recurso interposto improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida». 1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a requerimento da Recorrente. 1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação: «Além do mais, alega a recorrente que a sentença recorrida sofre do vício formal de nulidade por excesso [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se omissão onde se queria dizer excesso.)] de pronúncia. (alíneas UU, VV e BBB das conclusões). Quanto à alegada incompetência da DF para a condução do procedimento de revisão da matéria colectável, com a devida vénia, subscrevemos, por inteiro, a posição do MP junto do TCAN, que consta de fls. 1352 a 1354 e que aqui se dá por reproduzida. No que concerne às correcções atinentes às pretensas vendas tituladas por guias de transporte, com a sentença recorrida, pensamos que a razão está do lado da recorrida. Nos termos dos artigos 726.º e 715.º/2 devem os autos baixar à 1.ª instância para, serem apreciados os restantes vícios e cujo conhecimento havia ficado prejudicado, uma vez que alguns destes vícios (ligados à questão do erro na quantificação) não podem ser apreciados neste STA, uma vez que se toma necessária ampliação da matéria de facto para o efeito. 1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida (i) enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que conheceu da incompetência do Director de Finanças para “condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável”, vício que a Recorrente sustenta que, porque não foi invocado na petição inicial (onde, na sua tese, apenas foi suscitada essa questão relativamente à decisão final daquele procedimento), não podia ter sido apreciado na sentença (cfr. conclusões RR a BBB); na negativa, se (ii) fez correcto julgamento quanto a essa questão, ou seja, se essa competência era do Director Distrital de Finanças do Porto, que foi quem presidiu àquele procedimento (de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos), ou do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa, como decidiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e sustenta a Recorrida (cfr. conclusões Q a QQ); em qualquer caso, se (iii) fez correcto julgamento quando considerou que a AT, em face das guias de transporte que localizou nas instalações (no sistema informático) da ora Recorrida quando do procedimento de inspecção e às quais não correspondem facturas, não podia proceder à fixação da matéria tributável (e do imposto em falta) por métodos directos, sendo que eventuais correcção só poderiam ser feitas por recurso aos métodos indirectos (cfr. conclusões DDD a MMM); caso alguma ou ambas as questões ditas em ii) e iii) sejam respondidas negativamente, (iv) se é possível conhecer das demais questões suscitadas na petição inicial e que a sentença recorrida considerou prejudicadas. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos termos que reproduzimos de seguida ipsis verbis: «I. Factos provados com relevância para a decisão dos autos: O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados – art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), também corroborados pelos documentos juntos aos autos – arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC) 1.º- À data dos factos a Impugnante era uma sociedade por quotas com sede na Zona ….., ……., ………., ………., Trofa, que alterou para Rua …….., Zona …….., ………, …… (….. …….), Trofa, área do Serviço de Finanças da Trofa e tinha como objecto o comércio por grosso de aço inoxidável – cfr. doc. 1. 2.º- Pelo ofício n.º 61301/0507, de 19/7/2007, a Impugnante foi notificada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças do Porto (DFP) de que iria ser objecto de uma acção de inspecção, a abranger os exercícios de 2004, 2005 e 2006, em sede de IRC e IVA – cfr.doc.2. 3.º- Em 5.09.2007 deu-se início ao procedimento de inspecção externa – cfr. doc. 3. 4.º- Através do ofício n.º 35736/0507, de 9.05.2008, remetido pelos SIT da DFP, a ora Impugnante foi notificada, nos termos do art. 60.º da LGT e do art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), para exercer o seu direito de audição sobre o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária (PRIT) – doc. 5. 5.º- Neste projecto foram propostas várias correcções com recurso a métodos indirectos e meramente aritméticas resultantes de imposição legal, em sede de IRC, IVA e Imposto do Selo, relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, nos termos aí previstos – doc. 5. 6.º- No mapa resumo do PRIT foram propostas as correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética nos valores 870.040,20 euros, 561.893,26 euros e 1.517.391,10 euros, para os exercícios de 2004, 2005 e 2006, respectivamente. 7.º- No PRIT constam as correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável pela constituição de provisões que não são fiscalmente dedutíveis no valor de 102.282,34 euros, 69.787,84 euros e 44.358,24 euros, nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, respectivamente, e por vendas omitidas, tituladas por guias de transporte, no valor de 767.757,86 euros, 581.8932 euros e 1.517.391,10 euros, nos exercícios de 2004, 2005 e 2006, respectivamente. 8.º- A Impugnante não exerceu o direito de audição. 9.º- Pelo ofício n.º 43499/0507 de 11/6/2008, remetido pelos SIT da DFP, a impugnante foi notificada, nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 62.º do RCPIT, do RIT (doc.6). 10.º- Nesta notificação a Impugnante foi informada que “Poderá V. Ex.a solicitar a revisão da matéria tributável ou do imposto, fixado por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de finanças da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha a notificação, com a indicação do perito que o representa e, eventualmente, o pedido de nomeação de Perito independente, nos termos do artigo 91.º da LGT”. 11.º- Por entender que o RIT não estava fundamentado, a Impugnante apresentou, ao abrigo do art. 37.º do CPPT, um requerimento a solicitar o esclarecimento das questões suscitadas no requerimento de fls. 583 a 587, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 12.º- Como o RIT continha correcções à matéria tributável por métodos indirectos, em 10/7/2008, a ora Impugnante apresentou junto da Direcção de Finanças do Porto pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do art. 91.º da LGT. 13.º- Pelo ofício n.º 54976/0507, de 30/7/2008, a ora Impugnante foi notificada da resposta ao seu requerimento do art. 37.º do CPPT – doc. 9. 14.º- Porque a Impugnante considerava que a resposta dos SIT da DFP ao seu requerimento do art. 37.º do CPPT não se encontrava completa, em 25/8/2008 a Impugnante voltou a apresentar novo requerimento, no qual solicitava um complemento do esclarecimento que lhe havia sido dado anteriormente, cujo teor consta de fls. 657 e 658 dos autos. 15.º- Em 29/8/2008, a Impugnante apresentou um segundo pedido de revisão da matéria colectável, ao abrigo do art. 91.º da LGT, tendo presente a correcção ao RIT efectuada pelos SIT – fls. 659 dos autos. 16.º- Através do ofício n.º 64474/0507, de 17/9/2008, a Impugnante foi notificada pelos SIT da resposta ao seu segundo requerimento do art. 37.º do CPPT. 17.º- Por igual motivo, em 15/10/2008 a Impugnante apresentou um terceiro pedido de revisão da matéria colectável ao abrigo do art. 91.º da LGT, por estar na posse de mais informações – doc. 13. 18.º - Os pedidos de revisão da matéria tributável estão dirigidos ao Sr. Director de Finanças do Porto. 19.º - Não houve acordo entre o perito da administração tributária e o contribuinte no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável – doc. 14. 20.º - O pedido de revisão da matéria tributável foi indeferido por decisão proferida pela Directora de Finanças Adjunta, por delegação do Director de Finanças do Porto, publicada no Diário da República n.º 163, 2 Série, de 25/8/2008, por falta de acordo dos peritos – doc. 14. 21.º- A decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável foi notificada à Impugnante através do ofício n.º 83031/0208, de 20/11/2008 – doc.14. 22.º- A administração fiscal procedeu a correcções de natureza meramente aritmética à matéria tributável, por da análise efectuada aos documentos contabilísticos da Impugnante ter verificado a constituição de provisões para cobertura do risco de cobrança de notas de débito emitidas relativas a juros e encargos de conta de clientes, que não foram acrescidas ao resultado para efeitos de determinação do lucro tributável. 23.º- A fundamentação destas correcções consta de fls. 88 a 103 do RIT, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 24.º- A inspecção tributária fundamentou estas correcções nos seguintes termos: doc. de fls. 90 do RIT. “III.3 – Da análise efectuada ao sistema informático mencionada no ponto 11.3.2 verificou-se que o SP embora não tenha emitido facturas procedeu à emissão de Guias de Transporte como documentos equivalentes para a titulação da venda de bens nos termos dos artigos 28.º e 35.º do mesmo diploma, durante os exercícios de 2004, 2005 e 2006, no montante global de 2.847.042,22 euros, procedendo à liquidação do imposto devido nas referidas Guias de Transporte, no montante global de 578.901,66 euros, em conformidade com o disposto no artigo 7.º do CIVA, não tendo no entanto mencionado nem a base tributável nem esse imposto nas declarações periódicas enviadas nos termos do artigo 40.º do CIVA ou procedido à subsequente entrega do referido imposto nos cofres do Estado de harmonia com o preceituado no artigo 26.º do Código atrás citado, conforme quadro resumo (Anexo 6): (...)”. 25.º- Ao relatório de inspecção tributária foi anexado o documento denominado Anexo 6, onde estão discriminadas as guias de transporte – cfr. doc. de fls. 238 a 241 do RIT apenso aos autos. 26.º- A análise efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária ao sistema informático da ora Impugnante está descrita a fls. 79 a 88 do RIT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. II. Não há matéria de facto não provada relevante para a decisão da causa. Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A AT, na sequência de uma visita de fiscalização à sociedade ora Recorrida, entendeu efectuar diversas correcções em sede de IVA dos anos de 2004, 2005 e 2006, sendo umas por métodos indirectos e outras por métodos directos, o que originou diversas liquidações de imposto e de juros compensatórios. · a incompetência da entidade administrativa que tramitou e decidiu o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, por considerar que essa competência é do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa e não do Director de Finanças do Porto; A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, relativamente à parte em que as liquidações decorreram da fixação da matéria tributável por métodos indirectos, considerando que se verifica a «incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para condução do procedimento do pedido de revisão da matéria tributável» e que esse esse vício se repercute na decisão do procedimento e nas liquidações consequentes, decidiu que «a impugnação judicial tem de proceder e anular-se as liquidações impugnadas, na parte respeitante ao valor da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 99.º, alínea b),do CPPT)» e que, assim, «fica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrente da fixação da matéria tributável fixada por métodos indirectos (art. 660.º, n.º 2, do CPC)»; relativamente à parte em que as liquidações decorreram das correcções da matéria tributável efectuadas mediante a invocação de métodos directos, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que houve indevida utilização da avaliação directa, uma vez que o fundamento invocado para a suportar não a legitima e, ao invés, apenas justificaria o recurso aos métodos indirectos, pelo que (em face dessa violação de lei) decidiu pela procedência da impugnação judicial também nessa parte e, assim, que «[f]ica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrentes da fixação da matéria tributável por métodos directos relativos às vendas alegadamente tituladas por guias de transporte - art. 660.º, n.º 2, do CPC». 2.2.2 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao apreciar e decidir a questão da incompetência do Director Distrital de Finanças do Porto para «conduzir e instruir» o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, uma vez que tal questão não foi suscitada na petição inicial. A seu ver, a questão suscitada pela Impugnante na petição inicial relativamente à competência daquela autoridade administrativa foi apenas quanto à decisão do procedimento e já não quanto à competência para “conduzir e instruir” o procedimento. 2.2.3 DA COMPETÊNCIA PARA “CONDUZIR E INSTRUIR” O PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL Como deixámos já dito, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, cindindo a questão da competência para “conduzir” e para decidir o procedimento de revisão da matéria tributável, entendeu que a Impugnante não tinha razão quanto à questão da competência para a decisão, que considerou ser do Director Distrital de Finanças do Porto, mas tinha razão quanto à questão da competência para conduzir esse procedimento, que seria, já não daquele Director, mas do Chefe do Serviço de Finanças da Trofa. «A instrução e condução do pedido de revisão da matéria tributável é agora uma tarefa cometida pela lei ao Serviço de Finanças da área do domicílio fiscal do contribuinte, nos termos dos artigos 91.º, n.º 1, da LGT, 38.º, alínea c), da Portaria 257/2005 e 31.º, n.º 1, alínea c), da Portaria 348/2007. Com fundamento nestes considerandos, entendeu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que o procedimento de revisão enferma de vício que, consequencialmente, determina a anulação da respectiva decisão e das liquidações impugnadas na parte em que tiveram origem na fixação da matéria tributável por métodos indirectos. 2.2.3 DA NATUREZA DAS CORRECÇÕES EFECTUADAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E IMPOSTO DECLARADOS EM CONSEQUÊNCIA DA DESCOBERTA DE GUIAS DE TRANSPORTE (NÃO LANÇADAS NA CONTABILIDADE) E A QUE NÃO CORRESPONDEM FACTURAS A sentença recorrida considerou também que as liquidações enfermam de ilegalidade na parte em que decorrem das correcções da matéria tributável mediante a invocação de métodos directos, pois o fundamento que determinou o recurso a esse método de avaliação não legitima as correcções por métodos directos e, ao invés, apenas justificaria o recurso aos métodos indirectos, pelo que decidiu no sentido de que «procede quanto a esta questão a defesa da Impugnante» e, assim, «[f]ica prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas à liquidação decorrentes da fixação da matéria tributável por métodos directos relativos às vendas alegadamente tituladas por guias de transporte - art. 660.º, n.º 2, do CPC». 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância a fim de, depois de fixada a factualidade pertinente, prosseguirem os autos. * Sem custas. * Lisboa, 9 de Outubro de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Valente Torrão - Casimiro Gonçalves. |