Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/18.9BEVIS
Data do Acordão:12/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO
PEDIDO DE REVISÃO
Sumário:I - O pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do disposto no art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT, não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se refere o art. 52.º, n.º 1, da mesma lei e o art. 196.º do CPPT, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa, caso em que equivale a esta e, por isso, pode ser considerado como “reclamação” para efeitos de suspensão da execução fiscal.
II - Esta solução legislativa – de não conferir efeito suspensivo ao pedido de revisão efectuado para além do referido prazo, mesmo que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido esteja garantido –, não só resulta da falta de previsão do pedido de revisão oficiosa no texto da lei (art. 52.º, n.º 1, da LGT e art. 196.º, n.º 1, do CPPT), como também se mostra conforme a outras soluções legislativas, designadamente a que resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 4, alínea b), do art. 49.º da LGT.
III - Por outro lado, essa solução não se mostra desajustada, na medida em que, enquanto os meios impugnatórios indicados no art. 52.º da LGT e no art. 196.º do CPPT têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo (cfr. 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT), o que significa que, a ser-lhe concedido efeito suspensivo da execução fiscal, existiriam consequências negativas relevantes ao nível da segurança jurídica e da celeridade na cobrança das receitas tributárias prosseguida pela execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P23911
Nº do Documento:SA2201812050261
Data de Entrada:11/15/2018
Recorrente:A... SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou improcedente a reclamação por ela deduzida ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Viseu que ordenou o levantamento da suspensão de execução fiscal, no entendimento de que o pedido de revisão oficiosa apresentado para além do termo do prazo da reclamação administrativa não consubstancia uma reclamação nos termos do art. 52.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 169.º do CPPT e, como tal, não pode fundamentar a suspensão do processo de execução fiscal, ainda que a dívida exequenda e o acrescido se encontrem garantidos.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa – ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169.º do CPPT.

2. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.

3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de actos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.

4. A doutrina em que nos vimos apoiando, assim como a Sentença recorrida, diz que, do ponto de vista da natureza, da função e dos efeitos, as duas versões do pedido de revisão de actos tributários são iguais, uma vez que a razão material de ser, de uma e de outra, é exactamente a mesma.

5. É por isso que, segundo a doutrina e a jurisprudência, em ambas as versões do pedido de revisão os contribuintes podem contestar os actos com base em matéria de facto ou de direito. É por isso que em ambas as versões o erro de direito ou de facto se presume imputável aos serviços da AT. É por isso que em ambas versões o indeferimento expresso ou tácito abre a via da impugnação contenciosa.

6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro prazo de “reclamação administrativa” quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.

7. E não se diga que a inclusão do primeiro tem arrimo na letra da lei (que fala em “reclamação administrativa”) e que o princípio da interpretação segundo o qual não se pode fazer uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei recomendava a abertura da norma apenas ao pedido feito dentro do prazo de “reclamação administrativa”.

8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.

9. De resto, em segundo lugar, obviamente que aquele princípio de interpretação da lei, por muito relevante que seja, não se pode sobrepor aos princípios constitucionais de primeiríssima importância que aqui em jogo.

10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13.º da CRP, e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.

11. Assim sendo, o mesmo deve aplicado neste caso como permitindo a suspensão do presente processo executivo em virtude da dedução do pedido de revisão de acto tributário apresentado.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com a revogação da Sentença recorrida e as demais consequências legais».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]
2.FUNDAMENTAÇÃO.
A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros (artigo 52.º/1 da LGT).
A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23/07, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestado nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido (artigo 169.º/1 do CPPT).
A suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei é fundamento de responsabilidade tributária subsidiária (artigo 85.º/ 3 CPPT).
Como expende o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa “Quanto ao pedido de revisão do acto tributário, que está previsto no n.º 1 do art. 78.º da LGT, para os casos em que é feito dentro do prazo da reclamação administrativa, trata-se de uma verdadeira reclamação, correspondendo ao respectivo conceito doutrinal, consagrado no art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPA.
Na verdade, este pedido de revisão é dirigido ao próprio autor do acto e por este decidido e, quando é deduzido no prazo de reclamação, consubstancia uma verdadeira reclamação.
Assim, por força do preceituado no referido art. 52.º, n.º 1 da LGT, que faz uma referência genérica a «reclamação» também este pedido de revisão terá efeito suspensivo, dentro do condicionalismo previsto no n.º 1 deste art. 169.º.
No entanto, o mesmo parece não se poder entender em relação aos outros casos de revisão do acto tributário, mesmo quando a denominada «revisão oficiosa» é pedida pelo sujeito passivo
Com efeito, nos casos em que foi ultrapassado o prazo legal de impugnação do acto de liquidação, a revisão do acto tributário não constitui um verdadeiro meio de impugnação, pois não tem os efeitos próprios dos meios de impugnatórios, que se reconduzem à destruição retroactiva dos efeitos próprios do acto anulado, consubstanciada na «reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso» (art. 100.º da LGT), juros estes contados desde o pagamento indevido até à emissão da respectiva nota de crédito (art. 61.º, n.º 3, do CPPT). No caso de procedência de pedido de revisão oficiosa, deduzida fora do prazo legal de impugnação por meios administrativos e judiciais, não é reconhecido o direito a juros indemnizatórios com esta dimensão, própria da retroactividade dos efeitos da anulação, mas, apenas, se se verificar alguma das situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT.
Nestes casos em que a revisão oficiosa não pode ser considerada como «reclamação administrativa», por ser pedida fora dos prazos de impugnação do acto de liquidação, não se está perante um meio procedimental ou processual que caiba nos conceitos de reclamação, recurso, impugnação da liquidação ou oposição à execução fiscal e só nestas situações o art. 52.º, n.º 1, da LGT prevê a possibilidade de suspensão da execução”.
E continua o mesmo autor quanto ao pedido de revisão feito para além do prazo da reclamação graciosa “…nesse caso já se fazem sentir as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários e, por isso, os feitos atribuídos ao pedido de revisão já não são os mesmos, como decorre da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, ao estabelecer que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária, e não juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido.
Interpretada à luz do atrás do que atrás se referiu, a referência feita nesta alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT à revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, sem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido e até à emissão da nota de crédito, isto é, sem a «plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio» de que fala o art. 100.º da LGT, deverá restringir-se aos casos em que o pedido é apresentado após o termo do prazo de impugnação de actos anuláveis, pois só nessas situações não lhe deve ser reconhecido aquele direito.
Mas, não sendo reconhecidos a este pedido de revisão do acto tributário os efeitos próprios de uma reclamação, ele não deverá como tal ser considerado, designadamente para efeitos do artigo 169.º, n.º 1 do CPPT.
(…)
Assim o art. 49.º da LGT, no seu n.º 1, no que aqui interessa, atribui efeitos interruptivo à «reclamação» e ao «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo», o que inculca, por um lado, que este «pedido de revisão oficioso» não é uma reclamação; mas os outros pedidos de revisão do acto tributário, os que são pedido de revisão por iniciativa do contribuinte em sentido estrito, esses cabem no conceito de reclamação.
(…)
Por outro lado, o art. 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, atribui efeito de suspensão da prescrição à paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso. Mas não se atribui o mesmo efeito à hipotética paragem do processo de execução fiscal por motivo de pedido de revisão oficiosa da liquidação, embora venha expressamente indicado no seu n.º 1… Assim a única explicação aceitável para a reiterada omissão de referência ao pedido de revisão oficiosa no inicial n.º 3 e actual n. º 4 do art. 49.º é a de que deliberadamente não se pretendeu atribuir efeito suspensivo da prescrição à pendência do pedido de revisão oficiosa. Como o efeito suspensivo da prescrição associado à pendência de todos os meios processuais indicados no n.º 3 inicial e n.º 4 actual só se verifica quando ocorrer «paragem do processo de execução fiscal» ou «suspensão da cobrança da dívida» a justificação para a não atribuição de efeito suspensivo à pendência do pedido de revisão oficiosa só pode estar no facto de ele nunca ser fundamento de suspensão da execução, pois não se poderia compreender que, se este pedido de revisão suspendesse a prescrição, impedindo a administração tributária de cobrar a dívida, não se lhe desse um tratamento idêntico aos dos outros meios processuais que têm esse efeito suspensivo.
(…)
É que, de facto, os outros meios impugnatórios têm de ser apresentados em prazo relativamente curto, em momento em que o processo de execução fiscal ainda não está instaurado ou o está há muito pouco tempo, e normalmente o efeito suspensivo com prestação de garantia é apresentado concomitantemente, pelo que os efeitos negativos que tem a suspensão do processo de execução fiscal são muito menores do que os que ocorreriam se o processo estivesse em fase muito avançada.
(...)
Em última análise, com a possibilidade de pedir a revisão oficiosa com efeito suspensivo da execução fiscal, colocar-se-ia ao dispor dos executados um meio de paralisarem a execução repetidamente em momentos em que tal paralisação era inconveniente para o interesse público, com previsível descrédito da eficácia das vendas efectuadas em execução fiscal e desmotivação de potenciais compradores, com os evidentes efeitos a nível da obtenção de melhores preços de venda que a concorrência entre os interessados pode propiciar.
Assim, a solução legislativa de não atribuir efeito suspensivo da execução fiscal quando não é apresentada no prazo de impugnação administrativa é a mais acertada, que também, por isso, se deve presumir ter sido adoptada (art. 9.º, n.º 3, do CC)» 1 [1 Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, III volume, páginas 210/211, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa. No mesmo sentido ver Lei Geral Tributária, anotada, 4.ª edição, 2012, páginas 715/720, de Jorge Lopes de Sousa, Diogo Leite de Campos e Benjamim Silva Rodrigues.].
Subscrevemos inteiramente, e com a devida vénia, a posição do Senhor Conselheiro atrás citada, que tem vindo a ser seguida, de forma reiterada, por este STA 2 [2 Acórdãos de 15/04/2009 - P. 065/09; 29/07/2009 - P. 0649/09; 20/01/2010 - P. 0137/09, PLENO SCT 16/11/2011 - P. 0460/11 (que não admitiu o recurso por seguir jurisprudência consolidada); 25/01/2012 -P. 01/12; PLENO SCT de 12/12/2012 - P. 0932/12 (que não admitiu o recurso por seguir jurisprudência consolidada); 26/06/2013 - P. 01058/13; 25/06/2015 - P. 01050/13, P. 01533/13 e P. 0735/15 e de 03/05/2017 - P. 0427/17, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.].
No caso em análise, aquando da apresentação do pedido de revisão do acto tributário, há muito que havia sido ultrapassado o prazo de reclamação/graciosa/administrativa, pelo que não pode fundamentar pedido de suspensão do processo de execução fiscal.
E, salvo melhor juízo, não constituindo o pedido de revisão do acto tributário, formulado decorrido o prazo de reclamação, um verdadeiro meio de impugnação, uma vez que não tem os efeitos próprios de tais meios, não se vê, nem a recorrente o demonstra, que a interpretação do normativo do 169.º/1 do CPPT no sentido de não incluir o pedido de revisão oficiosa formulado após o decurso do prazo da reclamação graciosa/administrativa possa violar os princípios constitucionais da igualdade de acesso ao direito, consagrado no artigo 13.º da CRP, e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado nos arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir a questão de saber se o pedido de revisão oficiosa previsto no art. 78.º da LGT, quando apresentado fora do prazo da reclamação administrativa, consubstancia, ou não, uma reclamação nos termos do art. 52.º, n.º 1, da LGT e do art. 169.º do CPPT e, como tal, se pode, ou não, fundamentar a suspensão do processo de execução fiscal, encontrando-se garantido o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A) «A………………, SGPS SA» tem a sua sede no concelho de Viseu
[cfr. emerge da posição das partes expressa ao longo dos autos. Facto incontrovertido].

B) Em 30 de Junho de 2016 foi instaurado o processo de execução fiscal 2720201601118706 contra «A……………, SGPS SA» para cobrança de € 195.761,66 e acrescido respeitante a IRC de 2011
[cfr. emerge da conjugação do teor de fls. 23 a 25 dos presentes autos].

C) A executada requereu a suspensão daquela execução mediante garantia em razão de pretender deduzir contencioso
[cfr. emerge de fls. 27 e 32 dos presentes autos].

D) Em 19 de Julho de 2016 foi determinada a suspensão da execução fiscal n.º 2720201601118706 com fundamento na apresentação de garantia sob a forma de fiança e manifestação de intenção de deduzir contencioso
[cfr. emerge de fls. 34 a 36 dos presentes autos].

E) Em 20 de Julho de 2016 foi registada informaticamente a suspensão da execução fiscal 272020160118706, mediante o averbamento da fase “F113 – suspensão por aguardar meio gracioso ou judicial”
[cfr. emerge do registo informático da tramitação do PEF de fls. 38 dos presentes autos].

F) A Reclamante deduziu pedido de pronúncia arbitral com referência à liquidação que lhe foi efectuada a título de IRC de 2011
[cfr. emerge de fls. 45 a 93 dos presentes autos].

G) Em 3 de Setembro de 2017 foi proferida pelo Tribunal Arbitral decisão de improcedência total
[cfr. emerge de fls. 131 verso a 155 verso dos presentes autos].

H) Em 9 de Janeiro de 2018 o Tribunal Constitucional decidiu indeferir a reclamação deduzida mantendo-se a decisão reclamada de não reconhecer o objecto do recurso da decisão arbitral
[cfr. emerge de fls. 94 verso a 103 verso dos presentes autos].

I) Em 14 de Fevereiro de 2018 a Reclamante apresentou pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IRC de 2011
[cfr. emerge de fls. 104 a 118 verso dos presentes autos].

J) O processo de execução fiscal manteve-se com vários registos de suspensão até 26 de Abril de 2018, data em que abandonou a fase “F109” passando a estar na fase “F004 – com citação postal”
[cfr. emerge do registo informático da tramitação do PEF de fls. 38 dos presentes autos].

K) Em 2 de Maio de 2018 a executada solicitou o pagamento prestacional da dívida constante do processo 2720201601118706
[cfr. emerge de fls. 37 e tramitação de fls. 38 dos presentes autos].

L) Em 7 de Maio de 2018 foi expedida por via postal registada a presente reclamação
[cfr. emerge de fls. 14 dos presentes autos].

M) O pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda e acrescido foi deferido
[cfr. emerge da posição das partes – fls. 130 verso e 159 e tramitação de fls. 167].

N) A Reclamante requereu que o plano prestacional fosse dado sem efeito
[cfr. emerge da posição das partes – fls. 166 e 159].

O) A Reclamante efectuou o pagamento das 2 primeiras prestações do plano prestacional em 28/06/2018 e 28/07/2018
[cfr. emerge do print informático relativo ao cumprimento do plano prestacional de fls. 167 dos presentes autos].

P) Em 7 de Agosto de 2018 o processo de execução fiscal mostrava-se informaticamente suspenso na fase “F105 – suspensão por pagamento em prestações – CPPT”
[cfr. emerge do print informático relativo ao cumprimento do plano prestacional de fls. 167 dos presentes autos]

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão, nomeadamente não se provou:

Q) Que tivesse sido proferida decisão expressa por parte do órgão da execução fiscal de levantamento da suspensão da execução;

R) A data em que a Reclamante teve conhecimento do levantamento da suspensão».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

De acordo com a sentença ora recorrida, que nessa parte transitou em julgado, a presente reclamação judicial, deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT, visa reagir contra a decisão do órgão da execução fiscal que “retirou o processo da situação de suspensão” (Salvo o devido respeito, na ausência de despacho proferido pelo órgão da execução fiscal a dar como cessada a suspensão e na ausência, por parte do mesmo, de qualquer acto ou omissão que revele que a suspensão foi cessada, temos dúvidas de que possa aceitar-se que a mera indicação de que o processo esteve na fase F109 e se encontrava à data da reclamação na fase F004, sem outra informação – que deveria ter sido prestada pelo órgão da execução fiscal –, permita afirmar que o processo deixou de estar suspenso. A mera alusão a que o processo está na fase “F004 – com citação postal” não parece autorizar a conclusão segura de que o processo deixou de estar suspenso.).
Segundo alegou a Executada nessa reclamação, sendo certo que transitou em julgado a decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no pedido de declaração de ilegalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda, o órgão da execução fiscal não atentou na circunstância de que, ulteriormente, ela Executada pediu a revisão oficiosa desse acto tributário. Assim, e porque se encontra prestada nos autos garantia que assegura o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, deve a execução fiscal manter-se suspensa até que esteja decidido esse pedido.
A sentença julgou improcedente a reclamação. Na parte que ora nos interessa considerar, entendeu que o pedido de revisão oficiosa, quando, como nos autos, foi formulado para além do termo do prazo da reclamação administrativa, não tem a virtualidade de permitir a suspensão da execução fiscal, ainda que a dívida exequenda e o acrescido se encontrem garantidos. Louvou-se, essencialmente, na doutrina (A sentença citou
- JORGE LOPES DE SOUSA Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 2 ao art. 195.º, págs. 210/214, que também foi citado pelo Procurador-Geral Adjunto no parecer acima transcrito:
- DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 17 ao art. 78.º, págs. 715/720;
- JOSÉ MARIA FERNANDES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL e MARIA JOÃO MENEZES, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, anotação 9 ao art. 52.º, pág. 509;
- VALENTE TORRÃO, CPPT de Portugal Comentado e Anotado, pág. 1596.) e na jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Citou os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 29 de Julho de 2009, proferido no processo n.º 649/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bcf031a80876991280257608002c9ad7;
- de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 1237/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ab7e1c249f3c3204802576ba0054c994;
- de 25 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 1/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e4c6897965405dc802579a3003b1ac1;
- de 26 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 1058/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51c140b4d00eff8780257b9e00568726;
- de 3 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 427/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ee050b65a071bfb68025812300331ba0.).
A Executada discorda da sentença. Considera, em síntese, que, apesar de ter cessado o motivo da suspensão da execução decorrente da pendência do pedido de pronúncia arbitral sobre a liquidação que está na origem da dívida exequenda, a execução deve manter-se suspensa por força do pedido de revisão dessa liquidação ora apresentado pela Executada.
Poderíamos, desde logo, questionar a admissibilidade do pedido de revisão após o pedido de pronúncia arbitral ter sido decidido por acórdão que transitou em julgado. Mas não é essa questão que ora cumpre apreciar. A mesma, por certo, será objecto de apreciação em sede do pedido de revisão.
O que ora cumpre apreciar é tão-só se a formulação desse pedido tem, ou não, efeito suspensivo da execução fiscal, melhor, se a sentença recorrida fez errado julgamento ao considerar que o pedido de revisão não constitui fundamento de suspensão da execução fiscal, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido.

2.2.2 DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL EM RAZÃO DO PEDIDO DE REVISÃO

Afigura-se-nos inquestionável que a letra da lei – art. 169.º do CPPT – não contempla o pedido de revisão como causa de suspensão da execução.
Como resulta das citações doutrinais efectuadas quer pela sentença quer pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, que merecem por inteiro a nossa concordância, e nos dispensamos de reproduzir novamente (vide a transcrição do parecer do Procurador-Geral Adjunto supra no ponto 1.5), a não inclusão do pedido de revisão no catálogo do art. 169.º do CPPT não pode ter-se como devida a um lapso ou esquecimento do legislador, tanto mais que também o art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) – que não constituindo lei de valor reforçado, assume a natureza de lei que fixa os princípios e fundamentos do sistema tributário (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotações 1 e 3 ao art. 2.º, págs. 64 a 66, afirmam: «A LGT não é uma lei constitucional nem sequer uma lei reforçada. […] Contudo, foi intenção do legislador que a LGT fosse uma lei de “cúpula” do sistema tributário, fixando os seus princípios estruturantes e fundamentantes em matéria axiológica», visando «como regra, regular exaustivamente as matérias de que trata».) – não inclui a revisão entre as causas de suspensão da execução fiscal. Ademais, concomitantemente, embora o n.º 1 do art. 49.º da LGT confira efeito interruptivo da prescrição ao «pedido de revisão oficiosa» (que não confunde com a “reclamação”, também aí prevista), quando, na alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, confere efeito suspensivo da prescrição à paragem da execução fiscal não inclui o “pedido de revisão oficiosa” entre as causas dessa paragem.
É certo que a revisão, embora configurada como um meio oficioso, pode ser impulsionada a pedido do sujeito passivo [cfr. n.ºs 1 e 7 do art. 78.º da LGT; vide também a alínea e) do n.º 2 do art. 46.º, o n.º 1 do art. 49.º e a alínea c) do n.º 1 do art. 54.º da LGT].
É também certo que, no caso de pedido de revisão, a jurisprudência (Para além da citada na sentença, que deixámos referida supra em (3), vide também os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 65/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04c500a0579f5bd88025759f00508122;
- de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 735/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/748897845d55a87b80257e83003368c0.
Vide também os seguintes acórdãos do Pleno da mesma Secção, em que não se admitiu o recurso por oposição de acórdãos, deduzida ao abrigo do art. 284.º do CPPT, com o fundamento de que constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que só o pedido de revisão oficiosa efectuado pelo contribuinte dentro do prazo de reclamação administrativa, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, pode provocar a suspensão da execução fiscal:
- de 16 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 460/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e388449baed9e228025795300418206;
- de 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 932/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692.) e a doutrina têm admitido o efeito suspensivo quando a revisão tenha sido requerida dentro do prazo da reclamação graciosa (cfr. art. 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT), mas apenas porque, nesse caso, fazem equivaler o pedido de revisão à reclamação graciosa. Na verdade, a revisão a pedido do sujeito passivo prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT consubstancia uma reclamação graciosa, pois tem o mesmo prazo, é dirigida ao próprio autor do acto e por ele decidida e, sobretudo, o mesmo fundamento, ou seja, “qualquer ilegalidade” (cfr. os arts 70.º, n.º 1, e 99.º do CPPT).
«[A] reclamação graciosa, prevista no CPPT, e a revisão dos actos tributários por iniciativa do sujeito passivo, prevista na LGT, são um só instituto, pese as suas diferentes denominações e as discrepâncias existentes entre as duas normas quanto ao órgão competente para decidir, pelo que concluímos que o mecanismo previsto no art. 78.º, n.º 1 da LGT obedece à disciplina procedimental constante do capítulo VI do CPPT» (RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 167.).
Assim, por força do preceituado no art. 52.º, n.º 1, da LGT, que faz uma referência genérica a “reclamação”, este pedido de revisão terá efeito suspensivo, dentro do condicionalismo do n.º 1 do art. 169.º. Por outro lado, em caso de procedência a AT fica obrigada à «reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade» (cfr. art. 100.º da LGT), designadamente com o pagamento de juros indemnizatórios, contados desde o pagamento até à emissão da nota de crédito (cfr. art. 61.º, n.º 3, do CPPT).
Já quando a revisão seja por iniciativa da AT (caso em que não pode configurar-se como uma reclamação) ou a pedido do sujeito passivo mas após estar esgotado o prazo da reclamação graciosa – ou seja, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo, caso o tributo não tenha sido pago (art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT) –, a lei não lhe reconhece efeito suspensivo. Neste caso, o pedido de revisão não se assume como um verdadeiro meio impugnatório, com efeito de destruição retroactiva dos efeitos do acto, mas antes «reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 3 ao art. 78.º, pág. 705.), como resulta do facto de os juros indemnizatórios só serem devidos caso haja atraso na decisão do pedido e já não da data do pagamento [cfr. art. 43.º, n.º 3, alíneas b) e c), da LGT].
Ora, não podemos olvidar que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários impede a AT de conceder moratórias no pagamento das correspondentes dívidas. A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista no n.º 2 do art. 30.º da LGT, que dispõe: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária» (Aplicando este princípio, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 816/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/719aa594c06ff0c080257a2b003ac5a3.
Neste acórdão acolheu-se a tese de que «a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial – artigo 30.º/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro», motivo por que «[…] a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266.º, 13.º, 103.º e 104.º, todos da CRP».).
A indisponibilidade dos créditos tributários – que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos – decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária (O princípio da legalidade, consagrado no art. 266.º, n.º 2, da CRP – «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei […]» – impõe aos órgãos da AT que actuem no sentido da obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do n.º 3 do art. 103.º, n.º 3, da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei».), que impõe à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal [cfr. arts. 103.º, n.º 3, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], e do princípio da igualdade [cfr. arts. 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP e art. 6.º, do CPA], que lhe impõe a obrigação de prosseguir o objectivo de tratar igual e uniformemente todos os contribuintes, maxime na exigência, modificação ou extinção das obrigações tributárias deles. Ambos os princípios estão também consagrados no art. 55.º da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade.
Por outro lado, o art. 36.º da LGT, no seu n.º 2, é inequívoco: «Os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados por vontade das partes» (Como dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 8 ao art. 36.º, pág. 297, «nenhum elemento da relação tributária pode ser alterado por vontade das partes: nem o objecto da obrigação; nem os juros; nem o prazo de pagamento, etc.» pois «[a] isto se opõe o princípio da legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa».); concretizando, no campo das moratórias, o princípio do citado n.º 2, o n.º 3 do mesmo artigo afirma: «A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei». Em sintonia com o n.º 3 do art. 36.º da LGT, o art. 85.º, n.º 3, do CPPT («A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária».), prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei.
Tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que a indisponibilidade do crédito tributário e a impossibilidade de a AT conceder moratórias só consentem excepções concretizadas mediante intervenção legislativa, concretizada em lei formal da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária.
A não concessão de efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão formulado para além do prazo da reclamação graciosa não se apresenta sequer como uma solução desajustada ou desproporcionada.
Na verdade, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA ( Ver nota (2) supra.), enquanto os meios impugnatórios indicados no art. 52.º da LGT e no art. 196.º do CPPT têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo. O que significa que, se o legislador lhe tivesse conferido a virtualidade de suspender a execução fiscal (fora das situações em que é apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, situação em que deve merecer o mesmo tratamento que esta, como vimos), a suspensão ocorreria as mais das vezes num momento em que a execução fiscal se encontraria já numa fase em que a suspensão teria efeitos negativos muito superiores àqueles que advirão da suspensão numa fase precoce do processo (A título de exemplo, o Autor refere: «basta ter presente que, se um pedido de revisão oficiosa
fosse apresentado no segundo ou terceiro ano posterior à liquidação, por exemplo, poderia a execução fiscal estar já em fase de pendência de anúncios de venda ou de período de apresentação de propostas ou mesmo em fase posterior à venda, antes da sua entrega aos compradores, e a suspensão nesse momento seria mais onerosa não só para o exequente (os anúncios da venda perderiam a sua utilidade) como para os potenciais compradores, que poderiam já ter efectuado despesas para conhecerem e avaliarem os bens em que pudessem estar interessados».). Por outro lado, como salienta o mesmo Autor, «com a possibilidade de pedir a revisão oficiosa com efeito suspensivo da execução fiscal, colocar-se-ia ao dispor dos executados um meio de paralisarem a execução repetidamente em momentos em que tal paralisação era inconveniente para o interesse público, com previsível descrédito da eficácia das vendas efectuadas em execução fiscal e desmotivação de potenciais compradores, com os evidentes efeitos a nível da obtenção de melhores preços de venda que a concorrência entre os interessados pode propiciar».
São patentes e compreensíveis, em face da finalidade essencial do processo de execução fiscal (a cobrança célere das dívidas tributárias, assegurando-se que o Estado obtém as receitas imprescindíveis ao seu funcionamento e ao cumprimento das tarefas que lhe estão cometidas) e do modo em que o mesmo está estruturado – «em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 148.º, pág. 28.) –, os motivos que terão levado o legislador a não conferir efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão da liquidação apresentado para além do termo do prazo da reclamação graciosa.
A Recorrente argumenta com a inconstitucionalidade da interpretação que subscrevemos para o n.º 1 do art. 169.º do CPPT, na medida em que não contempla o pedido de revisão entre os meios processuais aí previstos como susceptíveis de suspender a execução fiscal. Essa falta de previsão, na tese que sustenta, acarreta a violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, e a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar. Vejamos:
Não vislumbramos em que medida o princípio da igualdade sai beliscado pela solução legislativa que apenas reconhece o efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão quando este se reconduz à reclamação graciosa e já não nos demais casos. Pese embora o esforço argumentativo da Recorrente no sentido de tentar estabelecer uma identidade absoluta entre o pedido de revisão deduzido dentro do prazo da reclamação graciosa (situação em vimos que aquele equivale plenamente a esta) e o que foi deduzido para além daquele prazo, deixámos já expostos os motivos por que não existe essa identidade: são distintos os efeitos da procedência de um e de outro; também as consequências negativas que advêm para a execução fiscal de uma suspensão operada por força da reclamação graciosa, que tem de ser deduzida no prazo de 120 dias após os factos previsto no n.º 1 do art. 102.º do CPPT (cfr. art. 70.º, n.º 1, do CPPT) são bem distintas daqueles que adviriam da suspensão da execução fiscal quando motivada por um pedido de revisão deduzido quando estava já expirado aquele prazo, sobretudo tendo em conta que pode ser apresentado muito para além do termo para o pagamento voluntário do tributo (quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT).
Por outro lado, também não vislumbramos que a ausência de efeito suspensivo sobre a execução fiscal no caso em que o pedido de revisão é apresentado para além do termo do prazo da reclamação graciosa constitua uma intolerável compressão dos direitos dos sujeitos passivos. Na verdade, o sujeito passivo teve ao seu dispor toda uma panóplia de meios impugnatórios que lhe permitiriam (e permitiram efectivamente) a suspensão da execução fiscal. Ponto era que respeitasse as condições para essa suspensão, entre as quais a dedução em prazo desses meios processuais. O facto de o legislador não facultar o efeito suspensivo da execução relativamente a um meio processual que pode ser espoletado pelo sujeito passivo tão para além do termo do prazo para o pagamento voluntário não se nos afigura constituir um entrave desproporcionado ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, pois este tem de ser balanceado com o interesse público da cobrança célere do tributo, de que é expressão o art. 177.º do CPPT.
Por tudo o que deixámos dito, entendemos que o recurso não merece provimento.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do disposto no art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT, não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se refere o art. 52.º, n.º 1, da mesma lei e o art. 196.º do CPPT, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa, caso em que equivale a esta e, por isso, pode ser considerado como “reclamação” para efeitos de suspensão da execução fiscal.
II - Esta solução legislativa – de não conferir efeito suspensivo ao pedido de revisão efectuado para além do referido prazo, mesmo que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido esteja garantido –, não só resulta da falta de previsão do pedido de revisão oficiosa no texto da lei (art. 52.º, n.º 1, da LGT e art. 196.º, n.º 1, do CPPT), como também se mostra conforme a outras soluções legislativas, designadamente a que resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 4, alínea b), do art. 49.º da LGT.
III - Por outro lado, essa solução não se mostra desajustada, na medida em que, enquanto os meios impugnatórios indicados no art. 52.º da LGT e no art. 196.º do CPPT têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo (cfr. 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT), o que significa que, a ser-lhe concedido efeito suspensivo da execução fiscal, existiriam consequências negativas relevantes ao nível da segurança jurídica e da celeridade na cobrança das receitas tributárias prosseguida pela execução fiscal.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 5 de Dezembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.