Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
787/23.2T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
DEPOIMENTO DE PARTE
ARTICULADO SUPERVENIENTE
EXCLUSÃO JUDICIAL DE SÓCIO
FUNDAMENTOS
Nº do Documento: RP20240710787/23.2T8AVR.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O apelante inibido de poder arguir a irregularidade do depoimento da testemunha, pois que no momento próprio não suscitou o incidente de impugnação da testemunha, não o podendo fazer em sede de recurso de apelação da sentença final.
II - As declarações no depoimento de parte que não configurem confissão, são valoradas livremente pelo tribunal – artigo 361.º do Código Civil. Para que a mesma tenha eficácia probatória é mister que o julgador confronte as declarações com todos os outros elementos de prova produzidos sobre a factualidade para que posa concluir por tal realidade ter ocorrido ou não.
III - Na actual lei adjectiva civil, apenas é admissível o articulado superveniente como meio de alegar factos essenciais, tanto mais que os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais podem ser sempre julgados provados desde que resultem da instrução da causa
IV - Hipótese legal de exclusão de sócios prevista no artigo 242.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais quando ocorram comportamentos desleais e/ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade.
V - Para legitimarem a exclusão judicial, é ainda necessário que estes (e outros) comportamentos tenham causado ou sejam susceptíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade. Porém, não se exige um prejuízo efectivo, mas apenas a capacidade de provocar danos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 787/23.2T8AVR.P1

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Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 1

RELAÇÃO N.º 151

Relator:      Alberto Taveira

Adjuntos:    Fernando Vilares Ferreira

                   Anabela Dias da Silva


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


         A.:     A..., LDA.

         R.:     AA


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A. e o R. são sócios de uma sociedade, B..., LDA., com quotas sociais iguais.

O R. é o gerente de tal sociedade desse 11.11.2019.

A A. sustenta que o R., enquanto sócio da dita sociedade, procedeu à retenção ilegal de lucros distribuíveis nos anos de 2021 e 2022, referentes aos anos imediatamente anteriores.

Mais alega, que o R. admitiu ao serviço da sociedade a sua mulher/cônjuge, pagando-lhe um vendimento, sem que a mesma exercesse as funções para as quais foi contratada.

Mais alega, que o R. procedeu à constituição de uma sociedade com objecto social concorrente, a C..., Unipessoal, Lda., e nela fazendo uso, nos termos descritos na petição inicial, das máquinas da sociedade B..., Lda, das mercadorias, dos trabalhadores, clientes, veículos, etc.. Que procedeu à cópia da base de dados da sociedade B..., Lda., para serem utilizados na referida sociedade, esvaziando e apagando os sistemas informáticos da B..., Lda. Desviou toda a clientela da B..., Lda para a C..., Unipessoal, Lda..

Acaba por formular o seguinte pedido:

Nestes termos, e nos melhores de direito que v. exa. doutamente suprirá, requer-se que a presente ação seja julgada procedente, por provados os seus pressupostos e consequentemente seja decretada a exclusão do sócio réu.

O R. contestou, defendendo-se por excepção de ilegitimidade e por impugnação, invocando que A e R. acordaram que os lucros relativos aos anos de 2020 e 2021 seriam para reinvestir e que em Julho de 2022, A. e R. decidiram que iriam proceder à dissolução e liquidação da sociedade B..., Lda..

Realizada a audiência prévia, foram as excepções de ilegitimidade activa e passiva julgadas improcedentes, e as partes julgadas partes legítimas.

Foi fixado objecto do processo (a verificação dos pressupostos de que depende a exclusão do sócio, aqui réu, da sociedade B..., Lda) e os temas de prova

(1.- Aferir se o réu atuou, enquanto sócio da sociedade B..., Lda,, nos termos descritos pela autora na petição inicial, designadamente:

a) Procedendo à retenção ilegal de lucros distribuíveis, nos anos de 2021 e 2022, referentes aos anos imediatamente anteriores;

b) Admitindo ao serviço da sociedade a respetiva cônjuge e pagando-lhe um vendimento, sem que a mesma exercesse as funções para as quais foi contratada;

c) Procedendo à constituição de uma sociedade com objeto social concorrente, a C..., Unipessoal, Lda., e nela fazendo uso, nos termos descritos na petição inicial, das máquinas da sociedade B..., Lda, das mercadorias, dos trabalhadores, clientes, veículos, etc.;

d) Procedendo à cópia da base de dados da sociedade B..., Lda., para serem utilizados na referida sociedade, esvaziando e apagando os sistemas informáticos da B..., Lda.; e

e) Desviando toda a clientela da B..., Lda para a C..., Unipessoal, Lda..

2.- Apurar se autora e réu acordaram que os lucros relativos aos anos de 2020 e 2021 seriam para reinvestir e se, em julho de 2022, autora e réu decidiram que iriam proceder à dissolução e liquidação da sociedade B..., Lda..).


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DA DECISÃO RECORRIDA

Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando totalmente procedente a demanda, nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgo procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, decido:

Decretar a exclusão de AA, da qualidade de sócio da sociedade B..., LDA..“.


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DAS ALEGAÇÕES

O R., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Nestes termos, e com o douto suprimento deste Venerando Tribunal: Revogando a decisão em recurso, e, consequentemente, a exclusão de AA da qualidade de sócio da sociedade B..., LDA, Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual justiça.“.


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O recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. Uma das provas na qual o Tribunal “a quo” se baseou para o julgamento dos factos provados n.ºs 16, 17 e 33 foi o «depoimento prestado pela testemunha BB».

2. Acontece que, como decorre da confissão da representante da Autora, é aquele BB quem, efetivamente, pode ou não confessar os factos e obrigar a sociedade, visto ser o gerente de facto da mesma.

3. Significa isto que, após se aperceber de tal facto, nomeadamente através das declarações de parte da representante legal da Autora, o Tribunal “a quo” nunca poderia considerar o depoimento prestado por BB, na qualidade de testemunha.

4. Sendo a audição daquele BB como testemunha um acto proibido por lei (artigo 496.º do Código de Processo Civil) e tendo o Tribunal se fundado no seu depoimento para fixar certos factos provados, a irregularidade cometida gera nulidade, porque influencia na decisão da causa, o que implica a declaração da nulidade daquele ato de audição, e, consequentemente, do julgamento e da sentença.

5. No que se prende com o facto d) dado como não provado, a sentença recorrida diz fundar a sua convicção na própria contestação apresentada para dar como provado aquilo que entende ser um «comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade» por parte do Réu.

6. Acontece que foram dados como provados os factos n.ºs 14, 15 e 18, que comprovam que existiram negociações entre as partes com vista a serem adquiridas pelo Réu as participações sociais da Autora; e que o Réu referiu na Assembleia Geral o acordo para a liquidação e dissolução da sociedade, sem que nenhum dos sócios da AUTORA, ali representados por BB, tenha usado da palavra para desmentir o RÉU, concordado, por isso, que efectivamente aquela proposta tinha existido e que este a tinha aceitado.

7. Embora não tenha existido uma deliberação da sociedade no sentido de efetivar a dissolução e liquidação da B..., LDA, foi por acreditar que a AUTORA honraria a sua palavra que o RÉU conversou com os colaboradores e com alguns clientes.

8. É o próprio RÉU quem, na Assembleia realizada no dia 31/01/2023, afirma ter falado com os colaboradores, abertura e transparência esta que em nada se compadece com um comportamento desleal, que justifique uma exclusão como sócio.

9. Acresce que, o RÉU, mediante requerimento de 25/09/2023, referência citius 15072360, após depoimento por si prestado, veio juntar aos autos a proposta da AUTORA que lhe havia sido dirigida (por intermédio do seu à data mandatário Dr. CC) de dissolução e liquidação da sociedade B....

10. Dessas comunicações decorre com clareza que, por e-mail de 21/07/2022, enviado pelo à data mandatário do RÉU ao mandatário do Sr. BB (Dr. DD), havia sido falado telefonicamente entre ambos a dissolução e liquidação da sociedade, solicitando aquele mandatário a este que fosse marcada uma Assembleia Geral da sociedade para deliberar este assunto e assim, poder iniciar-se o procedimento. Tal foi explicado pelo RÉU, em depoimento de parte (encontra-se registado com recurso à aplicação H@bilus Media Studio, início às 10h24 e fim às 12h47, do dia 21/09/2023, passagens dos minutos 32:03 aos 33:48; 01:10:33 a 01:11:55; 01:10:33 aos 01:11:55 e 01:12:45 aos 01:13:03).

11. A sentença recorrida não proferiu uma única palavra sobre estas comunicações juntas, tão importantes para a boa decisão da causa.

12. Embora não tenha existido uma deliberação da sociedade no sentido da dissolução e liquidação da B..., LDA (facto provado n.º 19), a prova produzida permite com toda a segurança afirmar que a AUTORA apresentou ao RÉU uma proposta com esse objetivo, a qual foi aceite pelo RÉU, sendo tal facto essencial para se compreender a posição assumida por este e a sua total ausência de intenção em ser desleal com a sociedade ou perturbar gravemente o funcionamento desta.

13. Na realidade, a Sociedade só passou a ter lucro a partir do momento em que o RÉU entrou na gerência da mesma (11 de novembro de 2019, conforme facto provado n.º 4), tudo tendo feito para que prosperasse. Ora, não se compreende que interesse teria o mesmo em causar prejuízo à B... quando tinha o seu dinheiro e trabalho investido na mesma (a entender-se que é de considerar o depoimento de BB – encontra-se registado com recurso à aplicação H@bilus Media Studio, início às 15h03 e fim às 16h27, do dia 21/09/2023 –, ver minutos 47:31 a 48:58).

14. No que se prende com a contratação da sua esposa, e atendendo aos factos provados n.ºs 5, 6 e 7, explicou o RÉU, em depoimento de parte, que, antes de tal contratação, entrou em contacto com o Sr. BB, expôs-lhe a situação e sugeriu que a sua mulher fosse para o cargo, pessoa em quem confiava, tendo aquele BB aceitado, sem qualquer oposição (minutos 34:38 aos 37:11 do depoimento de parte do Réu).

15. A única prova que refere que a AUTORA só obteve conhecimento de tal contratação aquando das negociações entre as partes em 2022 é o depoimento de BB, que, como já analisado, nunca poderia ser inquirido na qualidade de testemunha.

16. De qualquer forma, é o próprio depoimento de BB que demonstra que o mesmo sempre foi colocado a par de tudo o que se foi passando na empresa, nomeadamente em matéria de contratações (minutos 17:54 a 19.59 do depoimento da testemunha BB), (no mesmo sentido, v. depoimento de parte do RÉU, dos minutos 14:38 aos 15:12).

17. O RÉU não empregou a esposa com qualquer objetivo de se locupletar às custas da Sociedade, mas tão-somente com vista à satisfação dos interesses desta, evitando ter de devolver o incentivo recebido, o que seria nefasto para aquela.

18. A sentença constrói os factos que dá como provados, com excertos do que vem alegado na contestação, de forma descontextualizada e mesmo deturpada, nomeadamente o que consta dos factos provados n.ºs 22, 23, 24 e 25.

19. Dos factos 124.º, 125.º, 126.º, 127.º e 128.º da contestação decorre que o RÉU aceitou colaborar com aquele EE, não só em nome da amizade de ambos, mas também em troca deste o ajudar a programar as máquinas da B..., já que o RÉU não sabia trabalhar com aquelas, nomeadamente na desmontagem do equipamento após a dissolução.

20. Em depoimento de parte o RÉU acaba por explicar que necessitava da ajuda daquele para aprender a trabalhar com algumas máquinas, mas que o EE nem sequer precisou da sua ajuda por estar completamente dentro do negócio (passagens dos minutos 50:42 aos 51:00 e dos minutos 01:41:58 a 01:42:36).

21. O facto 22 descontextualizado faz crer que o RÉU aceitou trabalhar com o EE na nova sociedade, em concorrência desleal, quando verdadeiramente não foi o que se passou.

22. Também o facto 25 deturpa o que vem alegado na contestação, já que o RÉU nunca afirmou que acabou por ajudar EE «tendo em vista, após dissolução da empresa B..., LDA., passar a trabalhar com o referido EE», mas sim que o RÉU aceitou ajudar aquele EE na fase inicial em tudo o que precisasse, nomeadamente no contacto com os clientes, «mas sempre pela relação de amizade com o mesmo, na medida em que apenas após a dissolução da empresa B... poderia então trabalhar com o EE.»..

23. Ora, para além do que vem alegado na contestação, apenas o RÉU se pronunciou sobre esta matéria em depoimento de parte, nem sequer reconhecendo que aquele EE precisou da sua ajuda, já que estava perfeitamente dentro do negócio, esclarecendo antes que foi o próprio quem necessitou de apoio do EE para aprender a programar e trabalhar com certas máquinas (minutos 01:41:58 a 01:42:36 do depoimento de parte do Réu).

24. Quanto aos factos provados 23 e 24 também se verifica uma deturpação do que vem alegado na contestação (artigos 131.º, 132.º e 133.º), sendo que relativamente ao facto 24 nem sequer vem o mesmo referido na contestação, limitando-se antes a uma transcrição de um artigo da petição inicial apresentada pela AUTORA (artigo 101.º), impugnado pelo RÉU, e sem que tenha sido feita qualquer prova sobre a alegada comunicação ao cliente D... (v. depoimento de parte do Réu, dos minutos 55:39 a 57:27).

25. O facto 23 merece correção, dado que, introduzido na factualidade de forma descontextualizado, parece que o RÉU desviou clientela para a C..., quando, efectivamente, o que o mesmo fez foi informar, apenas a quem o questionava, que o seu ex- colaborador, pessoa em quem confiava, iria constituir uma empresa que seria uma «óptima alternativa» (v., neste sentido, depoimento de parte do Réu, dos minutos 01:42:36 a 01:43:23).

26. Relativamente ao facto 26 limita-se a sentença recorrida a dar como provado, numa formulação geral, que «o réu reduziu a capacidade produtiva e de criação de lucros da B..., LDA», sem densificar um prejuízo concreto e sem explicar como é que chega a essa conclusão.

27. Acontece que foi produzida prova nos autos pelo RÉU que contrariam aquela conclusão, nomeadamente os diversos documentos que foram juntos pelo RÉU aos autos, a 27/06/2023, que comprovam o esforço e diligências que têm sido levadas a cabo por si para garantir a viabilidade da empresa.

28. Em 14/04/2023, o Réu remeteu uma carta à Autora na qual expressou as dificuldades com as quais continuava a laborar, sendo que na sua resposta a Autora, em vez de dar uma sugestão construtiva para o futuro da empresa, veio remeter para a gerência a tomada de «medidas que considerar convenientes em face da respectiva análise económico-financeira da sociedade».

29. Prova cabal de que o comportamento do RÉU nunca foi desleal ou gravemente perturbador é o facto de, como alegado nestes autos no âmbito daquele requerimento apresentado pelo RÉU a 27/06/2023, no âmbito da ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais nº. 788/23.0T8AVR, que correu termos pelo Juízo de Comércio de Aveiro – J3, ter a AUTORA desistido do pedido de destituição de gerente.

30. Ou seja, aparentemente o RÉU não tem idoneidade para ser sócio da sociedade na qual sempre trabalhou, nada tendo feito a AUTORA para que a mesma prosperasse, mas já o tem para continuar a dirigir os destinos da mesma como gerente.

31. Como ficou provado nos factos provados 9, 10, 11, 12 e 13 foi sempre o RÉU quem tudo fez para que a empresa prosperasse, sendo que a não assinatura das atas das Assembleias por parte da AUTORA, cujo conteúdo correspondia ao que tinha em assembleia deliberado por unanimidade, é demonstrativo de uma clara intenção da mesma de sabotar o trabalho desenvolvido pelo RÉU e o normal funcionamento da sociedade.

32. Mais demonstra o facto 13 que o RÉU vem sempre pautando a sua atuação com o objectivo de conseguir os melhores resultados de produtividade possíveis para a B..., nomeadamente através da aquisição de novo equipamento, mais adequado às necessidades da empresa.

33. A não distribuição dos lucros também afectava o RÉU, que também tinha todo o interesse em ter os mesmos na sua esfera pessoal, a questão é que sabia que era necessário a empresa B... ter fundo de maneio para poder investir no equipamento necessário a uma maior produtividade.

34. A situação dos trabalhadores e/ou dos clientes era indiferente para a AUTORA, na medida em que a mesma nunca participou verdadeiramente no negócio, nunca dando a cara, não sabendo sequer quem eram as pessoas, razão pela qual pretende que o RÉU se mantenha como gerente da B....

35. Contrariamente, o RÉU havia dado a sua palavra, havia assumido responsabilidades, e não podia deixar funcionários e clientes na mão, até porque era o único sócio-gerente e a responsabilidade caía sobre si.

36. Segundo a sentença recorrida o facto n.º 31 foi dado como provado com base na própria contestação. Acontece que o que vem alegado nos factos 148.º, 149.º, 150.º da contestação é que era habitual o RÉU fazer cópias de segurança da base de dados, o que é, aliás, boa prática de qualquer empresa. Mas que os sistemas informáticos da B... continuam ativos, sendo com os mesmos que o RÉU continua a trabalhar (no mesmo sentido, depoimento do RÉU, dos minutos 54:20 aos 55:17)

37. O facto n.º 33 teve como única prova o depoimento de BB, cujo depoimento é nulo, por ser o mesmo o efetivo representante da Autora.

38. Pelo exposto, os factos provados 22., 23., 24., 25., 26., 31. e 33 e os factos não provados b) e d) devem, respetivamente, passar a ter a seguinte redação, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil:

Factos provados:

22. O Réu aceitou colaborar com EE, não só em nome da amizade de ambos, mas também em troca de este o ajudar a programar as máquinas da B..., já que o Réu não sabia trabalhar com aquelas, nomeadamente na desmontagem do equipamento após a dissolução da sociedade.

23. O réu avisou, ainda, alguns clientes que a B..., LDA. iria ser dissolvida e liquidada, razão pela qual não aceitariam mais encomendas, tendo informado, àqueles que o questionavam, que o seu ex-colaborador, pessoa em quem confiava (EE) e que era seu amigo, iria constituir uma empresa, que seria, certamente, uma óptima alternativa.

31. Entre o final do terceiro e o início do quarto trimestre de 2022, o réu fez uma cópia de segurança do sistema informático da B..., LDA., como habitualmente faz, por questões de segurança.

b. O Réu expôs a situação referida em 6. e 7. a BB, que a aceitou.

d. A Autora apresentou ao Réu uma proposta de liquidação e dissolução da sociedade, a qual foi pelo mesmo aceite.

Factos não provados:

24. No que respeita às encomendas em curso, o réu avisou os clientes que as mesmas deveriam ser anuladas e submetidas à da C... UNIPESSOAL LDA., o que sucedeu, designadamente com o cliente - D..., em 21.10.2022.

25. O réu acabou por ajudar EE, designadamente no contacto com os clientes, tendo em vista, após dissolução da empresa B..., LDA., passar a trabalhar com o referido EE.

26. Com tal atuação, o réu reduziu a capacidade produtiva e de criação de lucros da B..., LDA..

32. A C..., UNIPESSOAL LDA. adquiriu um Ford ..., de matrícula ..-.. -GP. Tal veículo já foi visto a circular pela mão da esposa do réu, que ainda é, na presente data, trabalhadora da B..., LDA..

39. A justa causa destitutiva do gerente da sociedade relaciona-se com os princípios da confiança e a boa-fé que devem ser observados por quem detém tal função na sociedade, princípios relevantes nas relações com os credores sociais, sócios e terceiros, de modo a que a transparência dos comportamentos e o rigor ético das condutas, possam ser valorados objectivamente e subjectivamente. Questiona-se, assim, como poderia a AUTORA aceitar como gerente alguém que, alegadamente teve um «comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade»?

40. A AUTORA sabe que o RÉU sempre observou os deveres de cuidado, verdadeiros poderes- deveres dos gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados.

41. Demonstrando o RÉU ser um gestor criterioso e diligente nenhuma razão haveria para o destituir como gerente e, por maioria de razão, também não há para ser excluído de sócio.

42. Desta forma, parece essencial ao RÉU/Recorrente a introdução na factualidade provada do seguinte facto, nomeadamente para a análise da necessidade de proteger a sociedade dos alegados danos que o comportamento daquele possa ter causado ao exercício da atividade social da empresa:

35. No âmbito da ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais nº. 788/23.0T8AVR, que correu termos pelo Juízo de Comércio de Aveiro – J3, a Autora desistiu do pedido de destituição do Réu de gerente.

43. A exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas exige a verificação cumulativa dos dois pressupostos previstos no art. 242.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.

44. Da prova produzida nos autos resulta que todo o comportamento do RÉU – nomeadamente a informação que prestou aos colaboradores e alguns clientes no sentido de que a empresa iria ser liquidada e dissolvida, o que conduziu, aparentemente, à saída da empresa do trabalhador EE, que viria a constituir uma sociedade com o mesmo objeto social da AUTORA – se deveu à convicção que a AUTORA deliberadamente criou no mesmo de que aceitava a dissolução e a liquidação da B....

45. Mesmo que não se operasse qualquer alteração na factualidade dada como provada e não provada não se poderia aventar uma exclusão do RÉU da qualidade de sócio. E isto porque, mesmo que tais factos configurassem comportamentos desleais e perturbadores da vida da sociedade, é evidente que nunca seriam suficientes para ditar as exclusões do RÉU da sociedade.

46. Como sustentado no Acórdão deste STJ de 15/02/2005, a exclusão do sócio não visa sancionar o sócio pelo seu comportamento, mas sim proteger a sociedade dos danos que o seu comportamento possa causar a exercício da atividade social, pelo que “(…) o instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na proteção do fim do contrato de sociedade (…) [e] justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social”.

47. Da factualidade assente não ficou provado que os factos/comportamentos do RÉU tenham causado ou possam vir a causar à AUTORA prejuízos relevantes, até porque a sociedade encontra-se a laborar e a facturar.

48. Nem sequer se pode dizer que se está perante comportamentos desleais e perturbadores da vida da sociedade, já que os mesmos ocorreram com o conhecimento (e consentimento, visto não se ter sequer oposto na Assembleia Geral de 31/01/2023) da AUTORA, no contexto de um acordo feito pelas partes de dissolução e liquidação da sociedade, que decorre de forma transparente não só da ata daquela Assembleia, mas também dos documentos juntos aos autos pelo RÉU a 25/09/2023, referência citius 15072360.

49. Não ficou igualmente provado que o RÉU tenha tido qualquer intervenção na constituição, em 30 de agosto de 2022, da sociedade C... UNIPESSOAL, LDA, e/ou na sua implementação no mercado.

50. Por outro lado, nenhuma prova foi produzida relativamente a alegadas transferências de encomendas «presentes e futuras» da B... para a C....

51. A sentença recorrida utiliza também como argumento o facto de a C... laborar num pavilhão industrial do pai do RÉU… questiona-se como é que daqui se pode retirar algum incumprimento dos deveres deste para com a Sociedade.

52. E quanto ao facto de as máquinas dadas à retoma pela B..., LDA à E... terem sido instaladas na sede da C..., importa não esquecer que não foi dado como provado que as mesmas, quando foram dadas à retoma, estavam em perfeito estado de utilização (como pretendeu a AUTORA fazer crer) (v. depoimento da testemunha FF, comercial de vendas da E..., que se encontra registado com recurso à aplicação H@bilus Media Studio, início às 15h38 e fim às 16h02, do dia 09/11/2023, minutos 10:05 a 10:29).

53. Não se estranha que aquele EE, conhecendo perfeitamente as máquinas que haviam sido dadas à retoma e sabendo com quem o negócio tinha sido feito, se tenha dirigido à E... no sentido de negociar as mesmas.

54. As cópias de segurança da base de dados que o RÉU habitualmente fazia só demonstram diligência por parte daquele, não se alcançado que relação é que tal facto tem com a C..., já que nem a própria sentença explica, limitando-se a invocar a alegada cópia sem explicar qual o alcance que para si isso tem.

55. Mesmo que se encontrasse bem julgado o facto de a esposa do RÉU (veja-se que nem é o próprio), alegadamente, ter sido vista a circular com um carro da propriedade da C..., daí poder-se-ia retirar fundamento para a sua exclusão de sócio?!

56. O facto de a sociedade apenas ter três assalariados deveria de ser analisado à luz dos documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao requerimento apresentado pelo RÉU nos autos a 27/06/2023, referência citius 14764597, onde aquele dá a conhecer à AUTORA as dificuldades vivenciadas na gestão da sociedade,

57. Apesar de todas aquelas dificuldades, com a persistência e trabalho exclusivos do RÉU, conseguiu o mesmo liquidar quase todas as dívidas, precisamente com o dinheiro que foi fazendo da atividade da B..., facturando cerca de € 10.000,00 (dez mil euros) por mês (depoimento do RÉU, minutos 01:55:36 a 01:55:52).

58. Perante a ausência total de ajuda por parte da AUTORA, e a litigância instalada entre os sócios da B..., seria irresponsável da parte do RÉU dotar a empresa de mais mão-de-obra, nunca tendo a AUTORA tido sequer a preocupação de agendar uma Assembleia Geral para se decidir dos destinos da Sociedade.

59. A factualidade provada, embora alguma mal julgada como já demonstrado, nunca teria gravidade suficiente para determinar a exclusão do RÉU da qualidade de sócio da sociedade, até porque foi a própria AUTORA que desistiu do pedido de destituição daquele da gerência, por entender, precisamente, que o mesmo desempenha um bom papel na gestão dos destinos da empresa (ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/05/2023, processo n.º 1197/22.4T8CBR.C1.S1).

60. É importante não perder de vista que não ficou provado (nem nenhuma prova foi produzida nesse sentido) que a C... faz uso das máquinas propriedade da B..., bem como da respectiva mercadoria, trabalhadores e inventário, para seu exclusivo benefício; que o RÉU faz uso dos veículos da propriedade da B... em benefício da C...; que o RÉU esvaziou os sistemas informáticos da B..., apagando-os e/ou que o objetivo do RÉU foi causar a insolvência da B..., como forma de vir a adquirir a maquinaria desta em leilão, a preço inferior ao pago, para reforço da capacidade produtiva da C....

61. Acresce que se ignora de todo os concretos prejuízos que alegadamente resultaram para a sociedade, na medida em que a sentença recorrida não os apurou, limitando-se a invocar genericamente a «redução da capacidade produtiva e de criação de lucros».

62. Concluindo, a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 496.º do CPC e 242.º, n.º1, do CSC. “.


*

A A. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.

Acabou por concluir do seguinte modo.

1.

O depoimento prestado por BB não é um ato proibido por lei, nos termos do disposto no artigo 496.º do Código de Processo Civil.

2.

Se das declarações de um representante de uma pessoa coletiva pode resultar uma confissão, exige-se que tenha poderes para vincular a entidade representada, o que liminarmente exclui a possibilidade de serem tomadas declarações de parte a um simples gerente de facto de uma sociedade.

3.

O sócio, por não ser representante legal da sociedade, não sofre do impedimento de depor como testemunha.

4.

A invocação dessa alegada irregularidade é intempestiva, não tendo sido deduzido o incidente de impugnação da testemunha no momento processual previsto no artigo 515.º, N.º 1, do CPC, fica precludida a possibilidade de ser suscitada, em sede de apelação da sentença, a questão da admissibilidade do depoimento em causa.

5.

Em matéria de distribuição de lucros, o réu/recorrente tinha um interesse pessoal em não distribuir lucros, razão pela qual propôs uma ata constando da referida proposta de ata que a distribuição dos lucros seria realizada “quando a empresa tiver disponibilidade financeira para o fazer”, não obstante o resultado líquido ser de €201.046,45 (duzentos e um mil, quarenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos).

6.

Foi o réu/recorrente quem decidiu adquirir a máquina WEKOB0326E- III, dando de retoma duas máquinas propriedade da B..., LDA., mas fê-lo com o interesse de desviar as máquinas dadas à retoma para uma sociedade paralela, em tudo igual à B..., LDA., A C..., UNIPESSOAL LDA.

7.

Não existe qualquer prova no sentido de que existiram negociações conducentes à liquidação da sociedade, sem nunca ter sido convocada uma assembleia geral para se deliberar tal proposta, nem a mesma ter sido incluída na ordem de trabalhos da assembleia geral datada de 31/01/2023.

8.

Os prejuízos relevantes a que alude o artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais são aqueles que se verificam em relação à própria sociedade de que o sócio excluendo faz parte.

9.

Os fundamentos mobilizados na douta sentença recorrida para concretizar a verificação dos prejuízos relevantes foram o desvio de clientela e encomendas, conjugada com a inexistência de capacidade produtiva fruto da atuação do recorrente.

10.

Resultou absolutamente provado por toda a prova produzida, designadamente a prova testemunhal, que o réu/recorrente ajudou de forma determinante a criar a C... UNIPESSOAL LDA. e que os clientes desta sociedade são os anteriores clientes da B... LDA.

11.

Resultaram absolutamente provadas as transferências de encomendas da B... para a C..., quer da análise do depoimento do próprio recorrente, quer do testemunha de GG.

12.

Uma declaração de desconhecimento sobre a realidade de factos pessoais equivale a confissão nos termos do art. 574º, nº 3, do CPC, tendo o réu confessado a anulação de encomendas.

13.

À já reduzida capacidade produtiva, atenta a existência de apenas três trabalhadores, e dois de baixa médica, junta-se a licença parental do recorrente, o que significa que não existe atualmente um único trabalhador a laborar na B....

14.

O motivo que presidiu à desistência do pedido de destituição de gerente foi o recebimento, por parte da autora/recorrida, de uma carta, enviada pelo réu/recorrente onde o mesmo afirma que será convocada uma assembleia geral extraordinária com vista à nomeação de nova gerência.

15.

A assembleia geral extraordinária para nomeação de nova gerência nunca foi convocada, o que em si é demonstrativo da impossibilidade de manutenção do réu no seio societário.

16.

O réu/recorrente tem vindo, na qualidade de gerente, a liquidar parte das dívidas da sociedade B... por receio que o gerente tem de vir a ser pessoalmente afetado por uma qualificação culposa da insolvência da B..., LDA.

17.

O documento de prestação de contas da C..., referente ao ano de 2022, demonstra que a sociedade C..., UNIPESSOAL LDA. teve nos últimos 4 meses do ano de 2022 faturação no valor de €172.182,48 (cento e setenta e dois mil, cento e oitenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos).

18.

A faturação da B... nesse período é muitíssimo inferior à da C..., o que é contrário a todos as regras da experiência.

19.

Encontra-se absolutamente provado o prejuízo que a conduta desleal do réu/recorrente causou à sociedade B..., LDA., tendo acabado com a sua capacidade produtiva em face do desvio de encomendas, clientes e trabalhadores, como também com a capacidade da mesma gerar qualquer tipo de lucro, o qual será invariavelmente canalizado para a C..., UNIPESSOAL LDA.

20.

Da análise da prestação de contas da C..., em conjugação com o mapa de vendas da B..., denota-se uma abrupta queda da faturação da B... a partir do mês de setembro de 2022, que coincide com a criação da C... UNIPESSOAL LDA.

21.

A C... faturou, desde a sua criação e no mesmo período, muito mais do que a B..., fazendo uso dos seus clientes, conforme assumido no depoimento de parte de EE, o que configura um prejuízo sofrido pela B..., porquanto tal desvio de clientela é unicamente da responsabilidade do recorrente.

22.

É evidente a existência de uma relação entre a C... e o recorrente, por toda a trama desvelada nos autos, agora confirmada com a venda da maioria do capital social desta sociedade ao seu pai, pelo valor de €7.500,00, e sua nomeação como gerente.

23.

Nenhuma das alterações da factualidade provada/não provada propostas pelo recorrente deve merecer acolhimento, por manifestamente infundadas.


***

*


II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:

A) Da nulidade do meio de prova produzido em audiência de julgamento, inquirição de BB como testemunha, sendo o mesmo gerente de facto da A..

B) Da modificação da decisão da matéria de facto:

a) Factos dados como provados 16, 17, 22, 23, 24, 25, 26, 31 e 33 e como não provados b), e d).

A alínea d) dos factos não provados (A autora apresentou ao réu uma proposta de liquidação e dissolução da sociedade)

b) Adicionamento de facto aos factos provados.

C) Da apreciação de direito – da existência de prejuízo relevante para a autora provocado por condutas do réu.


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*

OS FACTOS

A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.

A. - FACTOS PROVADOS

Encontra-se assente a seguinte factualidade, com relevância para a decisão a proferir:

1. A autora é uma sociedade que se dedica à atividade de compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, administração e gestão de imóveis por conta própria e por conta de outrem, gestão de imóveis próprios, arrendamento de imóveis, restauro de edifícios, exploração de estabelecimento hoteleiro, incluindo alojamento e hospedagem, com e sem restaurante, restauração, estabelecimento de bebidas, cafetaria, comércio de todo o tipo de bens móveis, comércio de viaturas, comércio de produtos alimentares, importação e exportação, prestação de serviços de logística, transporte de passageiros, aluguer de equipamentos, incluindo os de transporte, atividades marítimo-turísticas, e actividades de animação turística.

2. A B..., LDA. é uma sociedade que se dedica a atividades de mecânica, tornearia, serralharia e comércio, fabrico e reparação de peças metálicas e não metálicas, compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, administração e gestão de imóveis por conta própria e por conta de outrem, gestão de imóveis próprios, arrendamento de imóveis, restauro de edifícios, exploração de estabelecimento hoteleiro, incluindo alojamento e hospedagem, com e sem restaurante, restauração, estabelecimento de bebidas, cafetaria, comércio de todo o tipo de bens móveis, comércio de viaturas, comércio de produtos alimentares, importação e exportação, prestação de serviços de logística, transporte de passageiros, aluguer de equipamentos, incluindo os de transporte, atividades marítimo-turísticas, atividades de animação turística.

3. A sociedade B..., LDA. tem o capital social no valor de € 80.000,00, o qual se encontra distribuído da seguinte forma:

a. uma quota de valor nominal igual a € 40.000,00, pertencente ao réu, AA; e

b. uma quota de valor nominal igual a € 40.000,00, pertencente à autora;

4. O réu AA desempenha funções de gerência desde 11 de novembro de 2019.

5. Em 2020, a sociedade B..., LDA. candidatou-se ao +COS3SE EMPREGO, tendo-lhe sido concedido um apoio de cerca de € 118.814,49, a serem distribuídos durante 3 anos.

6. Para beneficiar daquele programa a empresa B..., LDA. tinha, designadamente, que criar de um posto de trabalho, para alguém que se encontrasse numa situação prolongada de desemprego.

7. Em 2021, o funcionário que tinha sido contratado despediu-se, sendo necessário empregar alguém rapidamente para não perder o incentivo recebido, tendo o réu admitido para tal posto de trabalho de Operador de CNC a respetiva esposa.

8. No exercício do ano de 2020, o gerente da sociedade B..., LDA. Propôs conforme vertido na Ata n.º 7, no segmento da distribuição de lucros, a seguinte redação:

a. «c) Distribuição de 50% dos resultados disponíveis, após cobertura de prejuízos e constituição de reserva legal no montante de € 19.009,50 (dezanove mil e nove euros e cinquenta cêntimos), na proporção das suas participações socias. A distribuição dos lucros aos sócios será feito quando a empresa tiver disponibilidade financeira para o fazer.»

9. No exercício do ano de 2021, o gerente da sociedade B..., LDA. propôs, conforme vertido na Ata n.º 9 no segmento da distribuição de lucros, a aplicação dos resultados num DLLR - Dedução por lucros Retidos e Reinvestidos -, no valor de € 90.000,00.

10. Nesse exercício o resultado líquido foi de € 201.046,45.

11. Da referida Ata n.º 9 consta que a distribuição dos lucros seria realizada «quando a empresa tiver disponibilidade financeira para o fazer».

12. A autora não assinou as referidas Atas.

13. A 30.03.2022, o réu elaborou também a Ata de Assembleia Geral n.º 8, com vista a aprovar a aquisição de uma máquina denominada WekoB0326E-III, dando de retoma duas máquinas propriedade da B..., LDA, nomeadamente a máquina Miyano (n.º série ...100...) e uma máquina de tornos (n.º série ...02), invocando elevado desgaste e avarias das mesmas, bem como a falta de características adequadas face às encomendas dos clientes, e que a nova máquina aumentaria a produtividade e conseguiria produzir peças com diâmetros e precisão maiores.

14. As partes iniciaram negociações, com vista a serem adquiridas pelo réu as participações sociais da autora, o que acabou por não se concretizar, por falta de aceitação das propostas por aquele apresentadas a esta.

15. Tais negociações envolveram troca de correspondência, designadamente documentação contabilística, entre a qual as folhas de vencimento e listagem de trabalhadores.

16. Nessa altura a autora teve conhecimento que a esposa do réu, HH, figurava na folha de ordenados da B..., LDA., no ano de 2021, como Operadora de CNC,

17. Sendo que a mesma nunca exerceu tais funções.

18. Da ata da Assembleia Geral, realizada no dia 31.01.2023 resulta o seguinte:

O réu «Deu as boas tardes aos presente e explicou o motivo da convocatória antes da data que tinha previsto, para dar a conhecer que a sociedade se encontra numa situação complicada do ponto de vista de funcionamento da empresa, como sócio gerente referiu que dia a dia não está a conseguir a dar volta à situação, ultimamente saíram alguns trabalhadores da empresa um deles era fundamente para o funcionamento da mesma, o trabalhador/colaborador EE.

Nos últimos meses a empresa sofreu quebra de fracturação acentuada, está numa situação económica financeira muito difícil. Foi dada a palavra ao Sr. BB assessorado pelo seu advogado, Dr. DD, que questionou ao presidente da mesa da assembleia se tem conhecimento do motivo pelo qual os trabalhadores na sua generalidade e em concreto o referido EE saiu da empresa.

O sócio AA, esclareceu que foram discutidas propostas mútuas e reciprocas de venda das quotas que de cada um dos sócios era titular da B..., no sentido de fazer cessar a pluralidade e que em Julho do ano 2022, os sócios da sociedade A..., fizeram a proposta de liquidação e dissolução da sociedade B..., a qual foi aceite pelo sócio AA.

Este na qualidade de gerente da sociedade teve uma conversa com os colaboradores em especial com o EE explicando e informando que mais mês menos mês a empresa poderia fechar. A alguns clientes também foi feita essa comunicação, e passado este período os trabalhadores, talvez por terem ficados descontentes começaram a sair, incluído o EE seu braço direito, que saiu por lhe ter sido comunicado pelo gerente que a sociedade iria fechar, referindo que o citado EE teve uma conversa com ele gerente e em virtude dessa comunicação iria sair.»

19. Inexiste qualquer deliberação da sociedade no sentido da dissolução e liquidação da B..., LDA..

20. Não obstante, em julho de 2022 o réu informou os seus colaboradores que a B..., LDA. iria ser dissolvida e liquidada.

21. Nessa sequência, em 30 agosto de 2022 foi constituída a sociedade C..., UNIPESSOAL LDA., tendo como sócio e gerente EE.

22. O réu aceitou colaborar com EE na criação da nova sociedade, até porque o segundo era quem sabia programar as máquinas e o primeiro era quem tinha os conhecimentos administrativos e comerciais.

23. O réu avisou, ainda, os clientes mais importantes que a B..., LDA. iria ser dissolvida e liquidada, razão pela qual não aceitariam mais encomendas, tendo recomendado a sociedade C..., UNIPESSOAL LDA..

24. No que respeita às encomendas em curso, o réu avisou os clientes que as mesmas deveriam ser anuladas e submetidas à da C... UNIPESSOAL LDA., o que sucedeu, designadamente com o cliente - D..., em 21.10.2022.

25. O réu acabou por ajudar EE, designadamente no contacto com os clientes, tendo em vista, após dissolução da empresa B..., LDA., passar a trabalhar com o referido EE.

26. Com tal atuação, o réu reduziu a capacidade produtiva e de criação de lucros da B..., LDA..

27. A sociedade C..., UNIPESSOAL LDA. tem o capital social de € 10.000,00 e o seguinte objeto social: atividades de mecânica, tornearia, serralharia e comércio, fabrico e reparação de peças metálicas e não metálicas. Compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; administração e gestão de imóveis por conta própria e por conta de outrem, gestão de imóveis próprios, arrendamento de imóveis; restauro de edifícios; exploração de estabelecimento hoteleiro, incluindo alojamento e hospedagem, com e sem restaurante; restauração, estabelecimento de bebidas, cafetaria; comércio de todo o tipo de bens móveis; comércio de viaturas, comércio de produtos alimentares; importação e exportação; prestação de serviços de logística, transporte de passageiros, aluguer de equipamentos, incluindo os de transporte, atividades marítimo turísticas, atividades de animação turística.

28. Na data referida em 21. EE ainda se encontrava ao serviço da B..., LDA..

29. A C..., UNIPESSOAL LDA. labora num pavilhão industrial com 1.200 m2, mediante um contrato de arrendamento comercial, que é propriedade do pai do réu, cuja que a renda mensal é de € 500,00.

30. As máquinas dadas à retoma, acima referidas, estão instaladas na sede da C..., UNIPESSOAL LDA..

31. Entre o final do terceiro e o início do quarto trimestre de 2022, o réu fez cópia do sistema informático da B..., LDA., tendo copiado na íntegra as bases de dados de todos os clientes para os novos discos.

32. A C..., UNIPESSOAL LDA. adquiriu um Ford ..., de matrícula ..-.. -GP.

33. Tal veículo já foi visto a circular pela mão da esposa do réu, que ainda é, na presente data, trabalhadora da B..., LDA..

34. A B... LDA. tem, neste momento, apenas três assalariados: o réu, a sua esposa e II, encontrando-se os dois últimos de baixa médica.


*

B.- FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa alegados pelas partes, que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes. Designadamente não se provou que:

a. De setembro de 2018 a maio de 2019, foi o réu quem pagou, das suas poupanças individuais, o ordenado de EE.

b. O réu expôs a situação referida em 6. e 7. a BB, que a aceitou.

c. As máquinas, referidas em 13., dadas à retoma, estavam em perfeito estado de utilização.

d. A autora apresentou ao réu uma proposta de liquidação e dissolução da sociedade.

e. A C..., UNIPESSOAL LDA. faz uso das máquinas propriedade da B..., LDA., bem como da respetiva mercadoria, trabalhadores e inventário, para seu exclusivo benefício.

f. O réu faz uso dos veículos propriedade da B..., LDA. em benefício da C..., UNIPESSOAL, LDA..

g. O réu esvaziou os sistemas informáticos da B..., LDA., apagando-os.

h. A C..., UNIPESSOAL, LDA. obteve resultados avultados.

i. O objetivo do réu foi causar a insolvência da B..., LDA., como forma de vir a adquirir a maquinaria desta em leilão, a preço inferior ao pago, para reforço da capacidade produtiva da C..., UNIPESSOAL LDA..“.


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DE DIREITO.

A)

Da nulidade do meio de prova produzido em audiência de julgamento, inquirição de BB como testemunha, sendo o mesmo gerente de facto da A..

Alega o apelante “que o representante de facto da sociedade, aquele que, efetivamente, pode ou não confessar os factos e obrigar a sociedade é o verdadeiro gerente de facto da mesma: BB “, pelo que “o Tribunal “a quo” nunca poderia considerar o depoimento prestado por BB, na qualidade de testemunha.

Conclui, “a audição daquele BB como testemunha um acto proibido por lei (artigo 496.º do Código de Processo Civil) e tendo o Tribunal se fundado no seu depoimento para fixar certos factos provados, a irregularidade cometida gera nulidade, porque influencia na decisão da causa, o que implica a declaração da nulidade daquele ato de audição, e, consequentemente, do julgamento e da sentença”.

A apelada, por sua vez, pugna pela improcedência, aduzindo em seu favor vária jurisprudência, no sentido de que um sócio pode depor como testemunha, ainda que seja gerente de facto da sociedade. Mais sustenta que a arguição deste vício (irregularidade-nulidade) é manifestamente intempestiva.

Vejamos.

O artigo 496º do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Impedimentos”, diz:

Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.

Por sua vez, dispõe o artigo 515.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe “incidente da impugnação”, o seguinte:

1 - A impugnação é deduzida quando terminar o interrogatório preliminar; se for de admitir, a testemunha é perguntada à matéria de facto e, se a não confessar, pode o impugnante comprová-la por documentos ou testemunhas que apresente nesse ato, não podendo produzir mais de três testemunhas.

2 - O tribunal decide imediatamente se a testemunha deve depor.

3 - Quando se procede ao registo ou gravação do depoimento, são objeto de registo, por igual modo, os fundamentos de impugnação, as respostas da testemunha e os depoimentos das que tiverem sido inquiridas sobre o incidente.

Como argumenta a apelada, e bem, a ocorrer uma irregularidade no depoimento da testemunha BB, deveria ter sido suscitado de imediato aquando da prática do acto de inquirição na audiência de julgamento.

A efetiva inquirição de testemunha inábil gera nulidade do ato, a subsumir ao regime geral das nulidades (Artigo 195º e ss.). Na caraterização feita pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 28.11.1995, Fernando Fabião, 84423, www.colectaneadejurisprudencia.com,

"É uma nulidade secundária, porque nulidades principais são apenas as quatro referidas no artigo 202º do C.P.Civil [atual Artigo 196º, sendo todas as outras nulidades secundárias e abrangidas pelo citado artigo 201 (atual Artigo 195 (...).

Como nulidade secundária, ela devia ter sido arguida pela parte logo quando foi cometida, dado que tanto o autor como o seu mandatário estavam presentes na audiência de discussão e julgamento em que a mesma foi cometida (art. 205º nº 1 do C.P.Civil [atual Artigo 199º, nº1]) e, por outro lado, certo é que a nulidade secundária não pode ser arguida pela parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à sua arguição (art. 203º nº 2 do C.P.Civil [atual Artigo 197º, nº 2]).

Ora, verifica-se que o réu não só deu causa à nulidade, concordando com a audição do A (...), como também a não arguiu no ato em que foi come- tida, pelo que tem de dar-se como sanada tal nulidade."

No caso da sanação da nulidade pela não arguição tempestiva, LEBRE DE FREITAS et al. ressalvam que "o tribunal, ao apreciar livremente a prova, não deve deixar de valorar, como facto acessório a considerar, a existência do fundamento de inabilidade." De facto, pese embora a sanação do vício, existe um interesse direto da testemunha que tem de ser sopesado na valoração do respetivo depoimento.

Existindo um dos indicados fundamentos para impugnação da testemunha, a respetiva impugnação deve ser deduzida quanto terminar o interroga- tório preliminar (cfr. Artigo 515º, nº1 do Código de Processo Civil, anterior Artigo 635º, nº1). Se não tiver sido suscitado o incidente nesse momento, não pode suscitar-se a questão da inabilidade da testemunha no recurso de apelação interposto da sentença final. “ “, LUÍS PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, 2016, pág 266 e 267

Em face destes considerandos, está o apelante inibido de poder arguir a irregularidade do depoimento da testemunha, pois que no momento próprio não suscitou o incidente de impugnação da testemunha. Deste modo, tal como defende Lebre de Freitas, haverá que ser apreciado o depoimento da testemunha de acordo com a regras do direito probatório, de acordo com o princípio da livre apreciação.

Pelo exposto, improcede a arguida irregularidade/nulidade do depoimento da testemunha BB.


***

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B)


Da modificação da decisão da matéria de facto:

São as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.

Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.

A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.

Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.

a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;

b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;

c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;

d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).

Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).

Ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente, quanto aos pontos de facto indicados, preenche os apontados requisitos.

O recorrente indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto.

De igual modo, indica, qual ou quais os meios de prova que sustentam a alteração peticionada dos factos – prova documental, testemunhal e por confissão.

Pelo exposto o recorrente, preenche os apontados requisitos, pelo que se impõe o seu conhecimento.

A primeira instância fundamentou a decisão do seguinte modo, quanto à factualidade aqui em questão, pois é este o objecto da presente instância de recurso:

Para a determinação da matéria de facto acima referida, a convicção do Tribunal, assentou na posição assumida pelas partes nos articulados, na prova documental junta aos autos, no depoimento de parte prestada por AA, materializado na ata de 21.09.2023, e na prova testemunhal produzida em audiência, analisadas conjugada e criticamente, à luz das regras de experiência, segundo juízos de normalidade e de acordo com as regras da repartição do ónus da prova aplicáveis ao caso.

Com efeito, a factualidade que consta dos pontos 1. a 15, 18., 19. a 32. e 34. dos factos provados, resultou, desde logo, da posição assumida pelas partes nos articulados, que a confirmaram, em conjugação com a análise da certidão e matrícula da autora [ponto 1.], da B..., LDA. [pontos 2. a 4.] e da C..., UNIPESSOAL, LDA. [ponto 27.], da documentação relativa à candidatura referida nos potos 5. a 7., junta como documento n.º 4 com a contestação, da ata n.º 7, junta com a petição como doc. n.º 5 [ponto 8.], da ata n.º 9, junta com a petição como doc. n.º 7 [pontos 9. a 12.], do balancete analítico e do relatório de gestão relativos ao exercício e 2021, juntos aos autos a 03.07.2023 [ponto 10.], da ata n.º 8, junta com a petição como doc. n.º 8 [ponto 13.], da ata de 31.02.2023, junta com a petição como doc. n.º 14 [pontos 18. e 26.], do contrato de arrendamento comercial junto com a petição como doc. n.º 11 [ponto 29.], e da correspondência postal e por email trocada entre as partes e entre estas e a contabilista certificada da B..., LDA., JJ [pontos 9., 10., 11. 12., 14., 15., 19., 20., 23. e 24.].

(…)

Cumpre realçar que a factualidade que consta os pontos. 7., 14., 15., 20. a 25., 28., 31. e 34. resulta de modo expresso, da análise da posição assumida pelo réu na sua própria contestação.

Por seu turno, a factualidade que consta dos pontos 16., 17. e 33. dos factos provados decorre da análise conjugada do depoimento prestado pelas testemunhas BB, sócio da autora, sendo quem, na prática, exerce as funções de gerente da mesma, e KK, atualmente militar, que trabalhou para a B..., LDA., de setembro de 2021 a agosto de 2022, que confirmaram nunca terem visto HH a exercer as funções de Operadora de CNC. Esta última testemunha disse, ainda, ter conhecimento da existência de um outro pavilhão, com máquinas a produzir, desconhecendo, porém, qual a relação desse armazém com a B..., LDA., sendo que o material seria levado desta para aquele. BB disse também ter chegado a ver o réu e a sua esposa a conduzir o veículo referido nos pontos 32. e 33..

(…)

A testemunha GG disse ter sido contratado pelo réu para trabalhar na B..., LDA., tendo acabado a trabalhar na C..., UNIPESSOAL, LDA. e, consequentemente, ter acompanhado aquilo que a autora designa como esquema, congeminado entre o réu e EE, para depauperar a B..., LDA. Em benefício da C..., UNIPESSOAL, LDA.. E, nessa senda, disse ter sido quem, a pedido do réu, comprou o disco para fazer uma cópia de todo o sistema informático e base de dados da B..., LDA., começou a diligenciar pela certificação da C..., UNIPESSOAL, LDA. e pela contratação dos serviços de água, luz e pintura do chão do pavilhão, e quem ajudou o réu a adquirir, a partir de Itália, o Ford ... referido nos factos provados. Não obstante termos ficado com a convicção de que havia um fundo de verdade no depoimento desta testemunha, a verdade é que a mesma se mostrou especialmente interessada na versão dos factos trazida aos autos pela autora, em prejuízo do réu, por quem manifestou, sem que para tal tivesse dado cabal explicação, uma forte animosidade – o que assolou, de forma substancial, a credibilidade do respetivo depoimento.

Por sua vez, a testemunha EE, legal representante da C..., UNIPESSOAL, LDA., disse ter constituído esta empresa na sequência da informação prestada pelo réu, em julho de 2022, de que iria liquidar e dissolver a B..., LDA., na qual trabalhou até ao início de outubro de 2022. Não obstante, questionado, não soube esclarecer qual o CAE e o objeto social da sua empresa e a razão pela qual não prestou contas de 2022. Confirmou ter adquirido à E..., as máquinas que eram da B..., LDA. e, bem assim, que o réu indicou a todos os clientes da B..., LDA. que deveriam dirigir as encomendas à C..., UNIPESSOAL, LDA., empresa que iria produzir o mesmo que aquela. Mais, disse que GG foi o seu primeiro funcionário, a desempenhar funções administrativas, que chegou a ir à B..., LDA., depois de ter cessado o contrato de trabalho, afinar máquinas, mas que o réu nunca o ajudou a si e à sua empresa [contrariamente ao que o próprio réu veio dizer aos autos].

E a testemunha HH, cônjuge do réu até janeiro de 2023, confirmou que o réu, em julho de 2022, informou os trabalhadores da B..., LDA. de que esta iria ser liquidada e dissolvida, pelo que deveriam começar a procurar alternativas, e, assim, os funcionários foram saindo. Disse, ainda. não ter exercido as funções de operadora de CNC, não ter formação na área de operado de máquinas, mas trabalhar na B..., LDA., «a tirar e por peças nas máquinas», juntamente com o réu e com II, sendo que aquela e este estão, neste momento, ausentes ao serviço, por baixa médica.

Estas duas últimas testemunhas demonstraram um depoimento parcial, porque relutante e especialmente comprometido com a versão dos factos trazida aos autos pelo réu – razão pela qual não foram igualmente merecedoras de credibilidade.

No que respeita aos factos não provados, descritos nas alíneas a. a i., cumpre dizer, para além de tudo o que supra ficou exposto, que o tribunal se fundamentou na ponderação de toda a prova produzida e, bem assim, na ausência de produção de prova documental e/ou testemunhal suficientemente consistente e segura para considerar como provada a sua realidade.

Do exposto decorre que, ainda que considerados de forma conjugada as declarações de parte, os depoimentos e a prova documental junta aos autos, a prova produzida, no seu confronto, não permitiu fundar um juízo probatório favorável para possibilitar dar como assente a matéria que acima se considerou como não provada.

Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação tem, efectivamente, poderes de reapreciação da matéria de facto, procedendo a julgamento sobre a factualidade, assim garantindo um verdadeiro duplo grau de jurisdição.

Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu n.º 1 que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade“, in Ac. Supremo Tribunal de Justiça, 62/09.5TBLGS.E1.S1, de 02.11.2017, relatado pelo Cons. TOMÉ GOMES, in dgsi.pt.

Quanto à ponderação dos meios probatórios produzido em audiência final, mormente a prova por confissão, declarações de parte ou a prova testemunhal, a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.

Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.

Passemos então à apreciação da pretensão do recorrente.

O objecto do recurso de facto é o seguinte.

Factos dados como provados pontos 16, 17, 22, 23, 24, 25, 26, 31 e 33 e não provados da alínea d).

Iremos seguir a ordem de impugnação dos vários pontos de facto tal qual vem indicado pelo recorrente.

a) A alínea d) dos factos não provados

Al. b) “A autora apresentou ao réu uma proposta de liquidação e dissolução da sociedade”.

Alega o apelante que em face da factualidade dada como provada em 14, 15 e 18, deveria tal facto ser dado como provado, pois que decorre dos citados pontos de facto ter a A. efectivamente apresentado proposta ao R..

Mais, pugna que a sua pretensão decorre da prova testemunhal, BB, conjugado com os citados pontos de facto e com a prova documental junta pela A., a 25.09.2023. Por fim, argumenta que deverá ser ponderado o depoimento de parte do R., AA, do qual resulta “a AUTORA apresentou ao RÉU uma proposta com esse objetivo, a qual foi aceite pelo RÉU.”.

Conclui do exposto que deve “dado como provado, que a AUTORA apresentou ao RÉU uma proposta de liquidação e dissolução da sociedade, a qual foi aceite pelo mesmo.

i) Quanto à impugnação do apelante, desde já há que afirmar que quando o apelante alega de que este Tribunal deve valorar o meio de prova documental, documento que foi junto pelo R., AA, individualmente, não tem sustentação. Pois, estamos perante meio de prova que não foi admitido e valorado pelo Tribunal a quo.

Efectivamente, o R. AA veio juntar ao processo a 25.09.2023, após a sessão de audiência de julgamento de 21.09.2023, um documento relativo a troca de e-mails entre advogados, que dizem respeito a negociações entre as partes.

Estamos perante requerimento da própria parte, e, portanto, sem a intervenção do mandatário do R.. A A. pronunciou-se pedindo a sua não junção aos autos e não valoração probatória e pediu a condenação do R. como litigante de má-fé.

Na sessão da audiência de julgamento de 09.11.2023, o Tribunal a quo ordenou a notificação das partes para se pronunciarem. O R., agora pela pena do seu Mandatário, veio pronunciar-se (cfr. requerimento de 10.11.2023).

Na última sessão de audiência de julgamento do dia 12.12.2023, não foi proferida decisão quanto ao requerimento do R. de junção do dito documento. Nenhuma das partes se insurgiu, até este momento, pela não prolação de decisão de admissão ou não admissão do documento.

Tal como se afirmou, a omissão da decisão de admissão, ou não, do meio de prova documental, constitui uma nulidade secundária, a qual deveria ter sido arguida na sessão de audiência de julgamento do dia 12.12.2023.

Pelo exposto, não pode o R. vir argumentar pela modificabilidade da decisão de facto com base num meio de prova que não foi admitido – conclusões 9ª, 10ª e 11ª.

ii) Deste modo, resta em sustentação do pretendido pelo apelante, a valoração do seu próprio depoimento de parte/declarações de parte.

É pacífico na jurisprudência, que o depoimento de parte, meio de prova, visa a confissão de factos que lhe são desfavoráveis e favoráveis à parte contrária, artigos 452.º e 455.º do Código de Processo Civil e 352.º e 356.º, n.º 2 do Código Civil.

Caso a mesma ocorra, deve ser reduzida a escrito, assentada – artigo 463.º do Código de Processo Civil. Decorre da acta de audiência de julgamento de 21.09.2023, ter-se procedido à assentada: ”Confirmou a matéria que consta dos arts. 28º, 29º, 30º, 31º, 33º, 34º, 35º, 41º, 47º quanto ao que consta vertido na ata nº 9, 48º, 50º, 57º, 60º, 61º,62º, 63º, 65º, 67º, 92º quanto à aquisição das máquinas pela C.... Lda, 117º quanto à aquisição pelo Sr. EE do veículo aí mencionado, 119º, 121º quanto ao que consta da ata aí referida.” Ora, da acta de sessão da audiência de julgamento em que ocorreu o depoimento de parte do R., não consta que tenha tal realidade sido confessada pelo R.. E nem o poderia, pois que se trata de facto que lhe é favorável.

As declarações no depoimento de parte que não configurem confissão, são valoradas livremente pelo tribunal – artigo 361.º do Código Civil. Para que a mesma tenha eficácia probatória é mister que o julgador confronte as declarações com todos os outros elementos de prova produzidos sobre a factualidade para que posa concluir por tal realidade ter ocorrido ou não. Assim, também quanto ao teor das declarações de parte prestadas pelo R..

iii) Mais sustenta o apelante/R. que tal realidade decorre do depoimento da testemunha BB.

Este é o cerne da alegação do recurso do apelante, para esta alínea dos factos não provados e bem como para os demais pontos de facto impugnados pelo apelante – a valoração ou não do depoimento de parte do R., AA, e do depoimento da testemunha BB.

Tendo presente o que supra ficou expresso quanto ao modo como os meios de prova devem ser ponderados e valorados, reafirmamos que não basta para dar como demonstrado uma realidade, que alguém, parte ou testemunha, no caso, para que o Tribunal a dê como efectivamente verificada.

Como primeira argumentação do apelante, afirma que da factualidade dada como provada em 14, 15 e 18, terá que se concluir que existiu a “proposta de liquidação e dissolução da sociedade”.

Ora, de tal factualidade em causa apenas se pode retirar que ocorreram negociações para aquisição das participações sociais (pontos 14 e 15), negociações que ocorreram no ano de 2022, antes do Verão.

Mais, alega que do ponto 18, teor da acta da sociedade de 31.01.2023, resulta uma declaração proferida pelo apelante. Este reproduzir de uma afirmação não significa que tal realidade se tenha verificado. De igual modo, como se sabe, o silencio não tem, por regra, valor declaratório – artigo 218.º do Código Civil.

Ora, do depoimento de parte de AA, resulta ter este afirmado que havia uma proposta da sr BB no sentido da liquidação e dissolução da sociedade. Como sustendo do por si afirmado refere que existiam “emails” trocados entre advogados. Ora, como se deixou decidido, tais documentos não estão juntos aos autos, e não foi proferida decisão a admitir, ou não, a sua junção aos autos. O depoimento de parte, na parte não confessória, de acordo com a regra probatória atrás afirmada, é livremente valorado – artigo 361.º do Código Civil.

Aqui chegados, o depoimento do R., AA, não é suficiente para que se declare tal realidade como verificada. Com efeito, todo o seu depoimento apresenta um discurso muito comprometido, revelando pouca espontaneidade. A versão factual relatada tem pouco consistência com a normalidade da vida, tanto mais, que estamos uma relação conflitual, o que exige um especial cuidado na apreciação e valoração das afirmações das partes.

Na parte que importa, para esta alínea dos factos não provados, o relato apresentado não apresenta tal consistência que permita dizer claramente que existiu uma proposta “formal” – foi esta a linha do interrogatório que se seguiu na audiência de julgamento – existiu. Nesta sede, tal como o Tribunal de primeira instância, não foram considerados os “emails” aludidos pela parte no seu depoimento.

O depoimento da testemunha BB, em contraste com o depoimento de parte do R. AA, revelou-se ser mais espontâneo e linear. Na realidade, ao longo do seu depoimento constata-se um certo desprendimento quanto ao afirmado, serem as respostas dadas de modo mais coerente e coerentes com o que consta dos demais meios de prova, designadamente, a prova documental.

Como é natural neste tipo de casos e noutros, em que existem duas “narrativas”, a decisão do Tribunal terá que ser aquela que tem sustentação nos meios de prova, os quais são validados de acordo com as regras da vida e da normalidade.

No caso em apreço, tal como decidiu a M.ma Juíza da primeira instância, a realidade que se entendeu que se verificou, foi aquela que nos é trazida pela A.. É na conjugação de todos os meios de prova, admitidos e produzidos em sede de audiência de julgamento, e que a Lei permite, chegou este Tribunal de recurso, que a valoração e decisão do Tribunal a quo é aquele que mais se aproxima da realidade que se verificou.

Aqui, teremos que afirmar e declarar, tal como a primeira instância, que a versão factual trazida e relatada pelo R., no seu depoimento de parte e nos articulados, não tem amparo na prova produzida nestes autos. Nem o depoimento da testemunha HH, ex-mulher do R., nem o depoimento de EE, foram de molde a determinar que tal versão é a verdadeira.

Por contrario, ou em contraste com a versão trazida pela A., através da testemunha BB, KK e GG, teremos que concluir por tal realidade fáctica é aquela que efectivamente de verificou. Os depoimentos de tais testemunhas demonstram claramente ter sido prestados com evidente coerência, clareza e lógica. Apresentam discurso espontâneo sem que ocorram quaisquer inconsistências ou contradições com outros meios de prova.

Ainda será de acrescentar, que do depoimento da testemunha, JJ, depoimento credível, pois que durante o depoimento demonstrou despendimento e espontaneidade no relato apresento, sendo que o mesmo foi coerente, escorreito e lógico. Esta testemunha a certo momento do seu depoimento vêm-nos trazer a notícia que entre o sr BB e o sr AA, R., decorreram negociações, sendo que daquelas que teve conhecimento nunca nenhuma delas chegou a bom porto, ie, ou se era para trocar as participações sociais, ou se para vender, ou se para liquidar.

Por fim, dos outros meios de prova documental e testemunhal, não há vestígios probatórios da existência da realidade factual trazida aos autos pelo R...

Deste modo ficou para o Tribunal a quo e este Tribunal de recurso verificado a realidade de que no Verão do ano de 2022 ocorreram vários contactos directos e indirectos entre a A., na pessoa do sr BB e o R.. Vários cenários estavam na mesa para resolver o diferendo, sendo que nenhum deles ficou definitivamente acertado entre eles.

Pelo exposto, improcede a pretensão do apelante.


*

b) Do facto não provado da alínea b) e 16 e 17 dos factos provados.

16. Nessa altura a autora teve conhecimento que a esposa do réu, HH, figurava na folha de ordenados da B..., LDA., no ano de 2021, como Operadora de CNC,

17. Sendo que a mesma nunca exerceu tais funções.

Al. b) b. O réu expôs a situação referida em 6. e 7. a BB, que a aceitou.

Face ao provado em 5, 6 e 7 e na sequência do depoimento de parte, AA, que inquina o teor do depoimento da testemunha BB, no sentido de ser do conhecimento deste da contratação da ex-mulher do R. (actual estado civil) em momento anterior.

Acaba por concluir por ser “dado como provado que a esposa do RÉU nunca exerceu funções de Operadora de CNC, mas exerceu outras funções na empresa.

A questão de facto que está em causa é determinar se a realidade dada como provada ocorreu efectivamente – verdade obtida por via processual e de acordo com a Lei – ie, se a ex-mulher do R. passou a trabalhar na sociedade exercendo efectivas funções e que tal ocorreu com total conhecimento dos sócios da A., B....

Ora, também aqui temos duas versões: a trazida pelo depoimento do R.; e a trazida pela testemunha BB.

Trazendo à colação as considerações supra expendidas, dando-as aqui por reproduzidas, a conclusão a que este Tribunal de recurso, não poderá deixa de ser aquela a que a primeira instância chegou.

Pugna o apelante que deverá ser dado como provado que a sua ex-mulher, HH, exerceu e exerce funções na B..., A., ainda que não sejam as funções pela quais foi contratada formalmente. Que tal resulta do depoimento de parte do R., seu ex-marido.

Contudo, quer do depoimento da testemunha BB, que afirma que nunca viu a dita HH a trabalhar na A.. Tal poderia ser verdade e ainda assim a pretensão do R. ser procedente, pois o que agora o R. pretende ver provado é que a sua ex-mulher fazia limpeza na A..

Ora, não será procedente tal pretensão. Na realidade, a testemunha GG, pessoa que trabalhou na A., B..., de KK, que também trabalhou na A., ambos relatam, com foros de verdade que a HH nunca lá trabalhou. Os seus depoimentos espontâneos, sinceros, coerentes e lógicos, foram valorados positivamente.

Ora, estas testemunhas devidamente conjugadas com o depoimento de BB, retira qualquer valor probatório ao afirmado pelo R. no seu depoimento de parte, em contraste com a testemunha BB, designadamente na parte do momento em que o mesmo teve conhecimento da contratação da ex-mulher do R..

Pelo exposto, improcede nesta parte a apelação.


*

iii) Dos factos provados 22, 23, 24 e 25.

22. O réu aceitou colaborar com EE na criação da nova sociedade, até porque o segundo era quem sabia programar as máquinas e o primeiro era quem tinha os conhecimentos administrativos e comerciais.

23. O réu avisou, ainda, os clientes mais importantes que a B..., LDA. iria ser dissolvida e liquidada, razão pela qual não aceitariam mais encomendas, tendo recomendado a sociedade C..., UNIPESSOAL LDA..

24. No que respeita às encomendas em curso, o réu avisou os clientes que as mesmas deveriam ser anuladas e submetidas à da C... UNIPESSOAL LDA., o que sucedeu, designadamente com o cliente - D..., em 21.10.2022.

25. O réu acabou por ajudar EE, designadamente no contacto com os clientes, tendo em vista, após dissolução da empresa B..., LDA., passar a trabalhar com o referido EE.

Argumenta o apelante a fundamentação dada à resposta positiva desta factualidade decorre de erradamente ser “da posição assumida pelo réu na sua própria contestação”. Que o sentido do alegado não pode ser aquele que foi tido pela decisão recorrida. Tanto mais, que o verdadeiro sentido pode ser “explicado” pelo teor do seu depoimento de parte.

Acaba por concluir por o ponto 23 ter a seguinte redacção:

O réu avisou, ainda, os clientes mais importantes que a B..., LDA. iria ser dissolvida e liquidada, razão pela qual não aceitariam mais encomendas, tendo informado, àqueles que o questionavam, que o seu ex-colaborador, pessoa em quem confiava (EE) e que era seu amigo, iria constituir uma empresa, que seria, certamente, uma óptima alternativa

Nesta parte da impugnação da decisão da matéria de facto, de acordo com a alegação e conclusões do apelante, está apenas em discussão a redacção do ponto 23. Quanto aos demais pontos de facto, 22, 24 e 25, o apelante não toma posição, se provados com distinta redacção, tal como pugna para o ponto de facto 23, ou se de os dar como não provados. Ao longo das alegações e das conclusões, não afirma o apelante qual seja o sentido que pugna para tal factualidade.

Assim, resta apreciar o constante do ponto 23.

Ora, do substrato probatório ao dispor da M.ma Juíza que presidiu à audiência de julgamento, tal como a este Tribunal de recurso, não se alcança como responder de modo distinto daquele que consta da sentença em crise.

Quer do depoimento de GG, quer de KK, face ao valor probatório que supra lhes atribuímos, podemos concluir com segurança que a realidade assim se passou. Já o relato trazido pelo R. AA, conjugado com o depoimento da testemunha EE, ficamos num “mar” de incertezas e nevoeiro – ou o R. não teve qualquer intervenção/ajuda/conselho na criação e início de funções da C..., versão da testemunha EE, ou se o R. AA o ajudou na indicação de clientes. Neste mar de nevoeiro temos o modo como o EE chegou ao arrendamento do armazém onde passou a funcionar a C..., que é do pai do R., mas que este nenhuma intervenção teve. Como compaginar estes relatos com a alegação do R. no seu articulado, mormente dos artigos 124 e seguintes da contestação[2].

Efectivamente, do depoimento de parte do R. AA, aparentemente resultaria factualidade distinta, ie, que não tinha intervindo de qualquer maneira na criação e início de funções da C... da testemunha EE. Então como compaginar o teor dos citados artigos … De igual modo a testemunha EE veio relatar que o R. não teve qualquer intervenção a criação da sua empresa. Mas logo após afirma que sabe que o R. a indicou a sua empresa como produtora de produtos semelhantes ao da B....

Tal como afirma a decisão em crise, a realidade factual retira-se do articulado do R., e afirmamos que decorre do testemunho das testemunhas GG e KK, que como atrás afirmamos, mereceu por parte deste Tribunal credibilidade suficiente para que a versão factual trazida por estas testemunha tivesse foros de verdade.

Deste modo, improcede a pretensão do recorrente.


*

iv) Do facto provado 26.

26. Com tal atuação, o réu reduziu a capacidade produtiva e de criação de lucros da B..., LDA..

Alega que o Tribunal a quo limitou-se a uma “formulação geral”, “sem densificar um prejuízo concreto e sem explicar como é que chega a essa conclusão“. A conclusão a que o Tribunal a quo chegou é contrariada pelos meios de prova produzidos, designadamente, prova documental junta pelo R. a 27.06.2023, no depoimento da testemunha BB.

A resposta do Tribunal a quo não merece censura.

Da conjugação do depoimento da testemunha JJ, da ainda contabilista da B..., A., e da prova documental junta aos autos, da outra factualidade dada como provada, designadamente, 23 a 25, a conclusão factual não poderia deixar de ser aquela que consta da redacção do ponto 26.

Pelo exposto, não tem razão o apelante.


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V) Do facto provado ponto 31.

Alega o apelante que tal realidade – cópia do sistema informático e bases de dados – não se pode considerar como provado por apenas resultar da sua contestação.

Resulta do alegado pelo R., ie, que era hábito proceder a cópias de segurança de tais elementos e que tal resulta do seu depoimento de parte.

Reafirmando que as declarações da parte no depoimento de parte, de factos favoráveis e na parte não confessória, são livremente valorados, sendo valorados após confrontação com mais elementos probatórios existentes anos autos.

Ora, decorre do depoimento da testemunha GG, precisamente a versão factual ora dada como provada e que é a oposta à trazida pelo depoimento de parte do R.. Como se afirmou, esta testemunha mereceu credibilidade, pelo que a sua versão se impõe àquela relatada pelo R. no seu depoimento de parte.

Soçobra assim a pretensão do apelante.


*

vi) Do facto provado ponto 33.

Alega o apelante que a factualidade referente à viatura, Ford ..., ser conduzido pela HH, ex-mulher do R. e trabalhadora da A., deverá ser dado com não provado, por resultar de prova nula – depoimento de BB.

Esta questão da nulidade do depoimento de BB como testemunha foi já decidido supra. Como aí foi decidido, foi julgada improcedente a arguida irregularidade/nulidade do depoimento da testemunha BB.

Caindo por terra o sustento da argumentação do apelante, improcederá a sua pretensão.

Ainda que assim não fosse, sempre tal realidade decorreria do depoimento das testemunhas GG e BB.

Improcede, pois, a pretensão do apelante.


*

vii) Do adicionamento de factualidade.

Argumenta o apelante que deverá ser adicionado aos factos provados sob ponto 35 o seguinte teor:

No âmbito da ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais nº. 788/23.0T8AVR, que correu termos pelo Juízo de Comércio de Aveiro – J3, a Autora desistiu do pedido de destituição do Réu de gerente.

A lei processual em vigor apenas permite que as partes aleguem factualidade nos articulados que têm ao dispor.

Tal como foi decidido no Ac Tribunal da Relação do Porto 18288/20.9T8PRT-A.P1, de 12.09.2022, relatado pela Des EUGÉNIA CUNHA, in dgsi.pt, “I - Sendo o momento normal de alegação dos factos o dos articulados, cabe aos Réus o ónus de expor, na contestação, as razões de facto por que se opõem à pretensão do Autor, alegando os factos essenciais em que se baseiam as exceções e tendo, por força do princípio da concentração da defesa, toda a defesa de ser apresentada em tal articulado (cfr.nº1, do art. 573º, do CPC); II - Contudo, podendo, qualquer das partes trazer ao processo factos (objetiva ou subjetivamente) supervenientes, nos termos e com as regras consagradas no art. 588º, a defesa superveniente surge como um desvio ao princípio da concentração da defesa na contestação, legalmente admissível e a atender (cfr. nº2, do art. 573º, ambos daquele diploma legal).”, ou Ac do Tribunal da Relação do Porto 17/11.0TVPRT-A.P1, de 12.06.2014, relatado pelo Des LEONEL SERÔDIO, in dgsi.pt, “Na actual lei adjectiva civil, apenas é admissível o articulado superveniente como meio de alegar factos essenciais, tanto mais que os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais podem ser sempre julgados provados desde que resultem da instrução da causa.", não se socorreu o R. do meio processual adequado para alegação de factualidade superveniente. À “boleia” de um requerimento probatório em que pede expressamente a junção de prova documental em momento posterior à prolação do despacho saneador, não pede nem alega tal factualidade, e muito menos pede que a dita factualidade seja considerada.

Pelo exposto, não se poderá considerar tal factualidade e, portanto, improcede a pretensão do apelante.


***

*

C)


Da apreciação de direito.

Alega o apelante “o que interessa é avaliar se os factos alegados e provados configuram comportamentos ou situações pessoais que impossibilitem ou dificultem a prossecução do fim social, que tornem inexigível para a Autora suportar a permanência do RÉU na sociedade, avaliação em que entram todas as circunstâncias concretas da sociedade e o próprio modo como o comportamento do Réu ocorreu”.

Conclui por “da factualidade assente não ficou provado que os factos/comportamentos do RÉU tenham causado ou possam vir a causar à Autora prejuízos relevantes, até porque a sociedade encontra-se a laborar e a facturar”.

Dispõe o artigo 242.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais o seguinte:

Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.

Nos presentes autos importa decidir se em face dos factos alegados e provados, e só estes podem ser valorados, estamos perante uma acção por parte do R. que permita concluir:

a) por a mesma ser desleal ou que perturbe gravemente o funcionamento da A. e

b) que cause ou possa causar prejuízos relevantes.

Sobre o âmbito da norma em apreço, podemos citar variada jurisprudência. Pela clareza do Ac que ao diante se vai citar, procedemos à sua transcrição, nos seguintes moldes:

É sabido que, para legitimar a exclusão judicial, sendo necessário que os comportamentos do sócio tenham causado ou sejam susceptíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade, não se exige um prejuízo efectivo, mas apenas a capacidade de provocar danos.

Decorre do predito artigo 242º/1 do Código das Sociedades Comerciais que a exclusão de sócio não depende do facto de a sua conduta ter já causado danos efectivos à sociedade, bastando a demonstração de que o comportamento do sócio que se pretende excluir é susceptível de causar prejuízos relevantes ao ente societário. Necessário é que o prejuízo seja relevante e que guarde nexo de causalidade com a conduta desleal ou gravemente perturbadora do funcionamento da sociedade.

(…)

A exclusão de sócio, decretada por via judicial, precedida de deliberação societária, que é a que o preceito prevê, depende de actuação do sócio que age de forma desleal ou adopta procedimentos que, perturbando gravemente o funcionamento da sociedade, tenham causado ou possam causar-lhe graves prejuízos.

De um lado, importa analisar o comportamento subjectivo do sócio nas suas relações com a sociedade e, por outro, do prisma da sociedade importa que essa actuação se revista de gravidade tal que perturbe o funcionamento ou lhe cause, ou possa causar, prejuízos sérios.

Tal como em relação aos gerentes, nas suas relações entre si e a sociedade, entre esta e os sócios, e entre ela e terceiros, a lei exige deveres de conduta – art. 64º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais – também em relação aos sócios, sob pena de exclusão, a lei societária impõe comportamentos que se pautem pela lealdade, por actuação em prol dos interesses sociais, sancionando a violação desses deveres, desde que tenham causado, ou possam causar, pela sua gravidade “prejuízos relevantes”.

Como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15.5.2005, Proc. 04A4369, in www.dgsi.pt: 

“O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, “enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos”. Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.

Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vide Luís Menezes Leitão, “Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss). O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.

Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico - cfr. Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, I, 1994, 149.”

(…)

No Estudo “A Exclusão de Sócios (Em Particular nas Sociedades por Quotas) ”, de Carolina Cunha, in “Problemas do Direito das Sociedades”, IDET, 2002, págs. 211-212, pode ler-se:

“O art. 242º, n.°1, recorre a uma formulação abrangente para recortar o universo de eventos susceptíveis de conduzir à exclusão do sócio, em vez de proceder a uma tipificação baseada em múltiplas hipóteses normativas, como acontecia no art. 186°, n.°1.

Mas, se procedermos à análise da cláusula geral contida na norma, lograremos isolar as características-chave dos factos potencialmente relevantes.

Em primeiro lugar, deverá tratar-se de um comportamento do sócio, não atribuindo a lei qualquer eficácia constitutiva a factos que o atinjam na sua situação.

Será, ainda, necessário que o comportamento adoptado pelo sócio apresente uma de duas características – que seja desleal ou que seja gravemente perturbador do funcionamento da sociedade.

Todavia, isto não basta para determinar a exclusão. É imprescindível que esse comportamento do sócio tenha causado ou possa vir a causar a sociedade prejuízos relevantes. Aqui reside, quanto a nós, o fulcro nevrálgico do instituto da exclusão de sócios na sociedade por quotas: a avaliação da prejudicialidade para o ente societário da superveniência de um facto relativo à pessoa do sócio.

Na dinâmica da cláusula geral do art. 242°, n.°1, os factos relevantes restringem-se a certas condutas dos sócios – condutas em si mesmas já passíveis de um juízo de desvalor, quer por violarem princípios de lealdade, quer por entravarem o funcionamento da sociedade. Mas somos de opinião que a nota essencial, aquela que, no seio do tipo sociedade por quotas, confere sentido à opção legislativa pela prevalência do interesse da sociedade e que alicerça a concomitante inexigibilidade da permanência do sócio, reside no prejuízo, actual ou potencial, que tais condutas provocam. Na ausência de prejuízo, o desvalor contido nos comportamentos dos sócios não bastará para fundar a respectiva exclusão.”

Numa sociedade comercial por quotas, as características pessoais dos sócios, a comunhão de objectivos, a fidelidade, a solidariedade e coesão entre os sócios e a sociedade, em vista da prossecução do objectivo social, affectio societatis, ou bona fides societatis, são valores cívicos e jurídicos que exprimem lealdade, assumindo primordial relevância.

Um sócio de uma sociedade age com lealdade quando não trai, quando não põe acima do interesse da sociedade o mero interesse egoísta, quando não lança mão de meios judiciais sem que lhes subjazam violações de direitos que lhe cumpra defender. A lealdade é um valor inerente à indispensável coesão da sociedade em ordem a prosseguir o seu fim lucrativo que redunda em benefício de todos.

A actuação desleal do sócio, se se repercutir na sociedade, denegrindo-a aos olhos daqueles com quem se relaciona, ou se o comportamento censurável do sócio é idóneo a causar prejuízos, ou a possibilidade de prejuízos relevantes, ainda que não imediatamente, e mesmo que esses prejuízos não sejam de cariz patrimonial, deve ser sancionada com a exclusão, nos termos do art. 242º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais.

(…)

Não exige o normativo uma relação de causa e efeito imediato. Como o desvalor da conduta do sócio pode não causar imediatamente danos relevantes à vida da sociedade, ante esse juízo de previsão, pode a assembleia geral da sociedade excluir o sócio incurso em comportamentos desleais e graves com repercussão na vida da sociedade.“, Ac Supremo Tribunal de Justiça 982/13.2TYVNG.P1.S1, de 20.03.2018, relatado pelo Cons FONSECA RAMOS, in dgsi.pt.

O citado Ac. vem reafirmar já uma jurisprudência bem assente no Supremo Tribunal de Justiça, como por exemplo, Ac 04A4369, de 15.02.2005, relatado pelo Cons ALVES VELHO, dsgi.pt, sumariado “2 - O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social. Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social. 3 - O sócio está obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade, entre os quais se apontam os de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico. 4 - Não basta, para haver exclusão, a prática de actos danosos, a «ilicitude objectiva da violação», exigindo-se ainda a previsibilidade de verificação de "prejuízos relevantes" ou a ocorrência de «prejuízos concretos na actividade social»

A sentença em crise fundamentou do seguinte modo:

Assim, a atuação o réu, acima descrita, na ausência de uma formal deliberação de dissolução e liquidação da sociedade B... LDA. - não obstante as divergências e negociações que mantinha com a autora - constitui um comportamento desleal para com a sociedade, pois que a informação fornecida aos trabalhadores e o investimento efetuado na ajuda à criação e implementação no mercado da sociedade C..., UNIPESSOAL LDA. configuram um ato de ajuda à concorrência, suscetível de causar à sociedade B..., LDA. Prejuízos relevantes, pois que contribuiu para a diminuição da sua capacidade produtiva e, consequentemente, para o incremento da atividade da C..., UNIPESSOAL LDA..

Com efeito, apesar de não ter resultado provado ter sido o réu o criador da sociedade concorrente com a B..., LDA., a C..., UNIPESSOAL LDA., ficou demonstrado que contribuiu para a sua criação e implementação no mercado, apesar de exercer uma atividade concorrente, transferindo para a nova sociedade as encomendas presentes e futuras e difundindo junto de clientes e fornecedores que a B..., LDA. iria ser dissolvida e liquidada e que poderiam continuar os negócios com a nova sociedade, constituída por um ex-trabalhador, com o qual pretendia, no futuro, passar a trabalhar.

Com tal atuação, o réu fez crer aos clientes e fornecedores da B..., LDA. Que esta deixaria de fornecer produtos até então por si comercializados, apesar de não ter sido formalmente deliberada a anunciada dissolução e liquidação da sociedade, assim prejudicando a imagem e, sobretudo, a capacidade produtiva e de criação de lucros da B..., LDA..

Em suma, a factualidade provada mostra que o sócio da B..., LDA., aqui réu, teve um comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade e, por isso, causou-lhe prejuízos relevantes, pois que prejudicou de modo relevante a sua capacidade produtiva e de criação de riqueza/lucros, termos em que, ao abrigo do n.º 1 do art. 241.º do CSC, deve ser excluído da qualidade de sócio.

De tudo o exposto decorre a total procedência da ação.

Desde já se afirma, que face à factualidade dada como provada, não há que discordar do decidido pela primeira instancia, devendo manter-se o decidido..

O apelante argumenta que mesmo sem que ocorra a alteração da matéria de facto, não se encontra verificado o requisito de actuação deliberada do R..

Sobre este aspecto recursório, não vemos como não se possa considerar o comportamento do R. – conclusão 44ª de “a informação que prestou aos colaboradores e alguns clientes no sentido de que a empresa iria ser liquidada e dissolvida, o que conduziu, aparentemente, à saída da empresa do trabalhador EE, que viria a constituir uma sociedade com o mesmo objeto social da AUTORA” – como algo que foi feito de modo consciente e deliberado. Não existe factualidade dada como provado que permita concluir por o R. haver agido convencido de que efectivamente a A. iria ser liquidada e dissolvida.

Deste modo cai por terra este argumento do apelante.

Por outra via, sustenta o apelante que no caso dos autos que “não ficou provado que os factos/comportamentos do RÉU tenham causado ou possam vir a causar à AUTORA prejuízos relevantes, até porque a sociedade encontra-se a laborar e a facturar”, concussão 47ª – sendo que não se encontra demonstrado ou apurado os prejuízos – conclusão 61ª.

Ora a factualidade e a letra da Lei aponta que a solução é diversa da pretendida pelo apelante.

Esta linha de argumentação, parte da premissa de que o comportamento do R., apelante, configura e preenche o requisito “comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade”, não preenchendo já o segundo requisito, de que tal comportamento não “lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”.

Como se trata de requisitos cumulativos, sempre tal acção/comportamento terá que preencher o segundo requisito – prejuízo relevante.

Dos factos provados, decorre que “Com tal atuação, o réu reduziu a capacidade produtiva e de criação de lucros da B..., LDA..” – ponto 26 dos factos provados –, pelo que se terá de concluir como verificado o requisito. Tal como se deixou afirmado, basta que se prove que a acção possa vir a causar prejuízos relevantes à A., ou que se verifique uma previsibilidade de tal ocorrência (prejuízos relevantes), como é o caso. É sintomático a actual situação da sociedade A., com apenas três assalariados, sendo que dois deles estão de baixa médica – ponto 34 dos factos provados. Ou nas palavras de Ac do Tribunal da Relação de Lisboa 7518/2008-1, de 10.02.2009, relatado pelo De RUI VOUGA, dsgi.pt, citando Ac do Supremo Tribunal de Justiça 081681, de 29.04.1992, relatado pelo Cons PIRES DE LIMA, dgsi.pt, “(…) não exige um prejuízo efectivo para a empresa, como resultado da actuação do sócio em falta, mas a efectiva capacidade de provocar danos.

Pelo exposto, improcede, nesta parte a apelação.

Mais alega que que o seu comportamento seja desleal e perturbador da vida da sociedade, pois que foram com o conhecimento e consentimento do outro sócio, “no contexto de um acordo feito pelas partes de dissolução e liquidação da sociedade” – conclusão 48ª.

Este argumento, não encontra amparo na factualidade dada como provada. Da factualidade dada como provada não se retira ou pode concluir por o comportamento do R. tenha sido do conhecimento do outro sócio, e que este sócio tenha consentido em tal comportamento. Sem que haja factualidade que permita lucubrar sobre esta alegação do apelante.

Deste modo, e por tudo o exposto, haverá que improceder na totalidade, a pretensão do apelante, mantendo-se o decidido pela primeira instância.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo R., apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 10 de Julho de 2024

Alberto Taveira

Fernando Vilares Ferreira

Anabela Dias da Silva


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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Artigo 127.º O RÉU aceitou ajudar o mesmo na fase inicial em tudo o que precisasse, nomeadamente no contacto com os clientes, mas sempre pela relação de amizade com o mesmo, na medida em que apenas após a dissolução da empresa B... poderia então trabalhar com o EE.
Artigo 132.º Muitos clientes questionaram o RÉU, porque confiavam no mesmo e no seu trabalho, se sugeria alguma empresa na mesma área com quem pudessem comercializar, tendo o RÉU informado aos clientes mais próximos que o seu ex-colaborador, pessoa em quem confiava (EE) e que era seu amigo, iria constituir uma empresa, que seria, certamente, uma óptima alternativa.