Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A4369
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CONTRATO DE SOCIEDADE
SOCIEDADE COMERCIAL
SÓCIO
SÓCIO GERENTE
EXCLUSÃO DE SÓCIO
Nº do Documento: SJ200502150043691
Data do Acordão: 02/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 663/04
Data: 05/18/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1 - A circunstância de o sócio ter sido gerente e de os factos que fundamentam a acção que visa a sua exclusão de sócio terem também ocorrido durante o período em que exerceu a gerência não exclui nem impede a aplicação da medida de exclusão, pois que a gerência e a qualidade de sócio têm as sua obrigações próprias e específicas e o cumprimento ou incumprimento das obrigações de gerente não dispensa o sócio, enquanto tal, da execução das obrigações próprias de sócio.
2 - O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social.
Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.
3 - O sócio está obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade, entre os quais se apontam os de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico.
4 - Não basta, para haver exclusão, a prática de actos danosos, a «ilicitude objectiva da violação», exigindo-se ainda a previsibilidade de verificação de "prejuízos relevantes" ou a ocorrência de «prejuízos concretos na actividade social»:
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. - "A" instaurou acção declarativa contra "B, Lda." e C, pedindo que se decrete a imediata exclusão deste Réu de sócio da Ré "B, Lda.".
Alegou, em síntese, que, como único gerente da Sociedade, desde 1999, o R. nunca mais convocou a Assembleia Geral, recusa a consulta da escrituração ao A., subtrai-lhe o controle dos valores dos pagamentos de clientes, fez uma acta de uma A.G. de 29/6/2000 que não se realizou, e, suspenso e substituído na gerência em 2 de Maio de 2001 (e entretanto já destituído), recusou-se a entregar ao gestor nomeado os documentos relativos à actividade da R. de 2001 e a prestar as contas relativas ao tempo em que esteve na gerência, comportamentos que são gravemente lesivos dos interesses da sociedade.

A acção foi contestada pelo Réu C e, após completa tramitação, foi julgada improcedente, decisão que a Relação confirmou.

O Autor pede agora revista, insistindo na pretensão de exclusão do Réu de sócio, ao abrigo das seguintes conclusões:

- A matéria de facto dada por provada preenche suficientemente os requisitos estabelecidos pelo art. 242º CSC para que o Tribunal decrete a exclusão do 2º R. de sócio da 1ª R. e a sua destituição de gerente, já ocorrida, não é impeditiva da pretendida exclusão;

- O acórdão recorrido violou também o disposto no n.º 4 do art. 646º CPC e o princípio da economia ao manter como pontos da matéria de facto as questões de direito, conclusões e meros juízos de valor e ao negar a existência da apontada contradição na matéria de facto.

Não foi apresentada resposta.

2. - Matéria de facto.

2. 1. - A Relação fixou nos seguintes termos a matéria de facto:

1 - A 1ª R. é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 24.939,89 (5.000.000$00), dividido em duas quotas (al. A) dos factos assentes);

2 - O A. possui, desde 16/8/94, uma quota no referido capital no valor nominal de 2.500.000$00, pertencendo a outra quota, de igual valor, ao sócio 2º R. (al. B));

3 - A gerência da sociedade foi exercida pelos dois sócios até 22/02/99, data em que se tornou efectiva a renúncia à gerência por parte do A. (al. C));

4 - Desde a renúncia do A. à gerência, esta ficou apenas a ser exercida pelo sócio C, 2º R., já que este nunca mais convocou a Assembleia Geral para designação de outro gerente, apesar de o contrato social exigir a intervenção de dois gerentes para obrigar a sociedade (D));

5 - O A. instaurou, em 11/5/2000, um processo de inquérito judicial à sociedade no decurso do qual o 2º R. convocou um reunião da A. G. da 1ª R. para o dia 29/6/2000, na sede social, para "Apreciação e votação do relatório e contas da gerência referentes aos anos de 1988 e 19992" (E));

6 - O 2º R. elaborou uma acta dessa Assembleia, a que chamou acta número doze, que juntou ao referido processo e inquérito judicial, e na qual fez constar que "o sócio Ex.mo Sr. C aprovou o resultado do exercício do ano de mil novecentos e noventa e oito, no valor de 425.203$00, positivo depois de impostos, e o resultado do exercício de mil novecentos e noventa e nove, no valor de 556.838$00, positivo depois de impostos" (F));

7 - No processo de inquérito referido em E) foi lavrada transacção, homologada por sentença, nos termos da qual o sócio gerente, 2º R., se comprometeu a entregar à empresa "D, Lda.", que ficou encarregada de elaborar as ditas peças e convocar a A. G para sua apreciação, os documentos em falta e necessários à sua realização, no prazo máximo de trinta dias (G));

8 - Pelo menos desde que o A. renunciou à gerência, o 2º R. passou a depositar numa conta particular dele cheques de clientes da 1ª R., que se destinavam ao pagamento de mercadorias adquiridas no seu estabelecimento (al. H));

9 - Pelo que ficou relatado, o A. intentou um procedimento cautelar para suspensão do 2º R. do cargo de gerente, a qual veio a ser decretada por decisão de 7/4/001, nomeando para o exercício essas funções o Dr. E (I));

10 - O A. intentou ainda uma acção para destituição definitiva de gerente do 2º R., destituição essa decidida por sentença de 30/11/001;

11 - A Ré sociedade não apresentou as declarações de rendimentos par efeito de IRC reportadas aos exercícios de 1997 e 1998 (resp. ao q.to 4º);

12 - O R. não prestava ao A. as informações que este lhe solicitava por escrito (7º) e não convocava a as reuniões da Assembleia Geral que lhe foram requeridas, salvo a referida em E) (8º);

13 - Os documentos referidos em E) (Apreciação e votação do Relatório Contas de Gerência referente aos anos de 1998, 1999 não existiam ou existem (10º);

14 - Na audiência de julgamento de 11/01/2001, no referido processo de inquérito, constatou-se que a acta referida em F) não correspondia à verdade e que nem sequer tinham sido elaborados os relatórios e contas de gerência relativos aos anos de 1997, 1998 e 1999 (11º);

15 - O R. não entregou à empresa referida em G) nenhum documento dos aí referidos, pelo que essa empresa não pôde desempenhar a tarefa que havia aceite (12º);

16 - Por isso, a 1ª R. continua em falta no que respeita à apresentação das declarações mod. 22 de IRC, desde o exercício de 1997, inclusive (13º));

17 - Em 2/5/2001, o gerente judicialmente nomeado não recebeu do 2º R. um computador, que pertencia à 1ª R., nem os inventários físicos das existências desde 1997 (15);

18 - Não são reais os valores de compras e vendas da 1ª R. fornecidos pelo 2ª R. à empresa que executa a contabilidade daquela (21º);

19 - O 2º R. não prestou contas dos dinheiros recebidos enquanto esteve na gerência da 1ª R. (22º);

20 - No dia 2/5/2001, em que o gerente judicialmente nomeado assumiu funções, só existia o apuro da caixa desse dia e uma verba de 400.000$00 na conta bancária da sociedade, estando por pagar os salários dos trabalhadores de Abril de 2001 (27º);

21 - O pai do A. emprestou à sociedade um milhão de escudos para que o gerente judicial conseguisse pagar os salários de Abril de 2001 e outros encargos imediatos (29º e 30º);

22 - A mãe do Autora, F, exerceu importantes funções na elaboração da contabilidade e expediente administrativo da sociedade R. até à efectivação da renúncia do A. à gerência (33º);

23 - F, funcionária da sociedade, sempre actuou, naquele contexto, como verdadeira representante do seu marido, G, pai do Autor, que originariamente detinha a qualidade de sócio - gerente (34º);

24 - "G" tentou tomar, depois da destituição o 2º R., decisões atinentes à gestão da sociedade, tal como já tomava antes da efectivação da renúncia à gerência do A. (35º);

25 - E isto, mesmo depois de ter cedido a quota ao filho, o A. (36º);

26 - O A. sempre reconheceu ao pai direitos e interesses na sociedade como se fosse ele o dono da quota que lhe pertence a ele, A. (37º);

27 - O 2º R. não desempenhava funções no âmbito dos expedientes administrativos e de contabilidade da R. sociedade, quase só desempenhando funções de execução técnica dos serviços prestados pela sociedade (38º e 41º);

28 - O R. é técnico de material eléctrico e tinha a seu cargo a coordenação e execução de todos os serviços técnicos desempenhados pela sociedade, factos do pleno conhecimento do A. (42, 46 e 47);

29 - A própria constituição da sociedade teve na sua origem o pressuposto de que os assuntos relativos à facturação, à contabilidade, bem como a todos os demais assuntos administrativos, seriam primordialmente da competência do Sr. G e da respectiva mulher, ao passo que os assuntos técnicos referentes à actividade social propriamente dita seriam da responsabilidade do 2º R. (51º);

30 - O 2º R. remetia o A., quando este o questionava sobre o destino de documentação e contabilidade da sociedade, para o contabilista, que fora desde sempre o depositário da maior parte da documentação da sociedade (53º);

31 - No que toca ao depósito dos cheques e outros dinheiros na conta particular do 2º R., um dos objectivos foi o de encontrar uma forma célere de evitar a paralisação financeira da sociedade, a que a renúncia à gerência por parte do A. conduziria (56º);

32- A quando da destituição do 2º R., os dois estabelecimentos e o armazém da sociedade encontravam-se abastecidos com a mercadoria necessária ao giro comercial habitual da sociedade, tendo sido avaliados a preços de venda, sem IVA, em mais de 30.000 contos, tendo o 2º R. mantido sempre bem abastecida a sociedade para giro comercial, enquanto assegurou sozinho a gerência efectiva (65º e 66º);

33 - O gerente nomeado judicialmente, já antes dessa nomeação judicial tinha sido testemunha arrolada pelo A. (68º);

34 - Da mesma forma, o Sr. E foi arrolado como testemunha do aqui A. no processo de inquérito judicial mencionado em E) (70º);

35 - O 2º R. desempenhou com dedicação e competência as funções técnicas e de superintendência técnica que no quadro da sociedade lhe foram primordialmente atribuídas e teve o objectivo de garantir a sobrevivência da sociedade (71º e 72º).

2. 2. - Uma vez que o Recorrente coloca questões relativas à matéria de facto, e porque a fixação desta precede o conhecimento das questões de mérito da causa, proceder-se-á, antes de mais, à apreciação daquelas.

2. 2. 1. - O Recorrente sustenta que as respostas aos quesitos 33º, 34º, 35, 36º, 37º, 41º, 51º, 65º, 66º, 71º e 72º - factos 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 32 e 34 supra - por conterem questões de direito, conclusões e meros juízos de valor devem ser eliminadas.

A Relação desatendeu a pretensão do Recorrente com o fundamento de que a matéria das respostas impugnadas é irrelevante quanto ao preenchimento dos pressupostos do objecto da causa - a exclusão de sócio, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, com prejuízos causados à mesma sociedade -, ora porque nem sequer se referem ao R. (quesitos 33º a 37º), ora porque não contêm matéria que se prenda com esses comportamentos (quesitos 38º, 41º e 51º) ou nada têm de conclusivo (65º e 66º), reportando-se os quesitos 71º e 72º ao modo e objectivo com que o Recorrido desempenhou funções técnicas.

Não se diverge desse entendimento, devendo mesmo acrescentar-se que, com a possível ressalva da matéria dos quesitos 66º e 72º, a demais não deveria sequer, por inútil, figurar na base instrutória - art. 511 n. 1 CPC.

De qualquer modo, não se deixa de apreciar a questão nos termos suscitados pelo Recorrente.

Os fundamentos de facto da decisão devem consistir em puros elementos de facto, nomeadamente as ocorrências da vida real, actos e factos do homem, quer do mundo exterior, quer do foro psíquico, e juízos respeitantes a certos conceitos de uso corrente, mas já não os que envolvem noções jurídicas ou que integrem, eles mesmos, a resolução da causa. Estes últimos, na verdade, não são factos para os fins previstos nos arts. 659 n. 2 e 3, 653 e 511 CPC.

Reconhecendo-se, embora, apresentar-se com cada vez menor nitidez a linha de delimitação entre matéria de facto e matéria de direito, mormente no que respeita à passagem de conceitos jurídicos para o âmbito da utilização frequente na linguagem comum e que, por isso, poderão integrar-se na matéria de facto, ao menos "quando não constituam o próprio objecto do quesito e as partes não disputem sobra eles" (Ac RE, de 21/2/91, in CJ XVI-1-304, citando ANSELMO DE CASTRO, "Lições...", III, 1966, 424), certo é que, com a Jurisprudência dominante, se entende que o questionário (base instrutória) não pode conter conclusões ou juízos de valor, dando lugar a respostas com «cargas valorativas» que compete ao julgador sentenciador extrair da factualidade provada (vd. Ac.s STJ, 29/10/96; RP, 20/9/90; RL, 9/12/93; e, A. VARELA, "Os Juízos de Valor....", in, respectivamente, CJ, IV-3º-84; XV-4º-211;XVIII-5º-149; e, XX-4º-11 e ss.).

Quando tal suceda - quando contenha matéria conclusiva -, vem-se entendendo que - por não conter matéria de facto -, o quesito se deve ter como abrangido na previsão do art. 646 n. 4 CPC.

Dispõe este preceito que se têm por não escritas as respostas sobre questões de direito, norma que está em correspondência e sanciona a violação do art. 511 n. 1.
Consequentemente, padecendo as respostas do vício que o Recorrente lhes imputa deve a respectiva matéria ter-se como não escrita.

Entende-se, porém, como vem decidido e face ao sentido fixado pela Relação, as respostas impugnadas, não contêm juízos valorativos, nem são conclusivas de forma a merecerem a sanção prevista no art. 646 n. 4.

Com efeito, não se mostra possível, como referido, estabelecer uma linha de separação de natureza fixa entre matéria de facto e matéria de direito, o que sempre dependerá quer da estrutura da norma aplicável, quer do objecto e termos da causa, em maior ou menor medida. Poderá mesmo dizer-se que "o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro".

Nesta linha de pensamento, poder-se-á dizer que se o apuramento dos elementos de facto se efectua à margem da aplicação directa da lei, tratando-se apenas de averiguar realidades cuja existência não depende da interpretação de qualquer norma jurídica, estaremos no campo da matéria de facto. Já será matéria de direito tudo quanto respeite ao recurso a uma disposição legal para encontrar o sentido com que devem valer as expressões utilizadas.

Serão, assim, factos ou a eles equiparados "os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido, que sejam de uso corrente na linguagem comum" e os juízos de facto ou os juízos sobre factos retirados do mundo exterior ao direito, ou seja, não incluídos nas normas jurídicas nem «radicados no próprio terreno do direito» (Ac. STJ, de 8/11/95, CJSTJ III-3º-294; cfr. tb. Ac. de 22/2/95, CJ/STJ III-1º-279 e A. VARELA, loc. cit., 11/13.).

As expressões que o Recorrente pretende ver banidas da matéria de facto, mormente com o sentido que lhe foi atribuído pelo Tribunal da Relação - ao qual cabe a fixação da matéria de facto (art. 729 n. 1 CPC) -, não integra mais que realidades do mundo exterior ao direito e nada tem que ver com conceitos normativos identificáveis com matéria de direito.

Consequentemente, quer face aos termos da causa e desenvolvimento do litígio, quer àqueles com que foram utilizadas e interpretadas nas instâncias, as expressões em questão, mau grado a aludida inocuidade, não têm de se considerar não escritas.

2. 2. 2. - Invoca ainda o Recorrente contradição entre as respostas aos quesitos 33º, 38º e 66º, embora sem disso retirar qualquer consequência ou formular pretensão.

Está-se, quanto a estes ponto, perante matéria subtraída ao conhecimento deste STJ, como Tribunal de revista.
Na verdade, cabe às instâncias apurar e fixar a factualidade relevante, sendo a intervenção deste Supremo Tribunal, além de excepcional e meramente residual, sempre destinada a averiguar da observância de regras de direito material, ou a mandar ampliar a decisão - arts. 722 n. 2 e 729 CPC.

É, de resto, jurisprudência uniforme e constante desde STJ só caber nos seus poderes de apreciação o uso feito pela Relação dos poderes concedidos pelo art. 712º CPC, designadamente saber se a modificação operada assentou em fundamento previsto na lei, por ser matéria de direito averiguar se houve violação da lei do processo, mas estar-lhe já vedado censurar o não uso desses mesmos poderes quando se entra no campo da apreciação dos meios de prova e fixação dos factos materiais da causa perante o qual se erguem os apertados limites constantes das ditas normas dos arts. 722 n. 2 e 729 n. 2 e 3 (cfr., v. g., ac. de 23/4/002, Proc. 997/02-1ª; 28/5/02, proc. 1605/02-6ª; 1/7/03, Procs. 1803/03-6ª e 1981/03-1ª ; 8/7/03, Proc. 1904/03-7ª; 18/9/03, Proc. 2227/03; 25/9/03, Proc. 2515/03-5ª).

Está, assim, este Tribunal vinculado à matéria de facto que vem fixada pela Relação.

Acresce que, recusado pela Relação, de modo fundamentado, o reconhecimento da contradição arguida, essa decisão, que cabe no âmbito de previsão dos n.ºs 1 e 4 do art. 712, é irrecorrível - art. 712 n. 6 CPC.

3. - Mérito da causa.

O Recorrente sustenta que os factos provados preenchem os requisitos exigidos para a exclusão do sócio Réu, não sendo impeditiva a já decretada destituição de gerente.

O fundamento legal para a exclusão em que se funda a pretensão do Autor encontra-se formulado no n.º 1 do art. 242º CSC nos seguintes termos: "pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos graves".

Antes de mais deve assentar-se em que, ao menos em nosso entender, o facto de o sócio ter sido gerente e de os factos que fundamentam a presente acção terem também ocorrido durante o período de exercício da gerência não exclui nem impede a aplicação da medida de exclusão, pois que a gerência e a qualidade de sócio têm as sua obrigações próprias e específicas e o cumprimento ou incumprimento das obrigações de gerente não dispensa o sócio, enquanto tal, da execução das obrigações próprias de sócio.

Importa, então, verificar se o R., enquanto sócio, incorreu nas infracções merecedoras da medida de exclusão.

O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, "enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos".

Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.

Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vd. LUÍS MENEZES LEITÃO, "Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais", A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss).

O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.
Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico (cfr. MENEZES CORDEIRO, "Direito das Obrigações", I, 1994, 149).

A violação desses deveres acessórios de conduta é, nas sociedades por quotas, o fundamento de exclusão acolhido pelo art. 242 n. 1 citado.
Por um lado, tem de demonstrar-se factos atinentes ao comportamento do sócio violadores do dever de lealdade ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade e factos respeitantes ao prejuízo causado, que tem de ser significativo.

Analisando os seus pressupostos, logo se vê que não basta, para haver exclusão, a prática de actos danosos, a «ilicitude objectiva da violação», exigindo-se ainda a previsibilidade de verificação de "prejuízos relevantes" ou a ocorrência de «prejuízos concretos na actividade social», como refere L. M. LEITÃO (cit., p. 91; cfr., ainda, BRITO CORREIA, "Direito Comercial - Sociedades Comerciais", pp. 464 e ss. e acs. STJ, de 5/6/97 e 3/10/02).

Ponderaram e concluíram as Instâncias, com base nos elementos de facto disponíveis, que o R. violou obrigações básicas de relacionamento da sociedade com a administração fiscal e de elaboração de relatórios e contas para apreciação na A.G., omissões que integram grave violação dos deveres de gerente, justificando a destituição desse cargo, mas que, com a prática de tais factos e omissões não ficou demonstrada a verificação de prejuízo grave para a Sociedade, pois que, nomeadamente, não se mostra que tivesse retirado dinheiro para seu proveito ou esvaziado a actividade social, antes tendo agido com o objectivo de garantir a sobrevivência da Sociedade.

O que está em causa é uma ilação extraída do conjunto dos factos provados, e neles contida, que integra um juízo de valor sobre matéria de facto.

Na verdade, não está em causa, em tal juízo, a aplicação ou interpretação de qualquer norma jurídica, sendo que não existe preceito que disponha sobre o conceito de "prejuízo grave" ou que forneça qualquer critério sobre o seu conteúdo qualitativo ou quantitativo.

Estamos, então, perante um juízo de valor cuja formulação pelo julgador se apoia nas "máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana".

Quando assim é, apoiando-se a emissão do juízo em simples critérios do bom pai de família, do homem comum e prudente, desligado do apelo à sensibilidade do julgador enquanto dotado de uma formação específica no campo jurídico, deve entender-se que tais juízos consubstanciam matéria de facto.

É o que acontece quando, como no caso, não está em causa "a ponderação de valores típicos da ordem jurídica", mas, antes, ilações tiradas do sector da actividade económica empresarial. Sobre estes, porque fundamentalmente ligados à matéria de facto, a última palavra deve, então, caber à 2ª Instância (A. VARELA, RLJ 122 - 220; ac. cit. de 3/10/02).

O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva por erro de interpretação ou de aplicação, não podendo ser objecto do mesmo a fixação do factos (arts. 721 n. 2 e 722 n. 2 CPC), ficando, por isso, vedado ao STJ, no âmbito de tal recurso, afastar ou censurar as ilações retiradas dos factos provados pela Relação quando, baseando-se nos referidos critérios desligados do campo do direito, estiverem logicamente fundamentadas, como se verifica no caso em apreciação, pois que não integram mais que matéria de facto (acs. de 18/1/01, 13/3/01 e 3/6/03, Rev. 3516/00-2ª sec., 278/01-1ª e 1244/03-1ª).

Tem de aceitar-se, assim, o juízo de ausência de "prejuízo grave" formulado pelas instâncias.

De notar que a existência de prejuízos e respectiva relevância se mostrava já deficientemente concretizada e alegada na petição inicial.

Consequentemente, julgam-se inverificados os pressupostos de exclusão do sócio Réu da Sociedade "B, Lda.".

4. - Decisão.

- Pelos expostos fundamentos, confirmando o acórdão impugnado, nega-se a revista e condena-se o Recorrente nas custas.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005
Alves Velho,
Moreira Camilo,
Lopes Pinto.