Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18288/20.9T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
ADMISSÃO
Nº do Documento: RP2022091218288/20.9T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo o momento normal de alegação dos factos o dos articulados, cabe aos Réus o ónus de expor, na contestação, as razões de facto por que se opõem à pretensão do Autor, alegando os factos essenciais em que se baseiam as exceções e tendo, por força do princípio da concentração da defesa, toda a defesa de ser apresentada em tal articulado (cfr.nº1, do art. 573º, do CPC);
II - Contudo, podendo, qualquer das partes trazer ao processo factos (objetiva ou subjetivamente) supervenientes, nos termos e com as regras consagradas no art. 588º, a defesa superveniente surge como um desvio ao princípio da concentração da defesa na contestação, legalmente admissível e a atender (cfr. nº2, do art. 573º, ambos daquele diploma legal).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 18288/20.9T8PRT-A.P1

Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto - Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões



Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: a Autora, D..., LDA
Recorridos: os Réus AA e outros

D..., LDA., Autora na ação declarativa de condenação, com processo comum, apresentou recurso de apelação do despacho que admitiu o articulado superveniente junto pelos RR., AA e BB, em 29/03/2022, despacho esse com o seguinte teor:
Do articulado superveniente dos réus deduzido sob a ref. 41784507, a que a autora respondeu, opondo-se à sua admissão, em resposta sob a ref. 41903437.
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Nesta acção, a autora, além do mais, pede que os réus sejam condenados a pagarem-lhe as rendas vencidas e vincendas “até ao integral cumprimento do contrato de arrendamento”, ou seja, como se o contrato tivesse sido cumprido até ao final contratado, 28 de Fevereiro de 2023 (art. 30 da sua petição inicial e al. b) dos pedidos que aí formulam).
Vieram agora os réus deduzir articulado superveniente, em 29.03.2022, com fundamento em terem tomado conhecimento superveniente de que, entretanto, as fracções em causa se mostram arrendadas a terceiros desde Julho de 2021 (a autora, posteriormente, juntou aos autos documento comprovativo desse contrato com terceiros).
Nos termos do disposto no art. 588 do Código de Processo Civil e para o que agora importa, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão, dizendo-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes, devendo o novo articulado em que se aleguem factos supervenientes ser oferecido na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento (como no presente caso, em que se não realizou, ainda, audiência prévia, sendo, portanto, tempestivo o requerimento dos réus).
Ora, os factos alegados pelos réus com o seu articulado superveniente, interessam ao presente processo, pois que, em caso de procedência da acção, poderá ser levado em consideração, eventualmente, que a autora apenas terá direito ao valor das rendas até ao momento em que arrendou as fracções a terceiros e não como se o contrato com as rés vigorasse até final do prazo contratualizado (sob pena de receber duas vezes os mesmos valores).
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Pelo exposto, tudo ponderado e ao abrigo das disposições legais acima referidas, julgo o incidente procedente, admitindo o articulado superveniente dos réus.
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Custas pela parte vencida a final”.
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Pretende a Autora que, na procedência do recurso, seja o despacho recorrido revogado e substituído por outro que determine a rejeição do articulado superveniente deduzido pelos 2.º e 3.º RR, AA e BB, em 29/03/2022, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
Ia O presente recurso é interposto do despacho datado de 28/04/2022, com a referência n.° 436055111, na parte em que determinou a admissão de um articulado superveniente apresentado pelos RR., AA e BB, em 29/03/2022, sob a ref.a 41784507.
2a Do despacho recorrido resulta que os factos alegados pelos RR. interessam ao presente processo, visto que poderão ter influência na decisão final que vier a ser proferida.
3a No entanto, não pode a Recorrente aceitar tal decisão de admissão do articulado superveniente, considerando que o douto Tribunal a quo incorreu em violação, por erro de interpretação e aplicação ao caso em concreto dos artigos 5.°, 588.° e 611.° todos do Código de Processo Civil. Senão vejamos,
4a A Recorrente intentou ação declarativa de condenação contra a Ia Ré, M... Unipessoal, Lda, na qualidade de arrendatária, e contra os 2.° e 3.° RR., AA e BB, na qualidade de fiadores, peticionando, entre outras, a cessação do contrato de arrendamento por denúncia injustificada por parte da Ia Ré M...,
5a Bem como que fossem os 2º e 3º RR. condenados, solidariamente, no pagamento à Recorrente das rendas vencidas e vincendas até ao integral cumprimento do contrato de arrendamento, acrescido de juros de mora.
6a Ora, a 28/02/2018 a Recorrente deu de arrendamento à Ia Ré, na qualidade de arrendatária, e aos 2º e 3º RR., na qualidade de fiadores, a fração autónoma designada pela letra "B" e melhor identificada em 6o da Petição Inicial, com a ref.a 37000784.
7a O contrato de arrendamento teve início a 01 de Março de 2018, tendo sido ajustado um prazo de duração de cinco anos, automaticamente renovável findo esse prazo, por iguais e sucessivos períodos de cinco anos, se nenhuma das partes se opusesse à sua renovação - tudo conforme Doe. 5 junto em sede de Petição Inicial, com a ref.a 37000784.
8a Foi convencionado entre as partes, veja-se na cláusula terceira do Doe. 5 junto com a PI, que durante os primeiros cinco anos de duração do contrato de arrendamento, nenhuma das partes o poderia denunciar de forma injustificada.
9a Este prazo de cinco anos ficou a dever-se ao facto de a Recorrente ter ficado encarregue de mobilar o locado, em função da atividade de alojamento local que a Ia R. pretendia desenvolver, dotando-o de todas as caraterísticas e ferramentas necessárias para o exercício de tal atividade, sendo certo que, considerando este grande investimento, apenas com a permanência da Ia R. no locado pelo período de cinco anos poderia o mesmo ser amortizado.
10a A 21 /10/2020 a 1a R. enviou carta à Recorrente na qual informou a sua intenção de proceder à entrega imediata do locado, propondo-se a entregá-lo livre de pessoas e bens na data que designou para o efeito, isto é, 26 de Outubro de 2020, pelas 14:00 horas (conforme Doe. 6 junto com a Petição Inicial, ref.a 37000784), o que efetivamente acabou por acontecer, já que nesse dia, 26/10/2020, a Ia Ré, de livre vontade, procedeu à entrega do imóvel.
1Ia Contudo, do contrato de arrendamento celebrado constava a tal cláusula terceira em que durante os primeiros cinco anos de duração do contrato nenhuma das partes o poderia denunciar de forma injustificada - que foi o que a Ia R. acabou por fazer, no dia 21/10/2020.
12a Tendo a Ia Ré comunicado à aqui Recorrente a intenção de entrega do locado (sendo o mesmo entregue no dia 26/10/2020) tal consubstancia denuncia do contrato de arrendamento outorgado, sem cumprimento do aviso prévio a que a Ia R. estava obrigada nos termos da lei, mas mesmo assim, ainda que a I.ª R. tivesse cumprido com o prazo de aviso prévio legalmente previsto, não poderia denunciar o contrato de arrendamento até à data do seu termo, ou seja, até 28 de Fevereiro de 2023, atento o clausulado.
13a Daí que, no entendimento da Recorrente, e face ao incumprimento, deveria a I.ª R. ser condenada no integral cumprimento do contrato de arrendamento, com o consequente pagamento das rendas vincendas até final do contrato (Outubro, Novembro e Dezembro de 2020; Janeiro a Dezembro de 2021; Janeiro a Dezembro de 2022; e Janeiro e Fevereiro de 2023).
14a Ora, após termo do prazo de apresentação dos articulados admissíveis por lei, vieram os 2o e 3o RR., a 29/03/2022, sob a ref.a 41784507, deduzir articulado superveniente, alegando, sumariamente, que só à data do articulado é que haviam tomado conhecimento que as frações objeto do contrato de arrendamento se encontravam arrendadas pela Recorrente a terceiros, pelo menos desde Julho de 2021, e que desse modo estaria a Recorrente a receber rendas desde Setembro de 2021, o que constituía um caso evidente e manifesto de enriquecimento sem causa.
15a A aqui Recorrente foi notificada, por despacho datado de 05/04/2022, ref.a 435322093, para se pronunciar nos termos do art. 588.°, n.° 4 do CPC, o que o fez pugnando pela não admissão do articulado apresentado, tendo a I.ª R., por requerimento datado de 13/04/2022, sob a ref.a 41937923, aproveitado para responder à resposta deduzida pela aqui Recorrente ao articulado superveniente, alegando que o mesmo deveria ser admitido.
16a Nesse seguimento, a Recorrente, por requerimento datado de 21/04/2022, ref.a 42005732, e ao abrigo do exercício do direito ao contraditório, apresentou a sua resposta ao requerimento da I.ª R, reiterando a posição de que o articulado superveniente deveria ser rejeitado, pese embora o douto Tribunal, por despacho com data de 28/04/2022, ref.a 436055111, julgou o incidente procedente, admitindo o articulado superveniente dos 2° e 3° RR..
17a Aqui chegados, e compulsados os autos, constata-se que não é feita prova da superveniência dos factos alegados pelos 2° e 3° RR., tal como é exigido pelo art. 588.°, n.°2, parte final, do CPC, pelo que, no entender da Recorrente, mal andou o Tribunal a quo ao admitir o articulado.
18aEntendem-se por supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos estipulados, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, sendo pacífico na jurisprudência que factos alegados como supervenientes são os factos essenciais ocorridos depois de todos os articulados em que faria sentido apresentá-los - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.° 5362/18.0T8CBR-B.C1, de 26-01-2021.
19a No caso em apreciação, considerando os documentos juntos pelos 2° e 3° RR. com o articulado superveniente, onde pretendem demonstrar que as frações em discussão se encontram arrendadas desde julho de 2021, demonstra-se tudo menos a superveniência desse conhecimento e dos factos lá alegados, pois que bastaria uma simples e rápida pesquisa na internet, no site da Airbnb, para se verificar que tais frações se encontram arrendadas.
20a Tais factos são, verdadeiramente (ao contrário do alegado pela I.ª R. no seu requerimento de 13/04/2022, sob a ref.a 41937923) notórios e de conhecimento geral, tanto que se encontra publicado em sítio da internet, de livre acesso a todos - e, portanto, não se compreende como é que só à data da apresentação do articulado é que o 2° e 3° RR. tiverem conhecimento de tal circunstância.
21a Mais, no referido requerimento de resposta apresentado pela I.ª R. de 13/04/2022, ref.a 41937923, a mesma alega que os factos trazidos ao processo pelos 2º e 3º RR. não são notórios, nem de conhecimento geral, uma vez que a doutrina tem classificado os factos notórios em duas espécies: "por um lado, os acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento, e, por outro, os factos que adquiriram o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum".
22a Agora veja-se, sabendo os 2º e 3º RR., bem como a I.ª R., que o imóvel em causa sempre se destinou a arrendamento, a partir do momento em que o imóvel é, de forma voluntária pela I.ª R., entregue à aqui Recorrente, tal como o foi a 26/10/2020, pode a Recorrente dar-lhe o uso que tiver por conveniente - pode fazer do locado o que entender, como seja dar de arrendamento a terceiras pessoas.
23a E assim, se é de conhecimento geral que as frações em causa se destinam, como sempre se destinaram, a arrendamento, claramente se demonstra que os "novos" factos alegados pelos RR. tratam-se de factos notórios e de conhecimento geral adquiridos "por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum".
24a Atendendo ao exposto, considera a Recorrente que os factos alegados pelos RR., segundo o direito substantivo aplicável, acabam por não ter influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida, não interessando à boa decisão da causa.
25a Isto porque, o que está em discussão no presente processo é apenas e só o cumprimento ou incumprimento do clausulado no contrato de arrendamento outorgado entre as partes, atendendo a que o referido contrato dispunha claramente que durante o período de cinco anos nenhuma das partes o poderia denunciar de forma injustificada - como acabou a I.ª R. por fazer.
26a Mas ainda assim, entende a Recorrente que o facto de as frações se encontrarem arrendadas a terceiros, não inviabiliza, nem pode inviabilizar a sua pretensão em ser indemnizada pelo incumprimento, por parte da I.ª R., do contrato de arrendamento celebrado.
27a Nos termos do artigo 5o, n° 1 do CPC, às partes impõe-se o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, sendo que para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
28a Considerando o art. 588.° do CPC, e ainda o que tem sido entendimento jurisprudencial, considera-se que ocorre a superveniência objetiva quando os factos têm lugar após o decurso do prazo para a apresentação dos articulados, ao passo que se verifica a superveniência subjetiva quando os factos ocorreram em momento anterior ao prazo para a apresentação dos articulados, mas a parte só deles teve conhecimento posteriormente, sendo que, neste caso, tem de ser efetuada a prova da superveniência - o que no caso não foi efetuado.
29a Mais, é também pacífico que a admissibilidade do articulado superveniente depende sempre da relevância ou irrelevância do facto respetivo quanto à pretensão deduzida (Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, p. 242), sendo que a utilidade desse articulado é ainda avaliada casuisticamente, à luz do pedido, causa de pedir e das exceções invocadas pelas partes, caso existam - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.° 543/18.0T8OLH-O.E1, de 11-11-2021)
30a Na pendência da causa é possível introduzir no processo matéria factual essencial nuclear e concernente à relação controvertida, que foi tudo que os 2º e 3º RR. não fizeram, pois que se verifica claramente que o articulado superveniente apresentado não tem o seu âmbito circunscrito à relação controvertida, não merecendo, por isso, acolhimento a teoria do Tribunal a quo de que os factos alegados pelos RR. interessam ao processo.
31a Para além de o articulado não se relacionar com o objeto dos autos, também não foi verdadeiramente deduzida nenhuma pretensão pelos 2º e 3º RR., já que não efetuaram nenhum pedido - ou melhor, estes últimos apenas requereram que fosse junto aos autos prova documental.
32a Assim, a par da factualidade alegada, e verificando-se a possibilidade de os 2º e 3º RR. tomarem conhecimento dos factos agora alegados em momento anterior, deverá seguir-se o entendimento partilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.° 5362/18.0T8CBR-B.Cl, de 26- 01-2021, em que "(...) a culpa a que alude o art. 58874 incide não só sobre a apresentação do articulado superveniente mas também sobre o conhecimento do facto. O sentido inovatório da alusão à culpa no art. 588º,4 é o de impor a rejeição do articulado superveniente quando a parte por negligência não tenha tomado conhecimento do facto no momento devido e o pretenda alegar em juízo".
33a Isto posto, fica demonstrada que os RR. não invocam qualquer factualidade fundamental e essencial para o objeto em discussão nos presentes autos, nem deduzem qualquer tipo de pretensão.
34a Logo, por não estar provada a superveniência dos factos alegados, bem como por não se entender serem esses factos relevantes para a boa decisão da causa, uma vez que nada concernem sobre o conteúdo do objeto em discussão, é entendimento do Recorrente que deveria ter sido determinada, pelo tribunal a quo, a rejeição do articulado superveniente deduzido pelos 2º e 3º RR, AA e BB, em 29/03/2022, sob a ref.a 41784507. que deveria o articulado superveniente ser rejeitado.
35a Ao ser admitido, como o foi, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de interpretação e aplicação ao caso em concreto dos artigos 5.°, 588.° e 611º, todos do Código de Processo Civil.
A Ré M..., Lda apresentou contra-alegações, pugnando por que o recurso seja julgado improcedente e seja mantido o despacho que admitiu o articulado superveniente apresentado pelos RR. AA e BB, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Veio a Autora interpor recurso do despacho datado de 28/04/2022, com a referência 436055116, proferido pelo Tribunal a quo na parte em que determinou a admissão de um articulado superveniente apresentado pelos RR. AA e BB, em 29/03/2022, com a referência 41784507.
II. Com fundamento na falta de prova da superveniência dos factos levados ao processo pelos Réus, bem como na inexistência de interesse de tais factos para a boa decisão da causa.
III. Através de articulado superveniente vieram os RR. AA e BB, dar conhecimento aos autos de que as frações, objeto do contrato de arrendamento em discussão nos autos (“B”, “C”, “D”, “E”, e “F”), foram arrendadas, pela Autora a terceiros, pelo menos, desde julho de 2021.
IV. Ora, considerando que, no caso em apreço o articulado de contestação foi apresentado pelos RR. AA e BB, em 21/04/2021;
V. Desde logo se verifica a superveniência de tais factos, de acordo com o estabelecido no artigo 588º, n.º 2 do CPC, não carecendo de qualquer prova, quanto à sua superveniência.
VI. Com efeito, a prova da superveniência dos factos apenas seria necessária caso o facto novo alegado pelos Réus tivesse ocorrido anteriormente ao termo do prazo para apresentação de contestação pelos Réus, o que não sucedeu.
VII. Por outro lado, também não colhe a tese da Recorrente de que estamos perante factos notórios e de conhecimento geral pelo facto de o arrendamento das frações dos autos se encontrar publicitado em sítio da internet.
VIII. É entendimento jurisprudencial de que um facto é notório quando o Juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações logísticas e cognitivas, nem a juízos presuntivos – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-06-2010, Processo n.º 1803/08.3TBVIS.C1.
IX. É também entendimento jurisprudencial que não basta qualquer conhecimento, é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado tal grau de difusão, que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza - vide Acórdão do Tribunal do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2013, Processo n.º 7053/10.1TBCS.L1-6.
X. No caso sub judice, se estivéssemos efetivamente em face de factos notórios e de conhecimento geral, o Tribunal teria, desde logo, deles obtido conhecimento, sem necessidade que deles lhe tivesse sido dado conhecimento pelos RR.
XI. Invoca, ainda a Recorrente que os factos constantes do requerimento superveniente- contrato de arrendamento em vigor desde julho de 2021 sobre as mesmas frações objeto do contrato de arrendamento dos autos - não têm qualquer interesse à boa decisão da causa.
XII. Ora, a Autora peticiona nos autos que os Réus sejam condenados solidariamente no integral cumprimento do contrato de arrendamento, ou seja, no pagamento das rendas vencidas e vincendas até final do contrato, designadamente das rendas compreendidas entre os meses de outubro de 2021 a fevereiro de 2023.
XIII. Pelo que, o arrendamento das frações em causa, em caso de procedência da ação, que não se admite, mas em mera analise se pondera, influi diretamente na boa decisão da causa, pois que a Autora, independentemente do contrato de arrendamento entre a Autora e a Ré M... ter cessado por resolução efectuada por aquela ou por acordo entre ambas (revogação real), o certo é que a exigência de pagamento de rendas relativas ao período de tempo em que a Autora tem o gozo do locado e recebe proveitos do arrendamento do mesmo constitui um caso evidente e manifesto de enriquecimento sem causa.
XIV. Pelo que, andou bem o Tribunal ao quo ao admitir o articulado superveniente apresentado pelos RR. AA e BB no seu despacho de 28-04-2022, com a referência 436055116, nenhuma censura lhe podendo ser feita.

Apresentaram, também, os Réus AA e BB contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e por que seja confirmado o Despacho recorrido, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
A. O presente recurso não tem qualquer fundamento válido pelo que deve improceder.
B. Com efeito, pretender que um contrato de arrendamento celebrado em 23 Julho de 2021 não é superveniente a um articulado apresentado em 21 de Abril de 2021, excede qualquer razoabilidade.
C. No presente processo discute-se se o contrato de arrendamento melhor identificado no mesmo terminou por resolução, cessação por acordo das partes (revogação real) ou denúncia injustificada.
D. Os Réus, para além de invocarem a excepção de litispendência por a Autora já ter instaurado acção com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, invocam também que o contrato terminou por acordo das partes (revogação real), em 26.10.2020, data em que o locado foi entregue pela Ré M... à Autora D..., que o aceitou, conforme “Auto de entrega de Imóvel” que se encontra junto aos autos.
E. Mais invocam os 2º e 3º Réus, ora Recorridos, a excepção perentória do enriquecimento sem causa da Autora, uma vez que esta pretende locupletar-se com as rendas referentes à totalidade do prazo estabelecido no contrato, isto é, até 28 de Fevereiro de 2023, quando desde 20 de Outubro de 2020 que tem o gozo e os proveitos do locado.
F. Já após a apresentação da sua contestação que ocorreu em 21.4.2021, os Recorridos tiveram conhecimento de que o prédio objecto dos autos tinha sido dado de arrendamento pela Autora D... e que esta recebia as correspondentes rendas pelo menos desde Julho de 2021.
G. O que motivou a apresentação do articulado superveniente cuja admissão deu origem ao presente recurso.
H. A Recorrente D... equivoca-se quando alega que o referido articulado superveniente não deve ser admitido por os Réus, ora Recorridos, não terem feito prova da superveniência dos factos alegados.
I. Com efeito, a prova da superveniência dos factos apenas seria necessária caso o novo facto alegado pelos Réus, ora Recorridos, fosse anterior à contestação por estes apresentada, como resulta claramente do disposto no nº 2 do artigo 588º do CPC.
J. Sucede que, o novo facto alegado, in casu o arrendamento do locado em causa nos presentes autos, ocorreu em Julho de 2021, isto é, posteriormente à apresentação da contestação pelos Réus, que, recorde-se, aconteceu em 21.4.2021.
K. Pelo que, é forçoso concluir que os factos alegados se inserem na primeira parte do nº 2 do artigo 588º (por se tratarem de “factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedente”) caso em que não é necessária a produção de prova quanto à superveniência (que, aliás, é notória e evidente);
L. Pretende a Recorrente, referindo-o aliás em 18º das suas conclusões, que “demonstra-se tudo menos a superveniência desse conhecimento e dos factos lá alegados, pois que bastaria uma simples e rápida pesquisa na internet, no site da Airbnb, para se verificar que tais fracções se encontram arrendadas”.
M. Por muito boa vontade que se tenha a tentar perceber a alegação da Recorrente, o certo é que o absurdo dos seus argumentos torna essa compreensão impossível, senão vejamos,
N. A Recorrente argumenta que os Recorridos e o Tribunal a quo poderiam ter consultado o site da Airbnb e verificado que as fracções se encontravam arrendadas na data da contestação dos Réus (21 de Abril de 2021), quando é a própria Recorrente que informa os Autos de que o novo contrato de arrendamento só foi celebrado em Julho de 2021, isto é, em data posterior e superveniente à da apresentação da contestação pelos Réus.
O. Além do mais, não só os Recorridos não são obrigados a consultar sites de alojamento local, como a Recorrente nem sequer demonstra desde quando é que as fracções se encontram publicitas no referido site;
P. Mas obviamente que só podem ter sido publicitadas pelo actual arrendatário em data posterior ao arrendamento e, como tal, posterior à contestação dos Recorridos e, consequentemente, superveniente à mesma.
Q. O articulado superveniente só poderá ser rejeitado se a factualidade em causa, tendo em conta o alegado pelas partes e as várias soluções plausíveis da questão de direito, não tiver qualquer interesse para a boa decisão da causa.
R. Ora, considerando que a Recorrente pretende que as Recorridas sejam condenadas a pagar-lhe rendas relativas ao período até 28 de Fevereiro de 2023, quando já está a receber rendas relativas às ditas fracções pelo menos desde Julho de 2021 (abstraindo agora do facto de nenhuma renda ser devida, por força da revogação real ocorrida),
S. E que os Réus invocaram o enriquecimento sem causa nos artigos 165º e seguintes da sua contestação,
T. Parece evidente que novo arrendamento do locado é um facto relevante tendo em conta as diversas soluções de direito possíveis.
U. Pelo que, o Despacho de 28.4.2022 não merece qualquer censura e deve ser mantido na integra.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da verificação de fundamento de rejeição do articulado superveniente oferecido pelos Réus (após contestação e antes da audiência prévia).
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância para a decisão, constam já do relatório que antecede, acrescentando-se, ainda, as seguintes vicissitudes processuais:
1. Os Réus AA e BB apresentaram contestação em 21/4/2021, onde se defendem invocando, designadamente, o abuso de direito e o enriquecimento sem causa da Autora;
2. Findos os articulados, o Tribunal a quo proferiu, em 10/3/2022, o seguinte despacho:
“Para além das excepções processuais invocadas pelos réus (nomeadamente listispendência/prejudicialidade) e independentemente delas, afigura-se ao tribunal que, eventualmente, poderá já conhecer dos pedidos formulados na acção em sede de despacho saneador.
Assim, por uma questão de lealdade e colaboração com as partes, ficam estas também desde já advertidas que, compulsados os autos, articulados das partes e documentos juntos, pondera o tribunal a eventualidade de estar já em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, concedendo-lhes o prazo de 15 dias para se pronunciarem sobre tal eventualidade, nomeadamente dizendo se se lhes afigura útil a marcação de uma tentativa de conciliação para colocarem termo por acordo quanto às questões que os dividem”;

3. Notificadas as partes de tal despacho, vieram os Réus AA e BB, em 29/3/2022, dizer:
“não se lhes afigura útil a marcação de tentativa de conciliação.
Ainda tendo em consideração o Douto Despacho de fls. e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 588º do Código de Processo Civil, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Os Réus, na sua contestação, invocaram o enriquecimento sem causa (cfr. artigos 165 a 170).
2. Ora, os Réus tiveram agora conhecimento de que as fracções objecto do contrato de arrendamento em causa nos presentes autos estão arrendadas pela Autora, a terceiros, pelo menos desde Julho de 2021.
3. Com efeito, as fracções terão sido arrendadas a CC e à sociedade P..., Lda, com NIPC ... e sede na Rua ..., ..., no Porto.
4. Aliás, as referidas fracções estão disponíveis para arrendamento no Airbnn e com comentários cuja data remonta a Setembro de 2021 (cfr. docs. 1 e 2 que se juntam e dão como reproduzidos para todos os efeitos legais).
5. Pelo que, a Autora não só tem o gozo do locado desde 26 de Outubro de 2020, como recebe rendas do mesmo pelo menos desde Setembro de 2021.
6. Assim se concretizando a alegação dos Réus de que, independentemente de o contrato de arrendamento entre a Autora e a Ré M... ter cessado por resolução efectuada por aquela ou por acordo entre ambas (revogação real), o certo é que a exigência de pagamento de rendas relativas ao período de tempo em que a Autora tem o gozo do locado e recebe proveitos do arrendamento do mesmo constitui um caso evidente e manifesto de enriquecimento sem causa”.
*

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Dos fundamentos de rejeição de articulado superveniente e da admissibilidade do articulado oferecido pelos Réus.
Insurge-se a Autora contra o despacho que admitiu o articulado superveniente apresentado pelos RR. AA e BB, em 29/03/2022, por entender ser o mesmo legalmente inadmissível dado verificar-se:
i) falta de prova da superveniência dos factos levados ao processo pelos Réus;
ii) falta de interesse dos novos factos para a decisão da causa.
Invoca erro na interpretação e aplicação ao caso dos artigos 5.°, 588.° e 611º, todos do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, manifestando os Réus o entendimento de assim não suceder dado, desde logo, terem os invocados factos ocorrido posteriormente ao prazo de apresentação da contestação e serem relevantes para a defesa apresentada, como decorre, já, da contestação, desde logo, face à alegada total disponibilidade, pela Autora, dos imóveis.
Conhecendo da admissibilidade do articulado superveniente oferecido pelos Réus, cumpre referir que, nos termos daquela disposição legal (art. 5º), que consagra, além do mais, o “Ónus de alegação das partes” - do Autor, em relação aos que densificam a causa de pedir, e do Réu, quanto aos que integram matéria de exceção, - cabe ter em conta que:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”(negrito e sublinhado nosso).
Tendo o Autor o ónus de alegar, na petição inicial, os factos essenciais que constituem a causa de pedir da ação, cabe ao Réu o ónus de expor, na contestação, as razões de facto por que se opõe à pretensão do Autor, alegando os factos essenciais em que se baseiam as exceções e tendo, por força do princípio da concentração da defesa, toda a defesa de ser apresentada em tal articulado (cfr. art. 573º, nº1), sendo que, nos termos do art. 588º, qualquer das partes pode trazer ao processo factos objetiva ou subjetivamente supervenientes que sejam essenciais.
A defesa superveniente constitui um desvio, consagrado no nº2, do art. 573º, ao princípio da concentração da defesa na contestação.
E a “incompletude no cumprimento desses ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos, seja através de um articulado de aperfeiçoamento (art. 590º, nº4), seja em face do que resulte da instrução (art. 5º, nº2, b))”[1] (sublinhado nosso).
O momento normal de alegação dos factos é o da apresentação dos articulados, sendo que “pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição. É, igualmente, possível que ocorram (ou cheguem ao conhecimento do Réu) factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito depois do oferecimento da contestação. Face ao prescrito no citado artigo 611º, nº1, impõe-se carrear para o processo tais factos, sendo essa a função dos articulados supervenientes, regulando a lei diversos momentos para a alegação dos factos supervenientes”[2].
O art. 588º, que regula os “Termos em que são admitidos” os articulados supervenientes consagra:
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;

b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º”.
Deste modo, apresentado o articulado o juiz profere despacho:
i) de rejeição, com um de dois fundamentos:
- apresentação fora de tempo, por culpa da parte;
- manifesta inviabilidade, ou seja, manifesta irrelevância para a decisão;
ou
ii) de admissão ordenando a notificação da parte contrária para responder, em 10 dias.
Assim, estando o articulado superveniente sujeito a despacho liminar, o juiz pode rejeitá-lo quando for extemporâneo por culpa da parte, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa (cfr. referido nº4). E, como afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “A introdução do conceito de culpa (devida … ao DL 329-A/95) conforma-se mal com o regime de preclusão do nosso direito processual civil. Não é, porém, de a entender como requisito positivo da rejeição do articulado, isto é, como facto cuja prova seja essencial para que ele seja rejeitado. O que o preceito significa, em harmonia com o regime geral do art. 140-1 (justo impedimento), é que o autor do articulado superveniente terá, no caso de exceder os prazos estabelecidos no art. 588-3, de alegar e provar (ainda que por admissão da parte contrária) que tal não lhe é imputável”[3].
No caso, vindo alegada ocorrência de factos a densificar e complementar invocada matéria de exceção, até já arguida na contestação, factos esses verificados depois do oferecimento deste articulado – factos objetivamente supervenientes –, não pode o articulado ser considerado extemporâneo, não podendo, também, ser entendido como “manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa, ao invés resultando, até, terem os mesmos ocorrido depois do último articulado dos Réus e poderem relevar para encontrar uma equilibrada solução da questão, com recurso a válvulas de segurança do sistema, como o abuso de direito, bem foi o articulado admitido.
Na situação em apreciação, são alegados factos novos, ocorridos depois do oferecimento da contestação, pelo que o articulado em causa não pode ser considerado extemporâneo, e os mesmos podem modificar ou extinguir o direito da Autora.
Destarte, nenhum dos dois fundamentos de rejeição consagrados pode ser considerado verificado, bem tendo o articulado superveniente sido admitido.
Nenhuma prova da superveniência tinha de ser oferecida e produzida, pois que, nos termos da parte final do nº2 tal só se justifica e mostra necessário em situação de alegada superveniência subjetiva (factos ocorridos anteriormente ao oferecimento da contestação de que os Réus apenas tiveram conhecimento em momento posterior a findar o prazo de apresentação de tal articulado) e, no caso, é alegada a ocorrência fáctica posterior ao termo do prazo da contestação (superveniência objetiva), não tendo, à data do despacho recorrido, sido realizada, ainda, audiência prévia.
Assim, tratando-se de factos, alegadamente, ocorridos depois do prazo da contestação e apresentando-se os Réus a requerer a consideração de novos factos essenciais à defesa por exceção, tendo-o feito antes da audiência prévia, bem foi o articulado superveniente admitido. Foi-o acertadamente dado ser tempestivo e os factos invocados poderem relevar para a boa decisão da causa, sendo que, o nº1, do artigo 611º, que consagra a “atendibilidade” dos factos modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente, “de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”, desvio consagrado ao princípio da concentração da defesa na contestação, o impõe. Com efeito, nas circunstâncias do caso, bem pode ser considerado “que a autora apenas terá direito ao valor das rendas até ao momento em que arrendou as fracções a terceiros e não como se o contrato com as rés vigorasse até final do prazo contratualizado”, recebendo, em flagrante abuso, de modo desequilibrado e desproporcional, “duas vezes os mesmos valores”.
Acresce, ainda, que, também factos complementares e concretizadores dos factos essenciais à apreciação de exceções, como o abuso de direito, podem ser invocados, como o foram.
Neste conspecto, improcedem as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida, como bem sustentam os recorridos.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, o despacho recorrido.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 12 de setembro de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Maria José Simões
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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág 31.
[2] Ibidem, pág. 695.
[3] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 616.