Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
62/09.5TBLGS.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO / INSPEÇÃO JUDICIAL – SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 1, 490.º, 493.º, 607.º, N.º 5, 662.º, N.º 1, 663.º, N.º 2, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 483.º.
Sumário :
I. No âmbito da reapreciação da decisão de facto, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

II. Os fatores de imediação colhidos pela 1.ª instância na produção da prova que sejam relevantes para a formação do juízo probatório devem ser objetivados na fundamentação da decisão de facto, de modo a serem suscetíves de discussão racional, para evitar os riscos da arbitrariedade.

III. Não cabe ao tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização deste critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (1.º A.) e BB e CC (2.ºs A.A.) intentaram, em 16/01/2009, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra DD e EE, alegando, em resumo, o seguinte:    

. Os A.A. são comproprietários do prédio urbano sito em …, freguesia de …, município de Lagos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2…3.º NIP (antigo artigo matricial nº 390º) e descrito na ficha n.º 01…6/08…2 da Conservatória do Registo Predial de Lagos, com o valor patrimonial de € 6733,38 e a área total de € 330,25 m2, conforme foi reconhecido por sentença de 15/10/2007, proferida no processo n.º 755/04.3TBLGS do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, já transitada em julgado;

. Na mesma sentença, foi ainda reconhecido que o referido prédio confronta a norte com Caminho, ao sul com Caminho, ao nascente com FF e a poente com Caminho;

. Os A.A. requereram à Câmara Municipal de … licença para vedar aquele prédio e nele instalarem uma rede ovina, o que lhes foi concedido em 28/05/2008;

. Para tanto, os A.A. contrataram uma empresa que procurou levar a efeito a obra autorizada, no dia 25-06-2008, mas que esbarrou com a oposição dos R.R. a impedirem os autores de vedar o seu prédio;

. Além disso, os R.R. são vistos no prédio dos A.A., aí tendo plantado diversas árvores de fruto, cultivando diversos produtos agrícolas e impedindo o acesso dos seus proprietários ao mesmo;

. Tal facto tem causado nos A.A. insónias, tristeza, nervosismo, depressão e insegurança, levando-os a tomar medicação para se acalmarem;

. Os R.R. impedem ainda os A.A. de promoverem a venda do imóvel, para a qual já tinham um comprador interessado pelo valor de € 95.000,00;

Concluíram os A.A. a pedir que:

a) - Seja declarado que a posse dos R.R. sobre o prédio urbano acima identificado, de que os A.A. são comproprietários, está em violação da sentença proferido no processo n.º 755/04.3TBLGS e é abusiva, insubsistente e de má-fé;

b) – Os R.R. sejam condenados a desocupar o referido prédio e a restituí-lo devoluto aos A.A.;

c) – Os R.R. sejam condenados a nunca mais perturbarem a composse dos A.A. relativa àquele prédio;

d) – Os R.R. sejam condenados a indemnizar os A.A. pelos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença, cujo valor, exclusivamente para efeitos de custas, se estima em € 20.000,00 – correspondendo ao seguinte:

1. À reconstrução do que os R.R. destruíram e vierem a destruir no prédio;

2. Ao que os A.A. gastaram na obtenção da licença camarária para construção da rede ovina;

3. Ao que gastaram quando pretenderam construir a rede e os R.R. impediram;

4. Aos danos emergentes do eventual prejuízo entre o preço de € 95.000,00, para venda do prédio que tinham assegurado, e o que vierem a obter logo que o possam vender após a desocupação dos réus, bem como pelos lucros cessantes;

5. Às despesas que fizeram e vierem a fazer com as demandas judiciais intentadas contra eles.

e) – Os R.R. sejam condenados a indemnizar os A.A. pelos danos não patrimoniais a serem fixados por equidade, e a apurar em eventual execução de sentença, após ser reposta a legalidade, e relativos aos sofrimentos que causaram e causam aos A.A., no valor de € 12.000,00;

f) – E sejam ainda os R.R. condenados a pagar aos A.A. juros de mora desde a citação, a calcular à taxa legal, sobre todas as importâncias que forem condenados a pagar.

2. Os R.R contestaram:

. A suscitar a exceção de caso julgado entre os pedidos formulados na presente ação e o já decidido no indicado processo n.º 755/04. 3TBLGS e a exceção de litispendência com as pretensões deduzidas no processo n.º 1445/08.3TBLGS, instaurado em 18/12/2008 e ainda pendente;

. A sustentar que:

- contrariamente ao que dizem os A.A., na sentença do processo n.º 755/04.3TBLGS não foram reconhecidas as áreas indicadas por estes na petição inicial, uma vez que, apesar deles ali o terem peticionado, a ação improcedeu nessa parte.

- como os A.A. pretendiam vedar parte do imóvel que não lhes pertencia, os R.R. limitaram-se a impedir este comportamento abusivo, em nada contendendo com o acesso daqueles ao imóvel que lhes pertence, de acordo com a delimitação de ambos os prédios, feita de harmonia com a informação cadastral e com marcos devidamente implantados no solo.

Concluíram os R.R., subsidiariamente à absolvição da instância com base nas exceções deduzidas, pela total improcedência da ação e pela condenação dos A.A. como litigantes de má-fé, em indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente ao reembolso das despesas efetuadas com os honorários do seu mandatário.

3. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador (fls. 380-388) a julgar improcedentes as exceções dilatórias deduzidas, procedendo-se, de seguida, à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

4. Realizadas uma perícia, inspeção ao local e a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 942-982, datada de 02/05/2016, a julgar a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição dos R.R. de todos os pedidos.

5. Inconformados com tal decisão, os A.A. recorreram para a Relação de Évora, mediante impugnação de facto e de direito, tendo os R.R., por via da ampliação do recurso, impugnado a decisão proferida no saneador sobre as exceções de caso julgado e de litispendência.  

      A apelação foi julgada parcialmente procedente, conforme o acórdão de fls. 1570-1617), datado de 23/02/2017, tendo-se alterado os pontos de facto 9 e 13 da sentença e condenado os R.R. a nunca mais perturbarem a composse dos A.A. relativa ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 01…6/08…2 da freguesia de …, e inscrito na matriz no art.º 2…3.º (artigo 3…0.º). Foi ainda julgada improcedente a impugnação dos R.R./Recorridos sobre a matéria das exceções de caso julgado e de litispendência.  

 6. Desta feita, vêm os R.R. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - São quatro as grandes razões do presente recurso e da discordância com a decisão recorrida:  

- A PRIMEIRA - o terreno reclamado pelos AA, é parte integrante do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 17.º secção AA da freguesia de …, concelho de Lagos, de que os   RR  são proprietários e legítimos possuidores há largas dezenas de anos, como antes o foram os seus antepassados;

- A SEGUNDA - o prédio dos AA tem a área total de 72,58 m2 (sendo 54,28 m2 de área coberta e 18,30m2 de área descoberta), realidade material esta que foi confirmada in loco na inspeção judicial, resulta dos documentos juntos aos autos, dos marcos existentes no local, em consonância com as plantas do Cadastro Geométrico, e tudo confirmado pela perícia realizada;

- A TERCEIRA - a decisão ora recorrida violada os princípios da livre apreciação da prova, da sua imediação, da liberdade de julgamento, da oralidade e da concentração conferidos à 1.ª instância

- A QUARTA - a não alteração da matéria de facto no ponto 13 e mantendo a condenação proferida em 1.ª instância tal como foi decidida, revogando-se, em consequência, a alínea C) da decisão ora recorrida.

PRIMEIRA RAZÃO

2.ª - A parcela de terreno reclamada pelos AA é parte integrante do prédio dos Réus. O prédio dos AA não tem nem logradouro, nem anexos, tendo uma área total de 72,58 m2

3.ª - Os RR são donos do prédio constante do número 8 da matéria provada

Encontra-se registada a aquisição, na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 001…7/07…6, da freguesia de …, de um prédio favor dos herdeiros de GG e HH em 07.08.1986 pela inscrição G-1, enquanto que a aquisição a favor dos RR se encontro registada pela inscrição G-2, de 09-06-1988, de um prédio misto, composto de prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 17 secção AA, concelho de …, freguesia de …, com área de 1160 m2, e prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…9.ç, com área coberta de 40 m2, que confronta ao Norte com caminho, ao Sul com herdeiros de II e JJ, ao Nascente com GG e herdeiros de II e ao Poente com KK.

4.ª - Este prédio, cuja propriedade, também, já foi reconhecida por sentença no processo n.º 755/04.3TBLGS, alínea E) da matéria assente ( fls 35),

E - “O direito de propriedade relativo ao prédio misto, sito em fronteira, freguesia de …, composto de cultura arvense, matos e casas térreas, 40 m2- 1160 m2 - Norte Caminho - Sul, Herdeiros de II e JJ – Nascente - GG e herdeiros de II - Poente - KK, inscrito nas matrizes prediais sob os artigos 17 da secção AA rústico e 389 urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o numero 127, mostra-se inscrito a favor dos RR inscrição G-2”

5.ª - Como se verifica da leitura do registo predial, a descrição do prédio dos RR data de 07-08-1986, encontrando-se registado a favor dos mesmos desde 09-06-1988. Os prédio dos AA está descrito com data de 08-04-2002 e inscrito a favor dos mesmo desde 08-04-2002 Assim, o prédio dos RR está descrito há mais anos que o prédio dos A.A. (16 anos antes que o dos AA), bem como a própria inscrição em seu favor é anterior ao dos AA (14 anos antes que o dos AA);

6.ª - Os RR gozam das presunções decorrem dos artigos 1254.º 1255.º, 1257.º, 1258.º e 1259.º todos do CC, bem como do artigo 7.º do Código do Registo Predial, decorrentes do titulo, do registo e da posse, presunções que não foram abaladas pelos AA

7.ª - O prédio dos AA não tem a realidade material que alegam. Não tem qualquer anexo ou logradouro (com o sentido de terreno), como resultou provado na ação 755/04.3TBLGS;

8.ª - O que a sentença no processo n.º 755/04.3TBLGS reconheceu – alínea a) - foi o direito de propriedade tal como se encontrava configurado na descrição predial à data, remetendo para a descrição do prédio 01…6/08…2 e art.º matricial 3…0.º, ou seja, prédio Urbano com casas térreas com 45,5m2. Rejeitando todos os elementos alegados referentes a terrenos, logradouros e anexos e que constavam do IMI al. b) do pedido da ação, e que, os AA, administrativamente, e à revelia da decisão, vieram a introduzir no prédio, a fim de, novamente, virem a reclamar o mesmo e repetir a causa. [fls 119 e 282,artigo matricial 390 a fls 297 e perfeitamente delimitado conforme planta cadastral -fls 363 fls 884, 585, 586, 587 dos autos];

9.ª - No processo n.º 755/04.3TBLGS os AA não lograram provar que tinham anexos e logradouro, sendo apenas reconhecido que o prédio era o constante da descrição predial (Casas Térreas com 45,5m2) naufragando toda a demais área.

10.ª - Resultou provado, nos presentes autos, que o prédio dos autores tem área total de 72,58 m2

11.ª - Antes da presente ação dar entrada, os RR intentaram contra os A.A. uma ação de reivindicação reclamando o seu direito de propriedade sobre este prédio (ver petição a fls 123 e segs) o que foi levado à matéria provada na sentença de primeira Instância sob o número 6 e que se encontra pendente.

    SEGUNDA RAZÃO

 12.ª - Da prova no seu conjunto, incluindo a perícia, concluiu-se que o prédio dos AA tem a área total de 72,58 m2.

 13.ª - Se verificarmos, a própria decisão recorrida reconhece que os AA na petição, ardilosamente, lançaram uma rasteira ao Tribunal, quando diz:

“Ora, analisando a petição inicial desta acção facilmente se descortina que os AA., partindo do pressuposto ainda que não explícito (mas anteriormente não provado) de que o seu prédio tinha os tais 330 m2, vieram invocar a superveniência de factos lesivos do seu direito de propriedade por banda dos RR.”

Pena que não tenha ido por aí, vendo a ficção criada pelos AA e a rasteira.

14.ª - Oficiosamente, o tribunal determinou a fls. 529, e fls 551, uma perícia com uma única pergunta a fazer aos peritos: “O prédio identificado em A) tem a área de 330,25m2?” A resposta foi negativa.

15.ª - Mas não foi apenas negativa, foi também uma resposta explicativa e restritiva. O perito, através de análise fundamentada, explicada e detalhada que juntou, concluiu que o prédio dos AA tem 72,58 m2;

16.ª - O quesito foi respondido e as respostas aos "quesitos" não têm de ser necessariamente afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas.

17.ª - Resulta da resposta do perito a fls 623 que:

“3. A parcela de terreno a medir encontram-se perfeitamente assinalada na planta cadastral secção AA, da freguesia de …, Concelho de Lagos, [planta 1]

4. Verifica-se que a parcela de terreno a medir encontra-se dentro do artigo rústico numero 17 desta secção, [planta 2], prédio rústico delimitado pela linha azul clara a tracejado, conforme resulta da sobreposição ao cadastro [planta 3] fls 627

5. A confrontar com a nascente do prédio 17 secção AA , encontra-se um edifício delimitado por dois marcos, um a norte e outro a sul, tendo a área coberta de 54,28 m2 e descoberta de 18.30 m2 a azul com área total de 72,58 m2. Pelo que pode verificar do processo o edifício está inscrito com o número matricial 2023.

6. A sua delimitação encontra-se definida na planta cadastral [planta 1], sendo assinalada no levantamento topográfico [planta 2] com uma linha azul escura.

9. Somando-se a parcela de terreno do artigo 17 secção AA (assinalada a verde - planta 4) ao edifício a que corresponde o artigo 2023, a área total será de 359,12 (278,03 + 8,51) + (54,28 +18,30) = 359,12 m2.”

18.ª - Quer no ponto 5 (edifício delimitado por dois marcos, um a norte e outro a sul, tendo a área coberta de 54,28 m2 e descoberta de 18.30 m2 a azul, com área total de 72,58 m2.), quer no 9 (Se se somar (...) ao edifício a que corresponde o artigo 2023, (...) + (54,28 + 18,30), o perito indica claramente a área do prédio dos AA, e no ponto 6 até refere que A sua delimitação encontra-se definida na planta cadastral;

19.ª - Com base nessa resposta, o Juiz da 1.ª instancia, e bem, deu por provado o ponto 9 da matéria assente.

20.ª - A resposta do perito encontra eco nos documentos juntos aos autos, designadamente da descrição predial do prédio dos AA à data da sentença do processo n.º 755/04.3TBLGS, sendo que, o prédio dos AA era constituído apenas por casas térreas com 45m2, sem terreno, sem anexos, sem logradouro e sem parte rústica. (cfr descrição predial de fls 119, 282 e artigo matricial 390 a fls 297, e planta cadastral de fls a fls 884, 585, 586, 587]

21.ª - Não houve excesso de resposta por parte do perito na resposta ao quesito. O tribunal tem o poder de analisar a prova pericial em conjugação com a demais prova, sem o fazer de modo restritivo, ao ponto de poder mesmo, de livre iniciativa determinar oficiosamente que sejam “prestados esclarecimentos, ou aditamentos ao relatório pericial produzido e que o perito ou peritos compareçam em audiência para prestar esclarecimentos (artigos 485.º e 486.º do CPC), o que demonstra que o legislador não pretende que o Juiz seja um mero recetor de um relatório cujas conclusões se lhe impõem e as quais deverá seguir.”

22.ª - A perícia foi realizada, como se constata, foi elaborada com todo o cuidado, com analise exaustiva dos elementos do processo e fora deles, com rigor e recurso as plantas oficiais do cadastro, deslocando-se o perito ao local para a sua realização bem como na inspecção ao local, e com nos marcos existentes.

23.ª - Conforme fundamentado pela 1.ª instância:

"Analisados todos estes meios probatórios, pese embora o legislador no artigo 389.g do Código Civil preceitue que a prova pericial fica sujeita a um princípio de livre valoração, no caso em apreço nenhuma prova foi produzida que ponha em crise as conclusões a que o Senhor Perito chegou no seu relatórío - adequadamente fundamentado - e a que se veio a dar relevância, constituindo um elemento central da motivação do tribunal na resposta data o tal materialidade e que foi inteiramente corroborado com a percepção dos factos que resultou do inspecção judicial.”

TERCEIRA  RAZÃO - Da violação do princípio da livre apreciação das provas

24.ª - Aqui chegados, se dirá que a prova pericial, no seu todo, mais extensa ou menos extensa, está sujeita ao princípio da livre apreciação das provas, conforme 389.º do CC e 607.º, n.º 5, do CPC, que é a pedra de toque da avaliação pelo tribunal da prova produzida.

25.ª - O que a decisão recorrida faz é retirar, vedar e censurar à 1.ª instância a valorarão que faz da prova, negando o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no art.º 607.º, n.º 5, do CPC: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

26.ª - No tocante ao valor da perícia, quer se trate da primeira perícia quer da segunda, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do Juiz (art.º 389.º do CC). O que o tribunal não pode fazer é contrariar o juízo pericial na base duma argumentação puramente técnico/jurídica;

27.ª - Ora, o juiz da 1.ª Instância analisou a prova pericial em conjunto com a demais prova, explicando-o detalhadamente a sua convicção e apreciação na sentença, na resposta ao quesito 9

"O facto provado n.º 9 baseou-se na conjugação da prova pré-constituída (prova documental e prova pericial) com a inspecção judicial” (...) “Efectuada a visita ao local, o Senhor Perito nomeado informou a fls. 572 e ss. que, tendo em conta a natureza da questão sobre a qual se impunha a emissão de juízo pericial, a competência caberia a um topógrafo, tendo sido nomeado para o efeito um técnico especializado, que realizou o relatório pericial de fls. 622-635 e prestou de forma pormenorizada esclarecimentos em audiência de julgamento, devidamente contraditados pelo tribunal e pelos ilustres mandatários das partes. Concretamente, em relação ao relatório pericial apresentado, importa destacar que o mesmo se apresenta mais amplo do que o estrito quesito que lhe foi colocado, efectuando um rigoroso levantamento topográfico da zona, quer do imóvel dos AA, quer dos RR, com recurso a todos os elementos do processo, plantas cadastrais e documentos respeitantes ao levantamento realizado para efeitos do Imposto Municipal sobre Imóveis - modelo 1. Esse relatório pericial, pelas conclusões assertivas e fundamentadas que evidencia, serviu para determinar, com rigor, a área total do referido prédio, que é de apenas de 72,58 m2 [correspondendo a 54,28 m2 de área coberta e 18,30 m2 de área descoberta]. (...) "Para além do enquadramento probatório fornecido pelo relatório pericial, importa destacar todos os elementos documentais que se acham juntos aos autos a fls. 151-159,174-182,184-286, 295-298, 301-303, 304-312, 361-362, 363, 908, 909, 910, 911, 912, 921-923, como sejam levantamentos topográficos, elementos cadastrais (informações e fotografias do cadastro), informações camarárias, fiscais e prediais, a que o tribunal atribuiu a devida relevância/'(...) Por outro lado, afigurou-se altamente esclarecedora - se não mesmo imprescindível - a inspecção judicial realizada, cujo objecto e valor probatório vêm fixados nos artigos 390.º e 391.º do Código Civil, que permitiu constatar a correcta composição e configuração dos prédios dos AA e dos RR, tendo por referência os marcos implantados nos terrenos que delimitam, o estado de uma edificação e respectivas divisões internas, situada no prédio dos AA, nomeadamente o seu estado de ruínas e ainda a utilização, em termos de aproveitamento agrícola, de ambos os terrenos.”

28.ª - No julgamento da matéria de facto e na sequência dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal de 1.ª Instância, aprecia livremente as provas, e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, art.º 607.º, n.º 5, do {novo) CPC (principio da livre apreciação da prova), em conformidade com as suas impressões recém colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência " que forem aplicáveis, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova de factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada (art. 607.º, n.º 2, 3 e 5, CPC).

29.ª - Relativamente à matéria de facto controvertida, o exame crítico e a motivação das provas compete ao Juiz que julga a matéria de facto e não ao que profere a sentença. (Até à reformo do CPC, estas fases encontravam-se separadas. Só com a reforma de 2013 é que a matéria de facto e a sentença estão juntas, e são efectuadas pelo mesmo Juiz);

30.ª - A decisão recorrida omite por completo a extensa e cuidada fundamentação da sentença e aturada analise dos documentos juntos aos autos, resposta com o exame crítico e a motivação das provas, preferindo excluir por completo a analise da prova documental junta, bem como da prova pericial, que não padece de qualquer vício, e que acabou por responder ao perguntado, quando o perito afirma que o prédio dos AA tem 72,58 m2, e com a com a configuração de fls 627.

31.ª - A sindicância da decisão recorrida não pode deixar de respeitar a liberdade crítica da primeira instância na apreciação dessas provas;

32.ª - Se pela fundamentação da decisão se conclui que a convicção do Juiz foi formada a partir dessa análise, está o tribunal de recurso impedido de a censurar, a menos que na formação de tal convicção ocorresse violação de normas legais sobre provas;

33.ª - Por isso o controle da 2a instância sobre a decisão da matéria de facto proferida na primeira instância não visa a formação de uma nova convicção sobre cada facto impugnado, mas sim a razoabilidade da fundamentação invocada para a formação daquela convicção, o que não aconteceu na decisão recorrida:

«A decisão recorrida é sempre o ponto de onde o tribunal de recurso tem de partir. E sendo um recurso da matéria de facto há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade ao julgador de 1.ª instância, que presumem o acerto do decidido. Em recurso compete apenas sindicá-lo naquilo que de modo mais flagrante se opuser à realidade.”

34.ª - Ora, a decisão recorrida ao criticar a livre apreciação do relatório pericial por parte da 1.ª Instância; ao substituir-se ao tribunal de 1.ª Instância na analise da prova, restringindo-a, sem análise de toda a prova no seu conjunto, ficando-se peia sentença, está a violar o princípio da livre apreciação da prova pela 1.ª instância.

35.ª - Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2.ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1.ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento (cfr. Ac. da R. de Coimbra de 12/09/2007 bem como Ac TRE de 16.09.2009, processo 35/03.1TBCCH.E1)

36.ª - Assim, não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do Juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1.ª instância na apreciação dessas provas;

37.ª - Por tudo isto deverá ser mantida a resposta ao ponto 9 dos factos provados, tal como consta da sentença da 1.ª instância;

QUARTA RAZÃO

38.ª - Por fim, não devem ser alterada a resposta 13 e 14 por duas razões;

39.ª - Os AA não têm qualquer terreno para vedar. O prédio dos AA apenas tem 72,58M2, com a delimitação constante do levantamento topográfico de fls. 631, que coincide com a planta cadastral de fls 363, 884, 585, 86587 dos autos]

40.ª - Pelo que deve ser revogada a decisão, na sua alínea C) em que condena os RR a não perturbarem a composse dos autores, uma vez que o terreno reclamado por eles, não é de sua propriedade, mas sim dos RR.

41.ª - Foram violados os artigos 1254.º, 1255.º, 1257.º, 1258.º, 1259.º do CC, artigo 7.º do C. do Registo Predial e 607.º do CPC.

Pedem os Recorrentes que se revogue o acórdão recorrido e que se mantenham as respostas constantes dos pontos 9, 13 e 14 tal como foram dadas pela 1.ª instância, mantendo-se também o aí decidido.

    7. Os Recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado e rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - Os Recorridos, apesar da dificuldade que têm em compreender o sentido e alcance das alegações e das conclusões dos RR., ora Recorrentes, no essencial, dão aqui por reproduzido, o que consta do que alegaram em recurso para o Tribunal da Relação de Évora, especialmente a parte pertinente e acolhida das conclusões da sua alegação, escusando-se de repetir argumentos e conclusões.

2.ª - Por outro lado, os AA acolhem com apreço o trabalho minucioso na análise de todos os aspetos do processo em apreço, procedendo a rigorosa análise crítica do que estava verdadeira e essencialmente em causa no mesmo, tanto do ponto de vista da análise e apreciação de todas as provas, desde a minuciosa análise dos documentos relevantes existentes nos autos, o labor sobre o relatório pericial, as declarações do perito e a inspeção judicial ao local, demonstrando as incoerências, incongruências e incompatibilidades entre elas existentes, sem esquecer a análise e apreciação da prova testemunhal adquirida, instruída e tratada para bem fundamentar a decisão em todos os seus aspectos factuais, de direito substantivo e processual,

3.ª - Por outro lado, no que alcançamos das alegações e conclusões da revista apresentado pelos RR, ora recorrentes, não nos parece que o mesmo preencha os pressupostos de interposição, de apreciação e julgamento deste tipo de Recurso processualmente previsto e cujos fundamentos, no que aqui. se trata, são regulados, no essencial, em conformidade com o disposto no arte 674.º, do CPC.

4.ª – Trata-se um recurso, essencialmente, destinado a colocar em crise, a prova adquirida no processo, nos termos em que o Tribunal da Relação de Évora a acolheu e estabilizou processualmente.

5.ª Não encontramos razões de direito substantivo, processual e de direito especial probatório que tenham sido explicitadas, esclarecidas e fundamentadas, de modo a colocar em crise o acórdão recorrido.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Tendo a presente ação sido interposta em 2009 e as decisões impugnadas proferidas em 02/05/2016 (1.ª instância) e 23/02/2017 (Relação), aplica-se o atual regime recursal, por força do disposto no art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

Das conclusões recursórias, em função das quais se delimita o âmbito do recurso, resulta que o objeto da revista contempla as seguintes questões:

   i) – Saber se a apreciação feita pelo Tribunal da Relação dos pontos 9, 13 e 14 da factualidade dada como provada na sentença, em resposta, respetivamente, à matéria vertida sob os artigos 1.º, 5.º e 6.º da base instrutória, violou o princípio da livre apreciação das provas seguido pela 1.ª instância;

ii) – Se, ocorrendo a alegada violação, devem ser mantidas as respostas dadas pela 1.ª instância aos artigos 1.º e 5.º da base instrutória, tal como constam dos pontos 9 e 13 da factualidade provada na sentença, em vez da alteração introduzida pela Relação;

iii) – Se, mantidos aqueles pontos de facto fixados pela 1.ª instância, deve ser revogado o acórdão recorrido e reposta a decisão daquela instância.    


III - Fundamentação


1. Factualidade provada 


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. Os aqui A.A. BB e AA instauraram contra os aqui réus DD e EE, no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos a ação sumária n.º 755/04.3TBLGS, na qual pediram a condenação destes últimos:

a) – a reconhecerem os ali autores como comproprietários e compossuidores do prédio sito em …, inscrito na matriz predial da freguesia de … no artigo 390.º e registado na ficha n.º 01…6/08…2, relativa à mesma freguesia, na Conservatória do Registo Predial de Lagos;

  b) - A reconhecerem que o prédio dos ali autores confronta a Norte com caminho, a Sul com caminho, a Nascente com herdeira de GG e a Poente com caminho, com uma área total do terreno de 330,2500 m2, área de implantação do prédio de 70,700 m2, área bruta dependente 25,2000 m2, área bruta de construção de 70,7000 m2 e área bruta privativa de 45,5000 m2;

  c) - A desocupar o prédio, restituindo aos autores a respetiva posse;

  d) - A retirarem do prédio todos os marcos e tabuletas que lá puseram;

  e) - A reconstruírem todos os muros e paredes que demoliram ou alteraram;

   f) - A reporem o prédio como estava antes, retirando dele tudo quanto nele colocaram.

1.2. Através de sentença proferida em 15 de outubro de 2007, foi julgada parcialmente provada e procedente a referida acção e, em consequência:

a) - Foram os réus condenados a reconhecer que os autores eram comproprietários e compossuidores do prédio sito em …, inscrito na matriz predial da freguesia de … no artigo 3…0.º e registado na ficha n.º 01…6/08…2 relativa à mesma freguesia na Conservatória do Registo Predial de Lagos;

b) - Foi reconhecido que o prédio dos autores confrontava a Norte com caminho, ao Sul com caminho, a Nascente com FF e a Poente com caminho.

No mais, foi a ação julgada improcedente, por não provada, absolvendo os réus dos pedidos, nessa parte.

1.3. As confrontações do prédio identificado em 1.1 e 1.2.º, alínea b), são as que constam da matriz e do registo predial.

1.4. A composição e as confrontações do prédio identificado em 1.1 estão harmonizadas na matriz e no registo predial.

1.5. Por despacho da Conservadora do Registo Predial de Lagos, de 6 de outubro de 2008, com fundamento na junção de procuração por parte de todos os titulares inscritos, na prova documental e pericial de onde resulta provada a existência de erro quanto à área e composição do prédio descrito sob o n.º 1…6, …, e por se encontrar rectificada a matriz, foi determinado que passasse a constar da referida descrição: «Edifício de um piso com 4 divisões com a área total de 330,25m2 e a área de implantação de 70,70m2».

1.6. Encontra-se pendente no antigo 2.º juízo de Tribunal Judicial de Lagos uma ação em que os aqui réus são autores e os autores são réus, intentada no dia 18 de dezembro de 2008, na qual os aqui réus pedem:

   a) - Reconhecerem os autores como donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 1.º da PI, que se encontra registado na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o número 001…7/ 070…6, da freguesia de …, concelho de Lagos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 17 da secção AA rústico e matriz predial urbana sob o artigo 3…9.º, por justo título e por usucapião;

   b) - A reconhecerem que o prédio descrito em A. tem área de 1028 m2, nele se encontrando implantada a casa com 72 m2 e uma pequena arrecadação, e que este prédio que confronta ao Norte com caminho público de …, ao Sul com herdeiros de II e LL, ao Poente com KK e ao Nascente com FF e herdeiros de II;

  c) - Que sobre o prédio descrito em A. e B. foi desanexada a 8 de setembro de 2008, no Cartório Privativo da Câmara Municipal de Lagos, uma parcela de 77 m2 para constituição de um caminho público, dividindo o prédio dos autores em dois, dando origem a duas parcelas distintas, separadas por esse mesmo caminho público, caminho que confronta ao Norte com o caminho público de …, ao Sul com LL e ao Nascente e Poente com os autores;

  d) - Sejam ainda condenados a abster-se de invadir a propriedade dos autores ou causar-lhes qualquer dano;

  e) - Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos anteriores ou posteriores que hajam sido feitos e que se mostram incompatíveis com estes direitos.

1.7. Os autores apresentaram uma queixa-crime em que acusavam os réus da prática dos crimes de dano, injúria, ameaça, denúncia caluniosa, furto, usurpação de imóvel e alteração de marcos que correu termos sob o n.º 533/04.0GALGS, no Ministério Público, queixa que foi arquivada por despacho de 27 de Setembro de 2005.

1.8. Encontra-se registada a aquisição, na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.º 00…7/070…6, da freguesia de …, de um prédio favor dos herdeiros de GG e HH em 07/08/ 1986 pela inscrição G-1, enquanto que a aquisição a favor dos réus se encontra registada pela inscrição G-2, de 09-06-1988, de um prédio misto, composto de prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 17.º, secção AA, concelho de Lagos, freguesia de …, com área de 1160 m2, e prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…9.º, com área coberta de 40 m2, que confronta ao Norte com caminho, ao Sul com herdeiros de II e JJ, ao Nascente com GG e herdeiros de II e ao Poente com LL.

1.9. O prédio identificado em 1.1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º 1…6/080…2 da freguesia de …, e inscrito na matriz no artigo 2…3.º (antigo artigo 390.º), tem a área total de 72,58 m2, correspondendo a 54,28 m2 de área coberta e 18,30 m2 de área descoberta – esta matéria corresponde ao ponto 9 da sentença, resultante da resposta ao artigo 1.º da base instrutória, mas que foi dada como não provada pela Relação;  

1.10. Os A.A. requereram à Câmara Municipal de Lagos uma licença para vedarem o prédio referido em 1.º para nele instalarem uma rede ovina;

1.11. Essa licença foi-lhes concedida em 28 de maio de 2008;

1.12. Os A.A. contrataram uma empresa para instalar a rede ovina, o que esta tentou levar a efeito no dia 25 de junho de 2008;

1.13. Os R.R. impediram, em 25 de junho de 2008, a implantação da vedação no prédio em execução da referida licença – resposta ao art.º 5.º da base instrutória dado como provado, nos seus precisos termos, pela Relação;

1.14. Nessa sequência, os A.A. mandaram suspender os trabalhos de implantação da rede – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

1.15. Com data de 20 de abril de 2004, os A.A. e os restantes comproprietários, mediante um escrito intitulado «contrato-promessa de compra e venda», declararam que, contra o pagamento do preço global de € 50.000,00, do qual receberam € 5.000,00, prometiam vender a MM e NN, que declararam prometer comprar-lhes, o prédio urbano, sito em …, freguesia de …, inscrito na matriz no artigo 3…0.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º 1…6.


2. Factos não provados


Foram dados como não provados que:

2.1. Os A.A. tivessem efetuado à empresa que contrataram, os materiais destinados à implantação da rede ovina, nem a deslocação dos funcionários desta ou qualquer outra despesa.

2.2. Os R.R. são vistos dentro do prédio referido em 1.º [descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º 1..6/08…2, da freguesia de …, e inscrito na matriz no artigo 2…3.º (antigo artigo 390.º)] dos factos provados.

2.3. Os R.R. plantam nessa área diversas árvores de fruto.

2.4. Nela cultivam produtos agrícolas.

2.5. Se apropriam do respetivo rendimento, fazendo-o à vista de todos.

2.6. Os R.R. impedem os A.A. de acederem ao prédio identificado no ponto 1.1 dos factos provados.

2.7. Os R.R. tivessem destruído um anexo de alvenaria que existia, há muitos anos, no prédio aludido em 1.1 dos factos provados.

2.8. Os A.A. tivessem receio de serem agredidos pelos réus se entrassem nesse prédio.

2.9. Por causa do comportamento dos R.R., os A.A. tivessem insónias, andassem tristes e nervosos e tivessem de tomar medicação para se acalmarem e dormirem.

2.10. Os A.A. tivessem promovido a venda do prédio mencionado em 1.º dos factos provados pelo valor de € 95.000,00.

3. Do mérito do recurso


O objeto da presente revista incide apenas sobre a matéria respeitante ao segmento decisório em que o Tribunal da Relação, substituindo a absol-vição dos R.R. do pedido, os condenou:

«a nunca mais perturbarem a composse dos A.A. relativa ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º 01..6/080…2 da freguesia de …, e inscrito na matriz no art.º 2…3.º (artigo 390.º).»


       Convém, no entanto, ter presente que esse segmento decisório incide sobre as pretensões parcelares dos A.A. no sentido de:

– ser declarado que a posse dos R.R. sobre o prédio urbano sito em …, freguesia de …, município de Lagos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2…3.º NIP (antigo artigo matricial nº 390º) e descrito na ficha n.º 01…6/080…2 da Conservatória do Registo Predial de Lagos, com o valor patrimonial de € 6733,38 e a área total de € 330,25 m2, conforme foi reconhecido por sentença de 15/10/2007, proferida no processo n.º 755/04. 3TBLGS do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, já transitada em julgado, de que os A.A. são comproprietários, está em violação daquela sentença é abusiva, insubsistente e de má-fé;

– Os R.R. sejam condenados a nunca mais perturbarem a composse dos A.A. relativa àquele prédio.


        Nessa perspetiva, os A.A. alegaram que:

- na mesma sentença, foi reconhecido que o referido prédio confronta a norte com Caminho, ao sul com Caminho, ao nascente com FF e a poente com Caminho;

- os A.A. requereram à Câmara Municipal de Lagos licença para vedar aquele prédio e nele instalarem uma rede ovina, o que lhes foi concedido em 28/05/2008;

- e contrataram uma empresa que procurou levar a efeito a obra autorizada, no dia 25-06-2008, mas que esbarrou com a oposição dos R.R. a impedirem os A.A. de vedar o seu prédio.


      Tendo os R.R. contestado tal matéria, o tribunal da 1.ª instância deu como provado que:

i) - Através de sentença proferida em 15/10/2007, no processo n.º 755/04.3TBLGS, foi julgada parcialmente provada e procedente a ação e, em consequência:

a) - Foram os ali réus condenados a reconhecer que os autores eram comproprietários e compossuidores do prédio sito em …, inscrito na matriz predial da freguesia de … no artigo 390.º e registado na ficha n.º 01…6/080…2 relativa à mesma freguesia na Conservatória do Registo Predial de Lagos;

b) - Foi reconhecido que o prédio dos ali autores confrontava a Norte com caminho, ao Sul com caminho, a Nascente com FF e a Poente com caminho.

ii) - No mais, foi a ação julgada improcedente, por não provada, absolvendo os réus dos pedidos, nessa parte.

iii) - As confrontações do referido prédio são as que constam da matriz e do registo predial.

iv) - A composição e as confrontações daquele prédio estão harmonizadas na matriz e no registo predial;

v) - O sobredito prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º 1…6/080402 da freguesia de …, e inscrito na matriz no artigo 2…3.º (antigo artigo 390.º), tem a área total de 72,58 m2, correspondendo a 54,28 m2 de área coberta e 18,30 m2 de área descoberta;

vi) - Os A.A. requereram à Câmara Municipal de Lagos uma licença para vedarem o prédio referido em 1.º para nele instalarem uma rede ovina;

vii) - Essa licença foi-lhes concedida em 28/05/2008;

viii) - Os A.A. contrataram uma empresa para instalar a rede ovina, o que esta tentou levar a efeito no dia 25/06/2008;

ix) - Os R.R., ao constatarem que iria ser instalada em parte do seu terreno, impediram, em 25/06/2008, a implantação da vedação;

x) - Nessa sequência, os A.A. mandaram suspender os traba-lhos de implantação da rede.


Nessa base, a 1.ª instância considerou o seguinte:

«Esta Acção [processo n.º 755/04.3TBLGS] foi julgada parcialmente procedente e, através de sentença de 15-10-2007:

. Foram os réus condenados a reconhecer que os autores são comproprietários e compossuidores do prédio sito em Fronteira, inscrito na matriz predial da freguesia de … no artigo 390.° e registado na ficha n.° 01…6/080…2 relativa à mesma freguesia na Conservatória do Registo Predial de Lagos;

. Foi reconhecido que o prédio dos autores confronta a Norte com caminho, ao Sul com caminho, a Nascente com FF e a Poente com caminho;

. No mais, foi a acção, por não provada, julgada improcedente absolvendo-se os réus nessa parte.

Significa isto que, por via da referida absolvição, improcederam os seguintes pedidos:

   . Reconhecimento de que o prédio dos autores tinha uma área total de 330,2500 m2, área de implantação do prédio de 70,700 m2, área bruta dependente 25,2000 m2, área bruta de construção de 70,7000 m2 e área bruta privativa de 45,5000 m2;

. Desocupação do prédio pelos réus, restituindo aos autores a respectiva posse;

. Condenação dos réus a retirarem do prédio todos os marcos e tabuletas que lá puseram;

. Condenação dos réus a reconstruírem todos os muros e paredes que demoliram ou alteraram;

. Condenação dos réus a reporem o prédio como estava antes, retirando dele tudo quanto nele colocaram.

Por outro lado, como se provou no facto n.° 9, este prédio tem apenas a área total de 72,58 m2 [correspondendo a 54,28 m2 de área coberta e 18,30 m2 de área descoberta].

Ademais, não obstante os autores terem obtido licença junto da Câmara Municipal de Lagos para implantar a rede ovina, os réus, ao constatarem de que a mesma iria ser instalada em parte do seu terreno, impediram, nesse mesmo dia 25 de junho de 2008, a colocação da vedação, situação que levou a que os próprios autores mandassem suspender os trabalhos de implantação da rede.

Do que se vem dizendo resulta, a nosso ver, que os autores não podiam implantar em terreno dos réus a vedação, como pretendiam executar, e estes podiam opor-se pacificamente, como o fizeram, a tal propósito dos primeiros.

Do mesmo modo, contrariamente ao alegado na petição inicial, não se provou qualquer ocupação ilícita por parte dos réus de terreno pertencente aos autores.

Efectivamente, conforme resultou dos pontos 2.° a 7.° não provados, não se apurou os seguintes factos:

   . Que os réus sejam vistos dentro do prédio descrido na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.° 1…6/080…2, da freguesia de …, e inscrito na matriz no artigo 2…3.° (antigo artigo 390.°)];

   . Que os réus plantassem nessa área diversas árvores de fruto;

   . Que os réus nela cultivassem produtos agrícolas;

   . Que os réus se apropriassem do respectivo rendimento, fazendo-o à vista de todos;

   . Que os réus impedissem os autores de acederem ao seu prédio;

   . Que os réus tivessem destruído um anexo de alvenaria que existia, há muitos anos, no prédio dos autores.

Igualmente ficou por demonstrar que os autores tivessem receio de serem agredidos pelos réus se entrassem nesse prédio.


            ------------------------------------------------------------------


Desta feita, não se vê que estejam presentes quaisquer fundamentos para a procedência dos pedidos dos autores, quer quanto ao reconhecimento de posse ilegítima dos réus de qualquer parcela de terreno que pertencesse aos demandantes, de qualquer violação do direito propriedade sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.° 01…6/080…2, freguesia de …, quer quanto ao desencadeamento dos mecanismos ressarcitórios, em termos gerais, quer de harmonia com a responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista no artigo 483.° do Código Civil.»

       E, em face disso, concluiu a 1.ª instância pela improcedência da ação mormente quanto às pretensões aqui em destaque.


       Tendo os A.A. impugnado, em sede de apelação, os pontos 9, 13 e 14 dos factos provados na sentença, o Tribunal da Relação: 

- Quanto à matéria do ponto 9, partindo da fundamentação dada pela 1.ª instância - que transcreveu - e procedendo à análise dos documentos ali em referência, incluindo o relatório pericial, concluiu que, face às incongruências verificadas em relação às confrontações reconhecidas na sentença de 15-10-2007, não resultava provada a matéria vertida no art.º 1.º da base instrutória, ou seja, que o prédio em causa tivesse a área de 330,25 m2 nem que fosse de considerar a área encontrada no referido relatório, em virtude daquelas incongruências;        

- Quanto à matéria do 13, considerou que dos próprios elementos de prova indicados pela 1.ª instância, nomeadamente de fls. 697 e do auto de ocorrência de fls. 722, nada resultava no sentido de que a rede ovina iria ser instalada em parte do terreno dos R.R., não se mostrando sequer que estes eram proprietários de prédio confinante com o dos A.A., concluindo pela eliminação do segmento relativo àquela constatação;

- Quanto à matéria do ponto 14, considerou ser de manter por decorrência da matéria constante do ponto 13, na forma alterada.


      Todavia, os Recorrentes vem questionar essa apreciação por considerarem, fundamentalmente, que o Tribunal da Relação violou o princípio da livre apreciação das provas que norteou a decisão da 1.ª instância, atendendo a que esta livre apreciação ocorre no contexto da imediação e da oralidade.

      Ora, conforme preceitua o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, à Relação é cometida a competência para, em sede de apreciação da decisão de facto impugnada, alterar tal decisão, se os factos tidos como assentes e a prova produzida constantes dos autos impuserem decisão diversa.

       No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

      Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade.

       Sucede que, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, o erro na apreciação das provas não é sindicável perante o tribunal de revista, salvo nas hipóteses ali ressalvadas, nelas se incluindo, segundo jurisprudência corrente neste Supremo, ainda que não de todo pacífica, a sindicância das presunções judiciais quando se verifica através delas ofensa de disposição legal ou manifesta ilogicidade.

Não compete pois ao tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do citado normativo, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.

        

      Ora, no caso vertente e no confronto entre a fundamentação do tribunal da 1.ª instância e a do Tribunal da Relação, não se depreende que, na apreciação dos pontos de facto acima em destaque, o tribunal a quo tenha infringido qualquer norma legal probatória expressa nem incorrido em raciocínio presuntivo manifestamente ilógico.

       É certo que no auto de inspeção ao local de fls. 926, foi consigando que:

«Para efeitos do disposto nos artigos 490° e 493.° do Código de Processo Civil, que se consigna os seguintes elementos a propósito da inspeção ao local:

1. O tribunal constatou a concreta configuração dos prédios dos autores e dos réus, tendo por referência os marcos implantados no terreno e que procedem à respetiva delimitação;

2. Comprovou-se o estado de uma edificação situada no prédio dos autores, tendo comprovado a composição interna do referido imóvel, que na atualidade se apresenta em ruínas, que é ladeada, a nascente, por um imóvel pertencente a FF e, a poente, por um depósito de pedras proveniente de uma construção mais antiga.

3. O levantamento destes elementos é completado e melhor enquadrado pela reportagem fotográfica que fica inserida na presente ata.»

           Além disso, foram juntas as fotografias de fls. 928 a 939.

      No entanto desses elementos, mormente do teor do auto de inspeção não se colhem dados de perceção precisos a que possa ser atribuída força probatória plena por virtude de verificação judicial.

      De resto, a ponderação feita pelo tribunal a quo quanto à área do prédio em causa teve por base a incongruência detetada entre as medições do relatório pericial e as confrontações do prédio reconhecidas na sentença de 15/10/2007.

       Não se divisa, pois, que a apreciação do tribunal a quo colida com qualquer elemento concreto e específico resultante da imediação do juiz da 1.ª instância. 

       Em suma, não resta senão a este tribunal de revista acatar os factos fixados pela Relação, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.


      A par disso, o tribunal recorrido considerou que, independentemente do apuramento da área do prédio em causa, estava provado que:

- Os A.A. requereram à Câmara Municipal de Lagos uma licença para vedarem o prédio referido em 1.1 para nele instalarem uma rede ovina;

- Essa licença foi-lhes concedida em 28 de maio de 2008;

- Os A.A. contrataram uma empresa para instalar a rede ovina, o que esta tentou levar a efeito no dia 25 de junho de 2008;

- Os R.R. impediram, em 25 de junho de 2008, a implantação da vedação no prédio em execução da referida licença;

- Nessa sequência, os A.A. mandaram suspender os trabalhos de implantação da rede.

Acresce que da sentença proferida em 15/10/2007 resulta que o referido prédio tem as confrontações que constam da matriz e do registo predial e a sua composição e confrontações estão harmonizadas na matriz e no registo predial.

Ora, tendo a licença camarária para a instalação da rede ovina sido emitida nessa base e sendo impedida pelos R.R. a instalação dessa rede em execução da referida licença, tal constitui base suficiente para concluir que a atuação daqueles visou impedir que os A.A. procedessem a essa implantação nos limites das confrontações daquele prédio tal como se encontram definidas na sentença de 15/10/2017.

Por outro lado, os R.R. não lograram provar que essa implantação da rede tivesse para ser feita em terreno seu.

Não foram assim violadas quaisquer das disposições legais convocadas pelos Recorrentes

Termos em que não merece censura o acórdão recorrido.


     IV – Decisão


       Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

      As custas do recurso são a cargo dos Recorrentes.


Lisboa, 2 de Novembro de 2017


Manuel Tomé Soares Gomes

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching