Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
368/16.7JAPDL.L1-3
Relator: NUNO COELHO
Descritores: PECULATO
FALSIDADE INFORMÁTICA
CONCURSO
CO-AUTORIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO O RECURSO DE M. E PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DE MARIA G.
Sumário: Os crimes de peculato e de falsidade informática protegem bens jurídicos diferentes não se podendo defender a existência de um concurso de normas ou aparente, à semelhança do que jurisprudencialmente se tem entendido no caso, esse sim paralelo, do concurso entre burla e falsificação.
O crime de peculato previsto no Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, é um crime de dano, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido e de resultado, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.
O objecto do crime de peculato é duplo: por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais; e, por outro, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários.
 São elementos típicos do crime de peculato:
a) Que o agente seja um funcionário para efeitos do Art.º 386.º do Código Penal;
b) Que tenha a posse do bem (dinheiro ou coisa móvel) em razão das suas funções;
 c) Que se passe a comportar como se fosse proprietário do dinheiro, o que deve revelar-se por actos objectivamente idóneos e concludentes que traduzam a «inversão do título de posse ou detenção»;
d) Que o agente faça seu o dinheiro, com consciência de que se trata de bem alheio do qual tem a posse em razão das suas funções e que tenha consciência e vontade de fazer seu o bem para seu próprio benefício ou de terceiro.
A consumação ocorre quando o agente inverte o título de posse, passando a agir como se fosse proprietário da coisa que recebeu e detinha precariamente.

No crime de falsidade informática, quer na redacção do Art.º 4.º n.º 1, da antecedente Lei da Criminalidade Informática, em vigor aquando ocorrência dos primeiros factos, quer na actual formulação do Art.º 3.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro), os dados informáticos têm de ser alterados com o propósito de desvirtuar a demonstração dos factos que com aqueles dados podem ser comprovados.

O bem jurídico tutelado por este crime de falsidade informática não é o património, mas antes a “integridade dos sistemas de informação” através da qual se “pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados.

Sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de peculato (o interesse do Estado e dos organismos públicos na honestidade dos seus funcionários e agentes) e de falsificação de documento (a “integridade dos sistemas de informação” através da qual se pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível deve concluir-se que a conduta do agente que falsifica os dados informáticos para lograr a apropriação ilícita (suposta, evidentemente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos) comete, efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação informática e um crime de peculato.
Se é certo que não é indiferente para a responsabilização criminal de cada um das arguidas saber qual as verbas de que cada uma veio a beneficiar efectivamente, que estarão conexionadas com as verbas depositadas nas contas da titularidade de cada uma, a verdade é que a responsabilização criminal com o nexo de co-autoria se afirma na concomitância na execução conjunta dos crimes, sendo que será indiferente para esse nexo de responsabilização (ao nível da ilicitude) qual a arguida que efectivamente executou determinados actos materiais ou veio a beneficiar mais ou menos das transferências bancárias ilícitas realizadas. 
A co-autoria é caracterizada como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o co-autor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado (cfr. Art.º 26.º do Código Penal).
No plano objectivo, o co-autor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os actos que integram o iter criminis.
No plano subjectivo, é imprescindível, à comparticipação como co-autor, que subsista a consciência da cooperação na acção comum.
Coisa diferente será a diferenciação da sua condenação em face da escolha e medidas concretas das penas que deverão ser realizadas com base nas diferentes culpas de cada uma e do seu papel efectivo (no enquadramento geral da co-autoria) para a actividade e os resultados consumados, incluindo aqui o benefício efectivo que foi possível apurar. 
A medida da responsabilidade civil de cada uma das arguidas, porque de responsabilidade aquiliana se trata, há-de corresponder ao prejuízo causado com a actuação conjunta (em co-autoria) e não com o enriquecimento de cada uma delas individualmente consideradas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, após audiência de julgamento, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Nestes autos foram as arguidas (1) M____________, (2) Maria G____________ M_____________ e (3) MI…, condenadas,
. a primeira arguida, - pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs. 375.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. d), 30.º,  n.º 1, e 79.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena principal parcelar de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas; - pela prática, em co-autoria, de um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 3.º n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e 386.º n.º 1 al. d), 30.º, n.º 1, e 79.º n.º 1, todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, absolvendo-a da pena acessória de proibição de exercício de funções (com referência a este crime); e, em cúmulo jurídico, - na pena principal única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas;
. a segunda arguida, - pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs. 375.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. d), 30.º,  n.º 1, e 79.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena principal parcelar de 5 (cinco) anos de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas; - pela prática, em co-autoria, de um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 3.º n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e 386.º n.º 1 al. d), 30.º, n.º 1, e 79.º n.º 1, todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, absolvendo-a da pena acessória de proibição de exercício de funções (com referência a este crime); e, em cúmulo jurídico, - na pena principal única de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas; e
. a terceira arguida, - pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 375.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. d), 30.º, n.º 1, e 79.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena principal de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que, para além do mais, especialmente preveja o acompanhamento psicológico, sendo ainda julgada prejudicada, quanto a esta arguida, a aplicação de uma pena acessória de proibição de exercício de funções públicas.
Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/ demandante Fundo Regional de Apoio à Coesão e ao Desenvolvimento Económico [com referência ao valor de € 997.337,31 (novecentos e noventa e sete mil, trezentos e trinta e sete euros e trinta e um cêntimos)] e, em consequência:
- condenadas as três arguidas/ demandadas (1) M____________, (2) M____________ e (3) MB… no pagamento solidário, entre si, da quantia de capital de € 544.836,46 (quinhentos e quarenta e quatro mil, oitocentos e trinta e seis euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos (desde a data de cada uma das transferências realizadas para as contas das arguidas M____________ e M_____________no período compreendido entre 07.12.2004 c 13.08.2009) e vincendos, às taxas resultantes do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a arguida M_____________do remanescente peticionado contra a mesma; e
- condenadas as duas arguidas / demandadas (1) M____________ e (2) M____________ no pagamento solidário, entre si, da remanescente quantia de capital de € 452.500,85 (quatrocentos e cinquenta e dois mil, quinhentos euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos (desde a data de cada uma das transferências realizadas para as contas da arguida M____________ nos dois períodos compreendidos entre 30.10.2002 e 07.12.2004 e 14.08.2009 e 05.07.2016) e vincendos, às taxas resultantes do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, até efectivo e integral pagamento.
Não se conformando com esta decisão, recorreram as arguidas (1) M____________ e (2) M____________, para este tribunal da Relação de Lisboa.
Na sua motivação de recurso a arguida (1) M____________ formula as seguintes conclusões:
1- Foi a recorrente condenada numa pena parcelar de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de peculato, p. e p. pelos artigos 375.º, n.º 1, 386.º n.º 1, al d], 30.º, n.º 1 e 79.º, n.2 1, todos do C. Penal, e numa pena parcelar de 3 anos de prisão pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 32, n.ºs 1 a 3 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e pelos artigos 386.º, n.º 1, al d], 30.º, n.º 1 e 79.º, n.º 1, todos do C. Penal, e em cúmulo jurídico, numa pena principal única de 6 anos e seis meses de prisão;
2- Entende a recorrente que cabia ao tribunal, ter valorado de forma distinta os particulares critérios que impunham uma diversa determinação da medida das concretas penas parcelares aplicadas à arguida, mormente em ordem a permitir a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, mostrando-se, consequentemente, a dosimetria das penas parcelares aplicadas incorreta e desadequada.
3- E neste particular temos, em primeiro lugar, que se é certo que, dentro das molduras penais abstratas a moldura da prevenção geral tem como limite mínimo a tutela ótima das expetativas comunitárias na validade dos preceitos normativos violados, certo é também que, o limite máximo da moldura da prevenção geral não poderá nunca ultrapassar o grau de culpa do agente.
4- Na verdade, a culpa indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas, ao contrário do que erroneamente é defendido pelo tribunal a quo na sentença recorrida, violando assim o estatuído pelo n.º 2 do artigo 40.s do C. Penal.
5- De facto, ao atribuir mais peso à tutela ótima das expetativas comunitárias na validade dos preceitos normativos violados do que ao grau de culpa do agente resultou a sentença recorrida numa desproporcionalidade das penas que concretamente foram fixadas à arguida.
6- Com efeito, a perpetração da conduta criminosa pela arguida teve lugar no quadro e contexto de uma situação consideravelmente diminuidora da respetiva culpa, a saber, a falta de controlo do órgão que podia e devia ter exercido tal obrigação legal, facto que, não obstante ter sido reconhecido pelo próprio tribunal recorrido para justificar a unidade criminosa, não é depois de todo atendido para fixação do grau de culpa da arguida.
7- Ora, se por um lado, a sentença recorrida expressamente faz apelo ao quadro de uma situação "fortemente diminuidora da culpa" a propósito da unidade criminosa, em momento posterior ignora em absoluto tal forte diminuição da culpa para efeitos de fixação das penas que aplicou.
8- Na verdade, a propósito do grau de culpa, a sentença recorrida furtou- se a tomar em consideração, nomeadamente o fixado no ponto 31 da matéria de facto provada.
9- Com efeito, e ao contrário daquilo que é exigido por quaisquer procedimentos de controlo interno, a Secção Administrativa e Financeira (SAF] encontrava-se "incumbida" pelo Conselho Diretivo de  instruir, analisar, validar, mandar pagar e fiscalizar os pagamentos e reclamações.
10- E dizemos que a SAF se encontrava "incumbida" pelo Conselho Diretivo do exercício de todas essas tarefas porque, tal incumbência, para além de ir contra regras de controlo interno, ia também contra o legalmente estatuído, mormente pelo diploma que regulamentou o Decreto Legislativo Regional n.º 17/2005/A, de 20 de junho (referido no ponto 2 dos factos provados), concretamente o Decreto Regulamentar Regional n.9 22/2006/A, de 29 de junho (artigo 15.Q), de acordo com o qual, era a Divisão de Planeamento e Estatística do Fundo Regional de Coesão (FRC) o departamento a quem legalmente incumbia o exercício de parte das funções, mormente a conferência dos documentos de suporte das comparticipações financeiras a pagar pelo FRC, bem como o controlo dos respetivos pagamentos, que o Conselho Diretivo do Fundo, ao ter “verbalmente delegado na SAF” impediu a segregação de funções e, consequentemente, promoveu a concentração de toda a cadeia do procedimento nesta Secção. Situação que claramente resulta dos pontos §2, §2.1 e §2.2 da matéria provada.
11- Pode a decisão recorrida argumentar que a arguida violou de forma intensa e reiterada os seus deveres profissionais, o que aqui não se nega, mas não pode fazê-lo arredando-se de tomar em linha de conta o especial contexto que permitiu e deu azo à violação de tais deveres, uma vez que a conduta da arguida apenas foi permitida e possibilitada atenta a falta de segregação de funções dentro do FRC, como é imperativo legal.
12- Não pretende a arguida negar a forte censurabilidade da sua conduta, pretendendo apenas e tão só que as penas que lhe forem aplicadas sejam justas e proporcionais ao seu grau de culpa, nunca o ultrapassando.
13- Porém, ao contrário do que foi percepcionado pela decisão recorrida, a arguida agiu movimentada num contexto de absoluta falta de segregação de funções entre departamentos (a Divisão de Planeamento e Estatística e a Secção Administrativa e Financeira) e de falta controlo por parte do Conselho Diretivo durante quase catorze anos.
14- Ora, nesse quadro que o tribunal a quo apelida de "confiança por parte do Conselho Diretivo na Secção Administrativa e Financeira”, para censurar a conduta da arguida, não considera, para determinação do menor grau de culpa da arguida aquilo que se encontra plasmado no Relatório da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a propósito do caráter sugestionável e dificuldades ao nível do autocontrolo, não conseguindo conter os impulsos.
15- Ora, aliado tal traço da sua personalidade ao "terreno fértil” que a inexistência de controlo no FRC possibilitava, devia o tribunal recorrido ter tomado tal circunstância em consideração para efeitos de diminuição do máximo da moldura penal de prevenção geral imposta pelo caso concreto.
16- De referir também que no ponto §8.3. (iv) da matéria dada por assente em audiência de julgamento, não só aí o tribunal a quo revela absoluto desprezo pelo relatório da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, quando refere que a arguida não evidencia traços de uma personalidade mais fraca e apta à instrumentalização, como também dá relevância às declarações do Presidente do FRC, que nunca viu a arguida como parte fraca e sempre se relacionou profissionalmente com ela de forma alinhada com os cargos que estas desempenhava.
17- Entende, assim, a arguida que o tribunal a quo desprezou certos elementos de facto que deveria ter tomado em consideração para a determinação da medida da pena, nomeadamente o estatuído pelos artigos 40.º e 71.º do C. Penal.
18- Na verdade, entendemos que o procedimento adotado, ou seja, os passos que o julgador deu até chegar, na decisão recorrida, à escolha da medida da pena, não observou os princípios gerais que regem a matéria, na medida em que demonstrou desprezo por elementos de facto que interessavam à medida da pena, não tomando em conta fatores que depunham a favor da arguida e que deveriam ter sido considerados para quantificação das penas, violando, assim, o artigo 71.º doC. Penal.
19- E no que concretamente ao crime de falsidade informática diz respeito, não obstante a conduta do crime de peculato da arguida ter tido início em 30/10/2002, a Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro) só entrou em vigor em 15/10/2009, pelo que, no período decorrido entre 30/10/2002 e 15/10/2009, a arguida não praticou uma conduta punida como crime. Quer isto dizer que,
20- o crime de falsidade informática não constituiu neste período um crime-meio para realização do crime de peculato, que era concretizado sem ele.
21- Assim sendo, e tendo em conta o princípio da legalidade estatuído no artigo 1°, n.º 1 do C. Penal, por falta de previsão legal prévia, deve a conduta da arguida, para além de não poder ser punida em tal data, considerar-se como de censurabilidade mais reduzida, atenta a circunstância de que, durante 7 anos o crime-meio não existia para a consumação do crime de peculato, existindo este sem aquele.
22- Consideramos, assim, que relativamente ao crime de falsidade informática, consubstanciando este, para além de um crime-meio, também um crime que começou a ser praticado 7 anos após o início do crime de peculato, o grau de culpa da arguida não é tão acentuado que possa conduzir à aplicação de uma pena de 3 anos de prisão conforme decidido na sentença recorrida, importando tomar em consideração a apreciação do ilícito global praticado.
23- No que ao quantum concreto da pena diz respeito, prescreve o artigo 40.º do C. Penal que à pena deve ser sempre atribuído um fim utilitário.
24- Diz a sentença recorrida que são bastante consideráveis as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto, arredando de tal raciocínio o peso que deveria ter dado à colaboração que a arguida, desde um primeiro momento, o da detenção fora de flagrante delito, a fls., deu para a descoberta da verdade material.
25- Como também não sopesou devidamente a inexistência de antecedentes criminais da arguida.
26- Com também o tribunal recorrido, ao contrário do que devia ter feito, não apreciou o teor dos relatórios sociais inequívocos a apontar a arguida como inserida familiar e socialmente, inclusivamente realizando serviço de voluntariado no Instituto de Apoio à Criança dos Açores, onde, uma vez por semana, trabalha com jovens em situação de exclusão social e participa no projeto de restauração do centro de reabilitação (ponto 38 dos factos provados).
27- Não obstante a especial gravidade dos factos praticados pela arguida, a recorrente é uma cidadã útil à comunidade e a ameaça de prisão, aliada à pena acessória que lhe foi aplicada de inibição do exercício de funções, é bastante para evitar a repetição de potenciais ilícitos.
28- Na verdade, a cumprir pena de prisão efetiva perder-se-á o efeito utilitário que devem pautar as penas, potenciando, outrossim, a sua dessocialização e desintegração, e a consequente dificuldade de posteriormente promover a reinserção da condenada na sociedade.
29- O somatório de todos estes elementos ditam que a pena de prisão que foi aplicada à arguida seja reduzida em termos de possibilitar a sua suspensão, ainda que sujeita a especiais imposições, nos termos do artigo 51.º do C. Penal.
30- Desta forma se advogando que estes circunstancialismos concretos quantificam como pena justa e adequada às circunstâncias que o caso impõe corresponda uma pena parcelar de 4 anos e 4 meses de prisão pela prática do crime de peculato e uma pena parcelar de 2 anos de prisão pela prática de um crime de falsidade informática, e em cúmulo jurídico (aplicando a técnica de acréscimo à pena mais grave de 1/3 da pena mais baixa, podendo ser, evidentemente inferior), uma pena principal única de 5 (cinco) anos de prisão  suspensa na sua execução, sujeita a especiais imposições, como sejam, realizar serviço de voluntariado a favor de instituições de solidariedade social e sujeição a fiscalizações e avaliações periódicas da arguida no cumprimento dos deveres impostos a efetuar pelos serviços de reinscrção social, nos termos do artigo 51.° do C. Penal.
31- Na verdade, no caso concreto, a opção pela pena de prisão efetiva não se mostra necessária, nem adequada nem proporcionada, ao serviço dos objetivos da prevenção geral e especial, pelo que, ao assim não ter sentenciado, a decisão recorrida mostra-se desadequada, desproporcional e atentatória dos parâmetros fixados nos artigos 40.º, 71.º, 72.º, n.º 2, alínea c) todos do C. Penal.
Termos em que, pelas razões expostas, e corrigida a preceito a decisão recorrida, deverá a mesma ser revogada e, em consonância, a concreta medida da pena aplicada ser reduzida, condenando-se a recorrente na pena parcelar de 4 anos e 4 meses de prisão pela prática do crime de peculato e na pena parcelar de 2 anos de prisão pela prática de um crime de falsidade informática, e em cúmulo jurídico, uma pena principal única de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução, sujeita a especiais imposições, como sejam, realizar serviço de voluntariado a favor de instituições de solidariedade social e sujeição a fiscalizações e avaliações periódicas da arguida no cumprimento dos deveres impostos a efetuar pelos serviços de reinserção social, nos termos do artigo 51.º do C. Penal.
Por seu turno, a arguida (2) M____________, concluiu assim a sua motivação de recurso:
I- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A) Concretos pontos de facto incorretamente julgados:
(tendo em consideração a numeração usada no acórdão recorrido para discriminar os factos provados)
1) 23.a), a saber:
«Entre 30/10/2002 e 05/07/2016 (mais precisamente nas datas indicadas nos quadros constantes dos pontos I) e II) que se seguem), as arguidas - sendo a arguida M____________apenas no período infra indicado em 23./ c) - transferiram das contas do FRAE e do FRC, acima indicadas, para as contas da arguida M____________, também indicadas supra, o total de € 855.780,82 (concretamente os valores igualmente discriminados nos quadros constantes dos pontos I) e II) que se seguem), concretamente:»;
23.b), a saber:
«Entre 02/12/2002 e 06/06/2016 (mais precisamente nas datas indicadas nos quadros constantes dos pontos III) e IV) que se seguem), as arguidas - sendo a arguida M____________apenas no período infra indicado em 23./ c) - transferiram das contas do FRAE e do FRC, acima indicadas, para as contas da arguida M____________, também indicadas supra, o total de € 343.392,01 (concretamente os valores igualmente discriminados nos quadros constantes dos pontos III) e IV) que se seguem), concretamente:»;
23.c), a saber:
«Entre 07/12/2004 e 13/08/2009 (mais precisamente nas datas indicadas no quadro que se segue), as arguidas transferiram das contas do FRAE e do FRC, acima indicadas, para a conta da arguida M_________________, também indicada supra, o total de € 141.556,59 (concretamente os valores igualmente discriminados no quadro que se segue), no total de € 141,556,59:»;
2)         25, a saber:
«Ainda em execução do que haviam combinado quanto à repartição das quantias, cada uma das arguidas entregou às outras duas, por transferência bancária e/ou em numerário, montantes de que se haviam apoderado nos moldes acima descritos.»;
3)         26, a saber:
«Designadamente:»;
B)        Concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida:
1) Depoimento em audiência de julgamento da arguida M____________ nos trechos seguintes (por referência à ata de audiência):
Audiência 30-01-2018 | 10:20:08-11:13:35 Ficheiro: 20180130102008_12075277_2890453 00:00:00-00:53:26
M____________
00:01:45 MERITÍSSIMO JUIZ 1: As senhoras trabalhavam nesta secção administrativa, a senhora tinha estas funções?
00:01:50 M____________: Eu era a responsável.
00:02:39 M____________: Eu prestei funções até ao dia 19 de dezembro de 2016.
00:03:09 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E com funções... A senhora depois já lhe darei a palavra e já poderá esclarecer isso, está bem? A senhora era a responsável, era chefe não é?
00:03:15 M____________: Sim, sim, ainda não era chefe mas já exercia as funções.
00:03:19 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Já exercia as funções. Em 2002 já era chefe?
00:03:22 M____________: Sim, sim, já era a responsável pela secção.
00:03:26 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E portanto as outras senhoras que aqui estão respondiam perante si, não é?
00:03:30 M____________: Exato. 00:03:32 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E a senhora reportava a quem?
00:03:33 M____________: Eu reportava ao conselho de administração, ao conselho diretivo, os nossos superiores.
00:19:16 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Os encontros de contas que nós temos aqui no processo juntos rondam os 60.000,00 euros, não andam nesta ordem das centenas.
00:19:31 M____________: Por isso é o que se pôde verificar por transferência, mas eu levantava em dinheiro no multibanco e entregava-lhe, praticamente a metade.
00:19:40 MERITÍSSIMO JUIZ 1: (impercetível)
00:19:42 M____________: Era meia, meia.
00:19:48 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Meia, meia. Mas olhe que estes... Estes levantamentos, nós temos aqui transferências, 5.070,00 euros, 4.929,0, 9.000,00 euros, isto para levantar no multibanco são muitas idas ao multibanco. Era assim? Alguns que ultrapassam as 2 dezenas... Temos aqui alguns à volta dos 22.000,00 euros, 10.000,00 euros, a senhora ia levantando, levantando, levantando, até perfazer metade desta quantia para depois entregar?
00:20:23 M____________: Já não sei precisar doutor, mas por norma era assim.
00:20:27 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Os multibancos estão limitados, a senhora sabe qual é o limite?
00:20:29 M____________: 400,00 euros.
00:20:31 MERITÍSSIMO JUIZ 1: 400,00 euros, 2 levantamentos de 200,00 euros. Era assim que a senhora fazia?
00:20:36 M____________: Era assim.
00:20:37 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Ia levantando, levantando?
00:20:39 M____________: Ia levantando, sim.
00:20:44 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Tem a certeza disso que me está a contar senhora Da. M____________?
00:20:46 M____________: Tenho sim senhor.
00:33:03 MERITÍSSIMO JUIZ 2: Era a senhora. Era a senhora e a senhora é que decidia o que se fazia. Principalmente quem lhe dava nota de que ia fazer isto e que ia fazer aquilo e que parece que até era crime, não era? Era. A senhora disse que a primeira experiência foi da senhora M____________ e tal, tal, tal, umas coisas que disse para aí e tal, mas eu noto aqui com algum espanto depois da senhora ter feito essa declaração que a primeira transferência que é notada é do dia 30 do 10 de 2002. E o engraçado é que foi para a sua conta, não foi para a conta da senhora M____________, foi no dia 2 do 12 de 2002.
00:33:45 M____________: Não, não digo que não doutor, provavelmente...
00:33:47 MERITÍSSIMO JUIZ 2: Não é que não, a senhora disse há um bocado que a ideia foi da senhora M____________, foi ela que a impulsionou a trair, para entrar nesta linha de comboio, neste carril e que a senhora deixou-se levar e que foi feita uma experiência, mas a experiência pelos vistos foi para a sua conta.
00:34:03 M____________: Doutor, mas é assim, se eu disse que sim, não é? Foi para a minha conta, com certeza que foi, mas eu com certeza que dividi.
00:45:13 MERITÍSSIMA JUÍZA 3: Portanto, fazia a transferência e depois fazia no mesmo dia o levantamento de metade?
00:45:25 M____________: Não, não, porque no multibanco só podia levantar 400,00 euros.
00:45:29 MERITÍSSIMA JUÍZA 3: (impercetível)
00:45:35 M____________: Não, não posso, não posso... Se eu disse isso enganei-me, não posso ter dito isso porque fazia levantamentos de 400,00 euros no multibanco todos os dias.
2) Depoimento em audiência de julgamento da arguida M____________ nos trechos seguintes (por referência à ata de audiência):
Audiência 30-01-2018 | 12:21:41 - 12:37:57
Ficheiro: 20180130122140_12075277„2890453
00:00:00-00:16:15
M____________
00:02:04 M____________: Eu era técnica auxiliar e até à data...
00:02:07 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Até à data de cessação de funções?
00:02:09 M____________: Sim. Da suspensão.
00:02:13 MERITÍSSIMO JUIZ 1: A senhora Da. M_______________era a sua chefe?
00:02:19 M____________: Sim.
00:02:21 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Reportava diretamente a ela?
00:02:22 M____________: Exatamente.
00:08:38 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Do Gestor e punha e colocava o NIB da sua conta. Certo? Isso acontecia?
00:08:46 M____________: Nunca fiz isso.
00:08:48 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Nunca fez isso.
00:08:50 M____________: Quando chegava essa altura ficava sempre muito nervosa e não era capaz. E a minha colega sabe muito disso.
00:09:37 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E quem é que colocava esse NIB no S?
00:09:38 M____________: No S?
00:09:41 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Sim.
00:09:42 M____________: É o que eu lhe estou a dizer, quando se chegava a essa altura era a minha chefe.
00:09:45 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Era a sua chefe?
00:09:47 M____________: Que eu não conseguia fazer.
00:09:49 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Nem no Gestor nem no S?
00:09:54 M____________: No Gestor como era uma coisa interna... Quando era para sair podia-me atrapalhar e não fazia.
00:09:57 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E no Gestor fazia?
00:09:59 M____________: No Gestor como era uma coisa interna, porque depois podia-se alterar o Gestor... Agora o S não, o S saía e saía de vez.
00:10:46 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Quando é que aconteceu ou porquê e em que contexto é que aconteceu estes desvios a esta normalidade? De quem foi a ideia, como é que aconteceu e o que é que foi...
00:10:50 M____________: É muito mau a minha colega ter dito que era minha porque não tinha necessidade e a primeira transferência que foi feita, e ela sabe...
00:11:02 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não quero que a senhora contradite diretamente...
00:11:03 M____________: Não não, é para si que eu lhe estou a dizer.
00:11:07 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não deve ter percebido bem a minha pergunta, a minha pergunta é muito simples, é mais simples do que isso aliás, quem é que teve a ideia de fazer estes...
00:11:13 M____________: Foi feita...
00:11:14 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Esta falcatrua, e a expressão é sua, quem?
00:11:16 M____________: Quem? Foi ela. Que eu não sabia.
00:11:39 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Portanto, a senhora uma vez que tinha acesso ao programa tinha capacidade de controlar esta situação?
00:11:42 M____________: Lógico.
00:11:44 MERITÍSSIMO JUIZ 1: É isso?
00:11:46 M____________: Tinha que ver, pois.
00:11:47 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Essa é a razão pela qual a senhora terá sido aliciada?
00:11:49 M____________: Acho eu que ela que...
00:11:52 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Mas a ideia então partiu dela? O que é que ela lhe disse?
00:11:55 M____________: Que tinha feito uma transferência...
00:11:57 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Já tinha feito?
00:11:59 M____________: Sim. E fez outra, e eu disse "Mas porquê? Porque é que estás a fazer isto?", e depois, um tempo depois, fez uma para mim e uma para ela.
00:12:11 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Portanto, ela um dado dia diz-lhe... Diz-lhe concretamente o quê? Como é que foi a conversa? "Olha, eu fiz uma transferência de uma verba que não era suposto ter saído daqui, fiz para a minha conta", foi assim?
00:12:21 M____________: Sim, fez, fez, disse que tinha feito, pronto, e eu ”E lá dentro como é que vai ser?", "Ah não te preocupes que lá dentro está controlado.".
00:12:33 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Mas ela já lhe disse como facto consumado...
00:12:34 M____________: Já consumado.
00:12:36 MERITÍSSIMO JUIZ 1: "Eu fiz isto" ou disse "Eu vou fazer isto"?
00:12:39 M____________: Já consumado.
00:12:40 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Já consumado, "Eu já fiz".
00:12:44 M____________: Ela fez, já consumado, já tinha feito, pronto.
00:12:46 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Já tinha feito. Mas para ela fazer isso ela não precisou de si?
00:12:49 M____________: Não.
00:12:53 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não precisou de si?
00:12:54 M____________: Não.
00:12:56 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Podia fazê-lo sozinha não é?
00:12:58 M____________: Claro, sem problema.
00:12:59 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Então voltamos outra vez àquela questão que eu coloquei, então porquê...
00:13:01 M____________: Senhor doutor...
00:13:02 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Porquê a senhora?
00:13:03 M____________: Depois pôs-me, disse "Olha, fiz uma para e outra para ti", no mesmo dia.
00:13:06 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E como é que ela tinha acesso ao seu NIB?
00:13:08 M____________: Primeiro o NIB está no sistema de pagamento de vencimento. Está lá no sistema, no programa Gestor está lá o nosso NIB, fez uma para mim e outra para ela.
00:13:20 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Foi ela que fez tudo?
00:13:22 M____________: Sim.
00:13:24 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não lhe pediu autorização?
00:13:25 M____________: E disse "Já fiz uma para mim e uma para ti, anda cá ver como é, como se faz.".
00:15:30 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Ouça senhora Da. M____________, foi acordado que agora daqui para a frente vamos passar a fazer isto e vamos passar a fazer isto?
00:15:36 M____________: Ah sim, "Já viste que ninguém vê e a doutora O____________como é que é, não te preocupes"...
00:15:45 MERITÍSSIMO JUIZ 1: "É tudo fácil, ninguém controla nada, eu tenho a confiança e é assim que se faz"?
00:15:49 M____________: Exatamente.
Audiência 30-01-2018 | 14:19:16 - 16:06:49
Ficheiro: 20180130141916_12075277_2890453
00:00:00 - 01:47:32
 (continuação de depoimento de arguida M____________)
00:05:30 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E era assim? O que entrava para a sua conta era para a senhora e o que entrava para a conta dela era para ela?
00:05:35 M____________: Exatamente.
00:06:19 MERITÍSSIMO JUIZ 1: A senhora totalizou este valor que aqui está...
00:06:22 M____________: Sim sim.
00:06:23 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Que é o valor que a senhora já fez a transferência e depositou.
00:06:27 M____________: Sim.
00:06:29 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Esse foi o valor que entrou na sua conta bancária. Certo?
00:06:33 M____________: Sim senhor.
00:06:34 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E é o valor que a senhora já fez uma transferência entretanto na pendência do processo...
00:06:36 M____________: Tive conhecimento do valor em si.
00:06:39 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Pronto. Desse valor que entrou na sua conta bancária a senhora parte desse valor levantou-o ou transferiu-o para a senhora Da. M____________?
00:06:47 M____________: Eu nunca fiz nada em dinheiro.
00:06:49 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não fez?
00:06:51 M____________: Nunca.
00:06:52 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Mas então esta transferência que nós temos aqui no processo indicação, de várias transferências no ponto 26 nos anos 2012 a 2016...
00:06:59 M____________: Ah!
00:07:01 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Diz aqui que a senhora...
00:07:02 M____________: Mas isso é...
00:07:03 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não me interrompa senhora Da. M____________. Diz aqui que a senhora entregou à senhora Da. M____________ por transferências bancárias entre umas e outras contas, 12.110,11 euros.
00:07:12 M____________: Eu estava a referir-me em dinheiro vivo. Agora em transferência...
00:07:15 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Isso já disse que não.
00:07:17 M____________: Não há.
00:07:18 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Em transferências bancárias...
00:07:20 M____________: Houve sim senhor.
00:07:23 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Houve estas?
00:07:24 M____________: Sim senhor.
00:07:25 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Que totalizaram isto, porquê? Qual é a razão de ser destas transferências bancárias?
00:07:27 M____________: Porque ela mandava-me para a minha conta valor mais elevado, era para dividir depois para ela. Isso é um exemplo, não estou a agora a precisar, 5.000 euros, "Não te esqueças que são 2.500,00 euros para mim". Foi isto...
00:07:41 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Portanto, isto era um encontro de contas relativamente...
00:07:43 M____________: Exatamente. Tudo o que eu fiz de transferências está tudo espelhado nos extratos bancários...
00:07:48 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Nunca em numerário...
00:07:50 M____________: Dinheiro...
00:07:51 MERITÍSSIMO JUIZ 1: A senhora nunca entregou nada...
00:07:53 M____________: Nunca.
00:07:55 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Em numerário ela alguma vez entregou à senhora?
00:07:57 M____________: Nunca.
00:07:58 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Também não?
00:07:59 M____________: Nunca.
00:08:00 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Estes levantamentos...
00:08:05 M____________: Nem eu a ela, nem ela a mim.
00:08:07 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Estes levantamentos que a senhora Da. M____________ referiu que fez e que entregou...
00:08:08 M____________: Não percebo qual é a razão.
00:08:11 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não percebe. Transferências bancárias efetuadas pela senhora Da. M____________ para si também houve?
00:08:15 M____________: Houve sim senhor.
00:08:17 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Também neste esquema de encontro de contas?
00:08:19 M____________: Exatamente, metade, metade, às vezes mais elevado para ela que ela precisava de mais do que eu, pronto.
00:08:27 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Ora aí está, agora vai ao encontro da minha segunda questão, que é: deste bolo das transferências que faziam umas para uma, outras para outras, a ideia era nivelar isto por metade ou não?
00:08:38 M____________: Nunca foi... No inicio parecia que era tudo igual, ela era X para ela, era X para mim. Pronto. Mas depois não foi assim.
00:08:51 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Acabou por haver uma diferença de saldo, é isso?
00:08:53 M____________: E nota-se que realmente há.
00:08:56 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Então aquilo que entrou na sua conta era destinado a si, embora tenha havido umas transferências que a senhora fez da sua conta para a conta dela...
00:09:04 M____________: Exatamente.
00:09:06 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Para ajuste de contas?
00:09:07 M____________: Isso mesmo.
00:09:08 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Por seu turno outro dinheiro que não entrou na sua conta por via do fundo mas entrou por transferências feitas pela senhora Da. M____________ também era neste sentido do ajuste de contas, por qualquer transferência que ela houvesse feito em valor inferior para a conta dela, é isso?
00:09:21 M____________: Agora não...
00:09:23 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Nós temos entradas na sua conta bancária...
00:09:25 M____________: Sim.
00:09:26 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Do fundo...
00:09:28         MARIA G____________ A…  S…       M…     F…: Exatamente.
00:09:29 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E da Da. M____________.
00:09:30 M____________: Sim.
00:09:32 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Ambas são de dinheiros que não lhe eram devidos, certo?
00:09:33         MARIA G____________ A…  S…       M…     F…: Exatamente.
00:09:34 MERITÍSSIMO JUIZ 1: As que vieram do fundo foram diretamente para a sua conta, as que vieram da senhora Da. M____________ eram ajustes de contas , digamos, diferenças a mais ou a menos que a senhora teria beneficio. Foi isso que a senhora me disse não é? Aquelas transferências que a senhora fez da sua conta para a conta dela foi para compensar determinado valor...
00:09:53 M____________: Tal e qual como ela fez para mim...
00:09:55 MERITÍSSIMO JUIZ 1: A senhora também fez para ela?
00:09:56 M____________: Eu fiz igual para ela.
00:09:58 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Pois, é isso que eu estou a dizer.
00:10:01 M____________: Ah, pronto.
00:10:02 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Ou seja, as transferências que as senhoras fizeram entre vós não foi porque deviam dinheiro de outra coisa não relacionada com isto?
00:10:07 M____________: Não não.
00:10:09 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Foi relacionado com isto?
00:10:10 M____________: Exatamente.
00:10:12 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Foram os ajustes que entenderam fazer.
00:41:08 MERITÍSSIMO JUIZ 1: A senhora estava convicta de que os valores que eram... seguiam para a conta bancária de uma e de outra que eram os mesmos? É esta a questão da senhora doutora, independentemente de ter conhecimento ou não se a senhora estava convicta de que havia aqui um equilibro a meias digamos assim, se era essa a sua convicção, quando recebia...
00:41:27 M____________: Era dividido pelas duas.
00:41:29 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E quando depois fez aquelas transferências era no sentido de estabelecer um valor equitativo do montante que cada uma recebia? Era nivelar os valores, era essa a sua convicção? De que ambas teriam o mesmo beneficio digamos assim.
00:41:43 M____________: Igualmente.
00:41:45 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Igualmente, era?
00:41:46 M____________: Era assim.
00:41:49 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Era essa a sua convicção.
00:41:51 M____________: Era assim.
00:41:52 PROCURADORA ADJ.: Então desconhecia também por completo que havia uma diferença de valores? Que eram processados mais valores numa conta do que outra?
00:41:58 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Nesse seguimento a senhora desconhecia ou conhecia que para a conta identificada da senhora Da. M____________ os valores transferidos que eram em montante superior?
00:42:11 M____________: Não tinha conhecimento, houve muita coisa que eu não tive conhecimento.
00:42:43 MANDATÁRIO ASS.2: Senhor doutor (impercetível) Em que altura é que arguida tomou a decisão de devolver o dinheiro?
00:42:55 MERITÍSSIMO JUIZ 1: (impercetível) esta verba ao fundo, certo? Fê-lo na data que aqui está consignada e que há pouco referi.
00:43:06 M____________: Não me recordo da data, quando tive conhecimento do valor global a primeira coisa que eu quis fazer foi pagar.
00:45:45 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Senhor doutor mas isso parece estar um pouco incompatível com o que acabou de referir, a arguida estava convicta de que recebiam a meias e que era repartido em partes iguais, só mais tarde é que veio a ser confrontada e veio a descobrir que afinal a senhora Da. M…... É isso não é? Que a senhora acabou de referir.
00:46:01 M____________: Foi foi.
00:46:02 MERITÍSSIMO JUIZ 1: A sua convicção era de que iam as duas receber o mesmo?
00:46:05 M____________: Exatamente.
00:46:08 MERITÍSSIMO JUIZ 1: E daí os encontros de contas. Só mais tarde é que veio a descobrir que afinal parece que a senhora não terá recebido tanto quanto a sua amiga, portanto, é isso.
00:49:27 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Mas na prática não exercia.
00:49:30 MANDATÁRIO ARG.l: Depois há aqui uma outra questão senhor doutor, a Da. M____________ diz que nunca colocou o seu próprio número de identificação bancária porque ficava nervosa e não fazia, não consiga fazer, que era a colega que o fazia.
00:49:43 MERITÍSSIMO JUIZ 1: No S.
00:49:45 MANDATÁRIO ARG.l: No S. Exatamente.
01:11:57 MANDATÁRIO ARG.l: Relativo ao dinheiro que devolveu ao Fundo a Arguida M… for disse que tinha gasto umas importâncias que tinham ido para a conta dela, gastou-as no dia a dia, tinha os filhos a estudar e que só entrou nessa tramoia porque era muito amiga da Da. M____________, mas quando foi preciso, apesar de já ter gasto o dinheiro, apresentou o dinheiro que alegadamente era a conta daquilo que ela tinha recebido e depositou no processo. Se tinha gasto o dinheiro como é que o arranjou? Foi pedir algum empréstimo?
01:12:43 MERITÍSS1MO JUIZ 1: De onde provem este dinheiro?
01:12:45 M____________: Teve que vender a minha... Hipotecar a minha casa, eu tinha uma empresa onde era sócia, cedi as minhas quotas, eu preferi perder tudo mas pelo menos estar com a consciência limpa em relação ao Estado.
01:13:06 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Portanto, realizou dinheiro...
01:13:07 M____________: Realizei, todo o valor global...
01:13:10 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Mediante uma cessão de quotas e uma hipoteca da casa...
01:13:13 M____________: Exatamente, foi X de valor da casa, foi as minhas quotas da empresa e um dinheiro que eu tinha...
01:13:19 MERITÍSSIMO JUIZ 1: De parte?
01:13:21 M____________: De parte e até teve os juros que também já estão todos pagos porque eu não... Tinha que pagar.
01:13:31 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Está respondido senhor doutor, uma hipoteca da casa onde vive e uma cessão de quotas.
01:19:57 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Mas a questão do senhor doutor é outra, é se a senhora teve o cuidado alguma vez, com algum interesse em ir conferir...
01:20:00 M____________: Não não não.
01:20:02 MERITÍSSIMO JUIZ 1: O histórico de operações para ver e fazer as suas contas para ver se a senhora estava a receber mais ou menos.
01:20:06 M____________: Não não. 01:20:07 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não?
01:20:09 M____________: Não, não tinha essa preocupação.
01:33:57 MANDATÁRIO ARG.2: Como é que iniciou?
01:33:59 M____________: Iniciou quando ela se apercebeu que se podia alterar, falando comigo mostrou- me como é que se alterava. Chamou-me ao pé dela...
01:34:14 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Na altura que fizeram...
01:34:16 M____________: E ela disse "G____________ é fácil.".
01:34:18 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Nessa altura fizeram a transferência?
01:34:22 M____________: Ela já tinha feito duas.
01:34:25 MANDATÁRIO ARG.2: Quando é que soube...
01:34:26 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Espere, mas foi nessa altura que foi feita a transferência para ela e para si, foi aí que ela exemplificou?
01:34:31 M____________: Exatamente.
01:34:32 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Essa informação foi transmitida por ela, sim?
01:34:35 M____________: Sim sim.
01:34:38 MANDATÁRIO ARG.2: Quando é que soube que a arguida M____________ tinha feito as duas primeiras transferências? A primeira transferência.
01:34:45 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Esse momento em que a senhora soube que a transferência tinha sido feita foi quando? Foi na mesma altura em que ela lhe exemplificou as outras duas ou foi noutra data?
01:34:55 M____________: Quando ela fez a transferência disse-me , a gente estava a almoçar ou a jantar, disse "Olha, fiz uma transferência e não houve problema nenhum, mas vou repor.".
01:35:07 MANDATÁRIO ARG.2: Mas? Não percebi.
01:35:10 M____________: Repor. "Vou repor".
01:35:13 MANDATÁRIO ARG.2: Sim.
01:35:14 M____________: E eu fiquei descansada, "Mas tens que repor senão o conselho diretivo... Podes ser apanhada.". Pronto. Ao fim da segunda vez a mesma coisa. "Fiz, olha, sabes que lá dentro não há problema.". E eu disse "Pronto", eu disse "Fizeste outra vez? Não faças que o conselho diretivo pode apanhar", "Então anda aqui ver como é que se faz.", vou atrás e ela disse-me "Vês? No S é rápido.". E ela então esteve a dizer "Muda-se, passa para o meu NIB, fiz uma para mim e outra para ti.".
01:36:07 MANDATÁRIO ARG.2: Fez... Pronto, fez uma para mim e outra para ti, e qual foi a reação da arguida M____________ quando vê que é feita uma transferência do Fundo para ela própria?
01:36:13 M____________: Claro que não... Fiquei surpreendida, claro, não contava...
01:36:15 MERITÍSSIMO JUIZ 1: Não foi com a sua autorização, ficou surpreendida, depois toda...
3)         Depoimento em audiência de julgamento da testemunha (Presidente do Conselho Diretivo do FRC) nos trechos seguintes - com referência à ata de audiência:
Audiência 01-02-2018 | 10:11:19-11:24:53
Ficheiro: 20180201101119_12075277_2890453
00:00:00-01:13:32
J____________
00:01:38 MERITÍSSIMO JUIZ 1: O senhor J___________o que faz?
00:01:39 J____________: Sou presidente do conselho diretivo do Fundo Regional de Coesão.
00:05:02 J____________: A M________________era coordenadora técnica, portanto, tinha responsabilidades de chefia na secção administrativa e financeira do Fundo, com competências que estão claramente tipificadas no decreto regulamentar regional 22 2006/A onde refere claramente quais são as competências de cada órgão e de cada serviço, secção, divisão do Fundo Regional.
00:50:27 J____________: A senhora M____________ era assistente técnica e trabalhava sob as orientações da coordenadora técnica, um assistente técnico tem um conjunto de funções de auxilio administrativo e financeiro vasto dentro daquilo que são as competências da secção e portanto ela trabalhava concretamente no processamento de despesa e na introdução de dados do S e tudo o mais que a coordenadora técnica entendesse cometer (impercetível) 00:58:33 MANDATÁRIO ARG.2: E quem é que era das funcionárias que estava no SAF, quem é que ia despachar com o conselho diretivo?
00:58:36 J____________: A coordenadora técnica.
00:58:38 MANDATÁRIO ARG.2: Era com a coordenadora técnica, essa era a regra?
00:58:40 J____________: Sim.
00:58:43 MANDATÁRIO ARG.2: Estamos a falar portanto da senhora Da. M----------------
00:58:45 J____________: Exato.
00:58:46 MANDATÁRIO ARG.2: Não era a senhora G____________ que ia despachar?
01:01:00 J____________: Não, (impercetível) vamos lá ver, houve tempos em que eu não desempenhei funções ligadas à S e houve necessidade de recolher informações...
01:01:11 MANDATÁRIO ARG.2: E essas informações...
01:01:12 J____________: O programa evoluiu, aquilo não é a primeira versão.
01:01:20 MANDATÁRIO ARG.2: Certo. E essas informações fundamentais digamos assim naquele serviço onde o senhor doutor foi colocado quem lhas deu ali?
01:01:23 J____________: A coordenadora técnica porque era a pessoa com quem eu despachava.
01:01:24 MANDATÁRIO ARG.2: A senhora M________________?
01:01:25 J____________: Exato.
01:01:27 MANDATÁRIO ARG.2: Não a senhora Da. G____________ Flor?
01:01:31 J____________: Não, o contacto que eu tinha com a Da. G____________ era reduzido e ao nível da questão das verificações, das reconciliações bancárias. Portanto...
01:05:02 MANDATÁRIO ARG.2: Ok. Ia-lhe perguntar também o seguinte: a determinada altura desaparecem os documentos relativos salvo erro a cauções, o que é que o senhor doutor nos sabe dizer sobre isso? Isto foi relatado julgo que pelo senhor doutor na participação.
01:06:08 MANDATÁRIO ARG.2: Eu estou-me a referir ao desaparecimento concreto puro e simples de documentos.
01:06:13 J____________: Essa situação decorre de eu ter regressado no período de férias e me terem informado que numa situação não habitual a M________________terá ficado para além do horário durante a minha ausência de férias e que foram enchidos sacos de lixo com papel. Como nós não encontramos determinados documentos deduzi eu que esses documentos tivessem sido destruídos, até porque nos encontrávamos sob orientações da Judiciária a fazer as investigações e portanto a minha obrigação na altura foi reportar que não tinham sido encontrados documentos que anteriormente existiam.
01:07:00 MANDATÁRIO ARG.2: Doutor, para terminar, só queria que me concretizasse o seguinte: quando referiu há um pouco que a senhora Da. G____________ F… tinha a categoria de tesoureira ela desempenhava efetivamente as funções de tesoureira, tinha por exemplo abonos para falhas ou era formalmente tesoureira mas na prática não exercia essas funções?
01:07:31 J____________: Na prática não exercia essas funções, o fundo de maneio estava à guarda da M________________e como eu disse há um bocadinho uma tinha a categoria de coordenadora técnica, a outra tinha a categoria de tesoureira como diferenciação aos restantes elementos que compunham a secção e em relação às funções na prática a tesoureira será quem tem à guarda o fundo de maneiro, a MF….
01:07:56 MANDATÁRIO ARG.2: Seria a Da. M________________que teria essa... E a senhora M________________ podia também e fazia ou não , pergunto, pagamentos a fornecedores através do S?
01:08:16 J____________: Carregava os pagamentos, é preciso distinguir, quem faz os pagamentos aqui no S é o conselho diretivo que tem privilégios para dar a ordem de pagamento.
01:08:27 MANDATÁRIO ARG.2: Carregar...
01:08:29 J____________: Carregar no botão. Privilégios de carregar os elementos a pagar era um privilégio que estavam só cometidos às duas, à M________________e à Maria G____________. Quem carregava o quê era trabalho que era gerido e definido pela MF….
4) Depoimento em audiência de julgamento da testemunha C________________(Técnica Superior do Governo Regional dos Açores) nos trechos seguintes - com referência à ata de audiência:
Audiência 01-02-2018 | 11:45:38 - 12:33:34
Ficheiro: 20180201114537_12075277_2890453
00:00:00-00:47:55
C________________
00:32:57 MANDATÁRIO ARG.l: (impercetível) SPA isso o que é? É um programa informático?
00:33:03 C________________: É a mesma coisa que o S, o SPA é Sistema de Pagamento Automático e o S é a mesma coisa com 2 nomes, é o mesmo programa.
00:33:10 MANDATÁRIO ARG.l: O mesmo programa?
00:33:12 C________________: Sim sim sim, com o mesmo objetivo, fazer pagamentos electrónicos.
00:41:12 C________________: Na ausência da doutora... Da doutora, na ausência da M____________ dirigia-me ao conselho diretivo como sempre o fiz.
00:41:18 MANDATÁRIO ARG.l: Não, estou a me referir ao pessoal do serviço de apoio, a quem é que se dirigiam?
00:41:22 C________________: Nem se dirigiam ao conselho diretivo, ficavam quietos. A técnica superior dirigia-se ao conselho diretivo.
00:41:52 MANDATÁRIO ARG.2: (impercetível) não é? (impercetível) Ó senhora doutora, mas então muito rapidamente, a senhora referiu que a senhora Da. F_______tinha o gabinete dela e que a senhora doutora trabalhava no outro gabinete onde trabalhava também a senhora Da. G____________, o senhor LS… e...
00:42:20 C________________: Mais ninguém.
00:42:22 MANDATÁRIO ARG.2: Mais ninguém. Quando ali quem mandava efetivamente era quem?
00:42:29 C________________: (impercetível) 00:42:33 MANDATÁRIO ARG.2: Naquela SAF.
00:42:35 C________________: A doutora... A senhora M____________.
00:42:37 MANDATÁRIO ARG.2: Era a senhora Da. ____________?
00:42:39 C________________: Sim.
00:42:42 MANDATÁRIO ARG.2: Quando ela não estava quem mandava?
00:42:44 C________________: O conselho diretivo.
00:42:46 MANDATÁRIO ARG.2: Não era a senhora Da. G____________?
00:42:49 C________________: Por que razão...
00:42:50 MANDATÁRIO ARG.2: Estou a perguntar.
00:42:52 C________________: Não não, o conselho diretivo.
00:42:54 MANDATÁRIO ARG.2: Era o conselho diretivo, na ausência da Da.F_________era o conselho diretivo que mandava. Quem é que controlava a SAF, a secretaria?
00:43:04 C________________: Os serviços administrativos e financeiros.
00:43:07 MANDATÁRIO ARG.2: Isso, quem é que controlava?
00:43:09 C________________: O conselho diretivo.
00:43:13 MANDATÁRIO ARG.2: Quando a senhora doutora queria informações da SAF a senhora doutora perguntava a quem?
00:43:19 C________________: É uma pergunta difícil de responder porque a orgânica do Fundo não está preparada para receber um técnico superior.
00:43:27 MANDATÁRIO ARG.2: Quando precisava de informações da tal secretaria, da SAF , como é que a senhora doutora fazia? Dos serviços.
00:43:31 C________________: Com a presença da Da. M____________ perguntava à M____________, com a ausência da Da. M____________ perguntava diretamente ao conselho diretivo.
5) Transferências a crédito das contas bancárias de cada uma das arguidas constantes das tabelas que integram o n.° 23, alíneas a), b) e
c) dos Factos Provados (doravante FP) constantes do acórdão recorrido e concretamente:
a) as duas primeiras transferências (no FP 23. a));
b) montantes anuais das transferências creditadas nas contas bancárias de cada uma das arguidas e constantes daquelas tabelas;
6) Extratos bancários dos «apensos A, B e C (listagens de pagamentos do FRC e documentação relativa à restituição das cauções da EDA), D e H (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________, a par das relações a fls. 64, 283-284, 370-374 e 377 e, concretamente quanto aos pagamentos indicados nos pontos 28. e 34., fls. 379, 445 e 725), E e G (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________, a par das relações a fls. 64, 232-239, 279-282,365- 369, 374 e 377), I e J (acervo das ordens de pagamento emitidas através do programa S) e K (elementos bancários da conta titulada pela arguida M__________, a par das relações a fls. 285 e 375- 377)», de onde constam nomeadamente todas as transferências bancárias efetuadas entre as contas das arguidas nos precisos termos dados como provados no n.° 26 dos factos dados como provados do acórdão recorrido;
C)        A conjugação das mencionadas provas impõe concluir que:
- Foi a arguida M____________ quem teve a ideia e iniciou as transferências ilícitas mencionadas nos autos - das contas bancárias do FRC para as contas bancárias das Arguidas;
- Foi a arguida M____________ quem efetiva e materialmente procedia e procedeu às transferências bancárias das contas do FRC para as contas das três arguidas; e
- A repartição entre as arguidas das quantias assim transferidas, se traduziu apenas nas transferências que constam do n° 26 dos FP do acórdão recorrido e sempre por meio de transferência bancária entre as contas das arguidas. Nunca em numerário.
Com efeito, a arguida M____________, no respetivo depoimento afirmou sempre que a ideia e a iniciativa do "estratagema” foi da arguida M____________,
E que as transferências bancárias que constam do n.° 26 dos FP recebeu- as e fê-las sempre no pressuposto da confiança e amizade que tinha com a arguida M____________,
Julgando que, desta forma, as quantias transferidas do FRC para ambas - e, no período respetivo, também para a arguida I_________________- eram repartidas entre elas em partes iguais;
Mais afirmando ainda a arguida M____________ que só na emergência deste processo é que se apercebeu que afinal a arguida M____________ recebera do FRC, em transferências bancárias que ela própria efetuara, montantes muito superiores aos que ela e a arguida I_________________haviam recebido;
Na verdade, as duas primeiras transferências de todo este “estratagema” foram efetuadas para a conta bancária da arguida M____________, com o NIB …, em 30/10/2002 e em 13/11/2002 - cfr. dois primeiros movimentos da tabela do FP 23.a), I;
O que claramente impõe a conclusão de que a iniciativa partiu da arguida M____________.
Por outro lado, analisando todas as tabelas de movimentações bancárias que consubstanciam as transferências efetuadas desde as contas do FRC para as contas de cada uma das arguidas (cfr. n.° 23 dos FP, ais. a) b) e c), do acórdão recorrido), verifica-se que a arguida M____________, de 2002 a 2016, e com exceção do ano de 2003, recebeu sempre na sua conta bancária quantias de montante muito mais elevado do que as quantias creditadas, um cada um daqueles anos, nas contas bancárias da arguida M____________ e da arguida I_________________.
Vejam-se os totais em cada ano creditados em cada uma das contas bancárias das arguidas, na tabela seguinte:
ANO    __________    I_________________
2002    €4.114,32        €2.558,63        -
2003    €15.684,06      €22.105,08      -
2004    €32.725,99      €29.865,84      €2.638,60
2005    €78.448,09      €1.177,00        €15.451,36
2006    €82.388,18      €43.326,00      €26.009,00
2007    €194.823,28    €40.286,60      €47.563,00
2008    €108748,86     €2.895,45        €45.901,85
2009    €87.622,28      €58.192,74      €3.992,78
2010    €72.321,50      €36.255,43      -
2011    €52.294,07      €25.903,99      -
2012    €63.132,76      €38.643,12      -
2013    €86.734,95      €18.740,19      -
2014    €34.101,23      €12.638,65      -
2015    €33.904,25      €1.421,56        -
2016    €22.675,79      €6.784,74        -
Desta tabela resulta que anos houve em que a arguida M____________ recebeu o triplo ou mais do que recebeu cada uma das arguidas M____________ e I_________________:
Em 2005, a arguida M____________ recebeu do FRC €1.177,00;
E em 2008, a arguida M____________ recebeu do FRC €2.895,45;
Sendo que em 2005 e em 2008 a arguida M____________ creditou na sua própria conta, respetiva mente, €78.448,09 e €108.748,86, e na conta da arguida I_________________creditou €15.451,36 e 45.901,85€, também respetivamente.
Do exposto impõe-se concluir que não era a arguida M____________ quem, material e efetivamente, no programa S, procedia às ditas transferências bancárias das contas do FRC para as contas das três arguidas. Se assim fosse, não se compreenderia que a arguida M____________ tivesse sempre e repetidamente, durante todos aqueles anos (treze anos, ressalvado, pois, o ano de 2003) creditado a conta da arguida M____________ com montantes tão exorbitantemente superiores aos que teria creditado na sua própria conta bancária...
Além de que, nos anos de 2005 e de 2008, dificilmente seria explicável que a arguida M____________ tivesse creditado a sua conta com “apenas” €1.177,00 e €2.895,45 respetivamente, e tivesse creditado as contas da arguida M____________ com €78.448,09 e €108.748,86 também respetivamente; E tivesse ainda creditado a conta da arguida I_________________com, respetivamente, as quantias de €15.451,36 e de €45.901,85;
Porquê?
A que propósito?
E no final, em 2016, quando tudo foi descoberto, no cômputo global, concluiu-se que na conta bancária da arguida M____________ foi creditada uma quantia inferior em mais de €400.000,00 do que o que, em todos esses anos, foi creditado nas contas da arguida M____________.
Obviamente que não foi a arguida M____________ quem tal decidiu;
E obviamente que não foi a arguida M____________ quem procedeu materialmente às ditas transferências.
Mais:
Obviamente ainda que quem procedia e quem procedeu às mencionadas transferências bancárias, em todos aqueles catorze anos, foi a arguida M____________; para si, para a arguida M____________ e para a arguida I_________________.
Note-se, aliás, que a arguida I_________________não tinha acesso ao programa informático S e não procedeu, por isso, nunca a qualquer uma daquelas transferências; E, no entanto, nos anos de 2005 e 2008 - em que a arguida M____________ viu ser-lhe creditada na conta bancária uma única quantia em cada ano, e sempre de montante reduzido - a arguida I_________________recebeu na sua conta bancária diversas transferências oriundas das contas do FRC a totalizar, respetivamente, €15.451,36 e €45.901,85.
O que demonstra bem que tais transferências foram efetuadas sempre, materialmente, pela arguida M____________.
E só assim se consegue perceber e explicar que a arguida M____________ tenha recebido, em todos aqueles anos, quantia muito superior à recebida pela arguida M____________, em valor que ultrapassa os €400.000,00;
E, nos anos de 2004 a agosto de 2009 (mês da última transferência creditada na conta bancária da arguida I_________________) mais de €405.786,49 do que foi creditado à arguida I_________________.
O que diz bem de quem procedia efetiva e materialmente às transferências bancárias provenientes do FRC e de quem não o fazia de todo...
Mais ainda:
Esta tão grande diferença de valores a favor da arguida M____________ demonstra e explica que a arguida M____________ não soubesse e sempre tenha pensado - como afirmou em depoimento na audiência (cfr. depoimento supra) - que as transferências bancárias de cada uma das arguidas fossem de montantes equivalentes. Não porque tivesse feito quaisquer contas, mas porque confiava plenamente na amiga e chefe de serviço M____________. E quando essas transferências não foram de montantes equivalentes, julgara a arguida M____________, a arguida M____________ sempre o transmitiu à arguida M____________, e daí as transferências recíprocas entre contas bancárias das arguidas constantes do n.° 26 dos FP;
Tudo isto é ainda reforçado pelos supra transcritos depoimentos das testemunhas J__________ (Presidente do Conselho Diretivo do FRC) e de C________________(Técnica Superior do Governo Regional dos Açores) quando afirmam que a arguida M____________ exercia efetivamente as funções de chefe de secção administrativa e financeira (SAF), controlava e fiscalizava essa mesma SAF, e era a única pessoa que despachava diretamente com o vogal e com o Presidente do Conselho Diretivo (aquela primeira testemunha) do FRC, nomeadamente quando se tratava de autorizar e aprovar as listas de pagamento a processar por transferência bancária, através do programa informático S, na SAF.
A conjugação de todos estes meios de prova - depoimentos da arguida M____________, de testemunhas, as duas primeiras transferências da conta do FRC para as contas da arguida M____________, as transferências da conta do FRC para as contas da arguida M____________, durante catorze anos, em montantes exorbitantemente superiores às quantias creditadas nas contas bancárias das outras duas arguidas, a diferença exorbitante dos montantes creditados em 2005 e em 2008 na conta bancária da arguida M____________ e na conta bancária da arguida M____________, o facto ainda de a arguida I_________________nunca ter procedido materialmente a qualquer transferência em virtude de não ter acesso ao programa S - impõe e impunha que se dê e que se tivesse dado como provado o seguinte:
1) Foi a arguida M____________ a autora da iniciativa do “estratagema” dos autos; e
2) Foi a arguida M____________ quem procedeu materialmente às transferências consubstanciadas nas tabelas constantes do n° 23 dos FP.
Afirma-se no acórdão recorrido que assim não se pode concluir, desde logo porque, no ano de 2003, a arguida M____________ viu ser-lhe creditada, na conta bancária, uma quantia superior à que foi creditada na conta da arguida M____________;
Efetivamente, assim foi;
Mas superior em € 6.421,02. O que, comparado com a enorme diferença de valores creditados em todos os anos seguintes até 2016, a favor da arguida M____________ (diferença essa situada num valor perto do meio milhar de euros), revela-se, aqui, absolutamente insignificante, não se colocando, por isso, em causa aquelas duas conclusões.
De qualquer modo, aquela pequena diferença a favor da arguida M____________ no ano de 2003, sempre tem uma explicação óbvia. Depois do início do “estratagema” da iniciativa da arguida M____________, em dezembro de 2002, a mesma arguida, logo a seguir, durante o ano de 2003, pretendeu comprometer a arguida M____________, sua subordinada na SAF, assim assegurando que esta consolidava a sua posição ilícita no “estratagema”.
Mas depois, nos doze anos seguintes, a diferença abismal a favor da arguida M____________, fala por si.
Já no que concerne à repartição das quantias provenientes das contas bancárias do FRC e creditadas nas contas bancárias das arguidas:
As quantias em causa foram “repartidas” exclusivamente pela forma que consta dos autos, isto é, pela forma que consta do n.° 26 dos FP do acórdão recorrido.
Não houve outras transferências entre as contas bancárias das arguidas M____________ e M____________ como resulta dos extratos bancários constantes dos apensos D, H, E e G dos autos.
Como disse a arguida M____________ em audiência, essa foi a única repartição efetuada entre si e a arguida M____________, julgando aquela desde sempre que, desse modo, as contas entre ambas estivessem parificadas.
É certo que, também em audiência, a arguida M____________ afirmou que a repartição entre as arguidas daquelas quantias oriundas do FRC, quando creditadas nas contas das arguidas em montantes diferentes, era feita por transferência bancária entre as contas das arguidas ou, no caso da arguida M____________, em numerário que esta levantava, diariamente, no multibanco, até perfazer a metade devida à arguida M____________, numerário que depois a esta entregava.
Bem se percebe por que motivo a arguida M____________ “atira” com tal explicação:
Sabendo que recebeu mais quase meio milhão de euros do que a arguida M____________, e tendo gasto tudo em proveito próprio, tornava-se muito cómodo e sobretudo muito vantajoso afirmar que pagou a metade devida à arguida M____________ também em numerário.
E não só através de transferência bancária porque bem sabia que os montantes das transferências efetuadas entre as suas contas e as da arguida M____________ eram "apenas" as que constam dos extratos bancários dos autos, ou seja, as que constam do n.° 26 dos FP do acórdão recorrido.
Por isso é que, em audiência, afirmou que, sempre que creditava a sua conta em exclusivo ou em montante superior ao do creditado na conta da arguida M____________, todos os dias passava a levantar €400,00 (limite diário admissível) no multibanco até perfazer a metade devida à arguida M____________, que a esta entregava.
Só que essa prática, como se diz no acórdão recorrido, no § 8.3, (iii), “(...) mostra(m)-se contrariada(dos) pela falta de registo nos documentos bancários dos pretensos sucessivos levantamentos em numerário até perfazer metade do valor dos créditos (...) sendo certo que nenhum motivo plausível haveria para acertar as contas por esta via posto que a transferência bancária seria uma via muito mais fácil, rápida e segura (e nada haveria a esconder porquanto os créditos do FRC eram registados nos extratos bancários)
Sendo certo que a arguida M____________ - e isto é muito importante - afirma apenas estas duas formas de encontro de contas com a arguida M____________: transferências bancárias entre as contas das arguidas e levantamentos no multibanco com consequente entrega de numerário.
Não referiu a arguida M____________ nenhuma outra forma que tenha usado para igualar contas com a arguida M____________.
Ora, as transferências recíprocas entre as contas bancárias das arguidas são apenas as que constam dos documentos bancários dos autos que, por sua vez, se mostram espelhados no n.° 26 dos FP do acórdão recorrido;
E os levantamentos, por multibanco, naqueles montantes não existem, nem de longe nem de perto.
Assim sendo, os meios de prova sobreditos impõem a conclusão de que a arguida M____________ apenas entregou à arguida M____________, e esta àquela, as quantias mencionadas no n.° 26 dos FP do acórdão recorrido, e através de transferência bancária entre as suas contas.
Esta prova constante dos autos - depoimento da arguida M____________, depoimento da arguida M____________ e extratos bancários das contas destas duas arguidas - impõe que se considere provado que a arguida M____________ recebeu do FRC a quantia global de € 855.780,82 e a arguida M____________ a quantia total de € 343.392,01, sendo que o único encontro de contas que efetuaram entre si - é o que exclusivamente consta dos autos, dos extratos bancários das contas das arguidas refletidos no n.° 23 dos FP - foi o mencionado no n.° 26 dos FP do acórdão recorrido.
E cada uma das arguidas gastou em exclusivo proveito próprio cada uma daquelas quantias que recebeu do FRC, descontadas as transferências bancárias recíprocas constantes do dito n.° 26 dos FP do acórdão recorrido.
Daí que a arguida M____________, ainda em inquérito (cfr. fls 378 - II Vol. dos autos), tenha pago ao FRC € 343.392,01;
E mais tarde, após a notificação do pedido de indemnização civil deduzido pelo FRC, tenha pago ainda àquele FRC os juros de mora que aquele demandante contabilizou quanto à arguida M____________ em concreto (cfr. doc. junto ao pedido de indemnização civil contendo as tabelas de cálculo dos juros devidos apenas pela arguida M____________), no montante de €15.976,21 contabilizados sobre € 343.392,01, isto é, a quantia concreta de que a arguida M____________ se apropriou.
Impunha-se, portanto, ter dado como provada a seguinte matéria de facto:
1.º  A iniciativa do “estratagema” foi da arguida M____________;
2.º Foi a arguida M____________ quem materialmente procedeu às transferências de dinheiro das contas bancárias do FRC para cada uma das contas bancárias das três arguidas;
3.º A única e exclusiva “repartição” de quantias oriundas das contas do FRC efetuada entre as arguidas M____________ e M____________ foi a refletida no n.° 26 dos FP do acórdão recorrido.
Em consequência foi incorretamente julgada a matéria de facto supra mencionada, designadamente que
- Todas as arguidas transferiram das contas do FRC para as contas bancárias de cada uma delas as quantias mencionadas nas tabelas do n.° 23 dos FP do acórdão recorrido e DESIGNADAMENTE repartiram as quantias em causa através das transferências bancárias recíprocas mencionadas no n.°           26 do acórdão recorrido, sendo que o advérbio de modo “designadamente” se encontra incorretamente consignado naquele n.° 26 dos FP.

4. °- VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
No n.° 8.4 da fundamentação do acórdão recorrido afirma-se o seguinte:
«Em suma, e não descurando a utilização de verbas em benefício próprio de cada uma das arguidas (pressuposto do plano gizado), desconhecemos, pois, sem possibilidade de encontrarmos qualquer rigor para além da dúvida razoável, o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as arguidas (as três), não sendo legítimo presumir, estanca e invariavelmente, que corresponde ao volume que cada uma beneficiou dos créditos em conta, pois não só registo de pontuais transferências bancárias, mas também toda a atuação revela-se num quadro de união e conjugação de esforços e intentos, tudo sem prejuízo das referidas transferências bancárias entre as mesmas, o que não é de estranhar (não tendo a virtualidade, todavia, de demonstrar que se destinavam a saldar as contas).» - negrito e sublinhado nossos
Por outro lado, nos n.°s 23 a 26 dos FP do acórdão recorrido deu-se como provado que as três arguidas transferiram as quantias mencionadas para as contas bancárias de cada uma e que as arguidas M____________ e M____________ procederam à repartição/ acerto de contas nos termos mencionados naquele n.° 26 dos FP.
Naquele n.° 26 dos FP do acórdão recorrido, ao usar o mencionado advérbio “designadamente”, o Tribunal pretendeu significar que as arguidas efetuaram entre si outras repartições, outros encontros de contas;
Só que o Tribunal não diz quais são essas outras repartições, nem por que modo foram feitas, nem em que montantes, nem em que momentos, nem por que forma.
Sendo certo que dos autos não constam outras transferências bancárias entre as contas das arguidas M____________ e M____________, nem tão pouco vêm dadas como concretamente provadas;
E sendo certo que dos autos constam todos os extratos bancários das contas das arguidas relativas aos anos em causa;
Além de que o próprio Tribunal, analisando o depoimento em audiência de julgamento da arguida M____________ quanto ao alegado levantamento de numerário no multibanco a fim de proceder ao pagamento da metade respetiva à arguida M____________, afirmou não constarem esses movimentos (multibanco) dos documentos bancários (cfr. § 8.3, (iii) da fundamentação do acórdão recorrido).
Em consequência, o Tribunal não pode afirmar, como afirmou no § 8.4. da fundamentação do acórdão recorrido, o que acima se acabou de transcrever, porque efetivamente o Tribunal não pode afirmar que desconhece “o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as arguidas (as três); isso porque os meios de prova constantes dos autos - e sobretudo os extratos bancários - apontam claramente para a conclusão de que só ocorreram as repartições referidas no n.° 26 dos FP, e de que cada arguida beneficiou exclusivamente das quantias que, provenientes do FRC, foram creditadas nas respetivas contas bancárias.
Concluir-se deste modo - cada arguida beneficiou apenas do que lhe foi creditado na respetiva conta -, ao contrário do que se afirma no § 8.4 da fundamentação do acórdão recorrido, não corresponde a qualquer “presunção”, como pretende o Tribunal;
E muito menos pode o Tribunal afirmar que não pode determinar com rigor “para além da dúvida razoável, o modo e quantificação” da dita divisão.
Na verdade, esse «modo e quantificação» consta claramente dos autos; foi apenas e exclusivamente a que consta dos extratos bancários das contas das arguidas e dos depoimentos das arguidas M____________ e M____________, divisão essa que se encontra plasmada no n.° 26 dos FP do acórdão recorrido;
Sendo ilegítima, assim, a utilização aí do referenciado advérbio “designadamente” como já dissemos acima.
Mas, tendo o Tribunal posto de parte essa conclusão que os meios de prova constantes dos autos lhe impunham,
Assim agindo, segundo diz o Tribunal, para não violar o princípio in dubio pro reo,
O Tribunal acabou por concluir que o “bolo” global de €1.340.729,42 retirado das contas bancárias do FRC beneficiou globalmente as três arguidas;
O que só pode significar que beneficiou as três arguidas em partes iguais.
Na verdade, afirmar-se, como afirmou o Tribunal, que toda a atuação das arguidas revela-se num quadro de união e conjugação de esforços e intentos (cfr. no § 8.4. da fundamentação do acórdão recorrido),
E condenar-se as três arguidas pela prática, em coautoria, do crime de peculato consubstanciado na apropriação global de €1.340.729,42, e condenar-se as duas arguidas/demandadas M____________ e M____________ a pagar solidariamente ao FRC a quantia de €997.337,31 (deduzida já a quantia paga exclusivamente pela arguida M____________), significa que, NA DÚVIDA, o Tribunal decidiu condenar as três arguidas pela apropriação daquela quantia global; como se as arguidas a tivessem distribuído entre si em partes iguais.
Assim prejudicando claramente a arguida M____________ (e também a arguida I_________________) e beneficiando inexplicavelmente a arguida M____________. Na dúvida.
Na verdade, a arguida M____________ apenas se apropriou das quantias do FRC que lhe foram creditadas na conta bancária pessoal, quantias essas que, com juros, à taxa que o FRC reclamou, a arguida M____________ pagou ao FRC.
E afinal o Tribunal vem a condenar ambas as arguidas M____________ e M____________ em penas de prisão efetiva,
Apesar de a arguida M____________ ter pago a quantia de que se apropriara, pagamento que efetuou apesar de se tratar de quantia de montante muito elevado;
E vem a condenar ambas as arguidas em penas muito semelhantes (com uma pequena diferença de seis meses de prisão - justificada apenas pelas funções de chefia da arguida M____________...).
Apesar de a arguida M____________ não ter pago, ao FRC, um único cêntimo da quantia de cerca de € 855.000,00 de que se apropriou e que, em exclusivo, gastou em proveito próprio;
Sendo que o Tribunal condena ainda a arguida M____________ e a arguida IB… a pagar também (solidariamente) a parte mais substancial do “bolo” que foi usada exclusivamente pela arguida M____________.
O Tribunal beneficiou, assim, clara, injustificada e injustamente a arguida M____________.
Ou seja ainda: a arguida M____________ creditou na sua própria conta bancária cerca de €855.000,00, pertença do FRC, usou toda essa quantia em exclusivo proveito próprio, e, agora, essa mesma quantia de que só beneficiou a arguida M____________, poderá ser reclamada e paga na totalidade designadamente apenas à e pela arguida M____________.
De nada adiantando à arguida M____________ saber da existência do denominado Direito de Regresso quando, como consta dos autos, a arguida M____________ teve o cuidado de se “desfazer” de todo o seu património para não ter que pagar um único cêntimo daquela quantia de €855.000,00 que gastou em exclusivo proveito.
É caso para dizer: o crime de peculato compensou e de que maneira a arguida M____________ (compensou em quase um milhão de euros).
Na DÚVIDA, condenou-se portanto a arguida M____________ pela prática do crime de peculato consubstanciado na apropriação do montante de que só a arguida M____________ se apropriou.
Tudo porque o Tribunal afirma não poder determinar para além de toda a dúvida razoável o modo e a forma da divisão entre as arguidas do produto total apropriado.
E na dúvida condena a arguida M____________ pela mesmíssima forma que condena a arguida M____________.
Do exposto resulta claramente violado o princípio in dubio pro reo, bem como, em consequência, violado se mostra o princípio da presunção de inocência.
Ao fim e ao cabo, na dúvida, o Tribunal decidiu-se pela divisão parificada invocada pela arguida M____________. Afirma não acreditar, quanto a essa matéria, na versão apresentada pela arguida M____________, mas acaba por lhe dar razão, porque permite que a mesma não só seja condenada por um crime de mesma gravidade por que é condenada a arguida M____________ como, quanto ao Pedido de Indemnização Civil, condena todas as denunciadas solidariamente no pagamento da quantia global que considera ainda em dívida e por todas as demandadas.
Em termos de culpa, na dúvida, o Tribunal beneficiou a arguida M____________, mas prejudicou, ilegalmente, a arguida M____________, agravando-lhe, na dúvida, a sua culpa. Porque concluiu que também esta arguida M____________ - tal como a arguida Imelda - se apropriou e beneficiou de quantias de que só a arguida M____________ se apropriou e usou em proveito próprio.
Em consequência deverá, nesta parte, o acórdão recorrido ser revogado de modo a que seja considerada a menor culpa da arguida M____________ refletida na muito menor quantia de que se apropriou e que, entretanto, já pagou, acrescida dos juros contabilizados até à data do pagamento.
5. °- III- CONCURSO DE CRIMES: CONCURSO REAL / APARENTE (CONSUNÇÃO)
O Tribunal recorrido condenou a arguida M____________ pela prática, em coautoria, de um crime de peculato e de um crime de falsidade informática, ambos na forma continuada, respetivamente p. e p., o primeiro, pelos artigos 375.°, n.° 1, 386.°, n.° 1, al. d), 30.°, n.° 1 e 79.°, n.° 1, do Código Penal e, o segundo, pelo art.° 3.°, n.°s 1, 2 e 5 da Lei n.° 109/2009, de 15 de setembro, e artigos 386.°, n.° 1, al. d), 30.°, n.° 1 e 79.°, n.° 1, do Código Penal, em concurso real.
Para o justificar o Tribunal teceu as seguintes considerações:
« Trazemos aqui à colação, por identidade de razão, a jurisprudência que tem vindo a ser firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à relação entre os crimes de burla e de falsificação (Assento n° 3/92 no domínio do CP de 1982, Assento n° Assento 8/2000 no domínio das alterações ao CP introduzidas pelo Decreto-Lei 48/95 e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n° 10/2013 na sequência da alteração legislativa introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de setembro), que coloca a pedra de toque na bipolaridade de bens jurídicos protegidos: sendo diferente, e muito embora o crime de falsificação - leia-se aqui o crime de falsidade informática - constitua o meio daqueloutro (no caso, o crime de peculato), à pluralidade de tipos legais integrados deve corresponder, pois, uma pluralidade de crimes.»
O Tribunal recorrido trouxe assim à colação a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à relação entre os crimes de burla e de falsificação, colocando a tónica nos diferentes bens jurídicos protegidos por um e outro crime e concluindo que, embora um dos crimes seja instrumental do outro (crime-meio), aos vários tipos legais integrados pela conduta deve corresponder a uma pluralidade de crimes.
Antes de mais, haverá que notar que a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça respeita à relação entre os crimes de burla e de falsificação e não à relação entre os crimes de peculato e de criminalidade informática.
Por outro lado, ainda, não resistimos a transcrever alguns excertos do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 10/2013 que, a propósito do concurso - real ou aparente - entre os crimes de falsificação e o de burla, são bastante elucidativos.
É relator o Exmo. Senhor Conselheiro Santos Cabral.
Diz-se, a dado passo, naquele Acórdão de Fixação de Jurisprudência:
«IV. Aprofundando a resposta à questão proposta no domínio do concurso aparente de infracções considera Figueiredo Dias que, do sentido global do ilícito, emerge a ideia central, que preside à categoria do concurso aparente, que se foca nas situações da vida em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objectiva e/ou subjectiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e, hoc sensu, autónomo, enquanto o restante, ou os restantes, surgem, também a uma consideração jurídico-social segundo o sentido, como dominados, subsidiários ou dependentes.
«Considera o mesmo Autor que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes constantes do art. 77 seria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e, ao menos em grande parte das hipóteses, inconstitucional. A referida dominância de um dos sentidos dos ilícitos singulares pode ocorrer em função de diversos pontos de vista: seja, em primeiro lugar e decisivamente, em função da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global; seja em função da unidade de desígnio criminoso; seja em função da estreita conexão situacional, nomeadamente, espácio-temporal, intercedente entre diversas realizações típicas singulares homogéneas; seja porque certos ilícitos singulares se apresentam como meros estádios de evolução ou de intensidade da realização típica global.
«O critério de primacial relevo para a conclusão pela tendencial unidade substancial do facto - apesar da pluralidade de tipos legais violados pelo comportamento global - é o da unidade, segundo o sentido social assumido por aquele comportamento, do sucesso ou acontecimento (hoc sensu, do "evento" ou "resultado") ilícito global-final.
«É exactamente na sequência dessa configuração, desenhando o concurso aparente em função dum sentido de ilícito único, que Figueiredo Dias extrapola as considerações que definem a relação existente entre falsificação e burla fazendo apelo ao critério do crime instrumental ou crime-meio.
«Na perspectiva do mesmo Autor da relação entre o ilícito puramente instrumental (crime-meio) e o crime-fim correspondente um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos.
«Para Figueiredo Dias a valoração autónoma e integral do crime-meio representaria uma violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração; enquanto, do outro lado, a sua consideração como conformadora de um concurso impuro não viola o mandamento (também ele jurídico- constitucional) de esgotante apreciação porquanto ele deverá influenciar a medida da pena do concurso. Impõe-se, por isso, na sua perspectiva, a conclusão de princípio favorável a um concurso aparente. Sem que importe, uma vez mais, a existência ou não de uma conexão objectiva (parentesco dos bens jurídicos violados) ou subjectiva (unidade ou pluralidade de resoluções) entre os tipos legais violados pelo comportamento global.
«E, pronunciando-se sobre a questão concreta nos presentes autos, ou seja a atenção na relação entre uma falsificação de escrito utilizada unicamente como meio de burlar alguém, refere não existir qualquer dúvida em convir, por via de princípio e só por ele, na solução do concurso aparente. Nesse sentido existiriam duas considerações fundamentais, nomeadamente o facto de o acto de falsificação ser levado a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime-fim e de nele esgotar a sua danosidade social; e a de a falsificação constituir já uma parte do ilícito da burla, pelo que a autonomização do conteúdo de ilícito daquele significaria uma dupla valoração do mesmo substrato de facto,
«V. Admite-se que o enunciado critério do crime-meio constitua um elemento relevante no apontar de uma especial conexão de ilicitude, quando não subjectiva, entre os dois tipos legais sob escrutínio uma vez que exista uma única resolução criminosa parametrizada, essencialmente, pela conexão temporal. Porém, perante a situação de pluralidade de resoluções, estamos em crer que o mesmo critério não assume uma virtualidade tal que permita a afirmação da existência de um concurso aparente de infracções.
«Na verdade, quando a opção desvaliosa pelo ilícito se desdobra numa repetição do querer o agente tem perfeita consciência de que, por tal forma, viola duplamente a lei penal. Uma coisa é o agente que, numa convergência temporal, falsifica o documento e o utiliza de imediato numa continuidade de desígnio criminoso e outra a falsificação que, em momento posterior e desligada no tempo, é utilizada como artifício fraudulento.
«A consideração da pluralidade de crimes perante a pluralidade de resoluções distanciadas no tempo, e ainda que tendo subjacente uma instrumentalidade, não colide com o principio ne bis in pois que não é o mesmo comportamento que é punido duplamente, mas são dois comportamentos autónomos que não se sobrepõem e que por igual devem ser objeto de valoração.
«VII. Importa, porém, segmentar uma situação particular que merece uma especial atenção. Na verdade, uma coisa é o agente que numa convergência temporal falsifica o documento e o utiliza de imediato numa continuidade de desígnio criminoso e outra a falsificação que, em momento posterior, e desligado no tempo, é utilizada como artifício fraudulento.
«Importa salientar que, naquela hipótese, e na unidade de resolução conducente à pluralidade de normas violadas, assume uma especial fisionomia a existência de uma dimensão conexional subjectiva relativamente à qual, citando Luís Duarte Almeida, alguns pensadores portugueses do início do século passado expressamente demonstravam ter já consciência.
«Na perspectiva deste Autor estarão verificados para cada um dos crimes em "concurso" os elementos da tipicidade subjectiva. A conexão que se afirmou subjectiva parece unir dois crimes cuja prática obedece como que a uma única opção criminosa, a uma única resolução contra o direito.
«A opção criminosa não tem existência abstracta enquanto decisão contra o direito, antes se concretizando numa decisão livre de lesão de um determinado bem jurídico em dada manifestação concreta, lesão que pode passar (é este o ponto crucial) pela prática de mais de um crime - prática efectiva, por haver nessa variedade criminosa uma idêntica variedade de bens jurídicos protegidos, mas profundamente ligados numa conexão subjectiva. Como referia Gomes da Silva trata-se de uma conexão "material e psicológica.
«Em última análise o que está em causa é a existência de uma conexão subjectiva entre ambos os crimes praticados que se consubstancia uma unidade de resolução criminosa. É possível, quanto mais não seja no domínio da hipótese, que o agente falsifique e burle numa conexão de tal forma sucessiva que seja possível afirmar uma única resolução consubstanciando aquilo que Figueiredo Dias, nos termos expostos, denomina o sentido único do ilícito.» - sublinhados e negritos nossos
No caso dos autos, o agente (as arguida M____________ e M____________) “numa convergência temporal, falsificou o documento” (no caso a falsidade informática) e utilizou esse documento assim falsificado DE IMEDIATO “numa continuidade de desígnio criminoso”.
Ou seja, a falsidade informática e o peculato constituíram uma única opção desvaliosa, correspondendo a uma única resolução, inexistindo, portanto, um desdobramento numa repetição do querer por parte do agente.
Não houve, assim, consciência de que dessa forma simultânea e única de atuação se violava duplamente a Lei Penal.
Ou seja, como se diz no Acórdão de Fixação de Jurisprudência acima citado, no caso dos autos verifica-se que o agente, numa convergência temporal, falsifica o documento (falsidade informática) e utiliza-o de imediato numa continuidade de desígnio criminoso.
Daí que, e como resulta daquele AFJ do STJ, a contrario, a consideração da pluralidade de crimes no caso presente, quando estamos perante uma única resolução e não perante a pluralidade de resoluções distanciadas no tempo, perante um mesmo e único comportamento e não perante dois comportamentos distanciados no tempo, colide com o princípio ne bis in idem. Isso porque o mesmo comportamento é punido duplamente.
Não há em cada transferência bancária dos autos dois comportamentos autónomos e sucessivos, não sobrepostos e que, por isso, devam ser objeto de valoração autónoma e separada.
Resulta do próprio acórdão recorrido que cada uma das transferências ocorridas das contas do FRC para as contas das arguidas, consubstanciando quer o crime de peculato quer o de falsidade informática, traduz-se apenas nisso, num mesmo e único comportamento e numa mesma e única resolução, e não em dois comportamentos separados e autónomos correspondentes a duas resoluções distanciadas no tempo.
Veja-se a seguinte passagem do acórdão recorrido:
“Ou seja, estamos claramente perante um crime-meio, cuja prática surge indissociável do crime de peculato, precisamente porque o modus operandi pressupunha, indispensável e necessariamente, o falseamento dos dados informáticos (não havia outra hipótese de praticar o crime de peculato). Nesta conformidade, ainda que nunca tivesse interferido diretamente com os dados no sistema informático, esta prática estava pressuposta para o cometimento do crime de peculato, sendo por ela também querida neste sentido. Em suma, não se tratando de um crime de mão-própria ou de execução vinculada, também ela, arguida M____________, nesse cenário, o praticaria precisamente porque o tipo objetivo e subjetivo está totalmente integrado no modo da prática do crime de peculato, sendo deste indissociável.'’ - sublinhado e negrito nosso
É o próprio acórdão recorrido que o afirma:
“...estamos claramente perante um crime meio cuja prática surge indissociável do crime de peculato, precisamente porque o modus operandi pressupunha indispensável e necessariamente, o falseamento dos dados informáticos (não havia outra hipótese de praticar o crime de peculato). ”
Temos assim o crime de peculato e o crime de falsidade informática preenchidos através de um único ato ilícito, determinado pela mesma e única resolução, e concentrados no mesmo momento. Não há intervalo de tempo entre a falsidade informática e o peculato, antes se verificando uma concentração temporal única e simultânea.
Daí que, nos termos daquele acórdão que fixou aquela jurisprudência, e de acordo com a exceção única aí admitida e mencionada, cada uma das transferências bancárias em causa, integrando os crimes de peculato e de falsidade informática, consubstancia, no entanto, o mesmo e único comportamento e a mesma e única resolução criminosa, concentrados num mesmo e único momento.
Nessa medida, com Figueiredo Dias e com o citado excerto do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n° 10/2013, dizemos que não estamos perante um concurso real de crimes mas sim, perante um concurso de normas ou aparente, numa relação de consunção, em que o crime dominante é o crime de peculato, porque o mais grave.
Deve assim revogar-se o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida M____________ na prática, em concurso real, dos citados crimes de peculato e de falsidade informática,
Antes se condenando a arguida M____________ apenas pela prática do crime de peculato, na forma continuada, atento o concurso aparente de normas numa relação de consunção.
Assim não tendo sucedido, o Tribunal recorrido violou o disposto no art.° 30.°, n.° 1, do Código Penal, bem como, por errada aplicação, o disposto no art.° 3.°, n°s 1,2 e 5 da Lei 109/2009, de 15 de setembro.
A não se entender assim, a interpretação conjugada dos artigos 30.°, n.°1 e 375.°, n.°1, do Código Penal, e do artigo 3.°, n.°s 1, 2 e 5 da Lei 109/2009, de 15 de setembro, no sentido de que, apesar de ambos os crimes de peculato e falsidade informática serem integrados por um mesmo e único comportamento, e por uma mesma e única resolução criminosa, numa concentração temporal única e simultânea, deve, ainda assim, o seu agente ser punido pela prática dos dois crimes em concurso real, é inconstitucional por violação do princípio ne bis in idem previsto no artigo 39.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que aqui expressamente se invoca.
6.° - IV- DETERMINAÇÃO E MEDIDA CONCRETA DA PENA
Atento o supra exposto, a arguida M____________ apenas poderá ser condenada pela prática do crime de peculato e, como se decidiu no acórdão recorrido, na forma continuada, tudo nos termos do disposto nos artigos 375.°, n.° 1,386.°, n.°1, al. d), 30.°, n.° 1 e 79.°, n.°1, todos do Código Penal.
Este crime é punido com a pena de um a oito anos de prisão. A continuação criminosa verificada na conduta da arguida durante catorze anos, impõe que o crime seja punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra aquela continuação - artigo 79.°, n.° 1, do CP.
No caso dos autos, os diversos crimes que integram a continuação traduziram-se sempre no mesmo comportamento (falsidade informática e, através desta conduta, apropriação de quantias em dinheiro, num único comportamento e numa única resolução criminosa em cada transferência), sendo que, por isso, a continuação mais gravosa deverá aferir-se pela quantia mais elevada de que a arguida se tenha apropriado.
Compulsando os movimentos bancários constantes no n.° 23, al. b), I e II, dos FP do acórdão recorrido, verifica-se que a quantia mais elevada, de que a arguida M____________ se apropriou, é a correspondente à transferência bancária realizada no dia 20 de setembro de 2006, no montante de €15.530,00.
Só pelo crime relativo a esta transferência a arguida M____________ pode ser condenada. Trata-se de valor elevado, mas ainda algo distante do denominado “valor consideravelmente elevado” previsto na al. b), do artigo 202.° do CP e que corresponde a 200 UC’S, isto é, €20.400,00.
Por outro lado, o “pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o Direito “ - cfr. Eduardo Correia em Direito Criminal, Vol. II, pág. 209.
Daí que se entenda que, na continuação criminosa, sempre estamos perante uma considerável diminuição da culpa do agente.
Acresce ainda que, tendo-se a arguida M____________ ilicitamente apropriado da quantia de €343.392,01, mas tendo, ainda em inquérito, pago essa mesma quantia ao FRC, e tendo, quando este deduziu o Pedido de Indemnização Civil dela reclamando também juros de mora, pago esses mesmos juros no montante de €15.976,21 (tendo a arguida, assim, contabilizado ainda o período decorrido até ao efetivo pagamento), é forçoso tomar em consideração esta conduta posterior ao facto criminoso adotada pela arguida, sobretudo porque se destinou a “reparar as consequências do crime”.
Este pagamento efetuado pela arguida, no montante exato correspondente à sua apropriação criminosa, não esquecendo os respetivos juros, e tratando-se de quantia muito elevada, demonstra arrependimento sincero da arguida M____________ que tudo alienou e hipotecou a fim de conseguir proceder ao dito pagamento.
Como disse a arguida M____________ em audiência: fiquei sem nada.
Ao contrário - há que dizê-lo - do que fizeram as outras duas arguidas que se desfizeram de todo o seu património única e exclusivamente com vista a nada pagarem ao FRC e nada tendo efetivamente pago. Nem um cêntimo.
Do exposto resulta que haverá que tomar em consideração o disposto no artigo 71.°, n.° 2, alínea e) e ainda o disposto no art.° 72.°, n.° 2, alínea c), ambos do Código Penal e sempre o artigo 73.° do mesmo diploma legal.
Para além disso, dever-se-á também aplicar ao caso dos autos e atenta a reparação integral do prejuízo causado pela arguida M____________ - reparação essa que teve lugar até ao início da audiência de julgamento em primeira instância - o disposto no artigo 206°, n.° 2 ou, entendendo-se porventura que a reparação foi parcial, n.° 3, do Código Penal, cuja aplicação analógica ao crime de peculato é admissível (cfr. artigo 1.°, n.° 3, a contrario), bem como a nota n.° 24 ao artigo 375.°, do Comentário ao Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque.
O que impõe também a atenuação especial da pena nos termos previstos no artigo 73.°, do Código Penal.
Foi com estranheza, no entanto, que, ao ler o acórdão recorrido, notámos uma certa desvalorização pela reparação levada a cabo pela arguida M____________, no valor de €343.392,01 e dos juros de mora vencidos à data do pagamento, no valor de €15.976,21, na seguinte passagem daquela decisão:
“ A favor da arguida concorre, adicionalmente, a devolução voluntária - com a emergência e na pendência do processo de inquérito - do montante transferido para as suas contas bancárias de € 343.392,01 (durante cerca de treze anos e seis meses), a par dos juros de mora vencidos liquidados pelo assistente FRC, constituindo um ato de comprometimento com a diminuição, nessa exata medida, das nefastas consequências económicas decorrentes da consumação do crime de peculato”.
Dizendo-se aí que a devolução voluntária ocorreu “com a emergência e na pendência do processo de inquérito" e na “exata medida” da diminuição das nefastas consequências económicas decorrentes do crime de peculato;
Como quem diz, só perante a pendência do inquérito é que a arguida resolveu pagar;
E só pagou €343.392,01, acrescidos de juros no valor de €15.976,21.
Como se se tratasse de quantia diminuta, sem qualquer relevância ao nível do seu arrependimento e da sua conduta posterior ao facto criminoso.
Todavia é óbvio que não se trata de quantia irrelevante, tal como é óbvio que a arguida depositou a quantia efetiva de que se apropriou logo que, no inquérito, foi informada desse mesmo valor.
Porque, apesar de se ter apropriado das mencionadas quantias, atento o período de tempo decorrido e a continuação criminosa da sua conduta durante todo esse tempo - cerca de catorze anos - a arguida só no decurso do inquérito conseguiu saber de que montantes concretos se havia apropriado.
E, logo que o soube, tratou de alienar e hipotecar todo o seu património por forma a proceder à respetiva reparação.
Fê-lo na exata medida das suas possibilidades;
E fê-lo na fase de inquérito, portanto antes da audiência em 1.a instância, o que o legislador penal sobrevaloriza, como decorre do citado n.° 2, do artigo 206.°, do CP.
Haverá, assim, que valorizar este comportamento da arguida M____________, traduzido num efetivo e sacrificado esforço no sentido da reparação total das consequências da sua conduta.
O que não aconteceu no acórdão recorrido que, como se disse, pareceu desvalorizar essa reparação, ou, pelo menos, não lhe deu o relevo que a Lei Penal impõe (cfr. citados artigos 71.°, n.° 2, alínea e), e 72.°, n.° 2, alínea c) e 206.°, n.° 2 e/ou 3, por força do disposto no artigo 1, a contrario, todos do Código Penal.
Finalmente e no que respeita à medida da pena e aos fins das penas, transcrevemos, de seguida, excertos do recente e Douto Acórdão do STJ, de 17/09/2017, em que é Relator o Exmo. Senhor Conselheiro Lopes da Mota, fundamental para a compreensão e importância dos fins das penas:
«A propósito da medida da pena, refere Figueiredo Dias (Direito Penal - Questões Fundamentais - A doutrina geral do crime, 1996, p. 121) o seguinte:
“...1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.
«As penas são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, aparecendo a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (ob. cit., p. 84)
«A pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente, levando-as a não cometerem factos criminais, mas “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ob. cit., p. 118).
«Também o art° 18° n° 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40° do CP, estabelece no seu n° 1, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, determinando o n° 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
«Assim, é a prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.
«Este mesmo autor, (As Consequências Jurídicas do Crime, §55), refere que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida”.
«Porém, em caso algum pode haver pena sem culpa ou ultrapassar a medida da culpa, pois que o princípio da culpa “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” (ob. cit., §56).
«A culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas - sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar. - (F. Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 109 e ss.)», - (cfr. Ac. STJ 17-09- 2017 (Manuel Matos Lopes da Mota), Proc. n.° 165/14.4TAMMV-B.S1, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XXV, 2017, Tomo III, pp. 155-164, em especial p. 158).
«A prevenção geral deve ser determinante na fixação da medida das penas, como necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, garantindo a consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para tranquilizar os sentimentos afectados, em coordenação com a prevenção especial, como forma de reforçar o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.» (cfr. Ac. STJ 17-09-2017 (Manuel Matos Lopes da Mota), Proc. n.° 165/14.4TAMMV-B.S1, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XXV, 2017, Tomo III, pp. 155-164, em especial pp. 158 e 159).
«Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.
«Neste sentimento é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FiGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Noticias, pp. 227 e ss).
«Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo da pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).
«Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.° 2 do art. 71° do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»
«Como igualmente se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014 (proc. n.° 1081/11.7PAMGR.C1 .S1-3.a Secção), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».
«Também MARIA JOÃO ANTUNES salienta que, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40°, n.os1 e 2, do CP), então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens» (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 44.)
«A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida» (Idem, ibidem).
«Na realização dos fins das penas - protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40°, n° 1 do CP) - as exigências de prevenção geral constituem uma finalidade de primordial importância.
Decorrendo desse preceito a protecção dos bens jurídicos como a finalidade primeira da pena, e como essa protecção se refere necessariamente ao futuro, «deverão ser convocadas finalidades gerais preventivas (sobretudo a positiva mas também a intimidatória), e especiais preventivas (intimidação pessoal, neutralização temporária e reinserção social, esta última, aliás, especialmente mencionada no preceito)» - v. acórdão do STJ de 25-07- 2014, proferido no processo n.° 1784/03.0PSLB.L1 .S1 - 5.a Secção)», (cfr. Ac. STJ 17-09-2017 (Manuel Matos Lopes da Mota), Proc. n.° 165/14.4TAMMV-B.S1, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XXV, 2017, Tomo III, pp. 155-164, em especial p. 162).
«Retomando considerações já tecidas, e convocando o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida» (“O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, p. 815.»
«Significando a prevenção geral positiva ou de integração, sublinha-o AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente.
«A prevenção geral positiva tem ainda, considera o mesmo autor, a dimensão ou objectivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva ou individual. Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado (Direito Penal - Parte Geral, 2.a Edição, Coimbra Editora, pp. 65-66.).» (cfr. Ac. STJ 17-09-2017 (Manuel Matos Lopes da Mota), Proc. n.° 165/14.4TAMMV-B.S1, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XXV, 2017, Tomo III, pp. 155-164, em especial pp. 162 e 163)).
Sendo elevado o grau de ilicitude da conduta da arguida M____________, não pode, no entanto, ignorar-se a acentuada diminuição da culpa traduzida na continuação criminosa sustentada pela ausência de controlo por parte do FRC quanto à atuação das arguidas no processamento dos pagamentos, ausência de controlo essa que permitiu perpetuar por cerca de catorze anos a conduta das arguidas (cfr. n.° 31 dos FP do acórdão recorrido).
De resto, no que respeita às exigências de prevenção especial que obviamente também se fazem sentir relativamente à arguida M____________, embora não em termos tão prementes como as relativas à prevenção geral - há que considerar que a arguida M____________ não tem antecedentes criminais, encontra-se bem inserida socialmente, beneficiando de um ambiente estruturado, coeso e afetivo, contando com o forte apoio das suas filhas, vivenciando momentos de grande vergonha resultantes da pendência do presente processo criminal que bem espelha a reprovável conduta que adotou.
Além de que a arguida confessou todos os factos imputados.
Assim sendo, sopesando todo o supra referido, a pena a aplicar à arguida M____________ não deverá ser superior a quatro anos de prisão pela prática do crime de peculato na forma continuada, nos termos dos dispositivos legais já mencionados;
Sendo que esta pena de prisão, atendendo à continuação da atividade criminosa com a consequente diminuição da culpa, atendendo à inexistência de antecedentes criminais, ao apoio das filhas, ao juízo crítico relativamente aos factos e ao tipo de crime em questão e atendendo ainda à confissão dos factos, sobretudo atendendo à reparação integral da sua conduta apropriativa (que abrangeu capital e juros), reparação esta a apontar para um arrependimento sincero e para a vontade de pretender corrigir totalmente as consequências nefastas da sua conduta, deverá ser suspensa na sua execução por um idêntico período, uma vez que a ameaça da pena de prisão efetiva (que aliás tem sentido e vivenciado com pânico total), será suficiente para no futuro afastá-la da criminalidade, assim se realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição,
Sempre sujeita, por imposição legal a regime de prova (artigo 53.°, n.°3, do Código Penal).
Suspensão da execução da pena que, aliás, tinha sido requerida pelo Ministério Público nas alegações finais que Doutamente foram produzidas em audiência de julgamento.
7.°- IV (a) - SUBSIDIARIAM ENTE
Acaso porventura se entenda que existe concurso real entre os crimes de peculato e de falsidade informática, e que todas as arguidas se apropriaram da quantia global de €1.340.729,42, tudo como se entendeu do acórdão recorrido - o que apenas se admite por cautela de patrocínio - ainda assim, entendemos que a pena a aplicar à arguida M____________ pelo crime de peculato não deverá exceder quatro anos de prisão e a pena a aplicar ao crime de falsidade informática nunca deverá exceder os mínimos previstos na lei, ou seja, os dois anos de prisão;
Com efeito, a continuação criminosa e a consequente diminuição da culpa da arguida, o comportamento e a resolução criminosa únicos e integradores de ambos os crimes, a conduta mais grave a punir consubstanciada na apropriação da quantia de €15.530,00, e sobretudo a reparação substancial através do pagamento ao FRC do capital e juros no montante de €343.392,01 e de €15.976,21, respetivamente - a denotar arrependimento e vontade de diminuir as nefastas consequências da sua conduta - aponta, para aquelas penas supra mencionadas.
E, em cúmulo, deverá aplicar-se à arguida M____________ uma pena única nunca superior a cinco anos de prisão que, pelos motivos e nos termos que já expendemos atrás, deverá ser suspensa na sua execução com sujeição obrigatória ao regime de prova.
8.°- V- PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Como resulta do supra exposto, em I, II, III e IV, que aqui damos por reproduzidos na íntegra, a arguida M____________ apropriou-se somente das quantias que, oriundas do FRC, foram creditadas nas suas contas bancárias, e não da quantia global de €1.340.729,42.
Sendo assim, e considerando que cada transferência bancária para as suas contas consubstancia um ato ilícito,
E considerando que a arguida/demandada M____________ só pode ser responsabilizada pelos atos ilícitos que tenha praticado,
A arguida/demandada apenas responde por essa parte do “bolo” global de que ilicitamente se apropriou.
É o que resulta do disposto no artigo 490.°, do Código Civil
«Se foram vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado».
Autor do «ato ilícito»: a arguida/demandada praticou tantos atos ilícitos quantas as transferências bancárias efetuadas para as suas contas; foi dessas quantias de que se apropriou;
Veja-se o que a propósito se decidiu no douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 17/11/1983, in CJ, 1983, Tomo V, pág. 118:
«/- Não há solidariedade passiva de diversos responsáveis quando os danos derivam de mais do que um facto ilícito.
II - Se os danos consistem numa só multa aplicada a uma empresa de navegação por virtude de diversos atos de contrabando praticados por vários tripulantes, cada um destes apenas responde por uma parte, a apurar, na falta de elementos, através de liquidação em execução de sentença».
Da mesma maneira, a arguida/demandada apenas poderá responder pelos diversos atos de apropriação que praticou, o mesmo é dizer, pelas quantias de que se apropriou no valor de €343.392,01 (cfr. n.° 23. b) dos FP do acórdão recorrido) e respetivos juros de mora vencidos até efetivo pagamento.
Ora, a arguida/demandada já procedeu ao pagamento daquela quantia de que se apropriou, bem como dos juros reclamados no pedido de indemnização civil que foram calculados até ao dia do seu efetivo pagamento.
A arguida/demandada nada mais deve.
Deveria, por esse motivo, ter sido absolvida do demais peticionado, com todas as consequências legais.
Assim não tendo sido decidido, deve o acórdão recorrido ser revogado na parte em que condenou a arguida/demandada no pagamento ao FRC das quantias excedentes àquelas que já pagou efetivamente.
TERMOS EM QUE, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVE REVOGAR-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO E, EM CONSEQUÊNCIA, APLICAR-SE À ARGUIDA UMA PENA DE PRISÃO NÃO SUPERIOR A QUATRO ANOS DE PRISÃO, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, ABSOLVENDO-SE AINDA A MESMA DO PEDIDO DE INDMENIZAÇÃO CIVIL, ATENTO O SEU PRÉVIO PAGAMENTO À DEMANDANTE, CONFORME AO SUPRA EXPOSTO E COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
                                                     ***
O assistente/demandante “Fundo Regional de Coesão”, respondeu ao recurso apresentado pela arguida (2) M____________, pugnando pela improcedência de todos os seus fundamentos.
O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência de ambos recursos.
Tendo a arguida (2) M____________ requerido a realização de audiência de julgamento, foi a mesmo designada para discussão de todos os pontos suscitados na motivação de recurso daquela.
Na audiência de julgamento, que decorreu com todas as formalidades legais, as arguidas/recorrentes reiteraram as posições assumidas nas motivações dos recursos, e os recorridos Fundo Regional de Coesão e Ministério Público as respostas por si apresentadas às motivações de recurso.
                                                 ***
II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelas arguidas/recorrentes, as questões que importa decidir sustentam-se:
- (i) na impugnação alargada da matéria de facto, com análise nos meios de prova produzidos e registados em audiência de julgamento (2.ª arguida);
- (ii) na violação do princípio do in dubio pro reo (e do princípio da presunção de inocência) (2.ª arguida);
- (iii) na impugnação de direito da matéria a considerar como provada (1.ª e 2.ª arguidas);
- (iv) na escolha e determinação da medida das penas de prisão e da susceptibilidade da sua suspensão (1.ª e 2.ª arguidas); e, por último,
- (v) na ponderação dos pressupostos da responsabilidade civil, do nexo de solidariedade e do quantum indemnizatório correspondente (2.ª arguida).
                                                  ***
III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, incluindo a determinação e a medida da pena, desse acórdão que é a seguinte:
“Fundamentação
Da enunciação dos factos provados
Discutida a causa, apurou-se a seguinte factualidade com relevância para a decisão da mesma:
Da acusação pública
1. O Fundo Regional de Apoio às Atividades Económicas (doravante designado apenas por FRAE), criado pelo Decreto Legislativo Regional n° 31/2002/A, de 17 de julho, era um organismo público dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, estava na dependência da Secretaria Regional do Comércio e Indústria e tinha por função assegurar que bens e serviços essenciais à vida das populações tivessem o mesmo preço em todas as ilhas da Região Autónoma dos Açores (doravante designada apenas por “RAA”, por melhor facilidade de exposição).
2. O FRC, criado pelo Decreto Legislativo Regional n° 17/2005/A, de 20 de junho, sucedeu o FRAE, assumindo as suas atribuições (bem como outras até então atribuídas ao Fundo Regional dos Transportes), é um organismo público, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, sujeito à tutela conjunta dos membros do Governo Regional dos Açores com competência em matéria de finanças e de economia, e tem por missão, em suma, desenvolver atividades que garantam o regular abastecimento de bens essenciais às populações das diferentes ilhas da RAA com vista a atenuar os efeitos da dispersão geográfica, e por forma a contribuir para uma economia regional coesa do ponto de vista económico, social e territorial.
3. As receitas do FRAE provinham, e as receitas do FRC provêm, essencialmente, das verbas inscritas a seu favor no orçamento da RAA.
4. Competia ao FRAE, bem como, desde a sua criação, compete ao FRC o processamento e pagamento de apoios no âmbito dos diversos sistemas de incentivos ao investimento produtivo, nomeadamente nos sectores do comércio, indústria, turismo, serviços e transportes marítimos.
5. Assim, e além do mais, competia ao FRAE, e compete ao FRC pagar a diversas entidades da RAA, mormente a associações de bombeiros voluntários da RAA, comparticipações financeiras de despesas (mormente com a aquisição dc combustível) que efetuaram.
6. Além disso, competiu ao FRC restituir, no período legalmente estipulado para o efeito, as cauções (no montante global de € 400.962,10. que a responsável transferiu para o FRC no ano de 2009) a que alude o artigo 6.º do Decreto-Lei n° 195/99, de 8 de junho, e a que, por força do mesmo, a Empresa de Eletricidade dos Açores, S.A. (que tem como objeto a atividade de produção, aquisição, transporte, distribuição, e venda de energia elétrica na RAA, sendo 50,1% do seu capital detido pela Região Autónoma dos Açores) ficou obrigada a devolver, sendo que o montante não reclamado dessas cauções reverteria a favor do FRC.
7. Entre outros serviços, integrava o FRAE e, desde a sua criação, integra o FRC a Secção Administrativa e Financeira (doravante designada apenas por “SAF”, por melhor facilidade de exposição).
8. Sempre foi o SAF (do FRAE e do FRC) a secção incumbida de proceder aos pagamentos acima referenciados, mediante ordens de transferências bancárias transmitidas aos bancos onde estavam domiciliadas as contas bancárias das entidades em causa (FRAE e FRC).
9. Pelo menos desde 2002, o processamento dos pagamentos pelo FRAE e pelo FRC, que culminou nas ordens de transferências mencionadas, foi feito unicamente a partir sistema eletrónico de pagamentos da administração pública regional, através do programa informático denominado de S.
10. Para tanto, os funcionários da SAF do FRAE e FRC com acesso a tal programa (nas datas infra indicadas, apenas as arguidas), inseriam no programa informático referenciado os dados relativos aos pagamentos a efetuar (antes pelo FRAE e. desde a sua criação, pelo FRC), particularmente, o montante do valor a pagar/transferir, o NIB da conta a partir do qual seria feito o pagamento/transferência bancária e o NIB do destinatário do pagamento/transferência bancária, gerando um ficheiro com uma lista de pagamentos; essa lista era submetida à apreciação do Conselho Diretivo do FRAE e FRC para aprovação e autorização dos pagamentos (as quais eram dadas sem prévia comprovação da efetiva justificação da despesa a favor dos beneficiários indicados, os NIB indicados como sendo os destes, atenta a confiança que os respetivos membros depositavam nos funcionários do SAP, tanto mais que em sede de conferência dos pagamentos, nunca foi detetada qualquer discrepância), após o que era gerada, no mesmo programa, as referidas ordens de transferências bancárias, que os funcionários da SAF do FRAE e FRC remetiam para que os bancos procedessem às transferências das quantias das contas do FRAE e FRC para contas indicadas nas ordens de transferências.
11. Nas datas infra indicadas, o FRAE e o sucessor FRC eram titulares de duas contas bancárias domiciliadas no Banco ST…, a que correspondem os NIB ========= (doravante indicado apenas por “NIB ====’', por melhor facilidade de exposição) e ====== (doravante indicado apenas por “NIB =====’’, por melhor facilidade de exposição), e de uma conta bancária domiciliada no N… Banco dos Açores, a que corresponde o NIB =============(doravante designado apenas por NIB =============), a partir das quais foram efetuados os pagamentos supraditos.
12. Nas datas abaixo indicadas, as três arguidas trabalharam por conta, sob as ordens e fiscalização primeiro do FRAE e, desde a sua criação, do FRC, mediante uma retribuição mensal, exercendo funções na SAF do FRAE e FRC, instalada na Avenida -, concretamente exercendo: a arguida (1) M____________, as funções inerentes à categoria profissional de coordenadora técnica; as arguidas (2) M____________ e (3) M_________________, as funções inerentes à categoria de assistente técnica.
13. Essas funções exercidas pelas três arguidas por conta do FRAE e FRC incluíam o controlo dos requisitos e o processamento de pagamentos a efetuar pelo FRAE e pelo FCR, bem como a transmissão das ordens de pagamentos, nos moldes acima indicados.
14. Assim, cabia às arguidas, no âmbito das suas funções na SAF do FRAE e FRC, proceder ao controlo das comparticipações a pagar aos beneficiários e processar o respetivo pagamento, que era efetuado nos moldes acima descritos.
15. Cabia ainda às arguidas, no âmbito das suas funções na SAF do FRC, proceder ao controlo das cauções da EDA a restituir e processar o respetivo pagamento.
16. No exercício das suas funções enquanto funcionárias da SAF do FRAE e FRC, as arguidas estavam obrigadas a atuar com respeito, entre outros, pelos deveres de prossecução do interesse público, isenção, integridade, lealdade, zelo e obediência, que sobre elas recaíam.
17. Nas datas abaixo indicadas, as arguidas agiram do modo que se descreverá infra, incumprindo, de forma particularmente intensa, os referidos deveres, que estavam obrigadas a observar, e, ao mesmo passo, revelando um comportamento que não se compadece com que a lisura inerente ao exercício daquelas funções.
18. Nas datas infra indicadas, a arguida (1) M____________ era titular das seguintes contas:
(i)            da conta de depósitos à ordem n.° =====, a que corresponde o NIB =====(doravante indicada apenas por “NIB =====”, por melhor facilidade de exposição), domiciliada no banco MB…; e
(ii)            da conta de depósitos à ordem n.° …, a que corresponde O NIB =====8 (doravante indicada apenas por “NIB …”, por melhor facilidade de exposição), domiciliada no Banco CP…, S.A..
19. Nas datas infra indicadas, a arguida (2) M____________ era titular das seguintes contas:
(i) a par com JS… e RS…, suas filhas, da conta de depósitos à ordem n.° =====, a que corresponde o NIB =====(doravante indicada apenas por “NIB …", por melhor facilidade de exposição), domiciliada no banco B…; e
(ii) da conta de depósitos à ordem n.° =====, a que corresponde o NIB ==== (doravante designada apenas por “NIB …", por melhor facilidade de exposição), domiciliada, nas datas infra indicadas, no Banco CA… (hoje Banco ST…).
20. Nas datas infra indicadas, a arguida (3) M____________era titular da seguinte conta da conta de depósitos à ordem n.° =====, a que corresponde o NIB =====9 (doravante designada apenas por “NIB =====", por melhor facilidade dc exposição), domiciliada na Caixa EM….
21. Nas datas abaixo indicadas, aproveitando-se do facto de - por força das funções que exerciam na SAF do FRAE e FRC (concretamente, pelo facto de lhes caber a tarefa de processar os pagamentos a efetuar pelo FRAE e pelo FRC, designadamente elaborar, para efeito de aprovação, as listas dos pagamentos com os NIB para onde deviam ser efetuados tais pagamentos, bem como gerar, através do programa informático acima referenciado, a que só elas tinham acesso, as ordens de pagamentos/transferências bancárias das contas do FRAE e FRC para as contas de terceiros e transmitir tais ordens para que as entidades bancárias onde os FRAE e FRC tinham as suas contas domiciliadas procedessem às transferências ordenadas) - terem acesso às contas bancárias do FRAE e FRC, por meio de ordens de transferências bancárias que geraram e transmitiram aos bancos, e em execução do plano que, em 2002, as arguidas (1) M____________ e (2) M____________ haviam delineado em conjunto, e ao qual, em 2004, a arguida (3) M____________aderiu, e passando a executá-lo em conjunto com aquelas, as arguidas M____________, M____________ e M____________procederam à transferência das quantias igualmente indicadas infra das contas dos FRAE e FRC para contas delas, quantias que não lhes eram devidas [assim como não eram devidas aos demais titulares da conta referidos em 19.(i)], e às quais não tinham direito, fazendo-as delas.
22. Para tanto, após aprovação e autorização dos pagamentos pelo órgão competente, e nas datas infra indicadas como as das transferências ou nos dias que as antecederam, as arguidas acederam ao programa informático S e, nas ordens de transferências bancárias, alteraram o NIB do destinatário, eliminando o NIB antes inserido (NIB dos beneficiários das comparticipações ou NIB dos titulares do direito à restituição de cauções da HDA) e introduzindo o NIB de uma das contas de que eram titulares, após o que remeteram as ordens de transferências bancárias (assim alteradas), que (nas datas abaixo indicadas) os bancos cumpriram, concretizando as transferências que as arguidas ordenaram.
23. Assim:
a) Entre 30/10/2002 e 05/07/2016 (mais precisamente nas datas indicadas nos quadros constantes dos pontos I) e II) que se seguem), as arguidas — sendo a arguida M____________apenas no período infra indicado em 23./ c) - transferiram das contas do FRAE e do FRC, acima indicadas, para as contas da arguida (1) M____________, também indicadas supra, o total de € 855.780,82 (concretamente os valores igualmente discriminados nos quadros constantes dos pontos 1) e 11) que se seguem), concretamente:
I) para a conta da arguida com o NIB 00000, os indicados valores, no total de € 41.721,84:
(...)
II) para a conta da arguida com o NIB =====, os indicados valores, no total de € 814.058,98:
(...)
b) Entre 02/12/2002 e 06/06/2016 (mais precisamente nas datas indicadas nos quadros constantes dos pontos III) e IV) que se seguem), as arguidas — sendo a arguida M____________apenas no período infra indicado em 23./ c) - transferiram das contas do FRAE e do FRC, acima indicadas, para as contas da arguida (2) M____________, também indicadas supra, o total de € 343.392,01 (concretamente os valores igualmente discriminados nos quadros constantes dos pontos III) e IV) que se seguem), concretamente:
I) para a conta da arguida com o NIB==, os indicados valores, no total de €18.739,06:
(...)
c) Entre 07/12/2004 e 13/08/2009 (mais precisamente nas datas indicadas no quadro que se segue), as arguidas transferiram das contas do FRAE e do FRC, acima indicadas, para a conta da arguida (3) M_________________, também indicada supra, o total de €141.556,59 (concretamente os valores igualmente discriminados no quadro que se segue), no total de € 141,556,59:
(...)
24. As quantias transferidas nos moldes acima indicados saíram das contas bancárias do FRAE e do FRC nas datas acima indicadas e ficaram disponíveis nas contas das arguidas se não nos próprios dias em que foram transferidas, nos dias imediatamente a seguir.
25. Ainda em execução do que haviam combinado quanto à repartição das quantias, cada uma das arguidas entregou às outras duas, por transferência bancária e/ou em numerário, montantes de que se haviam apoderado nos moldes acima descritos.
26. Designadamente:
- entre 24/04/2009 e 06/11/2011, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, pelo menos € 28.566,79;
- nos anos de 2012 a 2016, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, pelo menos € 20.456,79;
 - nos anos de 2012 a 2016, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, pelo menos € 12.110,11.
27. As arguidas utilizaram as quantias acima indicadas como se lhes pertencessem.
28. A 07/04/2017, a arguida M____________ efetuou uma transferência da bancária com o IBAN PT===== para a conta do FRC com o IBAN ====, no valor de € 343.392,01, com o descritivo “pagamento de M____________, da quantia apurada no processo …/…, ….ª Secção do DIAP de Ponta Delgada.
29. As arguidas agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de intentos e esforços, cientes da natureza (de organismo público) do FRAE e do FRC, bem como sobre os deveres que, no exercício das respectivas funções, sobre elas recaiam, e com o propósito, conseguido, de, do modo descrito, e violando, de forma particularmente intensa, os deveres funcionais a que estavam obrigadas, fazer delas as quantias acima indicadas, bem sabendo que as mesmas pertenciam ao FRAE e ao FRC, não lhes pertenciam e não lhes eram devidas, que apenas tinham acesso a elas por força das funções que exerciam por conta da SAF do FRAE e do FRC, e que agiam sem o conhecimento e contra a vontade do FRAE e do FRC.
30. As arguidas agiram ainda com a intenção, alcançada, de, para fazerem suas as quantias do FRAE e do FRC a que não tinham direito, alterarem no programa informático S o NIB do destinatário das transferências bancárias a ordenar ao banco (concretamente, eliminarem o NIB do beneficiário de comparticipações daquelas entidades e introduzirem, em seu lugar, o NIB de urna das contas bancárias das arguidas), bem sabendo que dessa forma interferiam no tratamento de dados informáticos e induziam em erro a entidade bancária que concretizava as transferências bancárias que ordenavam, o que igualmente quiseram e conseguiram.
31. As arguidas agiram animadas pela ausência de controlo (até julho de 2016) por parte do FRAE e do FRC quanto à respetiva atuação no processamento dos pagamentos, o que lhes permitiu perpetuar a atuação descrita pelo lapso de tempo referenciado.
32. As arguidas sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
II. Do pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente FRC
33. Salvo o referido no ponto 28., as arguidas não pagaram ao demandante FRC a remanescente quantia de capital de € 997.337,31.
34. A arguida M____________ liquidou ainda ao assistente FRC a quantia de € 15.976,21, por este indicada nos autos a título de juros de mora vencidos sobre a quantia indicada no ponto 28.
III. Do incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (liquidação do património das arguidas M____________ e M____________)
35. As arguidas foram constituídas nessa qualidade a 19/12/2016.
36. Quanto à arguida (1) M____________, no período de cinco anos antecedente:
36.1. O agregado familiar da arguida era composto pela própria e por - (cônjuge), com quem a arguida casou a 03/09/1980 em regime de comunhão de adquiridos; o casal tinha três filhos-;
36.2. No período indicado, a arguida declarou os seus rendimentos em conjunto com o cônjuge;
36.3. De acordo com as declarações fiscais do casal, o rendimento líquido anual do agregado familiar foi no total global de €199.443,66: no ano de 2012, €34.312,87; no ano de 2013, €42.749,88; no ano de 2013, €41.812,24; no ano de 2015, €34.083,34; no ano de 2016, €46.485,33
36.4. A nível patrimonial:
- a arguida tinha na sua disponibilidade o veículo ligeiro de passageiros da marca “Citroen”, com a matrícula - no valor de €13.043,00, que foi registado em nome do marido a 13/01/2012;
- a arguida era proprietária, a par com o cônjuge, do prédio urbano prédio urbano descrito na -, inscrito na matriz predial urbana com o artigo -, adquirido por compra a -, sobre o qual incidem quatro hipotecas voluntárias;
- a arguida era ainda proprietária, a par com o cônjuge, do prédio urbano prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de - com o n° -, inscrito na matriz predial urbana com o artigo -, sito na Rua -, Nordeste, adquirido, por compra, a 07/10/1999 e vendido a - e cônjuge a -;
- a arguida era titular (a par com outros três herdeiros) do direito à herança aberta por óbito de -, a qual era constituída pelo seguinte imóvel: prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada com o n° -, inscrito na matriz predial urbana com o artigo - sito na Rua -, o qual foi transmitido pela arguida e demais herdeiros a 09/03/2017 a -, por escritura de compra e venda, e pelo valor de €60.000,00;
- a arguida é também titular do cofre -, o qual está associado à conta n.° ======;
36.5.A nível financeiro, a arguida era titular das seguintes contas bancárias:
- em conjunto com o cônjuge, da conta de DO domiciliada no MB… n° ======; nesta conta, e no período em causa, a arguida recebeu a crédito: o valor global de €265,57 em depósitos e €110,835,27 por transferências bancárias, no total de € 111.100,84;
- da conta de DO acima indicada no ponto 18./ (i), na qual recebeu a crédito: o valor global de €4.198,57 em depósitos e €259.475,69 por transferências bancárias, no total de €263.673,26; do total do valor recebido por transferências bancárias nessa conta, e como resulta da acusação (por reporte ao período aqui em consideração), €240.328,78 foram transferidos a partir de contas do FRC;
- em conjunto com o cônjuge, da conta de DO domiciliada no -; nesta conta, e no período em causa, a arguida recebeu a crédito: o valor global de €12.824,01 em depósitos e €120.219,13 por transferências bancárias, no total de €133.043,14;
- da conta de -, associada à conta DO acima id.; nesta conta, e no período em causa, a arguida recebeu a crédito o valor global €7.395,41, por transferências bancárias;
36.6. Assim, nas contas acima indicadas, a arguida recebeu o montante total de €500.421,83, sendo que desse montante, €240.328,78 foi transferido de contas do FRC.
37. Quanto à arguida M____________, no período de cinco anos antecedente:
37.1. O agregado Familiar da arguida era composto pela própria e por - (cônjuge), com quem a arguida casou a 03/01/1984 em regime de comunhão de adquiridos; o casal tinha três filhos-;
37.2. No período acima indicado, a arguida declarou os seus rendimentos em conjunto com o cônjuge;
37.3. De acordo com as declarações fiscais do casal, o rendimento líquido anual do agregado familiar foi no total global de €263.012,53: no ano de 2012, €35.183,18; no ano de 2013, €40.326,65; no ano de 2013, €52.153,48; no ano de 2015, €65.235,80; e no ano de 2016, €70.113,41.
37.4. A nível patrimonial:
- a arguida tinha na sua disponibilidade o trator agrícola com a matrícula -, no valor de €4.500,00, registado a 15/12/2011 em nome do cônjuge;
- a arguida figurava como sócia e gerente da sociedade -, constituída a 07/09/1988, com um capital social de €74.819,69, dividido em quatro quotas, uma no valor de €14.963,94, pertencente à arguida, e as outras três (duas naquele mesmo valor e uma no valor de €29.927,87) pertencentes ao respetivo cônjuge;
- a arguida era proprietária, a par com o cônjuge, do prédio urbano prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada -, inscrito na matriz predial urbana com o artigo - sito na Rua -, sobre o qual incidem um usufruto e uma hipoteca voluntária;
37.5. A nível financeiro, a arguida era titular das seguintes contas bancárias:
- em conjunto com o cônjuge, da conta de DO --, à qual está associada a conta poupança n° …; na referida conta de DO, e no período em causa, a arguida recebeu a crédito: o valor global de €145.802,25 em depósitos, acrescidos de €838,75 em juros, e €223.097,86, por transferências bancárias, no total de €369.738,86;
- em conjunto com o cônjuge, da conta de DO domiciliada -; na referida conta de DO, e no período em causa, a arguida recebeu a crédito: o valor global de €1.853,22 em depósitos e €1.991,08, por transferências bancárias, no total de €3.844,30;
- em conjunto com as filhas -, da conta de DO indicada no ponto 19./ (i), na qual recebeu a crédito: o valor global de €84.296,70, por transferências bancárias; desse montante, e como resulta da acusação (por reporte ao período aqui em consideração), €78.228,26 proveio de contas do FRC; no período em consideração, e a partir dessa conta a arguida transferiu para a arguida M____________ o montante total de €4.916,79, e recebeu desta na aludida conta, o total de € 10.110,11;
37.6. Assim, nas contas acima indicadas, a arguida recebeu o montante total de €457.879,86, sendo que desse montante, €78.228,26 foi transferido de contas do FRC.
IV. Mais se provou das condições pessoais da arguida (3) M____________ e a sua situação económica e das condutas anteriores e posteriores aos factos:
38. A arguida M____________ integra um agregado composto pelo cônjuge, -, técnico eletricista, reformado, e pelos filhos -. A relação intrafamiliar é coesa, baseada na afetividade e na entreajuda e existe um relacionamento conjugal emocionalmente gratificante na constância de trinta e sete anos de casamento. Residem em moradia com boas condições de habitabilidade e adquirida através de empréstimo bancário. A arguida é habilitada com o I2° ano de escolaridade, encontrando- se suspensa de funções, suspensão esta que motivou o recurso dos serviços de ação social, tendo inclusivamente beneficiado de apoio com géneros alimentares entre março e julho do ano transato. Ocupa o seu tempo na confeção de géneros comestíveis para venda e em serviço de voluntariado no IAC - Açores, onde, uma vez por semana, trabalha com jovens em situação de exclusão social e participa no projeto de restauração do centro de reabilitação. Reconhece a ilicitude e a gravidade dos factos constantes na acusação, perspetiva a existência de vítimas e o dano causado, bem como consequências para si própria e para terceiros. Revela um impacto muito negativo do presente processo a vários níveis: pessoal (vergonha, tensão, desgaste emocional e tristeza, vivenciando uma lase ansiogénica. com toma de medicação prescrita pela médica de família, receio em ser condenada em pena de prisão efetiva e maior isolamento social), familiar (pela tristeza por ter sido constituída arguida e pela real preocupação com as consequências do processo) e económica (por causa da já referida suspensão de funções e privação do ordenado). Apresenta competências pessoais e sociais, nomeadamente, ao nível da comunicação interpessoal e da autonomia.
39.           Nada consta averbado no seu certificado do registo criminal.
V. Mais se provou das condições pessoais da arguida M____________ e a sua situação económica e das condutas anteriores e posteriores aos factos:
40. A arguida M____________ cresceu aos cuidados do médico da Vila do Nordeste, por opção dos seus progenitores, tendo beneficiado de um ambiente estruturado, coeso e afetivo, sendo a figura paterna um elemento presente em todos os momentos da sua vida. Frequentou o sistema de ensino em idade normal e saiu aos dezanove anos, por sua vontade. Entrou para a função pública aos vinte anos de idade, tendo trabalhado inicialmente como datilógrafa e, posteriormente, como escriturária, sendo funcionaria pública há trinta e sete anos, ainda que atualmente se encontre suspensa. Casou aos vinte e dois anos e teve três filhos, todos maiores de idade, encontrando-se um filho a frequentar a universidade e as filhas laboralmente ativas, residindo uma delas em território continental. O casal viveu sempre integrado no agregado de origem da arguida. Divorciou-se já na pendência do presente processo. Tem muitos conhecidos e amigos com quem partilhava momentos de convívio. É uma pessoa extrovertida, com capacidade de descentração, de autocrítica e de autocontrolo. No tempo livre, dedicava-se à família e à casa, tendo a pintura e decoração como hobbies. Face ao presente processo, tem sentimentos de elevada ansiedade, vergonha, considerando que esta situação afetou todas as esferas da sua vida, nomeadamente a nível pessoal, familiar, laborai e social. A pedido dos descendentes, mantém-se a residir na habitação, apesar de ter vendido a casa, e até estar concluído o presente processo, não mantendo qualquer relação de conjugalidade com o ex-marido. Conta com o forte apoio das suas filhas.
41. Nada consta averbado no seu certificado do registo criminal.
VI. Mais se provou das condições pessoais da arguida M____________e a sua situação económica e das condutas anteriores e posteriores aos factos:
42. A arguida M____________é oriunda de um agregado numeroso de condição socioeconómica e cultural favorável, que lhe proporcionou condições para concluir o ensino secundário. O ambiente familiar era afetivamente coeso. Tem uma filha, presentemente com - anos de idade, fruto do primeiro casamento. Começou a trabalhar aos 21 anos, em Lisboa, idade em que se autonomizou do agregado de origem e ingressou na função pública, como funcionária da -, funções que tem desempenhado ao longo da sua vida. Tem hábitos de trabalho interiorizados, constituindo-se para si a vertente profissional como uma área muito significativa na sua vida, na qual investiu e empenhou-se. Ingressou o FRC, neste contexto, em 1999, opção que lhe permitiu progredir na carreira e obter melhores condições de vida. Vivia sozinha numa primeira fase (a filha, já adulta, permaneceu em Lisboa) e, posteriormente, com outro cônjuge, com quem contraiu matrimónio em 2000. Regressou a Lisboa em 2010, após nova rutura conjugal, onde também passou a apoiar a filha. Permaneceu em situação de baixa médica durante algum tempo, optando aos - anos por requerer a reforma antecipada, que lhe foi concedida. Reside em -, após iniciar um relacionamento marital com o atual companheiro, com quem mantém um relacionamento gratificante, situação corroborada por aquele, que se constitui como o apoio afetivo mais próximo. Do ponto de vista económico verificam-se algumas fragilidades tendo em conta os encargos financeiros que ainda mantém. Recebe mensalmente uma pensão de reforma no valor de € 839,15 e tem despesas fixas relativas a renda de casa (e 325), manutenção de infraestruturas e telecomunicações (€ 125) e amortização de créditos (cerca dc € 200). O companheiro aufere o salário mínimo nacional como operário, comparticipa nas despesas da habitação. A arguida apresenta um estilo de vida globalmente ajustado, valorizando a interação com os elementos do agregado constituído a quem são associados comportamentos pró sociais. Tem juízo crítico e competências para avaliar causas e consequências dos factos. Manifesta preocupação quanto à situação jurídico- processual em que se encontra, sobretudo pelas consequências pessoais que dele possam advir.
43. Do ponto de vista psíquico, apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de perturbação do humor, muito provavelmente distimia, cujos sintomas terão surgido na década de 90, embora sem a virtualidade de distorção da sua capacidade de análise da realidade, como do que é certo e é errado.
44. Nada consta averbado no seu certificado do registo criminal.
Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.
*
Dos motivos de facto que fundamentam a decisão
§1. Quanto aos factos constantes do libelo acusatório, imputados às arguidas (grupo /), a nossa convicção assentou nas declarações confessórias destas (sem prejuízo das considerações infra §6. e §8.), de resto, totalmente concludentes com o vasto acervo documental constante dos autos, mormente os apensos A, B e C (listagens de pagamentos do FRC e documentação relativa à restituição das cauções da PDA), D e H (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________. a par das relações a lis. 64. 283-284, 370-374 e 377 e, concretamente quanto aos pagamentos indicados nos pontos 28. e 34., fls. 379, 445 e 725), E e G (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________, a par das relações a lis. 64. 232-239, 279-282,365-369, 374 e 377), I e J (acervo das ordens de pagamento emitidas através do programa S) e K (elementos bancários da conta titulada pela arguida M_________________. a par das relações a íls. 285 e 375-377).
Independentemente das questões relacionadas com a iniciativa, motivação e grau de participação de cada uma das arguidas e a repartição das quantias transferidas, certo é que cada uma confirmou os atos materiais que, conjuntamente, em comunhão de esforços e intentos (ficando arredada a alternativa de autorias singulares, ainda que paralelas), foram praticando ao longo dos anos, no contexto do exercício da atividade profissional na exígua Secção Administrativa e Financeira (SAF) e por ocasião das concretas funções que ali desempenhavam, resultando no desapossamento do FRC da quantia de Capital global de € 1.340.729,42 [de entre a qual a verba de € 659.018,13 respeita ao período de intervenção da arguida M____________(€ 403.279,87 transferidos para a conta bancária da arguida M____________, € 114.181,67 transferidos para a conta bancária da arguida M____________ e, por fim, € 141.556,59 transferidos para a conta bancária da própria arguida M_________________)].
§2. O estratagema em questão (apelidemos-lhe assim) - ampla e detalhadamente descrito em audiência, não só pelas arguidas (conforme o que cada uma pretendeu transmitir), mas também pela testemunha J____________, Presidente do Conselho Diretivo do assistente FRC desde 01.12.2012 (e cujas declarações, nesta parte, foram corroboradas, embora com menos detalhe, pela testemunha -, Técnica Superior no Governo Regional dos Açores cm exercício de funções no l'RC desde abril de 2014) — assentava, essencialmente, em dois vetores de confiança: internamente na SAF, entre as arguidas envolvidas, e externamente, perante o Conselho Diretivo, órgão incumbido de autorizar os pagamentos no âmbito das legais atribuições do FRC.
§2.1. O primeiro vetor permite explicar o passo inicial das arguidas M____________ e M____________ em 2002: independentemente de quem teve a ideia, de quem descobriu as fragilidades do sistema e de quem considerou que o estratagema seria de fácil execução e de sucesso garantido (conforme o futuro veio a demonstrar...), resultou claro das declarações de ambas as arguidas (que haviam inaugurado o serviço em 1997 e, neste contexto, vieram a desenvolver uma relação de amizade) que, para atingirem com êxito aquele resultado, precisariam uma da outra, isto é, qualquer uma delas não conseguiria, isoladamente, limpar o rasto da execução dos factos sem o muito provável - senão certo - conhecimento da outra, concorrendo, para esta conclusão, quer a dimensão da dita SAF (quanto às características do espaço físico e ao número de funcionárias), quer a circunstância de apenas existir (inicialmente, até à mudança de instalações) um só computador com acesso ao programa S (que operacionalizava as ordens de transferência após o “carregamento" da correspondente informação), quer o concreto núcleo funcional de cada uma [atentas as funções exercidas, detalhadamente explicadas, a manipulação dos dados no sistema informático e as ilegítimas ordens dc transferência para a(s) conta(s) bancária(s) titulada(s) por qualquer uma delas não passaria incólume à atenção e ao controlo da outra]. O primeiro vetor permite ainda explicar a entrada no estratagema da arguida M_________________, concretamente cerca de um ano após ter iniciado funções, em 2004, data em que foi cometida, pela Direção, da elaboração dos mapas em excel, designadamente em matéria de pescas, mapas este que, outrossim, instruíam a pasta que seguia para a aprovação do Conselho Diretivo, nos quais era (pela mesma) atestada a falsa informação de que determinado beneficiário deveria receber, nesse mês, um certo apoio/subsídio (c cuja ficha de cliente era momentaneamente alterada, quanto ao NIB do destinatário, para permitir o desvio desse montante), em razão do que (esta arguida) passou a ser uma peça da engrenagem fundamental para que, internamente (SAF), o gato escondido não deixasse a cauda de fora: na concreta área das pescas (circunscrita pela arguida M____________à sua atuação, e que. como resultou evidente, constituía um Forte manancial de verbas ginasticadas pelo FRC) a intervenção desta arguida passou a ser essencial quanto ao processamento da informação que, uma vez adulterada, constituía um dos alicerces do estratagema. A testemunha - reportou-se ainda a outra variante, qual seja a duplicação de afetação da mesma verba: após o desvio do correspondente montante, e quando confrontada (a SAF) com qualquer reclamação do beneficiário de que nada recebera (reclamação esta gerida pela própria arguida M____________, no âmbito das suas Funções de Coordenadora Técnica, também incumbida de fiscalização), a mesma fatura era clonada e sustentava um segundo pagamento (duplicado), associado a outra legítima ordem de pagamento (como terá sucedido, por exemplo, com os Bombeiros Voluntários da Praia da Vitória). Portanto, e em suma, apurou-se que os montantes desviados ora não se destinavam a qualquer cliente/beneficiário (pelo que ninguém nada reclamaria), aqui se inscrevendo também a apropriação das verbas correspondentes às cauções da EDA, ora eram clonados, a jusante, no seguimento do tratamento da reclamação (pelo que os beneficiários receberiam o pagamento e nada mais tinham a reclamar...). O engenho permitia que, intemamente, na SAF, o circuito ficasse blindado, pois estavam envolvidas as pessoas da cadeia quer da ação, quer da correspondente fiscalização.
§2.2. O segundo vetor permite explicar não só o sucesso estratagema enquanto tal (arrimado na autorização de pagamento da lavra do Conselho Diretivo), mas também a forte diminuição da probabilidade de vir a ser descoberto (alimentado, ao longo dos anos, com o êxito das operações antecedentes...): todas as arguidas referiram-se à solida confiança que lhes era depositada pelos membros do Conselho Diretivo, designadamente a sua Presidente até dezembro de 2012 (Dra. -), especialmente quanto à arguida M____________ que, atentas as suas funções de chefia da SAF, estabelecia funcionalmente a correspondente ponte entre uma e outro. Tal relação de confiança traduzia-se numa autorização de pagamento despida de efetivo controlo ou conferência da documentação, uma “assinatura de cruz” conforme elucidou esta arguida. As três arguidas sabiam, assim, que o órgão encarregue de tal autorização não cuidaria de examinar detalhadamente a informação - o que equivale a afirmar que a análise da pasta já era pelas mesmas esperada como sendo perfunctória —, confiando que seria executado aquilo que determinava, e, concomitantemente, sabiam que, em princípio não viria a ser detetada qualquer desconformidade, quer quanto à incorreção da informação do benefício do apoio/ subsídio, quer quanto ao NIB do destinatário (a janela do risco existia mas estava entreaberta), assim abrindo o caminho (ou não oferecendo qualquer barreira) à singela ordem de pagamento, materializada a jusante, na SAF, mediante o carregamento da informação, precisa e indistintamente por qualquer uma das arguidas M____________ e M____________, através do dito sistema S.
§3. Notámos em audiência - fortemente coberta pela comunicação social -, especialmente quando da inquirição das testemunhas J___________(e das declarações deste) e J___________, uma preocupação, sobretudo do assistente FRC, em deixar transparecer que o Conselho Diretivo nada podia razoavelmente controlar, que para tal seria necessário substituir-se às funções da SAF, que o volume de documentação (eletrónica ou eventualmente impressa) impossibilitava qualquer sindicância e que a confiança nas funcionárias, pelo menos desde 01.12.2012, não seria “cega” mas apenas “funcional”. Procurou-se, pois, colocar a nu, sem mácula, um comportamento irrepreensível do órgão de controlo. Ora, conforme salientámos por diversas vezes em audiência, não estamos nos autos a indagar quaisquer responsabilidades de atuação do assistente FRC ou dos membros dos seus órgãos - questão não inscrita no objeto do processo - mas estamos, tão só e apenas, a contextualizar a complexidade dos atos materiais que, com êxito, foram sendo praticados pelas arguidas ao longo dos anos, embrenhados na “ausência de controlo (até julho de 2016) por parte do FRAE e do FRC quanto à respetiva atuação no processamento dos pagamentos, o que lhes permitiu [as arguidas] perpetuar a actuação descrita pelo lapso de tempo referenciado, conforme se imputa no ponto 31. da acusação e no ponto 37. do pedido de indemnização cível (aqui sim, constituindo o objeto do processo). Mas, evidentemente, com maior ou menor grau de esforço, astúcia e adequação de procedimentos, não se poderá concluir que o Conselho Diretivo (em especial a presidência e o vogal que também tinha acesso ao programa S) estava, ao longo dos anos, coartado de exercer os poderes de fiscalização sobre a SAF (independentemente dos poderes de fiscalização da arguida M____________ dentro da própria SAI'), isto é, que não podia, compaginando a informação que lhe era apresentada (vasta, há que reconhecer), detetar desconformidades... (ainda que fiscalizando a fiscalizadora). Esta evidência é suportada pela forma da descoberta do estratagema: precisamente pelas ações — embora com alguma dilação temporal - iniciadas e continuamente levadas a efeito pela testemunha -, enquanto Presidente do FRC, concertadamente, a partir de abril de 2014, com a testemunha J___________. Ou seja, a demonstração da possibilidade efetiva de controlo é evidenciada pelo itinerário investigatório que o FRC entendeu levar por diante, quando da nova Direção, despoletado por - ao que se julgava à data - erros ou irregularidades contabilísticas e financeiras, na sequência do que, levantado o véu, foi alcançado o resultado espelhado na denúncia que veio a ser apresentada ao órgão de polícia criminal (conforme bem salientou a assistente ACRA nas alegações finais).
§4. Feita esta ressalva, acrescentamos que o engenho do estratagema das arguidas permitia, por um lado, que não houvesse divergências contabilísticas de relevo, assim acautelando que não seria descoberto num controlo a jusante quer a este nível (ROC, Tribunal de Contas, etc.), quer ao nível das reconciliações bancárias, e, por outro lado, que as verbas não fossem tendencialmente duplamente reivindicadas, pois assentavam naquele primeiro explanado modelo da canalização do segmento em nome de quem não iria receber o apoio/ subsidio [ou seja, não estavam predestinadas a ser transferidas para um beneficiário concorrente (na legitimidade) com as arguidas (na ilegitimidade)], assim acautelando que não houvesse qualquer voz que sinalizasse a falta de recebimento de determinada quantia ou, havendo, por que reclamada (junto da própria SAF na pessoa da arguida M____________), que existiria outra forma de sustentar a saída da mesma verba, qual seja mediante o clone da fatura nos termos também já supra explicados (§2.1.). Ademais, conforme esclareceu ainda a testemunha J___________, as verbas desviadas não eram de monta suficiente para ultrapassar o orçamento anual (financiado pela Região Autónoma dos Açores), pelo que não dava azo ao acendimento de qualquer luz vermelha a este respeito.
§5. Nesta arquitetura, o conluio entre as arguidas - mesmo sem embargo do grau de participação e da divergência das declarações das mesmas nos moldes que infra melhor explanaremos (§8.) - é evidente e de fácil compreensão: os atos materiais necessários para o efeito não passariam despercebidos às outras e o recebimento das verbas por todas comprometiam-nas com o segredo no qual residia a alma do negócio. E neste contexto que, de acordo com os esclarecimentos prestados pelas próprias arguidas M____________ e M____________, surgem as transferências indicadas no ponto 25. e 26. (ao que acrescerão outros depósitos a crédito na conta da arguida M____________, realizados pela arguida M_________________, conforme ambas referiram). A factualidade assente destrinça, no entanto, a (com)participação da arguida M_________________, nos moldes factuais delineados na acusação, circunscrita a um período temporal inferior face à conduta das duas demais arguidas, compatível com a explicação da mesma em audiência, e que já resultava do contexto global do libelo acusatório [daí a precisão que consignámos nas alíneas a) e b) do ponto 23 de que a atuação da arguida M____________circunscreve-se ao período temporal indicado na respetiva al. c)].
§6. No que concerne à conduta de cada qual, apenas a arguida M____________ apresentou duas reservas: o momento e contornos do acordo com a arguida M____________ (questão que será infra desenvolvida em §8.) e a manipulação do sistema informático. Quanto a esta segunda reserva, a arguida, embora tenha confirmado que procedeu a alterações (NIB do destinatário) no programa GESTOR, negou que também o tenha feito no programa S. A explicação, contudo, não colhe: não é crível que, como defendeu, “os nervos” (sic) a impedissem de manipular este último programa, mas não também o GESTOR – apenas porque o resultado daquele era definitivo e inalterável, enquanto neste a alteração do NIB da ficha de cliente era meramente temporária, permitindo a correção da informação e o regresso à situação anterior - pois para além de tudo de passar no conforto da sua secretária e num contexto concertado com as colegas de trabalho (o que afastava o risco de ser apanhada em flagrante) e de os atos materiais de manipulação serem idênticos (difere apenas o programa informático), a ordem de transferência, mormente para a sua conta bancária, era sempre efetuada pelo S, pelo que o correspondente registo de transferência (aquilo que deixaria - como deixou - rasto...) manter-se-ia incólume independentemente de quem houvesse procedido à alteração dos dados, e, em última análise, era mais uma informação que seguia para o Conselho Diretivo, a par daquela que já tinha sido veiculada a montante... De resto, no contexto de todo o estratagema, e inerente materialização, não faria sentido que a arguida M____________ ficasse na dependência da prática de um ato material da arguida M____________ (introdução da informação adulterada no sistema e manipulação de dados) quando essa matéria, no plano legítimo, lhe estava confiada pelo exercício das suas funções: se o fazia regularmente no que concerne ao universo dos clientes/ beneficiários, como sustentar, no plano lógico, que necessitaria da colaboração da arguida M____________ para a alteração de dados no âmbito de um esquema engenhosamente acertado entre ambas e com tamanho envolvimento, mormente nos anos iniciais, até à mudança de instalações (março de 2013 - cfr. depoimento de J___________), em que o computador da SAF com acesso ao programa S estava na sua secretária? a resposta não encontra eco no plano da normalidade. Presumimos, pois (presunção judicial), arrimados em regras de experiência comum e juízos de normalidade, que também esta arguida procedia às necessárias alterações no sistema S a fim da concretização dos desvios de dinheiro. Ademais, os registos definitivos dos desvios de dinheiro - que tamanhos alegados “nervos” lhe causariam e dos quais, como referiu, pretendia distanciar-se - sempre seriam e ficariam refletidos, na sua conta bancária, enquanto créditos, relativamente ao que nenhuma camuflagem poderia haver (assim concorrendo para arredar a lógica de tal argumentário).
§7. Escamoteadas as declarações das arguidas, nos moldes supra explanados, no que respeita aos factos imputados a cada uma, acrescentamos que ainda tomámos em linha de conta as declarações prestadas pelas mesmas, com a admissibilidade e valoração próprias de declarações de coarguido (sem que se tenha verificado a hipótese prevista no art. 345.º n.º 4 do CPP), no que respeita à conduta imputada às demais. Embora procurando atestar quadros diversos de graus de responsabilidade - conforme infra melhor explicaremos (§8.) — cada uma situou as demais no seio do estratagema, arredando qualquer autoria paralela (salvo uma referência procurada pela arguida M____________. quanto a pontuais períodos que alegou - mas não demonstrou - não ter estado ao serviço, em que a arguida M____________ não terá contado com a sua colaboração). Ou seja, não só cada uma das arguidas confessou os factos pessoais (ressalva feita ao exposto em §6.), mas também confirmou a (com)participação das restantes nos moldes imputados na acusação e que resultaram como assentes.
§8. Aqui chegados, resta tecer umas breves considerações concernentes à matéria que, embora não tenha sido formalmente alegada por nenhuma das arguidas em sede de contestação (em razão do que não está inscrita no tema do processo), não se mostra desprovida de relevo face ao disposto no art. 71° n° 2 als. a), b), c) e f) do CP, e que ocupou grande parte da primeira sessão da audiência de julgamento do dia 30.01.2018 e das alegações finais, qual seja a matéria já supra aflorada em §1.: (autoria da) idealização e iniciativa do estratagema, motivação, medida e grau de participação/ preponderância de uma(s) face a outra(s), ascendência, manipulação e/ ou instrumentalização de uma(s) por outra(s) e repartição das verbas. Clarificando, as arguidas M____________ e M____________ - pretensas amigas - em audiência investiram uma contra a outra, cada qual procurando atribuir à outra a idealização do estratagema e a preponderância de atuação. A primeira defendeu que fora “levada” pela segunda e esta, por seu turno, descreveu a primeira como sendo uma pessoa “manipuladora”. Cada uma pugnou que fora convencida pela outra, aliciada pela facilidade de um esquema apresentado e demonstrado pela outra (ou seja, não idealizado em conjunto), portanto, defendendo versões opostas e incompatíveis entre si. Por outro lado, não podendo fugir à inexorável evidência dos valores transferidos para as contas bancárias de cada uma (e ambas defenderam que abriram segundas contas precisamente para a finalidade ilícita), o combate processual entre as duas explica-se igualmente, a nosso ver, pelo destino último das verbas, procurando, cada qual, reduzir ou limitar a sua vantagem pessoal: enquanto a arguida M____________ pugnou por uma divisão na prática igualitária e equitativa [sem prejuízo do pedaço próprio da arguida M____________após esta ter embarcado no estratagema, o bolo era dividido pelas duas (M____________ e M____________), independentemente da conta creditada, cujos acertos fazia em numerário, sobretudo através dos inúmeros levantamentos em ATM, à razão do máximo de € 400,00 diários, destinados à entrega a M____________, já que a maior parte fora transferida para as suas contas], a arguida M____________ defendeu, por seu turno, que cada uma ficava apenas com o que era creditado nas suas contas, salvo pontuais acertos, havendo assim uma sensível diferença de benefício entre as duas (do que só veio a saber com a emergência deste processo, pois julgava, em todos aqueles anos. que as verbas que desviavam correspondiam a partes iguais...).
§8.2. Ora, para além do manifesto interesse que cada uma das referidas arguidas tem em sobrecarregar a outra com uma maior fatia da responsabilidade (na exata medida em que alivia ou aligeira a sua responsabilidade), não ficámos convencidos do posicionamento da verdade material (se é que está acoplada a alguma destas versões...), sendo certo que uma ou outra versão careceria de cabal corroboração (sob pena de cairmos no domínio da prevalência discricionária de quem teria melhor arte ou poder de convencimento) que, no caso, inexiste. A única certeza que temos, conforme resulta de tudo o exposto, prende-se com o empreendimento conjunto de todas na apropriação de valores que vieram a totalizar € 1.340.729.42 (sem embargo da limitação da responsabilidade da arguida M____________aos valores atinentes ao período apurado, conforme supra salientámos em §1., pois no mais (repartição) apenas as três arguidas se pronunciaram divergentemente, não tendo sido produzida outra prova para além dos elementos que sustentaram a demonstração do referido no ponto 28. e, bem assim, os acertos - não espelhados na acusação - entre as arguidas M____________ e M____________(do que é exemplo a transferência efetuada pela segunda à primeira evidenciada a fls. 15 do apenso H).
§8.3. Afirmamos esta falta de cabal prova - suscetível de corroborar as versões apresentadas por ambas (isto 6. cada uma defendendo a sua tese) — por nos distanciarmos das conclusões que cada qual sustentou nas alegações finais:
(i) se por um lado a arguida M____________ desempenhava funções de chefia - conceito que não se pode desligar do poder de autoridade funcional - e titulava a confiança que lhe havia sido depositada pela Direção, por outro lado a arguida M____________ era a principal utilizadora do único computador que, à data inicial e durante vários anos, tinha acesso ao programa S (instalado na sua secretaria; de outra forma seria lógico que a unidade estivesse instalada na secretária da chefe), o que a colocava em melhor posicionamento de manuseamento do sistema informático e de descoberta da filigrana das respetivas brechas;
(ii) a circunstância de os primeiros dois movimentos registados (30.10.2002 e 13.11.2002) terem sido efetuados para a conta da arguida M____________ não arreda a prévia conceção do plano entre as duas;
(iii) os encontros de contas em dinheiro defendidos pela arguida M____________ mostram-se contrariados pela falta de registo nos documentos bancários dos pretensos sucessivos levantamentos em numerário até perfazer metade do valor dos créditos (existem vários levantamentos em ATM mas não na descrita cadência diária, salvo situações pontuais — cff., a título de exemplo, fls. 139, 143 e 150 do apenso F - ocorrendo, note-se, o mesmo tipo de levantamentos na conta da arguida M____________), sendo certo que nenhum motivo plausível haveria para acertar as contas por esta via posto que a transferência bancária seria uma via muito mais fácil, rápida e segura (e nada haveria a esconder porquanto os créditos do FRC eram registados nos extratos bancários), conforme, aliás, veio a ocorrer (cfr. ponto 28.), do que é exemplo a transferência de 23.04.2009 (€ 8.372.57 são creditados na conta da arguida M____________ e, de seguida, esta transfere metade - € 4.186,29 - para a conta da arguida M____________ - fls. 110 do apenso E); considerações estas que, todavia, não legitimam a conclusão contrária, isto é, de que não tenha havido encontro de contas em numerário, nem é de estranhar que as arguidas possam ter combinado que uma maior parte das transferências seria feita para a conta da arguida M____________, designadamente sujeita a ulteriores acertos, e até mesmo, por hipótese, em determinados períodos que a arguida M____________ alegou (mas não comprovou) ter estado de baixa e ausente ao serviço (anos de 2005 e de 2008); a diferença de valores creditados nas várias contas não legitima, outrossim, a presunção de que cada uma era a exclusiva beneficiária de cada um dos montantes transferidos para as suas contas;
(iv) acresce que não ressaltou em audiência que alguma destas duas arguidas evidenciasse traços de uma personalidade mais fraca e apta à instrumentalização, nem tal resultou minimamente das declarações das testemunhas J___________e C________________(nunca as viram como partes fracas e sempre se relacionaram profissionalmente com ambas de forma alinhada com os cargos que estas desempenhavam);
(v) o pretenso papel secundário, satélite e desprovido de domínio da ressonância dos acontecimentos por parte da arguida M____________ é incompatível com a hegemonia descrita pela arguida M_________________, que situou aquela como a desafiadora do — e para o — estratagema (quem fez o contacto inicial e quem, insistindo, lhe telefonava);
(vi) a tão debatida questão do conhecimento, por banda da arguida M____________, do NIB da conta no BPI aberta pela arguida M____________ (e co titulada pelas suas filhas) é inócua, pois não é minimamente de estranhar que possa ter sido transmitida por esta àquela; e
(vii) por último, e de sobremaneira relevante, acolhendo hipoteticamente a explicação apresentada pela arguida M____________ (de que só beneficiou dos créditos transferidos para as suas contas bancárias), sempre ficaria por explicar a razão pela qual, a partir o seu aliciamento para o estratagema, em dezembro de 2002, nos primeiros seis meses (até maio de 2003 inclusive), ela - a aliciada/ manipulada - terá recebido € 10.539,46 enquanto a aliciadora/ manipuladora M____________ (somente) terá recebido € 4.041,58 (menos de metade!).
 E, no primeiro ano (isto é, de dezembro de 2002 a dezembro de 2003), ela - a aliciada/ manipulada - terá recebido € 22.105,08, enquanto a aliciadora/ manipuladora (somente) terá recebido € 15.684,6.              Não seria lógico, então, nesses passos iniciais, que a chefe houvesse recebido uma quantia superior?
§8.4. Em suma, e não descurando a utilização de verbas em beneficio próprio de cada uma das arguidas (pressuposto do plano gizado), desconhecemos, pois, sem possibilidade de encontrarmos qualquer rigor para além da dúvida razoável, o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as arguidas (as três), não sendo legítimo presumir, estanca e invariavelmente, que corresponde ao volume que cada uma beneficiou dos créditos em conta, pois não só registo de pontuais transferências bancárias, mas também toda a atuação revela-se num quadro de união e conjugação de esforços e intentos, tudo sem prejuízo das referidas transferências bancárias entre as mesmas, o que não é de estranhar (não tendo a virtualidade, todavia, de demonstrar que se destinavam a saldar as contas).
§8.5. Especificamente quanto à motivação, nada de relevo foi outrossim apurado, posto que as arguidas M____________ e M____________ não souberam - ou não quiseram - apresentar qualquer justificação plausível, tanto mais tendo ambas rejeitado carências económicas (sendo de igual forma descabida a alegação da arguida M____________ de que decidiu aceitar as entradas de dinheiro na sua conta por ser amiga da arguida M____________ e não pretender denunciá- la... então neste cenário, questionamos, não bastaria, simplesmente, nada denunciar? seria preciso receber - portando, forçosa e forçadamente - e beneficiar de dinheiro?) e a arguida M____________refugiou-se numa implausível necessidade de utilização de verbas (na ordem de mais de catorze dezenas de milhares de euros) em prol do “salvamento” da sua filha, declaração incongruente, aliás, com o depoimento desta última (no sentido de que recebeu da sua mãe um montante que não consegue quantificar, mas estima ser de € 50.00000 proveniente da venda do apartamento de Lisboa por cerca de € 60.000,00), tanto mais constando registado nos extratos bancários desta arguida aplicações financeiras em contas de depósito a prazo (€ 15.000,00 em 09.02.2006, € 9.000,00 em 24.10.2006, € 10.000,00 em 21.05.2007 e € 15.348.62 em 16.10.2007 - cfr. fls. 34, 36, 37 e 39 do apenso K) e em plano de poupança reforma (€ 500,00 em 31.12.2007 - fls. 39 do apenso K)...
§9. Relativamente à adicional matéria do pedido de indemnização cível (grupo //), considerámos ainda ao teor das declarações das arguidas [não só não produziram prova quanto ao pagamento do capital que ainda se encontra em dívida - art. 342° n” 2 do Código Civil (CC) - mas também confirmaram que nada liquidara a este respeito].
§10. No que concerne à matéria do enxertado incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (grupo III), atendemos ao relatório pericial a fls. 113 e ss. do apenso F e respetiva documentação (tendo o depoimento de CMM, Inspetora da Polícia Judiciária, sido inócuo a este propósito na medida em que nada mais adiantou).
§11. Por último, relativamente às condições pessoais das arguidas, a situação económica das mesmas e as condutas anteriores e posteriores aos factos (grupos IV, Ve VI), considerámos primeiramente o teor dos relatórios sociais  e dos certificado do registo criminal atualizados a fls. 875-87ÓV. e 857 (arguida M____________), a fls. 872-873v. e 858 (arguida M____________) e a fls. 868-869v. e 859 (arguida M_________________) e, bem assim, o teor do relatório pericial a fls. 863 e SS. (perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria, referente à arguida M_________________, elaborada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.). Concretamente quanto às condições económicas das arguidas, salientamos que o teor dos relatórios sociais é consentâneo: (i) não só com as já referenciadas informações bancárias, das quais resulta que os créditos provenientes das quantias apropriadas foram sendo paulatinamente debitados, na sua esmagadora maioria, em bens e serviços de consumo, tais como compras em conhecidos estabelecimentos de vestuário, de cabeleireiro, de cosmética e perfumaria, de relojoaria, de restauração, etc [o que ascende a largas centenas, senão milhares, de movimentos em débito — cfr. extratos constantes dos cit. apensos D, G (referentes às contas que as arguidas M____________ e M____________ referem terem sido abertas propositadamente para o efeito) e K.], não sendo conhecido outro património que não elencado no cit. exame pericial a fls. 113 e ss. do apenso F, (ii) mas também, extensível às demais considerações acerca da personalidade daquelas, com o depoimento das testemunhas arroladas.
*
Dos motivos de direito que fundamentam a decisão:
Sendo esta a factualidade assente por provada, cumpre agora proceder ao enquadramento jurídico-penal.
Da qualificação jurídica dos factos
A. Do crime de peculato
Vêm as arguidas acusadas da prática, em primeiro lugar, de um crime de peculato (na forma continuada), p. e p. pelo art. 375° n° 1 do CP, que dispõe o seguinte: “O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel ou imóvel ou animal, públicos ou particulares, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
O bem jurídico protegido na norma incriminadora apresenta uma dupla vertente: por um lado, tutela bens jurídicos patrimoniais, na medida em que criminaliza a apropriação ou oneração ilegítima de bens alheios; por outro, com maior preponderância, tutela a probidade e fidelidade no exercício de funções de titulares de cargos políticos, quando esse exercício está diretamente relacionado com direitos patrimoniais do Estado [neste sentido, vide. a título de exemplo, o Ac. STJ de 12-07-20 06  e o Ac. STJ de 25-05-2015 , ambos alinhados no Comentário Conimbricense do Código Penal: conforme sintetiza este último aresto, a "(...) ideia central no tocante ao hem jurídico protegido seria a da «salvaguarda da intangibilidade da legalidade material da Administração Pública» consubstanciada não só na protecção de bens jurídicos patrimoniais mas também e principalmente na tutela da probidade dos funcionários ou equiparados. Principalmente porquê? Porque o peculato é afinal, um abuso de confiança qualificado em razão da qualidade especial do agente, da função especial que desempenha em certo momento. O bem jurídico preponderante, aquele que confere particular especificidade ao tipo legal, é precisamente o da probidade ou fidelidade do funcionário interveniente, isto é, o da salvaguarda da atitude de observância rigorosa dos deveres no exercício de uma função pública ou equiparada (...)”].
O tipo objetivo preenche-se, no que ao caso interessa, quando o titular de cargo político, no exercício das suas funções, ilicitamente se apropria - em proveito próprio ou de outra pessoa - de dinheiro que lhe for acessível em razão das suas funções (isto c. quando a relação do agente com o bem deriva das funções que exerce). Trata-se, por isso, de um crime de resultado uma vez que a consumação depende da verificação da produção daquele resultado, passando a agir como se fora o correspondente proprietário.
O conceito normativo de funcionário vem definido no art. 386° do CP, abarcando, no que ao caso interessa, quem (à data dos factos) desempenha(va) atividade na função pública administrativa ou em organismos de utilidade pública.
O tipo subjetivo exige o dolo, sendo difícil cogitar outra modalidade que não a de dolo direto (na aceção normativa do art. 14° al. a) do CP).
Ora, subsumindo os factos provados ao direito, não podemos deixar de concluir que se encontra preenchidos os elementos típicos do sobredito crime, pois as três arguidas, funcionárias públicas (qualidade que as arguidas M____________ e M____________ mantêm presentemente), de comum acordo (gizado pelas arguidas M____________ e M____________, ao qual a arguida M____________veio a aderir) e concertadamente entre si - portanto, em coautoria (art. 26° do CP) - apropriaram-se ilegitimamente, no âmbito e no exercício das suas funções, em proveito próprio e/ ou das demais, das quantias apuradas, pertencentes ao FRC, creditadas nas contas bancárias de cada qual em resultado das transferências bancárias realizadas para esse mesmo efeito (independentemente de quem terá carregado os dados atinentes a cada uma das ordens de pagamento, ou seja, de quem terá executado parte dos actos no âmbito do acordo global estabelecido).
As três arguidas atuaram livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a agir na veste dos cargos públicos que ocupavam, correlativamente às funções que cada qual desempenhava, tendo, por isso, uma profunda consciência da ilicitude da sua conduta, a qual é típica, ilícita e culposa, na medida em que não se vislumbra a existência de qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa, ou que aquele tenha agido sob qualquer tipo de erro.
B. Do crime de falsidade informática
As arguidas M____________ e M____________ vêm ainda acusadas da prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º, n°s 1 a 3 e 5 da LC.
Conforme o autor Pedro Dias Venâncio bem salienta a este respeito, o “que qualifica este tipo legal como um crime informático em sentido estrito é o facto de os actos de falsificação incidirem sobre programa informático ou dados informáticos''’1.
Aquele artigo tipifica várias condutas nos seus n°s 1,2 e 3, infra melhor explanadas, e fixa uma punibilidade específica no seu n° 5 para o funcionário que pratique os factos no exercício das suas funções, elevando a moldura abstrata da pena de prisão para dois a cinco anos. 
Prescreve o n° I do preceito que é punido pelo crime “Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem”.
O bem jurídico protegido é a integridade dos sistemas de informação, pretendendo-se impedir “os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas redes e dados” (Ac. TRP de 24-04-2013).
O tipo objetivo prevê uma multiplicidade de forma de atuação sobre o tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos (daí a falsidade).
Para além do dolo genérico, a incriminação prevê dois elementos específicos do tipo: uma intenção de provocar engano nas relações jurídicas (abrangendo pela sua latitude - mas não esgotando - quer a intenção de obtenção de beneficio ilegítimo para si ou para terceiro, quer a intenção de causar prejuízo a terceiro), isto é, de “desvirtuar a demonstração dos factos que com aqueles dados podem ser comprovados” (Ac. TRP de 26-05-2015) e de que os dados sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes (ou seja, exige-se uma efetiva e prática colocação dos dados falseados no giro jurídico).
Ademais, se tais factos incidirem sobre dados registados em qualquer dispositivo que permita o acesso a sistema ou meio de pagamento, prevê-se no n° 2 que a pena deixa de ter a alternativa da multa (a título principal), passando a moldura penal a ser de um a cinco anos de prisão, estando aqui nitidamente consagrada uma especial proteção dos dados financeiros.
No n° 3 prevê-se a conduta de quem - com dolo, naturalmente - usa um documento produzido a partir de dados informáticos falseados através da ação descrita no n° 1 (ou cartão ou outro dispositivo no qual se encontrem registados ou incorporados dados através da ação descrita no n" 2), exigindo-se todavia, mais restritivamente, o dolo específico de intenção de obtenção de benefício ilegítimo para si ou para terceiro, quer a intenção de causar prejuízo a terceiro. Ou seja, a punição do n° 3 não se dirige a quem diretamente interferiu com o tratamento de dados informáticos, mas sim a quem usa um determinado documento produzido no âmbito daquela interferência.
No caso em apreço, a acusação circunscreve a atuação daquelas duas arguidas, neste específico domínio, às alterações introduzidas no sistema de gestão informática dos pagamentos S, e não - ou não também - ao uso de qualquer documento dele emanado, em razão do que não estamos perante a conduta descrita no n° 3.
Ambas as arguidas, concertadamente, alteraram a realidade dos factos no dito programa mediante a introdução do NIB das suas contas bancárias (e da arguida M_________________), assim produzindo dados informáticos não genuínos (sem correspondência com a verdade material), com a clara intenção de sustentarem as transferências bancárias, como se genuínos fossem, e de provocar engano na relação jurídica subjacente, qual seja a capa de licitude no recebimento de verbas, que sabiam não ter qualquer direito, provenientes do FRC, com referência a cada uma das operações, sendo assim inequívoco aqueles propósitos de “desvirtuar a demonstração dos fados que com aqueles dados podem ser comprovados” e de utilização para aquela finalidade de evidente e extrema relevância jurídica.
Nesta conformidade, para além de ser indubitável o preenchimento do tipo previsto no n° 1, está também verificada a hipótese prevista no n° 2, pois a conduta incidiu sobre dados registados em dispositivo que permitia o acesso a sistema de pagamento (a finalidade do S é, precisamente, o processamento dos pagamentos).
Este resultado, contudo, acaba por ser inócuo na medida em que a consequência legal do incremento da moldura abstrata é consumida pela verificação da previsão do n° 5 que, de seu turno, não estabelece qualquer destrinça entre a conduta do n° 1 ou do n° 2, limitando-se a reportar a qualquer um dos “factos referidos no número anterior''.
Assim sendo, mostra-se outrossim verificada a prática deste crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º n°s 1, 2 e 5 da LC, por ambas as arguidas em coautoria material.
Mesmo que, em sede de matéria de facto, tivéssemos entendido que somente a arguida M____________ havia procedido, materialmente, à alteração dos dados, conforme defendeu a arguida M____________, nem por isso esta estaria desassociada da prática deste crime de falsidade informática, pois os atos consubstanciadores deste coincidem em parte (na parte da execução) com os atos subjacentes à prática do crime peculato. Ou seja, estamos claramente perante um crime-meio, cuja prática surge indissociável do crime de peculato, precisamente porque o modus operandi pressupunha, indispensável e necessariamente, o falseamento dos dados informáticos (não havia outra hipótese de praticar o crime de peculato). Nesta conformidade, ainda que nunca tivesse interferido diretamente com os dados no sistema informático, esta prática estava pressuposta para o cometimento do crime de peculato, sendo por ela também querida neste sentido. Em suma, não se tratando de um crime de mão-própria ou de execução vinculada, também ela, arguida M____________, nesse cenário, o praticaria precisamente porque o tipo objetivo e subjetivo está totalmente integrado no modo da prática do crime de peculato, sendo deste indissociável.
Este crime só é punido desde 15.10.2009, data da entrada em vigor da LC (30 dias após a data da publicação, conforme dispõe o art. 32° do diploma, e art. 2.º n.º I do CP).
Do concurso de crimes
Aqui chegados, e também conduzidos pelas considerações que imediatamente antecedem quanto ao crime-meio, importa tomar posição acerca do concurso de crimes: real ou (meramente) ideal?
Trazemos aqui à colação, por identidade de razão, a jurisprudência que tem vindo a ser firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à relação entre os crimes de burla e de falsificação (Assento n° 3/92 no domínio do CP de 1982, Assento n° Assento 8/2000 no domínio das alterações ao CP introduzidas pelo Decreto-Lei 48/95 e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n° 10/2013 na sequência da alteração legislativa introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de setembro), que coloca a pedra de toque na bipolaridade de bens jurídicos protegidos: sendo diferente, e muito embora o crime de falsificação - leia-se aqui o crime de falsidade informática — constitua o meio daqueloutro (no caso, o crime de peculato), à pluralidade de tipos legais integrados deve corresponder, pois, uma pluralidade de crimes. Neste sentido, vide, a título de exemplo, o Ac. TRP de 14.09.2016   (no que respeita ao concurso real entre os crimes de burla informática e de falsidade informática) e o Ac. TRG de 09-03-2009 (no que respeita ao concurso real entre o crime de peculato e o crime de falsificação de documento, "mesmo que este seja um meio de realização daquele").
Em suma, estamos perante um concurso real de crimes.
D. Da unidade criminosa
Por último, importa aferir se estamos perante a verificação de vários crimes ou de um único crime na forma continuada na aceção normativa a que se refere o art. 30° n° 2 do CP. 
Conforme decorre do arl. 30° n° 1 do CP, o número de crimes, por regra, afere-se pelo número de vezes que a conduta do agente realiza o tipo legal ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Casos há, porém, excecionais, em que a pluralidade de crimes pode e deve ser enquadrada unitariamente, como se de um único crime se tratasse, do que é exemplo o crime continuado regulado naquele preceito legal.
Esta figura tem na sua génese a verificação de uma linha de continuidade psicológica que induza à persistência do tipo de crime referente, no quadro de um contexto exterior desculpabilizador, favorável a tal cometimento: uma única resolução criminosa equivale a um só crime, havendo pluralidade de resoluções mas no mesmo circunstancialismo fáctico e psicológico desculpabilizante, também haverá um só crime, mas continuado” (Ac. TRL de 29.03.2011 ). São pressupostos cumulativos da continuidade criminosa (í) a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico), (ii) a homogeneidade na forma de execução (iii) e a existência de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Assim sendo, tratando-se do mesmo tipo de crime, o número de vezes em que é preenchido conta-se pelo número de resoluções criminosas e, havendo mais do que uma resolução, a regra será a do concurso real de crimes. A continuação criminosa será uma exceção a aceitar quando a culpa do agente se mostre consideravelmente diminuída mercê de fatores exógenos que facilitem recaída(s) no âmbito de uma atuação homogenia (assim tomando o fim criminoso mais facilmente atingível).
Ora, feito este breve enquadramento, constatamos que, no caso, mostram-se verificados todos os aludidos pressupostos no que concerne a cada um dos tipos de crime, sendo notório não só modo homogéneo de execução das condutas balizadas pelo período temporal em questão (os factos assentes espelham estes comportamentos padrão), mas também o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior ou endógena consideravelmente facilitadora da repetição da atividade criminosa e, com isto, fortemente diminuidora da culpa, qual seja a falta de controlo do órgão que podia e devia exercê-lo, o que, globalmente considerado, aponta claramente para resoluções criminosas unitárias.
E. Inexistem quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade. Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos da punição, não podendo aquelas, pois, deixar de ser punidas pelos crimes efetivamente cometidos: um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos arts. 375° n° 1, 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 19° n° I, todos do CP, e, quanto às arguidas M____________ e M____________, também um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos arts. 3o n°s 1,2 e 5 da LC e 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 79° n° 1, todos do CP.
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Da escolha e determinação concreta da medida das penas
Atenta a qualificação jurídica da conduta praticada pelas arguidas, importa determinar as sanções penais a aplicar (penas principais parcelares e únicas e penas acessórias).
O crime de peculato é punido com pena de 1 a 8 anos de prisão e o crime de falsidade informática é punido com pena de 2 a 5 anos de prisão.
Os fins das penas são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade (art. 40” n° 1 do CP). Por seu turno, na determinação concreta da medida da pena deve atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção, conforme o disposto no art. 71° n° 1 do CP, aplicável ex vi do art. 47° n° 1 do mesmo diploma. Assim, é dentro da moldura da prevenção geral que, desde logo, deve a pena ser fixada, sendo orientada pelo limite máximo fornecido pelo grau de culpa do agente - referencial que o julgador nunca pode ultrapassar - e pelo limite mínimo correspondente à tutela ótima das expectativas comunitárias na validade dos preceitos normativos violados. Em segunda linha, o quantum concreto da pena deve ser ponderado pelas necessidades de prevenção especial, isto é, deve ser alcançado, por um lado, atendendo às exigências da ressocialização e reintegração do agente e, por outro lado, visando que o mesmo se abstenha da prática de novos ilícitos.
Ora, no caso dos autos, as necessidades de prevenção geral são assaz elevadas, tanto mais nas situações - como a dos autos - que envolvem verbas públicas, tendo o combate à criminalidade económico-financeira ganho especial protagonismo nas últimas duas décadas, nacional (essencialmente, no direito interno, desde a Lei n.º 36/94, de 29 de setembro) e internacionalmente, e, dentro deste universo, as preocupações próprias da tipologias da criminalidade contra o exercício de funções públicas (arts. 372.º e ss. do CP), vindo a alimentar um forte sentimento na comunidade de necessidade de pronta e eficaz resposta por parte da Justiça. Salientamos que estas necessidades de prevenção geral não se podem confundir com a mediatização deste tipo de processo - conforme sucede no caso sub judice -, à qual os julgadores são impermeáveis (corolário do principio da independência).
Essencialmente no que concerne à arguida M____________
De entre as hipóteses cogitavelmente cabíveis na norma incriminadora do crime de peculato, consideramos que o grau de ilicitude é muito elevado atento todo o contexto de atuação da arguida materializada no estratagema espelhado nos factos, ao longo dos anos, ao que acresce a natureza das suas funções de chefia. Objetivamente, o ilícito criminal revela-se, pois, gravíssimo, como bem salientou o Ministério Público em alegações finais, tendo os dinheiros públicos - totalizando uma significativa verba de € 1.340,729,42 - sido canalizados para a esfera privada desta e das demais arguidas [sendo coautora do crime em toda a sua dimensão, não assume especial relevância a circunstância de grande parte do montante global (€ 855.780,82) ter sido transferido para contas da sua titularidade].
O grau de culpa quanto ao mesmo crime é, outrossim, elevado, não só face à intensa e reiterada violação dos deveres profissionais que lhe eram impostos (uma vez mais em razão das funções de chefia), mas também considerando que agiu a coberto de uma relação de confiança (que defraudou) com os membros do Conselho Diretivo. Agiu arrimada - não nos traços de personalidade conhecidos e enaltecidos pelas testemunhas abonatórias, mas sim - num lado oculto da sua personalidade, sem pejo ou contrição durante os cerca de treze anos e nove meses que durou a conduta. Por outro lado, não apuramos qualquer motivação que permitisse explicar o sucedido, isto é, qualquer fator subjetivo que pudesse concorrer para a diminuição da culpa, tanto mais numa prática que durou tantos anos, permitindo-lhe naturalmente levarem um estilo de vida muito superior ao que resultaria dos seus rendimentos normais, conforme espelham os débitos dos extratos bancários (inclusivamente da conta aberta propositadamente com a finalidade de ser a recetora das verbas apropriadas, conforme esclareceu cm audiência), tendo adiantado que nada sobrou.
Notamos que no período em que agiu com as demais arguidas (de 07.12.2004 a 13.08.2009), o valor apropriado (de € 659.018,13. representado 49,15% do total) consiste numa média mensal de € 11.561,72, e, no período em que agiu apenas concertada com a arguida M____________ (até 07.12.2004 e após 13.08.2009), tal valor (de € 681.711,29, representado 50,85% da verba total) ascendeu a uma média mensal de € 6.254,23, o que bem demonstra a fluidez financeira que passaram a beneficiar, independentemente de não se ter apurado a concreta repartição (e, como as três referiram em audiência, tudo gastaram...).
Não podemos deixar de refutar a alegação da defesa, alicerçada nas declarações das testemunhas abonatórias, de que a arguida não levou (ou levava) uma vida de luxo. E certo que não há registo de dispêndios comumente associados ao luxo, tais como viagens a paraísos tropicais ou aquisição de imóveis e/ ou de automóveis topo de gama... Mas a luxuosidade de vida não se circunscreve ao ideário popular de atividades aparatosas ou extravagantes (paradigma dos reclames do euromilhões). Também é luxo a aquisição de bens ou o desenvolvimento de atividades que, embora não sejam necessárias, geram conforto e/ ou prazer, tanto mais quando os rendimentos normais não permitem esse tipo de aquisições. E é insofismável que o acréscimo financeiro proveniente das verbas apropriadas ao longo dos quase catorze anos (mesmo se houvesse merecido acolhimento a tese da repartição igualitária com a arguida M____________), alocou uma disponibilidade financeira muitíssimo superior, permitindo-lhe assim canalizar as verbas para o que bem entendeu, alinhado na dimensão daquilo que quis beneficiar a sua vida. Aqui consubstancia o seu luxo, desalinhado no estilo de vida regrado ou, pelo menos, compatível com os seus rendimentos.
Relativamente ao crime de falsidade informática, consideramos que aqueles graus não são tão acentuados na medida em que, como referimos, consubstancia um crime-meio daqueloutro (e seguramente não teria sido praticado despido daquele escopo), não tendo a alteração de dados sido especialmente desvaliosa, sem descurar, todavia, que a apurada finalidade de obtenção de um benefício económico (para si ou para terceiro) tem um peso mais gravoso do que outras equacionáveis no geral “engano nas relações jurídicas'', e que a conduta durou toda a vigência da Lei praticamente até à emergência deste processo.
O período temporal do decurso dos factos arreda qualquer cenário do ato isolado, irrefletido e marginal na vida da arguida. Pelo contrário, integrou a prática dos crimes no seu quotidiano e serviu-se de dinheiros públicos que não lhe pertenciam e não foram por si gerados.
A favor da arguida milita a confissão dos factos imputados que resultaram como provados (não obstante com reduzida relevância probatória atento todo o acervo documental junto aos autos e a prova testemunhal produzida), a ausência de antecedentes criminais e a integração a todos os níveis (familiar, profissional e social), embora não surpreenda - sendo antes normal - no domínio desta criminalidade, comumente denominada de crime das elites ou crime de colarinho branco. Aliás, foi a integração profissional que permitiu a prática dos crimes, contemporânea à integração familiar e social, ao longo dos (quase catorze) anos, o que não constituiu âncora suficiente para a demover do caminho que, livremente, escolheu.
São bastante consideráveis, pois, as exigências de prevenção especial que se fazem sentir.
Especialmente no que concerne à arguida M____________.
Damos aqui por reproduzidas todas considerações acima expendidas, muito embora temperadas, quanto ao grau de ilicitude, no facto de exercer um cargo relativo de menor responsabilidade, ou seja, não desempenhava funções de chefia (sem prejuízo, objetivamente, dentro do concreto cargo que ocupava, o grau de violação dos deveres que lhe estavam adstritos e igualmente elevado).
A favor da arguida concorre, adicionalmente, a devolução voluntária - com a emergência e na pendência do processo de inquérito - do montante transferido para as suas contas bancárias de € 343.392,01 (durante cerca de treze anos e seis meses), a par dos juros de mora vencidos liquidados pelo assistente FRC, constituindo um ato de comprometimento com a diminuição, nessa exata medida, das nefastas consequências económicas decorrentes da consumação do crime de peculato.
Especialmente no que concerne à arguida M_________________.
Renovamos igualmente todas considerações acima expendidas, assinalando que o grau de participação desta arguida é inferior, levando em linha de conta não só o inferior período temporal da atividade (cerca de quatro anos e oito meses), correlacionado com o menor valor desviado (fatia representativa de 49,15% da verba total), mas também a menor carga dos atos materiais levados a efeito na execução do crime, sendo certo, quanto ao grau de culpa, que a sua participação no crime de peculato teve lugar mediante adesão à conduta que já vinha sendo perpetrada pelas demais arguidas e no contexto da perturbação psiquiátrica que, desde antes dos factos, veio - como vem - sofrendo. 
Acresce que as necessidades de prevenção especial mostram-se amenizadas atenta a idade desta arguida (tem presentemente - anos), aliada à circunstância de já se encontrar aposentada, contexto em que, tendo deixado de ser funcionária, não terá condições objetivas para poder repetir ilícitos desta índole.
Ademais, ao contrário das outras duas arguidas, a cessação da atividade criminosa não se deu com a ocorrência do presente processo, pois afastou-se do seu trabalho e desta Ilha de S. Miguel uns anos antes (mesmo sabendo que ali contava com o seu mealheiro), vindo a atravessar um período de baixa, seguido da sua aposentação antecipada aos 60 anos de idade.
Assim sendo, sopesando todas as referidas circunstâncias, e tendo presente a moldura abstrata dos crimes e o disposto no art. 79° n° 1 do CP, afigura-se-nos necessário, justo, adequado e proporcional a aplicação, a título de penas principais:
a) quanto à arguida (1) M____________, de uma pena principal parcelar de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de peculato e de uma pena parcelar 3 anos de prisão pela prática do crime de falsidade informática; e, em cúmulo jurídico (art. 77° n°s l e 2 do CP) - tendo presente a culpa enquanto limite axiológico da punição e, em conjunto, os factos e a personalidade da arguida neles refletida, sobretudo a circunstância de este segundo elencado crime ter consubstanciado um crime-meio do primeiro - de uma pena principal única de 6 anos e 6 meses de prisão;
b) quanto à arguida (2) M____________, de uma pena principal parcelar de 5 anos de prisão pela prática do crime de peculato e de uma pena parcelar 3 anos de prisão pela prática do crime de falsidade informática; e, em cúmulo jurídico (cit. art. 77° n°s l e 2 do CP) - tendo presente os critérios acima explanados - de uma pena principal única de 6 anos de prisão; e
c) quanto à arguida M_________________, de uma pena principal de 4 anos de prisão pela prática do crime de peculato, cuja execução - sobretudo atendendo às circunstâncias (i) de ter cessado a sua conduta criminosa em agosto de 2009 (cerca de sete anos antes do presente processo), vindo a afastar-se voluntariamente do seu cargo profissional; (ii) de estar aposentada (estando assim objetiva e consideravelmente diminuído o risco de repetir semelhante conduta delituosa), auferindo uma pensão que, embora modesta, permite-lhe subsistir (dispondo assim de autonomia financeira); (iii) de não ter antecedentes criminais; (iv) de contar com o apoio familiar; (v) e de ter juízo crítico relativamente aos factos e ao tipo de crime em questão — consideramos que será de suspender na sua execução por idêntico período, na séria convicção deste Tribunal Coletivo de que a ameaça da sanção será suficiente para doravante a afastar da criminalidade, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que, para além do mais, especialmente preveja o acompanhamento psicológico, por forma à aquisição de valores essenciais à convivência social cuja desconsideração a levou à prática do ilícito em causa, com especial atenção na prevenção da reincidência, o que igualmente contribuirá para uma ressocialização mais conscienciosa e efetiva (arts. 50.º e 53.º n.ºs l e 2, ambos do CP). Atentas as condições económicas da arguida, não acompanhamos o entendimento do Ministério Público, do assistente FRC e da assistente de que a suspensão deverá estar condicionada ao pagamento (ainda que parcialmente) do pedido de indemnização civil, pois é evidente que a mesma sobrevive com a sua reforma, não tendo a mínima disponibilidade financeira para aquele efeito, em razão do que não seria curial condená-la no aludido dever (cfr. art. 51° n° 2 do CP).
No que concerne à pena acessória, temos por evidente a verificação das três hipóteses a que aludem as alíneas a), b) e c) do n° 1 do art. 66° do CP. Conforme refere Jorge de Figueiredo Dias a respeito dos pressupostos materiais desta pena acessória, que acompanhamos, “(…) o denominador comum dos pressupostos materiais ( . .) reside na ideia base de que, concomitantemente com o crime, foram gravemente violados deveres relativos a um correcto exercício daquela função, ou foi posto severamente em causa o respeito e a confiança requeridos para o exercício daquele cargo. De forma aproximativa poderá talvez dizer-se que a violação justificativa da pena acessória tem que ser vista não apenas do lado do crime cometido - esse, sancionado com a pena principal mas também do reflexo que este produz sobre a função que o agente exerce; e isto ainda mesmo quando a lei apela à «indignidade» do agente ou à «perda de confiança» para o exercício do cargo” .
No caso, para além do já exposto, entendemos que as arguidas praticaram os factos inequivocamente com flagrante e grave abuso das suas funções, e por causa destas, com manifesta e grave violação dos inerentes deveres de zelo e de salvaguarda dos interesses do assistente FRC, cujas condutas, por seu turno, revelam igualmente uma notória falta de dignidade no exercício dos cargos. Por fim, tais condutas implicam, lógica e naturalmente, por que soçobrada, a perda da necessária confiança ao exercício das funções (confiança esta na qual, aliás, se arrimou parte da conduta) correspondentes aos cargos que cada uma delas desempenha.
Neste quadro, afigura-se-nos necessário, justo, adequado e proporcional a aplicação às arguidas M____________ e M____________ da pena acessória de proibição do exercício de funções públicas pelo período de 4 anos quanto ao crime de peculato [não há lugar à aplicação de pena acessória quanto ao crime de falsidade informática, do que deverão ser absolvidas, porquanto as penas aplicadas são iguais - e não, por conseguinte, superiores - a 3 anos de prisão (atente-se no pressuposto formal a que alude a norma: “cometer crime punido com pena” e não “cometer crime punível com pena” - cfr. TRL de 12.04.2016 )], que se suspenderá enquanto aquelas estiverem privadas da liberdade em cumprimento das penas principais únicas (cfr. n.º 3 do preceito) e que se cumulará à pena única a aplicar a cada uma (art. 77" n" 4 do CP).
A aplicação de semelhante pena acessória à arguida M____________mostra-se prejudicada pela circunstância de facto impeditiva (do exercício de tais funções) de já se encontrar aposentada.
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Do pedido de indemnização civil
Dispõe o artigo 129° do CP que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Têm aplicação, assim, as regras da responsabilidade civil previstas nos artigos 483° e seguintes do CC, e da obrigação de indemnizar previstas nos artigos 562° e seguintes do mesmo Código. De acordo com o preceituado no primeiro referido comando legal, são pressupostos da responsabilidade civil:
(i) a existência de um facto voluntário do agente; (ii) a ilicitude de tal facto (mediante a violação de um direito de outrem ou violação de lei que protege interesses alheios); (iii) a culpa (ou nexo de imputação do facto ao lesante. enquanto juízo ou censura ético-jurídica por o mesmo não ter agido de modo diverso ao exigido pela ordem jurídica); (iv) O dano (isto é, que o facto ilícito tenha causado um prejuízo a alguém); e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso sub judice, tendo ficado demonstrada a responsabilidade penal das arguidas, ora demandadas, pela prática do aludido crime de peculato, mostram-se preenchidos, nesses termos, os supra referidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual no que respeita ao facto, à ilicitude e à culpa (conforme sinteticamente se refere no Ac. TRL de 18-09-2014l, mostram-se "integralmente verificados os indicados pressupostos da responsabilidade civil, uma ve: que o facto praticado pelo réu é ilícito, integrando do ponto de vista penal, a prática do crime de peculato (praticado a título doloso), tendo sido causa directa e necessária dos demonstrados danos provocados ao Estado").
Os danos apurados diretamente decorrentes do evento, com notória relação causal, compreendem o prejuízo patrimonial na exata medida dos valores apropriados pelas demandadas.
Encontram-se reunidos, assim, todos os pressupostos da responsabilidade aquiliana acima elencados, pelo que impende sobre as demandadas a obrigação de indemnizar o assistente FRC pelos prejuízos causados, cumprindo-lhes reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo, em conformidade com o disposto nos arts. 562° e 563° do CC.
No caso, os danos emergentes (art. 564º n.º l do CC) reconduzem-se ao valor de capital de € 997.337,41 (€ 855.780,82 + e 141.556.59), que deverá ser reduzido em € 0,10 por força do princípio do pedido, acrescido do valor de juros de mora vencidos às taxas legais variáveis aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, nos termos previstos pelo Decreto-Lei n° 73/99, de 16 de março (arts. 804° nº l, 805º n.º 2 al. b) e 806.º n.º l, todos do CC), e vincendos, até efetivo e integral pagamento, cuja responsabilidade pelo ressarcimento recai solidariamente sobre as três arguidas, nos termos previstos no art. 497° n° 1 do CC (sem qualquer restrição atinente aos valores concretamente transferidos para cada uma das contas bancárias, conforme procurou sustentar a arguida M____________ em sede de alegações orais).
Importa, no entanto, segmentar a responsabilidade solidária da arguida M____________apenas ao período em que a mesma praticou o crime, ou seja, entre 07.12.2004 e 13.08.2009, num total de capital de € 659.018,13 (correspondente ao somatório das seguintes três parcelas, conforme supra referimos: € 403.279,87 transferidos para a conta bancária da arguida M____________, € 114.181,67 transferidos para a conta bancária da arguida M____________ e, por fim. € 141.556.59 transferidos para a conta bancária da própria arguida M_________________), ao qual deverá ser deduzida a parcela já liquidada pela arguida M____________ de € 114.181,67, perfazendo o saldo de € 544.836,46, e correspondentes juros de mora vencidos e vincendos, nos moldes acima mencionados. 
Do incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (liquidação do património das arguidos M____________ e M____________)
A Lei n° 5/2002, de 11 de fevereiro, estabelece um regime especial de perda de bens a favor do Estado, designadamente relativa ao tipo de crime de peculato [art. 1.º al. f)] na exata medida da vantagem patrimonial da atividade criminosa, obtida, por presunção, pela diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, nos termos constantes dos arts. 7º a 12° desse diploma, comumente designado por perda alargada.
O Ministério Público desencadeou o incidente enxertado no processo, solicitando a perda a favor do Estado do património (i) quer da arguida M____________ no valor de € 300.978,17, do qual € 240.328,78 corresponde a montantes espelhados na acusação e a perda é requerida a título subsidiário (isto é, no cenário da improcedência, sucessivamente, do pedido de indemnização civil e da perda de vantagens) e € 60.649,78 não figura na acusação e é de origem desconhecida e presumidamente ilícita, (ii) quer da arguida M____________ no valor de € 116.739,07, que outrossim não figura na acusação e é de origem desconhecida e presumidamente ilícita.
Para efeitos deste regime especial, considera-se como património os bens que o visado detiver à data da sua constituição como arguido ou posteriormente, os bens transferidos para terceiro a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores àquela data e os bens recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como tal, ainda que não se consiga determinar o seu destino, conforme resulta do art. 7.º n°s 1 e 2 do cit. diploma.
Este incidente destina-se à declaração de perda a favor do Estado do valor correspondente à diferença entre valor do património do arguido, naquela conceção, e o valor que seja congruente com o seu rendimento lícito (art. 7.º n° do cii. diploma 1), ao contrário, pois, do que sucede na perda clássica de determinados bens a favor do Estado, no âmbito dos institutos previstos no CP de perda de instrumentos ou produtos do crime (arts. 109º e 110º desse Código) e de perda de vantagens (arts. 111º e 112º desse Código). Conforme sintetiza o autor João Conde Correia, cada um “destes mecanismos tem objetivos, campos e pressupostos diferentes, por forma a abranger um vasto leque de situações e a provar que, entre nós, o crime não compensa (...).
Correlacionadamente com tais “objetivos, campos e pressupostos diferentes”, coloca-se a questão de saber se o mecanismo da perda alargada pode - e deve - ser acionado (verificados que se mostrem, naturalmente, os respetivos requisitos de crime catálogo, património e incongruência com o rendimento lícito), mesmo que, de acordo com a factualidade imputada e demonstrada, se mostrem apuradas, ao cêntimo, as vantagens patrimoniais da conduta, isto é, mesmo que resulte assente um valor líquido (por que liquidado), certo e determinado (não está aberta a janela a determinadas vantagens não concretamente apuradas). Nesta arquitetura, questionamos: fará sentido lançar mão da presunção júris tantum consagrada no art. 7.º n° I do diploma para efeitos de apuramento de um valor relacionado com a atividade ilícita que, de seu turno, já é conhecido? isto é, se a presunção se destina normativamente à prova do facto desconhecido, porquê o recurso à mesma se o facto, afinal de contas, não é desconhecido?
A resposta afigura-se-nos evidente. Salvo o devido respeito pela opinião contrária, aquela indefinição e iliquidez da vantagem patrimonial decorrente da prática de um dos crimes catálogo merece a convocação da presunção para que, de acordo com parâmetros de razoabilidade, legalidade e contraditoriedade, se logre definir e liquidar o beneficio concreto da atividade relacionada com o ilícito criminal. Não se verificando aquele pressuposto, não fará sentido o recurso a este mecanismo (criado precisamente para colmatar as falhas dos já referidos institutos da perda clássica) e, concomitantemente, assinalar uma presunção quando, em boa verdade, nada haverá que presumir (posto que o conhecimento desse dado de facto foi obtido por outra via). Este resultado é tanto o mas claro na situação dos autos em que o período temporal abrangido pelo libelo acusatório abrange integralmente o período dos cinco anos anteriores à data da constituição das sobreditas identificadas como arguidas. Se a acusação contempla aquele período temporal e liquida, ao cêntimo, as vantagens patrimoniais das arguidas, correlacionadamente com a pratica do ilícito criminal, evidencia uma certeza quanto ao facto conhecido que, lógica e naluralmente, se sobrepõe à incerteza do facto desconhecido, ambos direcionados ao mesmo resultado.
Esta conclusão é consentânea com todo o espírito do mecanismo que, endogenamente, pretende garantir o confisco de bens mesmo que não seja possível a conexão entre os factos criminosos e a totalidade dos proventos obtidos fora da égide da origem lícita. Como também refere aquele autor a este respeito, “(...) Demonstrar que uma determinada coisa ou vantagem provém, de forma direta ou indireta, de um qualquer ilícito jurídico- criminal nem sempre será tarefa fácil ( . ..). Desta forma o legislador procura colmatar uma lacuna legal” - ou seja, face à impotência dos institutos de perda clássica - permitindo também a perda de bens que, com grande probabilidade, provêm da prática do crime" . Mas se, no caso, conforme explanámos, inexiste aquela dificuldade, estando a situação enquadrada no mecanismo clássico da perda de ventagens, não haverá que socorre-nos do mecanismo instituído para ultrapassar as fraquezas daquele,..
Em suma, não estando o crime de enriquecimento ilícito tipificado no nosso ordenamento jurídico , aquela presunção serve para se chegar - não a todo e qualquer resultado da prática de crimes, mas sim - a um resultado relacionado com o crime catálogo (esta é a sua matriz), em ordem ao apuramento das respetivas vantagens. E, no caso, inexiste essa impossibilidade - naturalística e normativamente - de se liquidar a totalidade dos valores recebidos mediante a prática do crime, nada mais resta para presumir já que o resultado mostra-se alcançado (com todo o rigor), sendo que o instituto clássico da perda de vantagens dá inteira cobertura e oferece integral resposta ao que se pretende salvaguardar.
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Do confisco de vantagens do crime:
Conforme supra enunciámos, o Ministério Público requer a perda a favor do Estado da producta sceleris, ou seja, o confisco das suas vantagens (art. 111" n°s I e 2 do CP). Fá-lo, cautelosamente, no final da acusação, subordinado à falta de condenação do pedido de indemnização cível que, à data, não tinha sido deduzido, em razão do disposto no art. 111.º o n° 2 do CP, na parte em que salvaguarda os direitos do ofendido. Trata-se, assim, de um mecanismo subsidiário. Ora, no caso dos autos, mercê da condenação daquelas arguidas no pedido de indemnização cível, este confisco soçobra necessariamente, por efeito da Lei.
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Do reexame das medidas de coação
Cabe ao Tribunal de julgamento proceder ao reexame de medida(s) de coação no acórdão sempre que necessário (art. 375° n° 4 do CPP), designadamente se soçobrarem as - ou parte das - necessidades cautelares.
No caso dos autos, as medidas de coação vigentes foram aplicadas às arguidas M____________ e M____________ em 19.12.2016.
O prazo de dois anos que alude o art. 215° n°s 1 al. c) e 2 al. d) do CPP não se encontra ultrapassado.
Consideramos que na presente data manlcm-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que, conjuntamente, justificaram a aplicação das medidas de coação de proibição dc aquelas arguidas se ausentarem desta Ilha de S. Miguel e de suspensão do exercício de funções públicas quanto aos perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, sendo que ambas vão condenadas em penas únicas principais de prisão efetiva e em penas únicas acessórias de proibição do exercício de funções públicas. Isto é, o juízo indiciário da prática dos factos deu lugar a um juízo de verdade jurídico-processual mercê da condenação de ambas, nestes moldes, nesta primeira instância. Assim sendo e em suma, temos por adequado, necessário e proporcional a manutenção daquelas medida de coação nos seus precisos termos.
O mesmo não sucede quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, lógica e naturalmente, findo que se mostra o julgamento da causa, em razão do que não há necessidade de manutenção da medida de coação de proibição de permanência no edificio afeto ao FRC.
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Da recolha de DNA e inserção na base de dados
Face à pena concretamente aplicada às três arguidas, haverá lugar à recolha de amostra de DNA e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei n° 5/2008, de 12 de fevereiro, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 8o n°s 2 e 5, 9o, 10°, 11°, 15° n° 1 al. e) e 18° n° 3 deste diploma. Com efeito, e contrariamente do que sucede noutras legislações congéneres, o legislador nacional assumiu inteiramente a responsabilidade de estabelecer, com exatidão, a linha delimitadora a partir da qual os dados genéticos devem passar a constar da base de dados, qual seja a condenação em pena de prisão igual ou superior a três anos, sem que haja lugar a qualquer juízo judicial acerca da respetiva justificabilidade ou, até mesmo, aplicabilidade.
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Das custas processuais
São devidas custas criminais pelas três arguidas, que compreendem a taxa de justiça a fixar entre 2 UC e 6 UC, de acordo com a complexidade da causa, e os encargos do processo, nos termos dos arts. 8o n° 9 e 16° do Regulamento das Custas Processuais e da respetiva tabela III anexa.
São também devidas custas cíveis pelo assistente/ demandante FRC e pelas arguidas/ demandadas, na proporção do respetivo decaimento (no que concerne ao primeiro, na improcedência da parte do pedido respeitante à arguida M_________________), atento O disposto no art. 527° n°s 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto do art. 523° do CPP.
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Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes que integram este Tribunal Coletivo:
I. Julgar parcialmente procedente a acusação pública e, em consequência:
1.1. Condenar a arguida M____________:
1.1.1. pela prática, em coautoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos arts. 375° n° 1, 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 79° n° 1, todos do Código Penal, na pena principal parcelar de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas;
1.1.2. pela prática, em coautoria, de um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos arts. 3o n°s 1, 2 e 5 da Lei n° 109/2009, de 15 de setembro, e 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 79° n° 1, todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, absolvendo-a da pena acessória de proibição de exercício de funções (com referência a este crime); e
1.1.3. em cúmulo jurídico, na pena principal única de ((seis) anos e (seis) meses de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções publicas;
1.2. Condenar a arguida Maria ____________:
1.2.1. pela prática, em coautoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos arts. 375° n° 1, 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 79° n° 1, todos do Código Penal, na pena principal parcelar de 5 (cinco) anos de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas;
1.2.2. pela prática, em coautoria, de um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos arts. 3o n°s 1, 2 e 5 da Lei n° 109/2009, de 15 de setembro, e 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 79° n° 1, lodos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, absolvendo-a da pena acessória de proibição de exercício de funções (com referência a este crime); e
1.2.3. em cúmulo jurídico, na pena principal única de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas.
1.3. Condenar a arguida M_____________pela prática, em coautoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos arts. 375° n° 1, 386° n° 1 al. d), 30° n° 1 e 79° n° 1, todos do Código Penal, na pena principal de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que, para além do mais, especialmente preveja o acompanhamento psicológico.
1.4. Julgar prejudicada a aplicação de uma pena acessória de proibição de exercício de funções públicas à arguida M__________________.
1.5. Julgar prejudicado o confisco de vantagens do crime.
2. Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/ demandante Fundo Regional de Apoio à Coesão e ao Desenvolvimento Económico [com referência ao valor de £ 997.337,31 (novecentos e noventa e sete mil, trezentos e trinta e sete euros e trinta e um cêntimos)] e, em consequência:
2.1.          Condenar as três arguidas/ demandadas M____________, Maria G____________ S… M… F… e M_____________no pagamento solidário, entre si, da quantia de capital de € 544.836,46 (quinhentos e quarenta e quatro mil, oitocentos e trinta e seis euros e quarenta c seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos (desde a data de cada uma das transferências realizadas para as contas das arguidas M____________ e M_____________no período compreendido entre 07.12.2004 c 13.08.2009) e vincendos, às taxas resultantes do Decreto-Lei n° 73/99, de 16 de março, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a arguida M_____________do remanescente peticionado contra a mesma;
2.2. Condenar as arguidas/ demandadas M____________ e Maria G____________ no pagamento solidário, entre si, da remanescente quantia de capital de € 452.500,85 (quatrocentos e cinquenta e dois mil, quinhentos euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos (desde a data de cada uma das transferências realizadas para as contas da arguida M____________ nos dois períodos compreendidos entre 30.10.2002 e 07.12.2004 e 14.08.2009 e 05.07.2016) e vincendos, às taxas resultantes do Decreto-Lei n° 73/99, de 16 de março, até efetivo e integral pagamento;
3. Julgar totalmente improcedente o incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (liquidação do património das arguidas M____________ e Maria G____________).
4. Manter as medidas de coação aplicadas às arguidas M____________ e Maria G____________ de se ausentarem desta Ilha de S. Miguel e de suspensão do exercício de funções públicas.
5. Determinar a recolha de amostra de DNA às arguidas M____________, Maria G____________ e Maria, e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei n° 5/2008, de 12 de Fevereiro.
6. Condenar as arguidas M____________, Maria G____________ e M_____________nas custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça para todas em 5 (cinco) UC.
7. Condenar o assistente/ demandante Fundo Regional de Apoio à Coesão e ao Desenvolvimento Económico e as arguidas/ demandadas M____________, Maria G____________ e M_____________nas custas cíveis do processo, na proporção do respetivo decaimento.
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Notifique e deposite.
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Extraia cópia do presente acórdão e arquive em pasta própria (acórdãos - Juiz 3).
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Comunique desde ao Tribunal de Execução de Penas e à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
Após o trânsito em julgado:
- remeta boletins à Direção de Serviços de Identificação Criminal;
- solicite à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a elaboração do plano individual de reinserção social, com referência ao determinado no ponto 1.3. do dispositivo.
- oficie o Instituto Nacional de Medicina Legal e Clínicas Forenses, I.P. com referência ao determinado no ponto 5. do dispositivo (arts. 16° c 1T da cit. Lei n“ 5/2008); e
- remeta certidão ao Tribunal de Execução de Penas, com nota do trânsito em julgado, com referência ao determinado nos pontos 1.1.3. e 1.2.3.. do dispositivo.
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Ponta Delgada, 14 de março de 2018”.
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Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.
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- (i) Na impugnação alargada da matéria de facto, com análise nos meios de prova produzidos e registados em audiência de julgamento (2.ª arguida)
Na sua motivação de recurso a 2.ª arguida, M____________, começa por impugnar a matéria de facto com reporte aos factos 23a, 23b, 23c, 25 e 26, tidos como incorrectamente julgados e considerados provados, insurgindo-se quanto ao pressuposto de que partiu o tribunal a quo para considerar a divisão parificada dos proventos do crime, não o podendo ter realizado. Alude às provas que impunham decisão diversa da recorrida, com alusão às declarações das arguidas, aos testemunhos de J___________e J___________, e à documentação reportada às transferências a crédito, aos montantes anuais e asos extractos bancários.
Em sede de alegações na audiência de julgamento nesta instância de recurso a defesa da mesma 2.ª arguida considerou que deveria ser apreciado por este tribunal de recurso, a título oficioso, uma contradição entre a fundamentação do acórdão recorrido, onde se suscitam dúvidas sobre o conteúdo do acordo estabelecido entre as arguidas, e os factos que vieram a ser considerados provados, pela mesma primeira instância, nos seus n.ºs 23a, 23b, 23c, 25 e 26, ao abrigo do disposto no Art.º 410.º, n.º 2, do CPPenal.
Cumpre apreciar.
A dimensão normativa estabelecida Código de Processo Penal relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:
a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no Art.º 410.º, n.º 2, referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;
b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no Art.º 412.º, n.º 3.
No que respeita ao conhecimento do recurso a que se refere o Art.º 410.º, n.º 2, importa referir que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência.
Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo tribunal. Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, que não se confunde com a insuficiência da prova produzida para a decisão de facto encontrada, só existe quando os factos dados como provados se não mostram suficientes para fundamentar a decisão proferida, por se constar que não foi apurada toda a matéria de facto relevante - e que é a constante da acusação ou da pronúncia e da contestação e, eventualmente, resultante da discussão da causa. Noutros termos, existe quando os factos apurados não são suficientes para o julgador alcançar a conclusão jurídica que alcançou. A contradição insanável da fundamentação verifica-se quando o mesmo facto é, simultaneamente, dado como provado e como não provado, quando são dados como provados factos contraditórios e quando existe contradição entre os factos provados e a sua fundamentação probatória, e, além disso, essa contraditoriedade, em qualquer das suas formas, não pode ser ultrapassada, sanada. O erro notório na apreciação da prova é o erro manifesto, evidente, ostensivo, patente, o erro que não escapa ao cidadão comum, ao homem de formação média.
Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.
Da análise do acórdão proferido em primeira instância nenhum vício a que se refere o Art.º 410.º estará evidenciado pelo que nesta dimensão do recuso sobre a matéria de facto não há que questionar a decisão em qualquer factualidade essencial.
Isto não nos impedirá, neste domínio, proceder a uma alteração de pormenor da factualidade considerada provada, de forma a melhor compatibilizar o enunciado fáctico com o sentido probatório que se encontra definido na fundamentação fáctica do acórdão condenatório em apreciação.
Mas, analisando agora cada um dos vícios respeitante à impugnação estrita da matéria de facto (Art.º 410.º, n.º 2, do CPPenal).
Começando pela insuficiência da matéria de facto.
Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que no caso está em causa, consubstancia a inexistência de factos provados suficientes, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, para proferir a decisão de direito isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa ou que resultaram da audiência ou nela deveriam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão – cf. neste sentido o Acórdão do STJ de 20/4/2006 processo n.º 06P363, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bfaf1cea93ab75fb8025716200388d89?OpenDocument&Highlight=0,cipriano.
Tudo isto desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Ora no caso dos autos importa começar por referir que o acórdão proferido nos autos seguiu-se à audiência de julgamento que decorreu com a presença das arguidas que prestaram declarações, tendo-se procedido a toda a produção dos meios de prova que se encontram descritos na mesma decisão condenatória.
Os factos que constam no acórdão dizem respeito aos elementos típicos dos mencionados crimes de peculato e de falsificação informática (com o circunstancialismo da situação fáctica das vidas das co-arguidas relatada na fundamentação e nos “factos provados”), às circunstâncias em que os mesmos crimes terão sido cometidos, com descrição dos elementos de cariz objectivo e subjectivo, para além das situações pessoais das arguidas.
Todas as exigências de prova foram prosseguidas antes da deliberação e do proferimento do acórdão, o qual levou em linha de conta todos os meios de prova produzidos em julgamento, expressamente referidos na fundamentação.
E sobre esta dimensão, sobejam razões ao tribunal do recurso para considerar como válidas as conclusões e a valorização que o tribunal a quo retirou das declarações das arguidas, do robusto acervo documental e pericial e dos vários testemunhos assinalados, prova essas devidamente cotejada, analisada e valorizada.
Nestes termos, não se vislumbra qualquer insuficiência de matéria de facto.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova.
O erro notório tem sido considerado como aquele em que se incorre numa apreciação dos factos que contrarie o senso comum, por ser contrário com os factos históricos do conhecimento geral, com as leis da lógica ou da natureza ou que se considere que exista uma ofensa dos conhecimentos criminológicos e vitimológicos (para esta síntese, considere a anotação ao Art.º 410.º do CPPenal, em Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, ob. cit., a pp. 1101-1124. Assim, constituiria um erro notório na apreciação da matéria da prova, por exemplo, a descoberta de uma incoerência lógica entre os meios de prova invocados na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova. Isto é, caso o tribunal a quo tivesse dado uma valorização evidente a determinada documentação e depois viesse a dar como provada determinados factos que contrariassem, sem mais, esse documento.
Verifica-se no entanto, ao invés, que o tribunal recorrido procedeu a uma análise crítica dos meios de prova (declarações das arguidas, depoimentos testemunhais e acervos documentais e periciais) que não se encontram em contradição evidente entre si. E que o tribunal não deixou de valorizar e enquadrar devidamente, segundo uma apreciação a todos os títulos clara, razoável e justificada.
Foram cotejados os seguintes meios de prova:
- declarações parcialmente confessórias das arguidas;
- acervo documental dos autos, mormente os apensos A, B e C (listagens de pagamentos do FRC e documentação relativa à restituição das cauções da PDA), D e H (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________. a par das relações a lis. 64. 283-284, 370-374 e 377 e, concretamente quanto aos pagamentos indicados nos pontos 28. e 34., fls. 379, 445 e 725), E e G (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________, a par das relações a fls. 64. 232-239, 279-282,365-369, 374 e 377), I e J (acervo das ordens de pagamento emitidas através do programa S) e K (elementos bancários da conta titulada pela arguida M_________________. a par das relações a fls. 285 e 375-377);
- relatório pericial do incidente de liquidação;
- relatórios sociais e certificados do registo criminal;
- depoimentos testemunhais de J____________ (presidente do Conselho do FRC), -------- (técnica superior do Governo Regional) e -------- (inspectora da Polícia Judiciária); e
- outros depoimentos testemunhais relativos às condições pessoais, sociais e económicas das arguidas.
Pelo tribunal a quo é descrita e valorizada esta sequência de declarações prestadas pelas co-arguidas, pelas testemunhas e também de outros meios de prova (designadamente a prova documental de diversa origem), nos seguintes moldes:
§1. Quanto aos factos constantes do libelo acusatório, imputados às arguidas (grupo /), a nossa convicção assentou nas declarações confessórias destas (sem prejuízo das considerações infra §6. e §8.), de resto, totalmente concludentes com o vasto acervo documental constante dos autos, mormente os apensos A, B e C (listagens de pagamentos do FRC e documentação relativa à restituição das cauções da PDA), D e H (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________. a par das relações a lis. 64. 283-284, 370-374 e 377 e, concretamente quanto aos pagamentos indicados nos pontos 28. e 34., fls. 379, 445 e 725), E e G (elementos bancários das contas tituladas pela arguida M____________, a par das relações a lis. 64. 232-239, 279-282,365-369, 374 e 377), I e J (acervo das ordens de pagamento emitidas através do programa S) e K (elementos bancários da conta titulada pela arguida M_________________. a par das relações a íls. 285 e 375-377).
Independentemente das questões relacionadas com a iniciativa, motivação e grau de participação de cada uma das arguidas e a repartição das quantias transferidas, certo é que cada uma confirmou os atos materiais que, conjuntamente, em comunhão de esforços e intentos (ficando arredada a alternativa de autorias singulares, ainda que paralelas), foram praticando ao longo dos anos, no contexto do exercício da atividade profissional na exígua Secção Administrativa e Financeira (SAF) e por ocasião das concretas funções que ali desempenhavam, resultando no desapossamento do FRC da quantia de Capital global de € 1.340.729,42 [de entre a qual a verba de € 659.018,13 respeita ao período de intervenção da arguida M____________(€ 403.279,87 transferidos para a conta bancária da arguida M____________, € 114.181,67 transferidos para a conta bancária da arguida M____________ e, por fim, € 141.556,59 transferidos para a conta bancária da própria arguida M_________________)].
§2. O estratagema em questão (apelidemos-lhe assim) - ampla e detalhadamente descrito em audiência, não só pelas arguidas (conforme o que cada uma pretendeu transmitir), mas também pela testemunha J____________, Presidente do Conselho Diretivo do assistente FRC desde 01.12.2012 (e cujas declarações, nesta parte, foram corroboradas, embora com menos detalhe, pela testemunha CB…, Técnica Superior no Governo Regional dos Açores cm exercício de funções no l'RC desde abril de 2014) — assentava, essencialmente, em dois vetores de confiança: internamente na SAF, entre as arguidas envolvidas, e externamente, perante o Conselho Diretivo, órgão incumbido de autorizar os pagamentos no âmbito das legais atribuições do FRC.
§2.1. O primeiro vetor permite explicar o passo inicial das arguidas M____________ e M____________ em 2002: independentemente de quem teve a ideia, de quem descobriu as fragilidades do sistema e de quem considerou que o estratagema seria de fácil execução e de sucesso garantido (conforme o futuro veio a demonstrar...), resultou claro das declarações de ambas as arguidas (que haviam inaugurado o serviço em 1997 e, neste contexto, vieram a desenvolver uma relação de amizade) que, para atingirem com êxito aquele resultado, precisariam uma da outra, isto é, qualquer uma delas não conseguiria, isoladamente, limpar o rasto da execução dos factos sem o muito provável - senão certo - conhecimento da outra, concorrendo, para esta conclusão, quer a dimensão da dita SAF (quanto às características do espaço físico e ao número de funcionárias), quer a circunstância de apenas existir (inicialmente, até à mudança de instalações) um só computador com acesso ao programa S (que operacionalizava as ordens de transferência após o “carregamento" da correspondente informação), quer o concreto núcleo funcional de cada uma [atentas as funções exercidas, detalhadamente explicadas, a manipulação dos dados no sistema informático e as ilegítimas ordens dc transferência para a(s) conta(s) bancária(s) titulada(s) por qualquer uma delas não passaria incólume à atenção e ao controlo da outra]. O primeiro vetor permite ainda explicar a entrada no estratagema da arguida M_________________, concretamente cerca de um ano após ter iniciado funções, em 2004, data em que foi cometida, pela Direção, da elaboração dos mapas em excel, designadamente em matéria de pescas, mapas este que, outrossim, instruíam a pasta que seguia para a aprovação do Conselho Diretivo, nos quais era (pela mesma) atestada a falsa informação de que determinado beneficiário deveria receber, nesse mês, um certo apoio/subsídio (c cuja ficha de cliente era momentaneamente alterada, quanto ao NIB do destinatário, para permitir o desvio desse montante), em razão do que (esta arguida) passou a ser uma peça da engrenagem fundamental para que, internamente (SAF), o gato escondido não deixasse a cauda de fora: na concreta área das pescas (circunscrita pela arguida M____________à sua atuação, e que. como resultou evidente, constituía um Forte manancial de verbas ginasticadas pelo FRC) a intervenção desta arguida passou a ser essencial quanto ao processamento da informação que, uma vez adulterada, constituía um dos alicerces do estratagema. A testemunha J___________reportou-se ainda a outra variante, qual seja a duplicação de afetação da mesma verba: após o desvio do correspondente montante, e quando confrontada (a SAF) com qualquer reclamação do beneficiário de que nada recebera (reclamação esta gerida pela própria arguida M____________, no âmbito das suas Funções de Coordenadora Técnica, também incumbida de fiscalização), a mesma fatura era clonada e sustentava um segundo pagamento (duplicado), associado a outra legítima ordem de pagamento (como terá sucedido, por exemplo, com os Bombeiros Voluntários da Praia da Vitória). Portanto, e em suma, apurou-se que os montantes desviados ora não se destinavam a qualquer cliente/beneficiário (pelo que ninguém nada reclamaria), aqui se inscrevendo também a apropriação das verbas correspondentes às cauções da EDA, ora eram clonados, a jusante, no seguimento do tratamento da reclamação (pelo que os beneficiários receberiam o pagamento e nada mais tinham a reclamar...). O engenho permitia que, intemamente, na SAF, o circuito ficasse blindado, pois estavam envolvidas as pessoas da cadeia quer da ação, quer da correspondente fiscalização.
§2.2. O segundo vetor permite explicar não só o sucesso estratagema enquanto tal (arrimado na autorização de pagamento da lavra do Conselho Diretivo), mas também a forte diminuição da probabilidade de vir a ser descoberto (alimentado, ao longo dos anos, com o êxito das operações antecedentes...): todas as arguidas referiram-se à solida confiança que lhes era depositada pelos membros do Conselho Diretivo, designadamente a sua Presidente até dezembro de 2012 (Dra. O…), especialmente quanto à arguida M____________ que, atentas as suas funções de chefia da SAF, estabelecia funcionalmente a correspondente ponte entre uma e outro. Tal relação de confiança traduzia-se numa autorização de pagamento despida de efetivo controlo ou conferência da documentação, uma “assinatura de cruz” conforme elucidou esta arguida. As três arguidas sabiam, assim, que o órgão encarregue de tal autorização não cuidaria de examinar detalhadamente a informação - o que equivale a afirmar que a análise da pasta já era pelas mesmas esperada como sendo perfunctória —, confiando que seria executado aquilo que determinava, e, concomitantemente, sabiam que, em princípio não viria a ser detetada qualquer desconformidade, quer quanto à incorreção da informação do benefício do apoio/ subsídio, quer quanto ao NIB do destinatário (a janela do risco existia mas estava entreaberta), assim abrindo o caminho (ou não oferecendo qualquer barreira) à singela ordem de pagamento, materializada a jusante, na SAF, mediante o carregamento da informação, precisa e indistintamente por qualquer uma das arguidas M____________ e M____________, através do dito sistema S.
§3. Notámos em audiência - fortemente coberta pela comunicação social -, especialmente quando da inquirição das testemunhas J___________(e das declarações deste) e J___________, uma preocupação, sobretudo do assistente FRC, em deixar transparecer que o Conselho Diretivo nada podia razoavelmente controlar, que para tal seria necessário substituir-se às funções da SAF, que o volume de documentação (eletrónica ou eventualmente impressa) impossibilitava qualquer sindicância e que a confiança nas funcionárias, pelo menos desde 01.12.2012, não seria “cega” mas apenas “funcional”. Procurou-se, pois, colocar a nu, sem mácula, um comportamento irrepreensível do órgão de controlo. Ora, conforme salientámos por diversas vezes em audiência, não estamos nos autos a indagar quaisquer responsabilidades de atuação do assistente FRC ou dos membros dos seus órgãos - questão não inscrita no objeto do processo - mas estamos, tão só e apenas, a contextualizar a complexidade dos atos materiais que, com êxito, foram sendo praticados pelas arguidas ao longo dos anos, embrenhados na “ausência de controlo (até julho de 2016) por parte do FRAE e do FRC quanto à respetiva atuação no processamento dos pagamentos, o que lhes permitiu [as arguidas] perpetuar a actuação descrita pelo lapso de tempo referenciado, conforme se imputa no ponto 31. da acusação e no ponto 37. do pedido de indemnização cível (aqui sim, constituindo o objeto do processo). Mas, evidentemente, com maior ou menor grau de esforço, astúcia e adequação de procedimentos, não se poderá concluir que o Conselho Diretivo (em especial a presidência e o vogal que também tinha acesso ao programa S) estava, ao longo dos anos, coartado de exercer os poderes de fiscalização sobre a SAF (independentemente dos poderes de fiscalização da arguida M____________ dentro da própria SAI'), isto é, que não podia, compaginando a informação que lhe era apresentada (vasta, há que reconhecer), detetar desconformidades... (ainda que fiscalizando a fiscalizadora). Esta evidência é suportada pela forma da descoberta do estratagema: precisamente pelas ações — embora com alguma dilação temporal - iniciadas e continuamente levadas a efeito pela testemunha J___________, enquanto Presidente do FRC, concertadamente, a partir de abril de 2014, com a testemunha J___________. Ou seja, a demonstração da possibilidade efetiva de controlo é evidenciada pelo itinerário investigatório que o FRC entendeu levar por diante, quando da nova Direção, despoletado por - ao que se julgava à data - erros ou irregularidades contabilísticas e financeiras, na sequência do que, levantado o véu, foi alcançado o resultado espelhado na denúncia que veio a ser apresentada ao órgão de polícia criminal (conforme bem salientou a assistente ACRA nas alegações finais).
§4. Feita esta ressalva, acrescentamos que o engenho do estratagema das arguidas permitia, por um lado, que não houvesse divergências contabilísticas de relevo, assim acautelando que não seria descoberto num controlo a jusante quer a este nível (ROC, Tribunal de Contas, etc.), quer ao nível das reconciliações bancárias, e, por outro lado, que as verbas não fossem tendencialmente duplamente reivindicadas, pois assentavam naquele primeiro explanado modelo da canalização do segmento em nome de quem não iria receber o apoio/ subsidio [ou seja, não estavam predestinadas a ser transferidas para um beneficiário concorrente (na legitimidade) com as arguidas (na ilegitimidade)], assim acautelando que não houvesse qualquer voz que sinalizasse a falta de recebimento de determinada quantia ou, havendo, por que reclamada (junto da própria SAF na pessoa da arguida M____________), que existiria outra forma de sustentar a saída da mesma verba, qual seja mediante o clone da fatura nos termos também já supra explicados (§2.1.). Ademais, conforme esclareceu ainda a testemunha J___________, as verbas desviadas não eram de monta suficiente para ultrapassar o orçamento anual (financiado pela Região Autónoma dos Açores), pelo que não dava azo ao acendimento de qualquer luz vermelha a este respeito.
§5. Nesta arquitetura, o conluio entre as arguidas - mesmo sem embargo do grau de participação e da divergência das declarações das mesmas nos moldes que infra melhor explanaremos (§8.) - é evidente e de fácil compreensão: os atos materiais necessários para o efeito não passariam despercebidos às outras e o recebimento das verbas por todas comprometiam-nas com o segredo no qual residia a alma do negócio. E neste contexto que, de acordo com os esclarecimentos prestados pelas próprias arguidas M____________ e M____________, surgem as transferências indicadas no ponto 25. e 26. (ao que acrescerão outros depósitos a crédito na conta da arguida M____________, realizados pela arguida M_________________, conforme ambas referiram). A factualidade assente destrinça, no entanto, a (com)participação da arguida M_________________, nos moldes factuais delineados na acusação, circunscrita a um período temporal inferior face à conduta das duas demais arguidas, compatível com a explicação da mesma em audiência, e que já resultava do contexto global do libelo acusatório [daí a precisão que consignámos nas alíneas a) e b) do ponto 23 de que a atuação da arguida M____________circunscreve-se ao período temporal indicado na respetiva al. c)].
§6. No que concerne à conduta de cada qual, apenas a arguida M____________ apresentou duas reservas: o momento e contornos do acordo com a arguida M____________ (questão que será infra desenvolvida em §8.) e a manipulação do sistema informático. Quanto a esta segunda reserva, a arguida, embora tenha confirmado que procedeu a alterações (NIB do destinatário) no programa GESTOR, negou que também o tenha feito no programa S. A explicação, contudo, não colhe: não é crível que, como defendeu, “os nervos” (sic) a impedissem de manipular este último programa, mas não também o GESTOR – apenas porque o resultado daquele era definitivo e inalterável, enquanto neste a alteração do NIB da ficha de cliente era meramente temporária, permitindo a correção da informação e o regresso à situação anterior - pois para além de tudo de passar no conforto da sua secretária e num contexto concertado com as colegas de trabalho (o que afastava o risco de ser apanhada em flagrante) e de os atos materiais de manipulação serem idênticos (difere apenas o programa informático), a ordem de transferência, mormente para a sua conta bancária, era sempre efetuada pelo S, pelo que o correspondente registo de transferência (aquilo que deixaria - como deixou - rasto...) manter-se-ia incólume independentemente de quem houvesse procedido à alteração dos dados, e, em última análise, era mais uma informação que seguia para o Conselho Diretivo, a par daquela que já tinha sido veiculada a montante... De resto, no contexto de todo o estratagema, e inerente materialização, não faria sentido que a arguida M____________ ficasse na dependência da prática de um ato material da arguida M____________ (introdução da informação adulterada no sistema e manipulação de dados) quando essa matéria, no plano legítimo, lhe estava confiada pelo exercício das suas funções: se o fazia regularmente no que concerne ao universo dos clientes/ beneficiários, como sustentar, no plano lógico, que necessitaria da colaboração da arguida M____________ para a alteração de dados no âmbito de um esquema engenhosamente acertado entre ambas e com tamanho envolvimento, mormente nos anos iniciais, até à mudança de instalações (março de 2013 - cfr. depoimento de J___________), em que o computador da SAF com acesso ao programa S estava na sua secretária? a resposta não encontra eco no plano da normalidade. Presumimos, pois (presunção judicial), arrimados em regras de experiência comum e juízos de normalidade, que também esta arguida procedia às necessárias alterações no sistema S a fim da concretização dos desvios de dinheiro. Ademais, os registos definitivos dos desvios de dinheiro - que tamanhos alegados “nervos” lhe causariam e dos quais, como referiu, pretendia distanciar-se - sempre seriam e ficariam refletidos, na sua conta bancária, enquanto créditos, relativamente ao que nenhuma camuflagem poderia haver (assim concorrendo para arredar a lógica de tal argumentário).
§7. Escamoteadas as declarações das arguidas, nos moldes supra explanados, no que respeita aos factos imputados a cada uma, acrescentamos que ainda tomámos em linha de conta as declarações prestadas pelas mesmas, com a admissibilidade e valoração próprias de declarações de coarguido (sem que se tenha verificado a hipótese prevista no art. 345.º n.º 4 do CPP), no que respeita à conduta imputada às demais. Embora procurando atestar quadros diversos de graus de responsabilidade - conforme infra melhor explicaremos (§8.) — cada uma situou as demais no seio do estratagema, arredando qualquer autoria paralela (salvo uma referência procurada pela arguida M____________. quanto a pontuais períodos que alegou - mas não demonstrou - não ter estado ao serviço, em que a arguida M____________ não terá contado com a sua colaboração). Ou seja, não só cada uma das arguidas confessou os factos pessoais (ressalva feita ao exposto em §6.), mas também confirmou a (com)participação das restantes nos moldes imputados na acusação e que resultaram como assentes.
§8. Aqui chegados, resta tecer umas breves considerações concernentes à matéria que, embora não tenha sido formalmente alegada por nenhuma das arguidas em sede de contestação (em razão do que não está inscrita no tema do processo), não se mostra desprovida de relevo face ao disposto no art. 71° n° 2 als. a), b), c) e f) do CP, e que ocupou grande parte da primeira sessão da audiência de julgamento do dia 30.01.2018 e das alegações finais, qual seja a matéria já supra aflorada em §1.: (autoria da) idealização e iniciativa do estratagema, motivação, medida e grau de participação/ preponderância de uma(s) face a outra(s), ascendência, manipulação e/ ou instrumentalização de uma(s) por outra(s) e repartição das verbas. Clarificando, as arguidas M____________ e M____________ - pretensas amigas - em audiência investiram uma contra a outra, cada qual procurando atribuir à outra a idealização do estratagema e a preponderância de atuação. A primeira defendeu que fora “levada” pela segunda e esta, por seu turno, descreveu a primeira como sendo uma pessoa “manipuladora”. Cada uma pugnou que fora convencida pela outra, aliciada pela facilidade de um esquema apresentado e demonstrado pela outra (ou seja, não idealizado em conjunto), portanto, defendendo versões opostas e incompatíveis entre si. Por outro lado, não podendo fugir à inexorável evidência dos valores transferidos para as contas bancárias de cada uma (e ambas defenderam que abriram segundas contas precisamente para a finalidade ilícita), o combate processual entre as duas explica-se igualmente, a nosso ver, pelo destino último das verbas, procurando, cada qual, reduzir ou limitar a sua vantagem pessoal: enquanto a arguida M____________ pugnou por uma divisão na prática igualitária e equitativa [sem prejuízo do pedaço próprio da arguida M____________após esta ter embarcado no estratagema, o bolo era dividido pelas duas (M____________ e M____________), independentemente da conta creditada, cujos acertos fazia em numerário, sobretudo através dos inúmeros levantamentos em ATM, à razão do máximo de € 400,00 diários, destinados à entrega a M____________, já que a maior parte fora transferida para as suas contas], a arguida M____________ defendeu, por seu turno, que cada uma ficava apenas com o que era creditado nas suas contas, salvo pontuais acertos, havendo assim uma sensível diferença de benefício entre as duas (do que só veio a saber com a emergência deste processo, pois julgava, em todos aqueles anos. que as verbas que desviavam correspondiam a partes iguais...).
§8.2. Ora, para além do manifesto interesse que cada uma das referidas arguidas tem em sobrecarregar a outra com uma maior fatia da responsabilidade (na exata medida em que alivia ou aligeira a sua responsabilidade), não ficámos convencidos do posicionamento da verdade material (se é que está acoplada a alguma destas versões...), sendo certo que uma ou outra versão careceria de cabal corroboração (sob pena de cairmos no domínio da prevalência discricionária de quem teria melhor arte ou poder de convencimento) que, no caso, inexiste. A única certeza que temos, conforme resulta de tudo o exposto, prende-se com o empreendimento conjunto de todas na apropriação de valores que vieram a totalizar € 1.340.729.42 (sem embargo da limitação da responsabilidade da arguida M____________aos valores atinentes ao período apurado, conforme supra salientámos em §1., pois no mais (repartição) apenas as três arguidas se pronunciaram divergentemente, não tendo sido produzida outra prova para além dos elementos que sustentaram a demonstração do referido no ponto 28. e, bem assim, os acertos - não espelhados na acusação - entre as arguidas M____________ e M____________(do que é exemplo a transferência efetuada pela segunda à primeira evidenciada a fls. 15 do apenso H).
§8.3. Afirmamos esta falta de cabal prova - suscetível de corroborar as versões apresentadas por ambas (isto 6. cada uma defendendo a sua tese) — por nos distanciarmos das conclusões que cada qual sustentou nas alegações finais:
(i) se por um lado a arguida M____________ desempenhava funções de chefia - conceito que não se pode desligar do poder de autoridade funcional - e titulava a confiança que lhe havia sido depositada pela Direção, por outro lado a arguida M____________ era a principal utilizadora do único computador que, à data inicial e durante vários anos, tinha acesso ao programa S (instalado na sua secretaria; de outra forma seria lógico que a unidade estivesse instalada na secretária da chefe), o que a colocava em melhor posicionamento de manuseamento do sistema informático e de descoberta da filigrana das respetivas brechas;
(ii) a circunstância de os primeiros dois movimentos registados (30.10.2002 e 13.11.2002) terem sido efetuados para a conta da arguida M____________ não arreda a prévia conceção do plano entre as duas;
(iii) os encontros de contas em dinheiro defendidos pela arguida M____________ mostram-se contrariados pela falta de registo nos documentos bancários dos pretensos sucessivos levantamentos em numerário até perfazer metade do valor dos créditos (existem vários levantamentos em ATM mas não na descrita cadência diária, salvo situações pontuais — cff., a título de exemplo, fls. 139, 143 e 150 do apenso F - ocorrendo, note-se, o mesmo tipo de levantamentos na conta da arguida M____________), sendo certo que nenhum motivo plausível haveria para acertar as contas por esta via posto que a transferência bancária seria uma via muito mais fácil, rápida e segura (e nada haveria a esconder porquanto os créditos do FRC eram registados nos extratos bancários), conforme, aliás, veio a ocorrer (cfr. ponto 28.), do que é exemplo a transferência de 23.04.2009 (€ 8.372.57 são creditados na conta da arguida M____________ e, de seguida, esta transfere metade - € 4.186,29 - para a conta da arguida M____________ - fls. 110 do apenso E); considerações estas que, todavia, não legitimam a conclusão contrária, isto é, de que não tenha havido encontro de contas em numerário, nem é de estranhar que as arguidas possam ter combinado que uma maior parte das transferências seria feita para a conta da arguida M____________, designadamente sujeita a ulteriores acertos, e até mesmo, por hipótese, em determinados períodos que a arguida M____________ alegou (mas não comprovou) ter estado de baixa e ausente ao serviço (anos de 2005 e de 2008); a diferença de valores creditados nas várias contas não legitima, outrossim, a presunção de que cada uma era a exclusiva beneficiária de cada um dos montantes transferidos para as suas contas;
(iv) acresce que não ressaltou em audiência que alguma destas duas arguidas evidenciasse traços de uma personalidade mais fraca e apta à instrumentalização, nem tal resultou minimamente das declarações das testemunhas J___________e C________________(nunca as viram como partes fracas e sempre se relacionaram profissionalmente com ambas de forma alinhada com os cargos que estas desempenhavam);
(v) o pretenso papel secundário, satélite e desprovido de domínio da ressonância dos acontecimentos por parte da arguida M____________ é incompatível com a hegemonia descrita pela arguida M_________________, que situou aquela como a desafiadora do — e para o — estratagema (quem fez o contacto inicial e quem, insistindo, lhe telefonava);
(vi) a tão debatida questão do conhecimento, por banda da arguida M____________, do NIB da conta no B… aberta pela arguida M____________ (e co titulada pelas suas filhas) é inócua, pois não é minimamente de estranhar que possa ter sido transmitida por esta àquela; e
(vii) por último, e de sobremaneira relevante, acolhendo hipoteticamente a explicação apresentada pela arguida M____________ (de que só beneficiou dos créditos transferidos para as suas contas bancárias), sempre ficaria por explicar a razão pela qual, a partir o seu aliciamento para o estratagema, em dezembro de 2002, nos primeiros seis meses (até maio de 2003 inclusive), ela - a aliciada/ manipulada - terá recebido € 10.539,46 enquanto a aliciadora/ manipuladora M____________ (somente) terá recebido € 4.041,58 (menos de metade!).
 E, no primeiro ano (isto é, de dezembro de 2002 a dezembro de 2003), ela - a aliciada/ manipulada - terá recebido € 22.105,08, enquanto a aliciadora/ manipuladora (somente) terá recebido € 15.684,6.              Não seria lógico, então, nesses passos iniciais, que a chefe houvesse recebido uma quantia superior?
§8.4. Em suma, e não descurando a utilização de verbas em beneficio próprio de cada uma das arguidas (pressuposto do plano gizado), desconhecemos, pois, sem possibilidade de encontrarmos qualquer rigor para além da dúvida razoável, o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as arguidas (as três), não sendo legítimo presumir, estanca e invariavelmente, que corresponde ao volume que cada uma beneficiou dos créditos em conta, pois não só registo de pontuais transferências bancárias, mas também toda a atuação revela-se num quadro de união e conjugação de esforços e intentos, tudo sem prejuízo das referidas transferências bancárias entre as mesmas, o que não é de estranhar (não tendo a virtualidade, todavia, de demonstrar que se destinavam a saldar as contas).
§8.5. Especificamente quanto à motivação, nada de relevo foi outrossim apurado, posto que as arguidas M____________ e M____________ não souberam - ou não quiseram - apresentar qualquer justificação plausível, tanto mais tendo ambas rejeitado carências económicas (sendo de igual forma descabida a alegação da arguida M____________ de que decidiu aceitar as entradas de dinheiro na sua conta por ser amiga da arguida M____________ e não pretender denunciá- la... então neste cenário, questionamos, não bastaria, simplesmente, nada denunciar? seria preciso receber - portando, forçosa e forçadamente - e beneficiar de dinheiro?) e a arguida M____________refugiou-se numa implausível necessidade de utilização de verbas (na ordem de mais de catorze dezenas de milhares de euros) em prol do “salvamento” da sua filha, declaração incongruente, aliás, com o depoimento desta última (no sentido de que recebeu da sua mãe um montante que não consegue quantificar, mas estima ser de € 50.00000 proveniente da venda do apartamento de Lisboa por cerca de € 60.000,00), tanto mais constando registado nos extratos bancários desta arguida aplicações financeiras em contas de depósito a prazo (€ 15.000,00 em 09.02.2006, € 9.000,00 em 24.10.2006, € 10.000,00 em 21.05.2007 e € 15.348.62 em 16.10.2007 - cfr. fls. 34, 36, 37 e 39 do apenso K) e em plano de poupança reforma (€ 500,00 em 31.12.2007 - fls. 39 do apenso K)...
§9. Relativamente à adicional matéria do pedido de indemnização cível (grupo //), considerámos ainda ao teor das declarações das arguidas [não só não produziram prova quanto ao pagamento do capital que ainda se encontra em dívida - art. 342° n” 2 do Código Civil (CC) - mas também confirmaram que nada liquidara a este respeito].
§10. No que concerne à matéria do enxertado incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (grupo III), atendemos ao relatório pericial a fls. 113 e ss. do apenso F e respetiva documentação (tendo o depoimento de CMM, Inspetora da Polícia Judiciária, sido inócuo a este propósito na medida em que nada mais adiantou).
§11. Por último, relativamente às condições pessoais das arguidas, a situação económica das mesmas e as condutas anteriores e posteriores aos factos (grupos IV, Ve VI), considerámos primeiramente o teor dos relatórios sociais  e dos certificado do registo criminal atualizados a fls. 875-87ÓV. e 857 (arguida M____________), a fls. 872-873v. e 858 (arguida M____________) e a fls. 868-869v. e 859 (arguida M_________________) e, bem assim, o teor do relatório pericial a fls. 863 e SS. (perícia médico-legal da especialidade de psiquiatria, referente à arguida M_________________, elaborada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.). Concretamente quanto às condições económicas das arguidas, salientamos que o teor dos relatórios sociais é consentâneo: (i) não só com as já referenciadas informações bancárias, das quais resulta que os créditos provenientes das quantias apropriadas foram sendo paulatinamente debitados, na sua esmagadora maioria, em bens e serviços de consumo, tais como compras em conhecidos estabelecimentos de vestuário, de cabeleireiro, de cosmética e perfumaria, de relojoaria, de restauração, etc [o que ascende a largas centenas, senão milhares, de movimentos em débito — cfr. extratos constantes dos cit. apensos D, G (referentes às contas que as arguidas M____________ e M____________ referem terem sido abertas propositadamente para o efeito) e K.], não sendo conhecido outro património que não elencado no cit. exame pericial a fls. 113 e ss. do apenso F, (ii) mas também, extensível às demais considerações acerca da personalidade daquelas, com o depoimento das testemunhas arroladas .
Nessa consideração, constata-se que, apreciando criticamente todos estes conteúdos e elementos probatórios se deve concluir, justamente com a análise das circunstâncias que a 2.ª recorrente alega como críticas e dubitativas, que:
. a circunstância de não se terem apurado as circunstâncias relativas à execução do acordo tácito ou expresso estabelecidos entre as co-arguidas e também os termos da distribuição dos proventos ou dos desvios das verbas ou transferências bancárias, não coloca em causa a existência de um acordo quanto ao destino a dar às quantias transferidas (ele existe mas não se conseguiu precisar os seus termos); e que 
. em nenhum passo da decisão do acórdão recorrido se fala de uma divisão parificada dos proventos ou de uma qualquer presunção factual nesses moldes face às dúvidas persistente nesse domínio.
Sendo que o que o tribunal a quo expressa na alínea (iii) do § 8.3. da fundamentação de facto não legitima a existência dessa presunção -  (iii) (…) a diferença de valores creditados nas várias contas não legitima, outrossim, a presunção de que cada uma era a exclusiva beneficiária de cada um dos montantes transferidos para as suas contas – nem a presunção contrária, pois tudo fica no limbo quanto a esse esclarecimento.
 Como refere o mesmo tribunal no final do mesmo § 8.3. da fundamentação de facto:
Em suma, e não descurando a utilização de verbas em beneficio próprio de cada uma das arguidas (pressuposto do plano gizado), desconhecemos, pois, sem possibilidade de encontrarmos qualquer rigor para além da dúvida razoável, o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as arguidas (as três), não sendo legítimo presumir, estanca e invariavelmente, que corresponde ao volume que cada uma beneficiou dos créditos em conta, pois não só registo de pontuais transferências bancárias, mas também toda a atuação revela-se num quadro de união e conjugação de esforços e intentos, tudo sem prejuízo das referidas transferências bancárias entre as mesmas, o que não é de estranhar (não tendo a virtualidade, todavia, de demonstrar que se destinavam a saldar as contas).
O que não tem qualquer implicação notória na apreciação do nexo de co-responsabilização criminal das arguidas na figura da co-autoria, nem qualquer implicação contrária à presunção de inocência ou do princípio do in dubio pro reo, como se verá mais aprofundadamente no ponto seguinte.
O juízo probatório num julgamento penal faz-se segundo regras de experiência e num cenário que ultrapasse qualquer dúvida razoável, não necessitando de uma confirmação absoluta, sobre-humana ou mesmo que assentasse numa confissão integral de todas as arguidas. 
Nessa consideração, temos que o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum, e pela qual se conclui pelo apuramento dos factos que se encontram acima descritos.
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum. 
Nesse sentido, teremos de dizer, mais uma vez, que a 2.ª arguida, aqui recorrente, faz uma interpretação incorrecta da fundamentação do acórdão e pretende também que seja concluído algo que se demonstrava completamente inverosímil.
Seria alguma vez pensável que em face da natureza do mecanismo fraudulento utilizado, da duração dos comportamentos lesivos e do volume dos montantes em causa, que não existisse um acordo (expresso, tácito ou implícito) sobre a distribuição dos valores em causa ou pelo menos do destino a dar a cada uma das quantias que foram sendo transferidas? Para além do pacto de silêncio inerente face a terceiros, não é de todo crível que estivesse nas mãos e na vontade apenas de alguma arguida (designadamente da primeira arguida), a atribuição de cada uma das verbas que foram desviadas e transferidas ilicitamente.
São aqui sumamente válidos os argumentos e as razões expendidas pelo tribunal a quo, designadamente no §8.3. onde se conclui a final tal como acima se transcreve.
Nesse campo, verifica-se que o tribunal recorrido procedeu ao exame crítico das provas que não foi ao encontro das expectativas da defesa da 2.ª arguida, aqui recorrente, mas que não se pode dizer – ao contrário – que se encontram em desconformidade com as regras da experiência (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), segundo uma exposição que se entende clara e congruente – cfr. Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal.
Os julgadores de primeira instância fizeram uma ponderação da situação de facto, com base no apuramento de todos os meios de prova descritos, de uma forma razoável, ponderada e justificada, procedendo a uma análise crítica dos diversos meios de prova condizente com o raciocínio que se impunha face ao material probatório com que se deparou.
Contextualizando e caracterizando devidamente os vários elementos probatórios acima referidos, e também tirando as devidas ilações dos dados mais objectivos da história que foi relatada.
Ocorreria erro notório na apreciação da prova e consequente violação do princípio da livre apreciação quando esse erro, demonstrado a partir do texto da decisão recorrida (por si ou conjugada com as regras da experiência comum) seria de tal forma patente que não escaparia à observação do homem de formação média – cfr. o Ac. do STJ de 12/12/1997, BMJ 472, 297.
Considera este tribunal de recurso que não se verifica no acórdão recorrido – tanto do seu texto como do seu contexto lógico e de fundamentação – qualquer valoração da prova em desacordo com os critérios comuns da experiência ou outros critérios entendidos como notórios ou cientificamente evidentes.
Ainda neste ponto, há verificar do fundamento do recurso da alegada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – cfr. Art.º 410.º, n.º 2, al. b), do Código Processo Penal.
Como se teve ocasião de dizer, a contradição insanável da fundamentação verifica-se quando o mesmo facto é, simultaneamente, dado como provado e como não provado, quando são dados como provados factos contraditórios e quando existe contradição entre os factos provados e a sua fundamentação probatória, e, além disso, essa contraditoriedade, em qualquer das suas formas, não pode ser ultrapassada, sanada.
Ora, não se vê que exista no acórdão em apreço qualquer incompatibilidade ou incongruência, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Contudo, com vista a tentar aproximar ao máximo o enunciado dos factos provados daquele que é o espírito da fundamentação fáctica acima relevada, eliminando-se qualquer parcela de possível contradição entre ambos, irá determinar-se, em conformidade com o disposto, conjugadamente, nos Art.ºs 410.º, n.º 2, e 431.º, ambos do CPPenal, alterar o facto 25, adicionando-lhe o inciso “em proporção que não foi possível apurar”, entre vírgulas, logo após “quanto à repartição das quantias”, e o facto 26, retirando os incisos “pelo menos” em todos os seus parágrafos.
Pelo que os factos 25. e 26., considerados provados, passarão a ter a seguinte redacção:
25. Ainda em execução do que haviam combinado quanto à repartição das quantias, em proporção que não foi possível apurar, cada uma das arguidas entregou às outras duas, por transferência bancária e/ou em numerário, montantes de que se haviam apoderado nos moldes acima descritos.
26. Designadamente:
- entre 24/04/2009 e 06/11/2011, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, € 28.566,79;
- nos anos de 2012 a 2016, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, € 20.456,79; e
 - nos anos de 2012 a 2016, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, € 12.110,11.
Quanto ao mais, na linha de uma impugnação alargada da matéria de facto realizada pela 2.ª recorrente, a valoração da prova produzida em audiência de julgamento, cuidando do exame crítico das provas e dos argumentos probatórios suscitados pela mesma recorrente, encontra-se já realizada, como acima se deixou expresso.
Conhecemos a fundamentação que o tribunal apresentou, na sua justificação da matéria de facto que considerou assente.
Esta fundamentação ficou atrás bem apreciada em todos os seus vários elementos probatórios (meios de prova), juízos probatórios, regras de experiências, ilações factuais e conclusões.
Pretende esta 2.ª arguida, M____________, o reexame da matéria de facto considerada provada no acórdão quanto aos pontos 23.a), 23.b), 23.c), 25 e 26 da matéria de facto provada (MFP), por considerar que dos autos não resulta prova suficiente para que sejam dados como assentes.
A base de sustentação da sua defesa, nestes aspectos, é quase em exclusivo as suas declarações em julgamento, o que, na linha do acima explicitado, não lhe confere impressiva razão nem pode confirmar só por si o que pretende.
Ora, entendendo-se que a questão da iniciativa do facto continuado perpetrado pelas arguidas não é relevante para a determinação da sua responsabilidade (criminal e civil) por facto ilícito, atendendo à restante matéria de facto provada, e que não foi objecto de impugnação, e ainda à substancial fundamentação contida no acórdão impugnado, não subsistem quaisquer dúvidas de que estamos perante uma situação de verdadeira co-autoria entre as arguidas, em especial, no que concerne a esta recorrente e à 1.ª arguida M____________.
Basta contextualizar a sua acção no quadro da demais matéria factual assente e que não merece qualquer razão de discordância, de maneira mais impressiva nos pontos 10, 13, 21 e 22.
Ora, tal matéria de facto não foi impugnada, constituindo os seguintes pontos 23.a), 23.b) e 23.c) a concretização natural dos pontos antes transcritos. E, daqueles concretos pontos da matéria de facto, aliados aos demais elementos documentais de prova juntos aos autos, resulta à evidência a acção concertada entre as arguidas, em especial das arguidas M____________ e M____________, como, de resto se fundamenta no acórdão impugnado.
Pretende, então, a 2.ª arguida que aqueles factos considerados como provados (23), deveriam ter outra formulação, designadamente que tinha sido a 1.ª arguida M____________ a proceder materialmente às transferências consubstanciadas nas tabelas constantes dos autos.
Na linha do expendido pelo tribunal recorrido na sua fundamentação, para além de tal afirmação não resultar da prova produzida, esta recorrente está a colocar toda a ênfase da prática dos crimes pelos quais foi condenada conjuntamente com as outras arguidas nos termos do acórdão, no último ato material da consumação. Ou seja, no ato de "clicar" a ordem de transferência, ou do envio do ficheiro com as ordens de pagamento para as respectivas entidades bancárias.
Ou seja, não negando, por ser manifestamente evidente, que as transferências indevidamente efectuadas das contas do assistente e demandante civil tenham sido objeto de acordo entre as arguidas, pretende a arguida M____________ que a verdadeira prática dos crimes se reduz ou reconduz exclusivamente ao ato material de alteração do NIB da conta de destino das diversas quantias no sistema de pagamento automático/S, ato cuja prática negou ter executado e imputa integralmente à 1.ª arguida. Quando, o que aqui releva para a prática do crime é todo o processo de controlo dos requisitos e o processamento de pagamentos a efectuar, cujas funções cabiam às três arguidas, em conformidade com a matéria provada nos pontos 10, 12, 13, 14 e 15 da MFP e que não foi impugnada. E, na verdade, as operações de controlo dos requisitos, identificação dos fornecedores e indicação dos respectivos NIBs de destino das transferências foram feitas durante os muitos anos foram feitas indistintamente pelas arguidas (em especial as primeiras duas arguidas M____________ e M____________), na utilização dos programas informáticos existentes para o efeito.
Ora, o acórdão recorrido encontra-se suficientemente sustentado na justificação da falta de credibilidade das declarações de ambas as recorrentes neste ponto, face aos demais elementos probatórios dos autos: "Independentemente das questões relacionadas com a iniciativa, motivação e grau de participação de cada uma das arguidas e a repartição das quantias transferidas, certo é que cada uma confirmou os actos materiais que, conjuntamente, em comunhão de esforços e intentos [....] foram praticando ao longo dos anos, no contexto do exercício da actividade profissional na exígua Secção Administrativa e Financeira (SAF) e por ocasião das concretas funções que ali desempenhavam, resultando no desapossamento do FRC da quantia de capital global de € 1.340.729,42”.
Efectivamente, da ponderação das provas constantes dos autos, não sobram quaisquer dúvidas de que o comportamento ilícito perpetrado pelas três arguidas, nas respectivas medidas, foi resultado de um primeiro acordo estabelecido entre as arguidas M____________ e M____________ e acção conjunta de ambas, abrangendo mais tarde a colaboração da 3.ª arguida M_________________, sendo certo que esta última não praticando processamento de informação nos programas informáticos, designadamente no Gestor ou no S, as suas funções permitiam aperceber-se das falsificações e apropriação ilícita por parte das restantes arguidas e, daí, a necessidade da sua intervenção para protecção de todas.
Estriba-se a 2.ª arguida M____________ na sua afirmação em audiência de julgamento de que nunca concluiu a alteração dos dados necessários para que se efectivassem as transferências, com o facto material de introdução do NIB das arguidas no programa S, por alegados nervos. No entanto, como se pode constatar da transcrição das suas declarações, a mesma recorrente não se coibiu de fazer essa introdução, com substituição dos NIB das contas destinatárias das transferências, no programa interno "Gestão".
Ou seja, apesar das hesitações e negações desta recorrente relativamente à alteração do NIB no programa S, não sobram dúvidas de que, as alterações foram feitas por ela própria no programa Gestor, como no programa S, sendo certo que ela própria dava ordens de pagamento, bem sabendo que tinham sido alterados os NIBs dos destinatários.
Pelo que, não tem sustentação a pretensão da recorrente na alteração da matéria de facto provada no sentido que propôs. Afinal, a recorrente não negou de forma permanente e convincente que tivesse alguma vez procedido a alterações na introdução do NIF dos destinatários das transferências e admitiu ter dado ordens de pagamento no programa S.
Por outro lado, como disse, fazendo a alteração no Gestor - e admitiu tê-lo feito - os dados a "sair" no S eram os mesmos, e era ela quem materializava as ordens de pagamento.
De resto, conforme resulta das declarações das primeiras arguidas, M____________ e M____________, aliás, transcritos parcialmente nas alegações de recurso, não subsistem quaisquer dúvidas de que a actuação ilícita descrita no acórdão resultou de acordo entre as duas arguidas (a que posteriormente aderiu a arguida M_________________) e da sua acção conjunta.
Também se insurge a 2.ª recorrente, M____________, contra o facto dado como provado, porquanto, entende que apenas se encontra provado que somente ocorreram as entregas concretizadas no ponto 26 para compensação entre os valores retirados pelas duas arguidas M____________ e M____________. Ora, sendo certo que a arguida M____________ apenas admitiu essas transferências entre contas para equilíbrio do produto obtido com os factos criminosos, não é menos certo que afirma que o acordo existente era de "metade, metade" o que encontra correspondência com as declarações prestadas pela arguida M____________.
Quanto ao ponto 26 da matéria de facto provada, em especial o advérbio designadamente, corresponde ao corolário da matéria de facto considerada no ponto anterior, ou seja, as trocas de valores entre ambas as arguidas foram, não se sabe para além de outras, as que estão ali descritas em concreto. Matéria que já foi acima tratada com alguma correcção pontual destes enunciados fácticos.
Na verdade, a alegação do recurso da 2.ª arguida assenta numa percepção truncada e artificial dos factos em apreço, que têm de ser apreciados na sua globalidade.
E sobre esta dimensão, sobejam razões ao tribunal do recurso para considerar como válidas as conclusões e a valorização que o tribunal a quo retirou da produção de prova em julgamento.
O tribunal a quo fundou a sua convicção quanto aos factos, através da análise conjugada da prova produzida, acima descrita.
Da concatenação de toda esta prova o tribunal chegou às conclusões acima descritas.
Tudo o que extravasa tais factos, são meras conclusões retiradas pela mesma recorrente através da análise parcial das declarações das arguidas, do acervo documental e do depoimento das testemunhas, que não corresponde à realidade que resulta da ponderação conjunta de toda a prova produzida e explanada nos factos provados.
Do confronto de todos estes elementos de prova (supra descritos e analisados) o tribunal a quo ponderou com a fundamentação que acima se deixou descrita.
Nessa consideração, temos que o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum, e pela qual se conclui pelo apuramento de parte essencial dos factos que se encontravam descritos na acusação.
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum. 
Nesse campo, verifica-se que o tribunal recorrido procedeu ao exame crítico das provas que não foi ao encontro das expectativas da defesa da arguida, aqui recorrente, mas que não se pode dizer – ao contrário – que se encontram em desconformidade com as regras da experiência (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), segundo uma exposição que se entende clara e congruente – cfr. Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal.
Os julgadores de primeira instância fizeram uma ponderação da situação de facto, com base no apuramento de todos os meios de prova descritos, de uma forma razoável, ponderada e justificada, procedendo a uma análise crítica dos diversos meios de prova condizente com o raciocínio que se impunha face ao material probatório com que se deparou.
Contextualizando e caracterizando devidamente os vários elementos probatórios acima referidos, e também tirando as devidas ilações dos dados mais objectivos da história que foi relatada.
Ora, por isso mesmo, acontece que as impugnações feitas pela recorrente só podem  improceder, porquanto resulta de forma evidente que a mesmo recorrente, ao indicar as provas que na sua perspectiva impunham decisão diversa, o que verdadeiramente faz é impugnar o processo de formação da convicção do tribunal, censurando a credibilidade que o tribunal a quo deu a certos depoimentos em detrimento de outros, a certos elementos probatórios em desfavor de outros. Tornando-se claro que a recorrente assenta a sua discordância na apreciação da prova feita pelo tribunal, diversa daquelas que por si foram alcançadas.
Só que nada pode infirmar a livre convicção do tribunal a quo, se criada em conformidade com o disposto no Art.º 127.º do CPPenal. O princípio da livre apreciação da prova constitui, pois, regra de apreciação da prova, e que é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em 1.ª instância.
Diga-se ainda, conforme de forma muito clara foi expressado pelo Acórdão do ST de 31/5/2007, processo n.º 07P1412, acessível em www.dgsi.pt/jstj, que “…quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio e de controlar a convicção do julgador da 1ª instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos.
A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face as regras da experiência comum”.
Mas naturalmente que a livre apreciação se não reconduz a um íntimo convencimento, impondo-se ao julgador o dever de explicitar o processo de formação da sua convicção, pois se ao julgador é atribuída a possibilidade de atribuir peso probatório a cada meio de conhecimento sem estar vinculado de antemão a critérios de prova vinculada, não poderia deixar de se impor este dever de fundamentação (constitucionalmente exigido) para se poder aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável, segundo critérios objectivos e de observância de regras de experiência comum. O tribunal de recurso limita-se então a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova.
Ora, no caso em apreço, resulta da decisão da matéria de facto e sua fundamentação que acima se transcreveu integralmente que o tribunal, enunciando os meios de prova, explicitou o processo de formação da sua convicção, esclarecendo de forma motivada a razão porque as reservas da arguida quanto à parcela dos factos que mereceram comprovação lhe não mereceram credibilidade em confronto com os demais depoimentos testemunhais e as razões da credibilidade e convencimento destes depoimentos aliados aos demais meios de prova produzidos. E nenhum reparo nos merece a apreciação da prova que foi feita pelo mesmo tribunal a quo, porquanto formou a sua convicção em correspondência com a prova produzida e segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum, sendo fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no citado Art.º 127.º do CPPenal, conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para dúvidas, à fixação daquela matéria de facto.
Por outra via, em face das provas mencionadas e acima analisadas, mesmo após audição da prova registada fonograficamente (tal como acima explicitado), sabe-se que o tribunal não chegou a uma decisão diversa daquela recorrida (cfr. a alínea b) do Art.º 412.º do CPPenal), sendo que as passagens aludidas terão de ser integradas na totalidade dos testemunhos indicados, no cruzamento acima assumido para a globalidade dos meios de prova valorizados.
E, neste âmbito, este tribunal de recurso não pode deixar de acompanhar o raciocínio analítico da prova realizado pelo tribunal recorrido, não procedendo as razões dos argumentos suscitados pela arguida/recorrente.
Daí que não se identifique qualquer erro de julgamento efectuado pelo tribunal ad quo sobre a matéria ou qualquer apreciação probatória diferenciada.
Pelo que improcede este primeiro fundamento de recurso relacionado com a impugnação da matéria de facto, apenas a considerar alterada, em conformidade com o disposto, conjugadamente, nos Art.ºs 410.º, n.º 2, e 431.º, ambos do CPPenal, nos moldes acima determinados.
                                               ***
- (ii) Na violação do princípio do in dubio pro reo (e do princípio da presunção de inocência) (2.ª arguida)
Alega também a 2.ª arguida/recorrente, na continuação, que o tribunal a quo ao apreciar a matéria de facto e de direito da maneira como o fez, violou o princípio do in dubio pro reo e a presunção de inocência, pois sempre deveriam subsistir dúvidas sobre o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as três arguidas.
Também aqui esta recorrente não tem razão.
O princípio da presunção de inocência, na verdade, é um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito.
Assumido como uma dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dubio pro reo além de ser uma garantia subjectiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, pp. 203-204). O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «actuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo Dias, Direito processual Penal, 1981, pp. 215).
No caso concreto, tal como acima explicitado, não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre os factos que considerou como provados.
Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada -  qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a factualidade que foi imputada à arguida. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo tribunal a quo.
Resulta inequívoco da fundamentação do tribunal da condenação quais as provas em que sustentou a sua decisão e que tipo de valoração efectuou sobre a prova em causa que levou à conclusão de que as arguidas praticaram os factos em causa, tal como acima se deixou suficientemente relatado. Esse tribunal em momento alguma faz transparecer qualquer dúvida no processo de decisão. Valorou o que entendeu valorar quanto à prova produzida, justificou a sua opção e concluiu em conformidade.
Nessa consideração, constata-se que, apreciando criticamente todos estes conteúdos e elementos probatórios o tribunal a quo concluiu, justamente com a análise das circunstâncias que a 2.ª recorrente alega como críticas e dubitativas, que:
. a circunstância de não se terem apurado as circunstâncias relativas à execução do acordo tácito ou expresso estabelecidos entre as co-arguidas e também os termos da distribuição dos proventos ou dos desvios das verbas ou transferências bancárias, não coloca em causa a existência de um acordo quanto ao destino a dar às quantias transferidas (ele existe mas não se conseguiu precisar os seus termos); e que 
. em nenhum passo da decisão do acórdão recorrido se fala de uma divisão parificada dos proventos ou de uma qualquer presunção factual nesses moldes face às dúvidas persistente nesse domínio.
Sendo que o que o tribunal a quo expressa na alínea (iii) do § 8.3. da fundamentação de facto não legitima a existência dessa presunção -  (iii) (…) a diferença de valores creditados nas várias contas não legitima, outrossim, a presunção de que cada uma era a exclusiva beneficiária de cada um dos montantes transferidos para as suas contas – nem a presunção contrária, pois tudo fica no limbo quanto a esse esclarecimento.
 Como refere o mesmo tribunal no final do mesmo § 8.3. da fundamentação de facto:
Em suma, e não descurando a utilização de verbas em beneficio próprio de cada uma das arguidas (pressuposto do plano gizado), desconhecemos, pois, sem possibilidade de encontrarmos qualquer rigor para além da dúvida razoável, o modo e a quantificação da divisão do produto das transferências entre as arguidas (as três), não sendo legítimo presumir, estanca e invariavelmente, que corresponde ao volume que cada uma beneficiou dos créditos em conta, pois não só registo de pontuais transferências bancárias, mas também toda a atuação revela-se num quadro de união e conjugação de esforços e intentos, tudo sem prejuízo das referidas transferências bancárias entre as mesmas, o que não é de estranhar (não tendo a virtualidade, todavia, de demonstrar que se destinavam a saldar as contas).
O que não tem qualquer implicação notória na apreciação do nexo de co-responsabilização criminal das arguidas na figura da co-autoria, nem qualquer implicação contrária à presunção de inocência ou do princípio do in dubio pro reo.
O juízo probatório num julgamento penal faz-se segundo regras de experiência e num cenário que ultrapasse qualquer dúvida razoável, não necessitando de uma confirmação absoluta, sobre-humana ou mesmo que assentasse numa confissão integral de todas as arguidas. 
Nessa consideração, temos que o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum, e pela qual se conclui pelo apuramento dos factos que se encontram acima descritos.
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum. 
Nesse sentido, teremos de dizer, mais uma vez, que a 2.ª arguida, aqui recorrente, faz uma interpretação incorrecta da fundamentação do acórdão e pretende também que seja concluído algo que se demonstrava completamente inverosímil.
Seria alguma vez pensável que em face da natureza do mecanismo fraudulento utilizado, da duração dos comportamentos lesivos e do volume dos montantes em causa, que não existisse um acordo (expresso, tácito ou implícito) sobre a distribuição dos valores em causa ou pelo menos do destino a dar a cada uma das quantias que foram sendo transferidas? Para além do pacto de silêncio inerente face a terceiros, não é de todo crível que estivesse nas mãos e na vontade apenas de alguma arguida (designadamente da primeira arguida), a atribuição de cada uma das verbas que foram desviadas e transferidas ilicitamente.
 Não se vislumbra, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência do arguido no modo como o tribunal a quo valorou as provas e através delas fixou a matéria de facto provada e fundamentou a decisão.
Pelo que improcede este outro fundamento do recurso.
                                                 ***
- (iii) Na impugnação de direito da matéria a considerar como provada (1.ª e 2.ª arguidas)
Na sua motivação de recurso a 2.ª arguida impugna de direito o acórdão condenatório de primeira instância invocando, em síntese, que deveria persistir um concurso aparente e não efectivo entre o crime de peculato e de falsidade informática (sendo a falsificação um crime-meio em sinonímia com o que acontece com a burla e a falsificação), que a atender desse modo existe uma violação do disposto no Art.º 30.º, n.º 1, do Código Penal, e do princípio do non bis in idem, consagrado no Art.º 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, face à presença de uma única resolução criminosa, e também que em consideração do crime continuado e da quantia mais elevada que a 2.ª arguida se apoderou efectivamente (€ 15.530,00), esse valor não deveria ter sido qualificado como consideravelmente elevado.
Nas suas alegações em audiência de julgamento nesta instância de recurso a defesa da 1.ª arguida acompanha as alegações da 2.ª arguida no que respeita à relação de concurso aparente entre o crime de peculato e o crime de falsificação informática, mero crime-meio.
Apreciemos.
Estando assente que as 1.ª e 2.ª arguidas praticaram os crimes de peculato e de falsidade informática e uma vez que os respectivos tipos de crime protegem bens jurídicos diferentes, conforme aliás ficou bem explanado no acórdão da primeira instância, pensamos também que não se pode defender a existência de um concurso de normas ou aparente, à semelhança do que jurisprudencialmente se tem entendido no caso, esse sim paralelo, do concurso entre burla e falsificação.
Assim, o crime de peculato previsto no Art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal, é um crime de dano, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido e de resultado, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção. O objecto do crime de peculato é duplo: por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais; e, por outro, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários. São elementos típicos do crime de peculato: a) Que o agente seja um funcionário para efeitos do Art.º 386.º do Código Penal; b) Que tenha a posse do bem (dinheiro ou coisa móvel) em razão das suas funções; c) Que se passe a comportar como se fosse proprietário do dinheiro, o que deve revelar-se por actos objectivamente idóneos e concludentes que traduzam a «inversão do título de posse ou detenção»; d) Que o agente faça seu o dinheiro, com consciência de que se trata de bem alheio do qual tem a posse em razão das suas funções e que tenha consciência e vontade de fazer seu o bem para seu próprio benefício ou de terceiro. A consumação ocorre quando o agente inverte o título de posse, passando a agir como se fosse proprietário da coisa que recebeu e detinha precariamente.
No crime de falsidade informática, quer na redacção do Art.º 4.º n.º 1, da antecedente Lei da Criminalidade Informática, em vigor aquando ocorrência dos primeiros factos, quer na actual formulação do Art.º 3.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro), os dados informáticos têm de ser alterados com o propósito de desvirtuar a demonstração dos factos que com aqueles dados podem ser comprovados.
Como refere Pedro Verdelho em anotação ao Art.º 3.º da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009 de 15/9), “o tipo de crime de falsidade informática, previsto no Artigo 3.º, tal como todos os restantes crimes descritos na Lei do Cibercrime, recupera os conceitos da velha Lei da Criminalidade Informática – a Lei n.º 109/91. Além disso, assimila novos contributos, designadamente provenientes da Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa. Em particular, incorporam-se aqui as normas decorrentes do Artigo 7.º da Convenção, que prevê a falsidade informática. Neste Artigo 7.º, assume-se como crime a acção de “introdução, alteração, eliminação ou supressão intencional e ilegítima de dados informáticos, produzindo dados não autênticos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para fins legais como se fossem autênticos” – assim, em Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco (orgs.) Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 1, 2010, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 505.
O bem jurídico tutelado por este crime de falsidade informática não é o património, mas antes a “integridade dos sistemas de informação” (cfr. o  Ac. da RL de 30/6/2011, processo 189/09.3JASTB.L1-5, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/fd8c21bdd02218c0802578d30030770e?OpenDocument) através da qual se “pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados (…). Cada vez mais a sociedade actual depende da utilização de sistemas informáticos, os quais contêm informação sobre todos os elementos da vida de cada um e ao mesmo tempo que a sua utilização se tornou banal e mesmo “vital” para cada um dos cidadãos. A interferência por qualquer meio nessa informação implicará graves danos para os cidadãos visados, que se podem traduzir na violação dos seus direitos patrimoniais, mas em primeira linha são uma violação aos seus direitos humanos, nomeadamente ao seu direito ao respeito pela vida privada e familiar (Art.º 8.º da Convenção de Direitos do Homem do Conselho da Europa).” (in acórdão da RP, processo 1001/11.9JAPRT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f756eafb8a57bac380257ada003ae7f9?OpenDocument).
Sobre o crime de falsidade informática, consultamos também o Ac. da RP de 26/5/2015, processo 35/07.2JACBR.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/aa9d0fb297dcca7880257e62003a86e4?OpenDocument, e Duarte Nunes, “O crime de falsidade informática”, Duarte Nunes, Julgar OnLine, Outubro de 2017, disponível em file:///C:/Users/MJ01476/Downloads/20171018-ARTIGO-JULGAR-O-crime-de-falsidade-inform%C3%A1tica-Duarte-Alberto-Rodrigues-Nunes.pdf.
Sendo diferentes os bens jurídicos tutelados por ambas as previsões normativas indicadas e não existindo neste diploma qualquer disposição que ressalve o concurso do peculato com a falsificação (enquanto meio de realização daquele) do regime geral estatuído no Art.º 30.º, n.º 1, do Código Penal que assinala o critério teleológico a ter em conta: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Logo, sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de peculato (o interesse do Estado e dos organismos públicos na honestidade dos seus funcionários e agentes) e de falsificação de documento (a “integridade dos sistemas de informação” através da qual se pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível deve a concluir-se que a conduta do agente que falsifica os dados informáticos para lograr a apropriação ilícita (suposta, evidentemente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos) comete, efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação informática e um crime de peculato.
Na mesma linha de apreciação de outros relacionamentos de concurso efectivo entre crimes de análoga natureza ou especificidade:
- por força da diversidade de bens jurídicos tutelados por ambas as incriminações, existe uma relação de concurso efectivo entre os crimes de falsidade informática e de burla tributária, ainda que o crime de falsidade informática seja cometido enquanto crime-meio para o cometimento do crime de burla tributária (Ac. da RP de 30/4/2008, processo n.º 0745386, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1ed7f9993ce687df80257442005bcedb?OpenDocument);
- entre burla informática e falsidade informática (Ac. da RP de 14/9/2016, processo n.º 2177/09.0PAVNG.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f02100f48f04ae880258045004ea54d?OpenDocument); e
- entre abuso de confiança e falsidade informática (Ac. da RL de 9/1/2007, processo n.º 5940/2006-5, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ac54d66fd7a768ff80257287003f73d8?OpenDocument).
Colija-se, também, Pedro Verdelho, op. cit., pp. 508.
Aliás, esta trata-se de uma linha jurisprudencial marcada pelo acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 10/2013 de 5/6 que nos diz que a “A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256 do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes” – assim, no DR I.ª Série n.º 131 de 10/7/2013, pp. 4015 e ss., também disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bb46eeff3362510b80257b9c002f1195?OpenDocument (o qual contou com três votos de vencido, isto é, do Conselheiro Eduardo Maia Costa, Conselheiro Raul Borges e Conselheiro Manuel Joaquim Braz, que acompanham a polémica doutrinal e jurisprudencial neste âmbito, seguindo a posição de Figueiredo Dias).
Com efeito, e nos termos desse acórdão uniformizador do STJ que segue a jurisprudência fixada anteriormente nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000), no caso de a conduta do agente preencher as previsões do tipo legal de falsificação de documentos (previsto e punido pelo Art.º 256.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal) e do tipo legal de burla (previsto e punido pelo Art.º 217.º, n.º 1, do mesmo Código), verifica-se um concurso real ou efectivo de crimes não violador do mencionado princípio ne bis in idem.
O argumento apresentado como incontornável na tese que afasta a possibilidade de consunção está na diversidade dos bens jurídicos tutelados nas duas incriminações - seguindo-se, portanto, a tese de Eduardo Correia que se encontra na égide do critério teleológico apontado.
De notar que a conformidade constitucional deste entendimento (designadamente, no que se refere ao respeito pelo princípio ne bis in idem) foi validada pelo Tribunal Constitucional nos seus acórdãos n.ºs 303/2005, de 8/6/2005, processo n.º 242/2005, da 3.ª Secção (publicado no Diário da República, II Série, n.º 150, de 5/8/2005) e 375/2005, de 7/7/2005, processo n.º 337/2005, da 2.ª Secção (publicado no Diário da República, II Série, n.º 182, de 21/9/2005).
O mencionado princípio non bis in idem encontra a sua consagração legal no Art.º 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. De um ponto de vista substancial ou material, este princípio determina ser inadmissível que “duas ou mais normas disputem, com igual autoridade, a sua aplicação ao mesmo facto. Para evitar a perplexidade ou a intolerável solução pelo bis in idem, o direito penal (como o direito em geral) dispõe de regras, explícitas ou implícitas, que previnem a possibilidade de conflitos de normas no seu seio.
Como vimos, nesta situação, esse princípio constitucional não se demonstra violado.
Resta-nos apurar a questão atinente à qualificação dos crimes continuados aqui em presença, invocando a 2.ª arguida na sua motivação de recurso que o valor recebido inerente à quantia mais elevada que ela se apoderou efectivamente (€ 15.530,00), nunca deveria ter sido qualificado como consideravelmente elevado.
Este questionamento da 2.ª arguida na sua motivação de recurso não pode proceder também.
Em primeiro lugar, porque nenhum dos crimes continuados em presença foi qualificado com base no valor consideravelmente elevado da quantia em causa.
Por outra via, porque esta lógica de argumentação esquece o laço de comparticipação em co-autoria que marca a ilicitude de todas as arguidas aqui em presença, abrangendo o nexo de co-responsabilidade o somatório das quantias desviadas e apropriadas através da execução do acordo (expresso ou tácito) que as reuniu em torno da prática destes crimes.
Se é certo que não indiferente para a responsabilização criminal de cada um das arguidas saber qual as verbas de que cada uma veio a beneficiar efectivamente, que estarão conexionadas com as verbas depositadas nas contas da titularidade de cada uma, a verdade é que a responsabilização criminal com o nexo de co-autoria se afirma na concomitância na execução conjunta dos crimes, sendo que será indiferente para esse nexo de responsabilização (ao nível da ilicitude) qual a arguida que efectivamente executou determinados actos materiais ou veio a beneficiar mais ou menos das transferências bancárias ilícitas realizadas. 
Como se teve ocasião de afirmar atrás, a co-autoria é caracterizada como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o co-autor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado (cfr. Art.º 26.º do Código Penal).
No plano objectivo, o co-autor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os actos que integram o iter criminis.
No plano subjectivo, é imprescindível, à comparticipação como co-autor, que subsista a consciência da cooperação na acção comum.
Assim, por todos, o Ac. do STJ de 5/6/2012, processo 148/10.3SCLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/efc30399c47f7f3d80257a8b003b4dfe?OpenDocument&Highlight=0,armas,muni/prct.C3/prct.A7/prct.C3/prct.B5es.
Aliás, muito embora a 1.ª e 2.ª arguidas, aqui recorrentes, pretendam aligeirar a sua responsabilidade penal e civil pelos valores de que dizem ter beneficiado, não colocam em causa aquela "comunhão de esforços e de intenções", admitindo assim a co-autoria nos actos ilícitos pelos quais foram indiciadas e condenadas.
Como se afere dos factos considerados provados, esta co-autoria marca a responsabilização de cada uma das arguidas em presença. Coisa diferente será a diferenciação da sua condenação em face da escolha e medidas concretas das penas que deverão ser realizadas com base nas diferentes culpas de cada uma e do seu papel efectivo (no enquadramento geral da co-autoria) para a actividade e os resultados consumados, incluindo aqui o benefício efectivo que foi possível apurar. 
Pelo que, nessa medida, improcedem estes fundamentos de recurso suscitados pela 1.ª e 2.ª arguidas nesta dimensão.
                                                ***
- (iv) Na escolha e determinação da medida das penas de prisão e da susceptibilidade da sua suspensão (1.ª e 2.ª arguidas)
A 1.ª arguida, pugna pela alteração da escolha e determinação da pena de prisão que lhe foi aplicada em cúmulo, com aplicação de uma pena igual ou abaixo dos 5 anos de prisão e que seja suspensa na sua execução. Invoca, para tanto, a unidade criminosa entre os crimes de peculato e de falsidade informática, o facto de o crime de peculato ter acontecido num contexto de diminuição considerável da culpa, aos elementos positivos constantes do relatório social, à entrada em vigor da incriminação da falsidade informática (15/10/2009) e da ausência de antecedentes criminais.
Por seu turno, a 2.ª arguida, na sua motivação de recurso, acentua que na consideração de um único crime continuado de peculato, na atenção às quantias que ela se apoderou efectivamente, ao pagamento realizado do somatório dessas quantias (em € 343.392,01) em fase de inquérito, deveria ter beneficiado de uma atenuação especial da pena e a pena de prisão aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução com regime de prova.
E, neste último âmbito, cumpre apreciar, na linha dos fundamentos e conclusões propostas pela impugnação apresentada por ambas as arguidas/recorrentes, se existem motivos para uma ponderação diferenciada das medidas de penas de prisão parcelares encontradas e também sobre o cúmulo jurídico daí resultante. Sabendo nós que as questões jurídicas suscitada da unidade criminosa (entre o peculato e a falsidade informática) e da qualificação do peculato (valor consideravelmente elevado) já foram devidamente apreciadas no ponto antecedente.
Na concretização da pena, a efectuar em função da culpa do agente, deverá ter-se em conta o disposto no Art.º 71.º do CPenal, sabendo-se que segundo o vertido no Art.º 40.º do mesmo Código a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum essa pena ultrapassar a medida da culpa.
As condutas das arguidas integram a previsão normativa dos Art.ºs 375.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. d), 30.º, n.º 1 e 79.º, n.º l, todos do Código Penal, e dos Art.ºs 3.º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei 109/2009, de 15 de Setembro e 386.º, n.º 1, al. d), 30.º, n.º 1 e 79.º, n.º l, todos do Código Penal.
Tais crimes são punidos, o primeiro com a pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal e o segundo com a pena de prisão de 2 a 5 anos.
As questões atinentes ao concurso efectivo de crimes e à definição da incriminação ao nível da comparticipação por co-autoria já foram devidamente tratadas no ponto subsequente, pelo que apenas se irão tratar das questões da escolha e determinação da medida das penas parcelares e de cúmulo aplicadas pelo tribunal de primeira instância a cada uma das arguidas recorrentes.
Sabendo, também assim, que a questão da previsão normativa do ilícito criminal da falsidade informática, na sua aplicação no tempo, apesar de mal ponderada pelo tribunal de primeira instância que considerou não existir previsão legal incriminatória anterior (ao invés do que se pode constatar no que se deixou dito no ponto antecedente deste acórdão), se constitui como factor completamente anódino em face da ponderação que o mesmo tribunal a quo fez de ambos os ilícitos em causa.
No presente caso, as recorrentes não põe em causa a aplicação de penas de prisão, apenas a sua medida e o facto de serem efectivas, pugnando pela suspensão da sua execução.
Quanto à 1.ª arguida, M____________.
Como se pode constatar o tribunal aplicou à arguida uma pena em quantum que se situa no meio da pena.
Parece-nos pois que o tribunal fez correta interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos Art.ºs 40.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 77.º, n.º 1, e 79.º, n.º 1, do Código Penal.
Na determinação das penas concretas aplicáveis, concorda-se com as valorações e conclusões apuradas pelos julgadores de primeira instância, entendendo-se, também assim, que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários factores agravantes e atenuantes em presença), se encontra devidamente enquadrada pelos factores relativos à execução dos factos (pensada em termos globais - Art.º 71.º/2, a), b) e c), do Código Penal), à personalidade do arguido (cfr. Art.º 71.º/2, alíneas d) e f), do Código Penal) e à conduta do mesmo arguido anterior e posterior aos factos (Art.º 71.º/2, e), do Código Penal).
Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto possível da arguida em sociedade, sem se esquecer, porém, que a pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens jurídicos e a prevenção geral e especial, neste caso particularmente relevante, atentos, designadamente o longo período de tempo que desviram dinheiros públicos utilizando o estratagema que montaram para esse efeito e o dolo com que actuou, obviamente, em conformidade e de acordo com os critérios acima referidos, tem de ser traduzidos em pena correspondente à medida da sua culpa, o que o tribunal recorrido conseguiu de forma justa e que respeita as finalidades visadas pela punição.
Aliás, a própria arguida reconheceu a gravidade dos factos que praticou, bem como a censurabilidade da sua conduta, não se percebendo assim como é que pode entender que a pena de prisão efectiva não se mostra necessária, nem adequada, nem proporcionada, ao serviço dos objectivos da prevenção geral e especial, pois a mesma nada fez, nem se predispôs a nada fazer para minimizar os prejuízos que causou.
Assim, tendo em conta o supra referido, concluímos que foram respeitados os parâmetros legais atrás enunciados, que não se verifica uma desproporção da quantificação das penas (parcelares e resultantes do cúmulo jurídico), nem uma violação de regras da experiência comum, pelo que a pena de seis anos e seis meses de prisão que foi cominada à arguida, não excedendo os limites da culpa, mostra-se equilibrada e justa (resultante da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente).
E, nestes termos, é de concluir, também, que esta pena nunca poderia ser suspensa na sua execução, conforme indubitavelmente decorre do previsto no Art.º 50.º do Código Penal.
Quanto à 2.ª arguida, M____________.
Como se pode constatar o tribunal aplicou à arguida uma pena em quantum que se situa no meio da pena.
Face aos mesmos critérios acima apontados para a escolha e determinação da medida das penas (parcelares e cúmulo) a aplicar a esta arguida (cfr. Art.ºs 40.º, 71.º, n.ºs 1 e 2, 77.º, n.º 1, e 79.º, n.º 1, do Código Penal), resultando dos factos provados que a mesma 2.ª arguida não exercia um cargo de chefia e que ainda durante a fase de inquérito de forma voluntária efectuou um depósito bancário no montante de € 343.392,01 (quantia que correspondente ao montante transferido para as suas contas bancárias) a par dos juros liquidados pelo assistente FRC, entendemos que estes factores não foram devidamente equacionados e valorizados positivamente nas penas parcelares e no cúmulo jurídico que lhe foi aplicado. É notório, que contrariamente à postura da co-arguida M____________, que nada fez para reparar o prejuízo, esta 2.ª arguida, M____________, para além de reconhecer a gravidade dos factos que praticou e ainda durante a fase de inquérito, após ter tomado conhecimento dos factos e da quantia que alegadamente com que se locupletou, a mesma procedeu ao depósito de tal quantia à ordem dos autos. Entendemos pois que esta atitude tão distinta no comportamento das arguidas M________________e M____________ não se reflectiu na medida da pena, pelo menos de forma significativa.
As circunstâncias salientadas por esta mesma 2.ª arguida com vista a considerar a aplicação do instituto da atenuação especial da pena (cfr. Art.ºs 72.º e 73.º, ambos do Código Penal), para além de terem sido previamente valorizadas em sede do crime continuado (cfr. Art.ºs 30.º, n.º 2, e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), não fazem ainda considerar na latitude global dos factos (horizonte prolongado de ilicitude inerente a estes dois crimes continuados e a categoria específica dos crimes em causa), sobretudo tendo em conta os factores de prevenção geral equacionados para os crimes praticados no exercício de funções públicas, uma diminuição acentuada da ilicitude, da culpa do agente ou da necessidade da pena, isto é, as razões atenuativas previstas no Art.º 72.º, n.º 2, do Código Penal.
No entanto, uma melhor ponderação das penas parcelares e da pena única resultante do cúmulo jurídico, haverá que aplicar a esta 2.ª arguida, M____________, ao invés do determinado pelo tribunal em primeira instância, uma pena principal parcelar de 4 (quatro) anos de prisão pela prática do crime de peculato e de uma pena parcelar 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de falsidade informática; e, em cúmulo jurídico (cfr. Art.º 77.º, n.º l, do Código Penal) - tendo presente os critérios acima explanados - de uma pena principal única de 5 (cinco) anos de prisão.
Face à consideração global de todos os elementos ponderados, iremos ainda considerar como adequada (e ainda assim suficiente) a aplicação do regime de suspensão da execução da pena de prisão com a condicionante do regime de prova.
O Código Penal estipula que «O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» - cfr. Art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal.
A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, não deixa de estar vinculada às finalidades que o citado Art.º 40.º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas.
O que está em causa, na opção de aplicar uma pena de substituição é a protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (n.º 1 deste Art.º 40.º), sendo que a opção sobre a suspensão da execução da pena privativa de liberdade radica na concretização de um juízo de prognose efectuado no sentido de apurar se face ao circunstancialismo provado relativo à personalidade do arguido é possível evidenciar-se que as finalidades subjacentes à aplicação da pena não necessitam da efectivação da pena de prisão.
A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição com objectivo primeiro de evitar a efectivação da pena de prisão, face à natureza de ultima ratio que esta pena assume, não deixa de estar vinculada às finalidades que o Art.º 40.º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas. A decisão do tribunal, qualquer que ela seja, exige uma fundamentação específica, devendo explicitar as razões do juízo de prognose (positivo ou negativo) que formule quanto ao mencionado comportamento futuro do condenado (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, de 20/2/2003, CJ/Acs STJ, 2003, t1,  206, e de 11/2/2010, este disponível em www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão desta RL de  27/1/2010, também disponível em www.dgsi.pt/jtrl; jurisprudência que acolhe a doutrina de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime), constituindo a falta de pronúncia expressa uma nulidade que é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPPenal (cfr. acórdão do STJ, de 20/2/2008, em www.dgsi.pt/jstj).
É neste juízo de prognose que assenta essencialmente a especificidade desta pena e na razão de ser das suas virtualidades no leque de penas não detentivas substitutivas da prisão. O juízo de prognose de que aqui se fala nada mais é que uma previsão sobre o comportamento futuro do arguido, ou seja, trata-se de saber se, tendo em conta a sua personalidade, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste, é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sobretudo se bastarão para afastar o arguido da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão.
Entram aqui razões de prevenção geral, ligadas com os bens jurídicos protegidos tendo por destinatários a comunidade política e social, mas também de prevenção especial, ligadas com as circunstâncias concretas do caso e também do âmbito de subjectividade do arguido e do seu contexto social de vida.
Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial (de (res)socialização) que estão na base da aplicação das penas de substituição, o tribunal recusará essa aplicação “quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente” ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada “se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias” – cfr.   Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, op. cit., pp. 333, e o acórdão desta RL de 17/4/2012, processo n.º 232/11.6JELSB.L1-5, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/db3db3a0dede0789802579e6003e95fa?OpenDocument&Highlight=0,suspens%C3%A3o,da,execu%C3%A7%C3%A3o,pris%C3%A3o.
Relativamente ao juízo de prognose que importa efectuar – e é só esse que neste momento importa fazer – há que ponderar toda a factualidade que envolve: (i) a personalidade do arguido; (ii) as condições da sua vida; (iii) a sua conduta anterior e posterior ao crime; (iv) as circunstâncias do crime.
Razões pelas quais se entende que deveria ter sido aplicado a esta 2.ª arguida, M____________, a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, nos termos do previsto no Art.º 50.º a 53.º, todos do Código Penal, por ser a pena adequada, proporcional e que revela preocupação com as necessidades de reinserção social desta arguida. Consideramos que será de suspender na sua execução por idêntico período, na séria convicção desta Relação de que tal como foi realizado à 3.ª arguida a ameaça da sanção será suficiente para doravante a afastar da criminalidade, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que, para além do mais, especialmente preveja o acompanhamento psicológico, por forma à aquisição de valores essenciais à convivência social cuja desconsideração a levou à prática do ilícito em causa, com especial atenção na prevenção da reincidência, o que igualmente contribuirá para uma ressocialização mais conscienciosa e efectiva (cfr. Art.ºs 50.º e 53.º, n.ºs l e 2, ambos do Código Penal). Face à quantia já restituída por esta arguida, pensamos que a suspensão não deverá estar condicionada ao pagamento (total ou parcialmente) do pedido de indemnização civil (cfr. Art.º, 51.º, n.º 2, do Código Penal).
Pelo que improcede este fundamento do recurso interposto pela 1.ª arguida e procede este fundamento do recurso interposto pela 2.ª arguida.
                                                      ***
- (v) Na ponderação dos pressupostos da responsabilidade civil, do nexo de solidariedade e do quantum indemnizatório correspondente (2.ª arguida).
Por último, a 2.ª arguida na sua motivação de recurso contesta a sua condenação solidária a pagar ao FRC a quantia de € 997.337,31, na linha do defendido nas anteriores questões suscitadas e face ao que deveria ter sido considerado em matéria factual.
Cumpre apreciar.
De novo se invoca aqui as conclusões precedentes quanto ao nexo de responsabilização em co-autoria e das suas implicações ao nível da responsabilização criminal e civil.
Importa dizer, concomitantemente, que este posicionamento é o que melhor se enquadra com os corolários ao nível processual penal da natureza civil da indemnização emergente da responsabilidade civil conexa com a criminal - cfr. Art.º 129.º do Código Penal - e da teleologia do processo de adesão  (vd., por todos, Ribeiro de Faria, Indemnização por perdas e danos arbitrada em processo penal - O chamado Processo de Adesão, 1978, 59 e ss. e 117 e ss.).
E porque a indemnização que se pode fazer valer em processo penal se funda exclusivamente em danos (de qualquer natureza) emergentes da prática de um crime (doloso ou negligente) - a remissão da respectiva regulação (abrangendo os pressupostos e o quantitativo da indemnização) que o Art.º 129º do C. Penal faz para a lei civil (substantiva; a regulação processual pertence, em exclusivo à lei adjectiva penal), tem (e só poderia ter) como alvo os preceitos reguladores da responsabilidade por factos ilícitos, em concreto os Art.ºs 483º e seguintes do Código Civil.
Ora, tal como decorre dessa sistemática civil, a responsabilidade das arguidas é solidária relativamente aos períodos em que perdurou o desfalque feito aos cofres do assistente e demandante civil, o aqui recorrido “Fundo Regional de Apoio à Coesão e ao Desenvolvimento Económico”. E, a medida da responsabilidade civil de cada uma das arguidas, porque de responsabilidade aquiliana se trata, há-de corresponder ao prejuízo causado com a actuação conjunta (em co-autoria) e não com o enriquecimento de cada uma delas individualmente consideradas.
Como resulta da matéria de facto provada e acima se deixou qualificada, tratou-se de uma actuação conjunta e concertada, em que durante todo o tempo participou a 2.ª arguida M____________, devendo assim a mesma ser responsável e responsabilizada pela totalidade do prejuízo causado através daquela mesma actuação.
Em primeiro, há que confrontar a redacção do Art.º 490.º Código Civil. Na verdade, ali se dispõe que, sendo vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado.
Sendo que essa responsabilização se faz de acordo com a regra da responsabilização solidária do n.º 1 do Art.º 497.º do Código Civil, na medida em que a responsabilidade é aferida pelo dano e não pelo proveito retirado por cada um dos agentes, ainda que as culpas sejam de diferentes graus. Na verdade, é admissível o apuramento dos diversos graus de culpa dos agentes, mas apenas para efeitos do exercício do direito de regresso (cfr. n.º 2 artigo 497.º Código Civil), presumindo-se iguais as culpas, na falta da sua destrinça.
Pelo que, nesses termos, improcede este último fundamento do recurso interposto pela 2.ª arguida M____________.
                                                      ***
Em face de tudo o exposto, à excepção de parte dos fundamentos de recurso apresentados pela 2.ª arguida, M____________, não se verificaram os restantes fundamentos invocados, que serão julgados improcedentes.
                                                      ***
IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interposto pela 1.ª arguida, M____________, e parcialmente provido o recurso interposto pela 2.ª arguida, Maria G_________________, e, neste sentido,
1. modificar a matéria de facto considerada provada no acordão recorrido, em conformidade com o disposto, conjugadamente, nos Art.ºs 410.º, n.º 2, e 431.º, ambos do CPPenal, e, assim, alterar o facto 25, adicionando-lhe o inciso “em proporção que não foi possível apurar”, entre vírgulas, logo após “quanto à repartição das quantias”, e o facto 26, retirando os incisos “pelo menos” em todos os seus parágrafos, sendo que os mesmos factos 25. e 26., considerados provados, passarão a ter a seguinte redacção:
“25. Ainda em execução do que haviam combinado quanto à repartição das quantias, em proporção que não foi possível apurar, cada uma das arguidas entregou às outras duas, por transferência bancária e/ou em numerário, montantes de que se haviam apoderado nos moldes acima descritos.
26. Designadamente:
- entre 24/04/2009 e 06/11/2011, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, € 28.566,79;
- nos anos de 2012 a 2016, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, € 20.456,79; e
 - nos anos de 2012 a 2016, a arguida M____________ entregou à arguida M____________, por transferências bancárias entre as contas de uma e outra acima indicadas, € 12.110,11.anular parcialmente o acórdão recorrido, apenas na parte em que considera a mencionada alteração substancial dos factos provados no seu artigo 144, e, suprindo-se esta nulidade,  considerar não inscrito no mesmo artigo o inciso final “(…) estando ainda no local o arguido”, tudo isto nos termos conjugados dos Art.ºs 359.º, n.ºs 1 e 2, e 379.º, n.º 1, alínea b), e 2, e 414.º, n.º 4, todos do CPPenal.”
2. revogar parcialmente o mesmo acórdão recorrido, condenando agora a 2.ª arguida Maria G________________, nos seguintes moldes:
- pela prática, em co-autoria, de um crime de peculato na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 375.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. d), 30.º,  n.º 1, e 79.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena principal parcelar de 4 (quatro) anos de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas;
 - pela prática, em co-autoria, de um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 3.º n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e 386.º n.º 1 al. d), 30.º, n.º 1, e 79.º n.º 1, todos do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, absolvendo-a da pena acessória de proibição de exercício de funções (com referência a este crime);
e, em cúmulo jurídico, - na pena principal única de 5 (cinco) anos de prisão e na pena acessória de 4 (quatro) anos de proibição de exercício de funções públicas;
- a qual pena de prisão será suspensa na sua execução por igual período de tempo e condicionada ao cumprimento de um regime de prova com a inerente realização de plano individual de readaptação social especificado para as especiais características que envolvem este caso – cfr. Art.ºs 50.º, 53.º e 54.º, todos do Código Penal -, visando promover a interiorização, pela mesma arguida, do desvalor das suas condutas, a aquisição de competências pessoais e psicológicas que visem um projecto de vida socialmente adaptado e o fortalecimento da sua personalidade no que respeita à reincidência neste tipo de crimes; e
3. confirmar, no mais, o mesmo acórdão condenatório proferido pelo tribunal de primeira instância a quo.
                                                      ***    
Fixa-se a taxa de justiça devida pela 1.ª arguida/recorrente M____________ em 4 (quatro) UC’s, pois só ela decaiu totalmente no seu recurso (Art.º 513.º, n.º 1, do CPPenal).
Notifique-se.
                                                       ***
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Lisboa, 9 de Janeiro de 2019

Nuno Coelho

Ana Paula Grandvaux

Moraes Rocha