Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2177/09.0PAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: BURLA INFORMÁTICA
FALSIDADE INFORMÁTICA
CONCURSO REAL
Nº do Documento: RP201609142177/09.0PAVNG.P1
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 688, FLS.193-204)
Área Temática: .
Sumário: Entre os crimes de burla informática (art.º 221.º CP) e o crime de falsidade informática (artº 3º da Lei 109/2009 de 15/9 Lei do Cibercrime) existe concurso real de infrações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 2177/09.0PAVNG da comarca do Porto, Vila Nova de Gaia - extinto 3.º Juízo Criminal – actual Instância Local, Secção Criminal, J2.

Relator – Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento veio – no que ao caso releva - o arguido B… a ser condenado, pela prática, em co-autor material, e em concurso real, de:

- cinco crimes de burla informática, pp. e pp. pelo artigo 221.º/1 C Penal, na pena de multa de 200 dias, à taxa diária de € 6,00, por cada um deles;
- cinco crime de falsidade informática, pp. e pp. pelo artigo 3.º/1 e 2 da Lei 109/2009, de 15/09, na pena de prisão de dezoito meses, por cada um deles;
- em cúmulo jurídico, nas penas únicas de, 600 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 3.600,00 e, 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

I. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorre o arguido – pugnando pela revogação da sentença, suscitando as seguintes questões:

a nulidade da sentença, nos termos dos artigos 379.º/1 alínea a) e 374.º/2 C P Penal, por falta de fundamentação, dado o tribunal não ter procedido ao exame crítico das provas; a situação de consunção entre os crimes de falsidade informática e de burla informática - sendo aquele consumido por este; o quantum da pena – que será excessivo.

I. 3. Respondeu o Exmo. Sr. Magistrado do MP, na 1ª instância, pugnando pelo não provimento do recurso.

II. 1. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, pronunciou-se, igualmente, no sentido do não provimento do recurso.

Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.
III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são, a de saber se, a sentença é nula, nos termos dos artigos 379.º/1 alínea a) e 374.º/2 C P Penal, por falta de fundamentação, dado o tribunal não ter procedido ao exame crítico das provas; é caso de consunção entre os crimes de falsidade informática e de burla informática - sendo aquele consumido por este e, a pena foi fixada em valor excessivo.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.
FACTOS PROVADOS
2.1.1. Em data não concretamente apurada mas seguramente anterior ao mês de Novembro de 2009, os arguidos C… e B…, com o objectivo de obterem para si proveitos económicos ilegítimos, decidiram levar a cabo, de comum acordo, um plano em que, com recurso aos dados bancários de cartões de crédito titulados por terceiros, efectuavam compras de bens em lojas on line, os quais eram, em seguida, remetidos e entregues nas suas residências, assim os fazendo seus.
2.1.2. Tal plano foi levado a cabo por ambos os arguidos em actuação conjugada de esforços e intentos e em execução de prévio acordo.
2.1.3. Assim, na concretização desse desígnio, acordaram entre ambos que seria o arguido B… quem efectuava as compras desses artigos nos sites das lojas on line, com recurso aos dados dos cartões de crédito titulados por terceiros e através do acesso a redes privadas de internet sem fios, wireless, também de terceiros.
2.1.4. O arguido B… fazia tais compras na internet através do seu computador pessoal de marca APPLE, modelo …, com o nº de série ……….. e ainda do seu computador portátil de marca Packard …., modelo nº ……, com a referência nº (..) …………...
2.1.5. Na execução desse plano entre ambos acordado, mais combinaram que o arguido B… aquando da compra on line, indicava como dados do cliente o nome do arguido “C…” e como morada de entrega dos artigos a “Rua …, nº .., Sines”.
2.1.6. O arguido C… pelo menos no período compreendido entre 02 de Março de 2009 a 31 de Dezembro de 2010 residiu na morada supra mencionada.
2.1.7. No seguimento da execução desse plano, o arguido C… recebia tais artigos na sua morada e, após, encontrava-se com o arguido B… a quem entregava os artigos por si recebidos, e, mediante o acordado entre ambos, recebia contrapartidas económicas de montantes não concretamente apurados.
2.1.8. Assim, na execução de tal desígnio, pelo menos entre os meses de Novembro e Dezembro de 2009, o ofendido D… foi titular do cartão de crédito nº …. …. …. …., emitido pelo Banco E…, possuindo os necessários códigos informáticos para aceder e movimentar, via internet, o referido cartão.
2.1.9. O arguido B…, fazendo uso dos dados bancários e respectivos códigos de segurança daquele cartão de crédito, aos quais teve acesso por meio e modo não concretamente apurados, entre os dias 09 de Novembro de 2009 e 11 de Dezembro de 2009, sem o conhecimento ou consentimento do ofendido, efectuou as seguintes compras on line, através dos sites na internet das seguintes lojas:
2.1.9.1. no dia 09 de Novembro de 2009, pelas 20:01:30, um equipamento NOKIA …, com o IMEI ……………, no sítio da internet da “F…”, no montante de € 569,00 (quinhentos e sessenta e nove euros), cujo pagamento foi processado no dia 10 de Novembro de 2009;
2.1.9.2. no dia 11 de Dezembro de 2009, às 2:15:51 AM, através do endereço de IP ………….., uma compra de um equipamento SONY … …-……/., no sítio da internet da G…, no montante de € 1.004,50 (mil e quatro euros e cinquenta cêntimos);
Tudo no montante global de € 1.573,50 (mil, quinhentos e setenta e três euros e cinquenta cêntimos).
2.1.10. Em ambas as encomendas o arguido B… usou o email I…..@gmail.com e, na execução do plano acordado, indicou como dados de cliente o nome do arguido “C…”, a sua morada sita na “Rua …, nº .., Sines”, assim como o número de telemóvel “………”.
2.1.11. O equipamento adquirido à “F…” foi expedido para a morada supra referenciada, onde foi entregue e recebido pelo arguido C….
2.1.12. O equipamento adquirido à G… não chegou a ser remetido ao arguido C…, por aquela compra ter sido considerada fraude pela J….
2.1.13. Pelo menos nos meses de Outubro e Novembro de 2010, o ofendido K… foi titular do cartão de crédito nº …. …. …. …., do Banco L…, associado à sua conta bancária nº ……………., domiciliada no Banco M…, possuindo os necessários códigos informáticos para aceder e movimentar, via internet, o referido cartão.
2.1.14. No dia 30 de Outubro de 2010, pelas 11:24:38 PM, através do endereço de IP ............, o arguido B…, fazendo uso dos dados bancários e respectivos códigos de segurança daquele cartão de crédito, os quais chegaram à sua posse e conhecimento por meio e modo não concretamente apurados, sem o conhecimento ou consentimento do ofendido, efectuou a seguinte compra on line, através do site na internet da “F…”:
2.1.14.1. dois telemóveis de marca Apple, modelo …, um de .. gb e o outro de .. gb, com os IMEI’s ……………. e ……………, no valor de € … (…) e … (…), respectivamente, e no montante global de € 1.349,80 (mil, trezentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos), cujo pagamento foi processado no dia 2 de Novembro de 2010.
2.1.15. Em ambas as encomendas o arguido B… usou o email N…@hotmail.com e, na execução do plano acordado, indicou como dados de cliente o nome do arguido “C…”, e a morada sita na “Rua …, nº .., Sines”.
2.1.16. Os equipamentos foram enviados para a morada supra, onde foram recebidos e entregues ao arguido C….
2.1.17. Pelo menos no mês de Novembro de 2010 o ofendido O… foi titular do cartão de crédito nº …. …. …. …., emitido pela P…, associado à conta à ordem com o NIB …. …. …. …. …. .., possuindo os necessários códigos informáticos para aceder e movimentar, via internet, o referido cartão.
2.1.18. No dia 04 de Novembro de 2010, através do endereço de IP ............., pelas 18:40:49, o arguido B…, fazendo uso dos dados bancários e respectivos códigos de segurança daquele cartão de crédito, sem o conhecimento ou consentimento do ofendido, efectuou a seguinte compra on line à G…, através do site www.G....pt.
2.1.17.1. Uma WII …, nº de série …………, referência da G… …………, no valor de € 339,00 (trezentos e trinta e nove euros) e duas TV PLASMA Marca …, modelo …, nº de série ..-……., no valor total de € 998,00 (novecentos e noventa e oito euros), acrescido de € 24,80 (vinte e quatro euros e oitenta cêntimos) de portes de envio, à G…, no montante global de € 1.361,80 (mil, trezentos e sessenta e um euros e oitenta cêntimos).
2.1.19. Em tal encomenda o arguido usou o email Q…@hotmail.com e, na sequência do acordado, inseriu como dados do cliente o nome do arguido “C…”, com a morada sita na “Rua …, nº .., Sines”, e o número de telemóvel “………”, os quais foram feitos constar da respectiva factura/recibo.
2.1.20. Tais equipamentos foram enviados via CTT para aquela morada, com os números de objecto ………..PT e ………..PT, onde foram recebidos e entregues ao arguido C….
2.1.21. No dia 18 de Outubro de 2011, o arguido tinha na sua posse, no interior da residência sita na localidade …, …, uma WII …, com o nº de série …………, referência da G… …………, e uma TV PLASMA Marca …, modelo ..-……...
2.1.22. Pelo menos no mês de Novembro de 2010, o ofendido S… foi titular do cartão de crédito nº …. …. …. …., emitido pelo Banco T…, possuindo os necessários códigos informáticos para aceder e movimentar, via internet, o referido cartão.
2.1.23. No dia 29 de Novembro de 2010, pelas 18:32 h. (hora espanhola) e 17.32 h. (hora portuguesa), através do endereço de IP …………., o arguido B… fazendo uso dos dados bancários e respectivos códigos de segurança daquele cartão de crédito, sem o conhecimento ou consentimento do ofendido, efectuou a seguinte compra on line no sítio da internet da “U… SL”:
2.1.23.1. uma passadeira eléctrica …, ….., no montante de € 849,00 (oitocentos e quarenta e nove euros).
2.1.24. Em tal encomenda o arguido usou o email V…@hotmail.com e fez constar como dados de cliente o nome do arguido “C…”, com morada sita na “Rua …, nº .., Sines”, e o número de telemóvel “………”, os quais foram feitos constar da respectiva factura/recibo.
2.1.25. Tal equipamento foi expedido para aquela morada, via AZKAR, onde foi recebido e entregue ao arguido C….
2.1.26. No dia 18 de Outubro de 2011, o arguido tinha na sua posse tal equipamento, guardado no interior da residência sita na localidade …, ….
2.1.27. Pelo menos no mês de Outubro de 2010, o ofendido W… foi titular do cartão de crédito nº …. …. …. …., emitido pelo Banco L1…, possuindo os necessários códigos informáticos para aceder e movimentar, via internet, a referida conta.
2.1.28. No dia 02 de Outubro de 2010, em hora não concretamente apurada, através do endereço de IP ............, o arguido B… fazendo uso dos dados bancários e respectivos códigos de segurança daquele cartão de crédito, sem o conhecimento ou consentimento do ofendido, efectuou a seguinte compra on line, no sítio da internet da “F…”, cujo pagamento foi processado no dia 04 de Outubro de 2010:
2.1.28.1. um telemóvel de marca Apple, modelo …, de …, com o IMEI ……………., no montante de € 1.099,00 (mil e noventa e nove euros).
2.1.29. Em tal encomenda o arguido B… usou o email Y…@hotmail.com e fez constar como dados de cliente o nome do arguido “C…”, com morada sita na “Rua …, nº .., Sines”, e o número de telemóvel nº ……….
2.1.30. O equipamento foi enviado para a morada supra onde foi recebido e entregue ao arguido C….
2.1.31. Na posse dos objectos supra identificados nos pontos 2.1.9, 2.1.14., 2.1.18., 2.1.23 e 2.1.28, em datas não concretamente apuradas e na sequência do acordado entre ambos, o arguido C… encontrou-se com o arguido B… a quem entregou os artigos adquiridos, mediante contrapartidas económicas não concretamente apuradas.
2.1.32. Ao actuar da forma acima descrita, os arguidos agiram com o propósito concretizado de obterem para si benefícios económicos que não lhes eram devidos, correspondentes aos objectos que adquiriram on line e que lhes foram entregues, os quais fizeram seus e integraram no seu património, bem sabendo que o conseguiram de forma ilegítima e que ao fazê-lo causaram um prejuízo no mesmo valor aos titulares das contas bancárias utilizadas nas compras de tais bens.
2.1.33. Sendo certo que tal apenas foi possível devido ao uso abusivo das passwords e códigos pessoais de acesso dos ofendidos para aceder e movimentar aqueles cartões de crédito, titulados pelos mesmos.
2.1.34. Apenas não o lograram fazer em relação à compra efectuada à G…, no montante € 1.004,50, onde utilizaram os dados do cartão de crédito titulado pelo ofendido D…, por razões totalmente alheias às suas vontades.
2.1.35. Os arguidos tinham pleno conhecimento de que os códigos de acesso daqueles cartões de crédito tinham chegado às suas mãos com o desconhecimento e contra a vontade dos seus legítimos titulares bem como das entidades bancárias.
2.1.36. Os ofendidos D…, K…, O…, S… e W… não conheciam os arguidos e nunca autorizaram estes nem quaisquer outras pessoas a aceder e movimentar aqueles cartões de crédito, assim como nunca transmitiram aos arguidos nem a outra pessoa os respectivos códigos informáticos ou credenciais.
2.1.37. Ao actuarem pela forma descrita, utilizando, sem autorização e abusivamente, os dados informáticos secretos e pessoais daqueles cartões de crédito, que apenas ao titular permitiam o acesso ao processamento de operações bancárias, os arguidos tiveram o propósito, concretizado, de obterem para si um enriquecimento patrimonial que não lhe era devido, correspondente aos bens que adquiriram, receberam e fizeram seus, e à custa da correspectiva supressão no património dos ofendidos D…, K…, O…, S… e W…, e no valor de, respectivamente, € 2.515,77 (dois mil, quinhentos e quinze euros e setenta e sete cêntimos), € 1.349,80 (mil, trezentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos), € 1.361,80 (mil, trezentos e sessenta e um euros e oitenta cêntimos), € 849,00 (oitocentos e quarenta e nove euros) e € 1.099,00 (mil e noventa e nove euros).
2.1.38. Os arguidos tinham perfeito conhecimento de que ao introduzir como meio de pagamento o número, respectivo código de segurança e demais dados dos cartões de crédito dos ofendidos nos sítios da internet das referidas lojas on line destinados ao meio de pagamento, introduziam nesse sistema dados que lhes permitiam desencadear o acesso às contas bancárias a que aqueles cartões estavam adstritos, assim debitando nas mesmas os valores monetários correspondentes aos bens que adquiriram.
2.1.39. Ao agirem do modo descrito, os arguidos fizeram crer no sistema bancário on line que os cartões de crédito estavam a ser movimentados pelos seus legítimos titulares, introduzindo dados erróneos no sistema informático que regula a movimentação de contas através da internet, induzindo em erro as entidades bancárias que validaram as operações bancárias em causa, acreditando que se tratavam de ordens legítimas dos titulares das contas.
2.1.40. Bem sabiam os arguidos que esses códigos são dados informáticos confidenciais e pessoais, e, não obstante, utilizaram-nos para obter os proveitos económicos acima indicados.
2.1.41. Os arguidos sabiam ainda que ao introduzirem os dados bancários e códigos de segurança dos cartões de crédito dos ofendidos, criavam informaticamente dados informáticos de carácter não genuíno, através da utilização dos seus cartões de crédito e dos respectivos dados pessoais que, simulando serem os próprios, introduziram nos sistemas informáticos para gerar, via internet, operações bancárias que não correspondiam à realidade, com a intenção de serem considerados genuínos e, através de tais operações, fingirem serem os titulares daqueles cartões de crédito, com a intenção de que fossem tomadas por verdadeiras e reais aquelas operações bancárias, assim induzindo em erro as entidades bancárias respectivas e causando prejuízo aos ofendidos, o que quiseram e conseguiram.
2.1.42. Agiram os arguidos sempre de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos, em execução de um plano previamente delineado, no intuito conseguido de obterem benefícios a que sabiam não ter direito, contra a vontade dos titulares dos cartões de crédito e à custa do empobrecimento destes.
2.1.43. Mais sabiam os arguidos que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
2.1.44. à data dos factos o arguido B… padecia de doença depressiva, o que se verificava desde 2007….
2.1.45….em consequência do que tomava antidepressivos…
2.1.46….manifestando sinais de isolamento e dependência.
2.1.47. B…:
2.1.47.1. Nasceu em Lisboa e é o único filho da relação dos seus progenitores.
2.1.47.2. O seu crescimento e processo de socialização foi assegurado pela progenitora, no seio de uma dinâmica monoparental, atenta a separação dos progenitores, em parte justificada pelos alegados comportamentos disruptivos do progenitor (consumo de drogas).
2.1.47.3. O arguido registou um percurso escolar com registo de retenções mas ainda assim, atingiu a escolaridade mínima obrigatória para um elemento da sua idade, 9.º ano, sendo estas as habilitações literárias apresentadas. Após a saída da escola, ficou em situação de inactividade, uma vez que não frequentou qualquer resposta formativa nem diligenciou pela procura de trabalho.
2.1.47.4. O seu quotidiano era marcado pela ausência de rotinas, atendendo a que a principal actividade ocupacional seria a frequência do ginásio.
2.1.47.5. O arguido contextualizou neste período da sua vida (18 anos) a experimentação de produtos de nutrição desportiva, enquanto técnica de culto do corpo, associando tais práticas à emergência de morbilidade mental (quadro depressivo) até aos 22/23 anos de idade.
2.1.47.6 B…, em Novembro de 2009 encontrava-se a residir com a sua progenitora e padrasto em habitação propriedade deste último.
2.1.47.7. O arguido encontrava-se desocupado e desempregado sendo, em termos globais, a sua subsistência assegurada pelo núcleo familiar. Ocupava o tempo no ginásio e em actividades recreativas informáticas (acesso às redes sociais).
2.1.47.8. Tal quadro de vida terá subsistido até aos seus 24/25 anos de idade período em que integrou a empresa Z… Unipessoal (reboques), propriedade do seu padrasto e onde ainda permanece e onde desempenha as funções de gestor de frota.
2.1.47.9. Apesar de inespecífico quanto à relação contratual (parece inexistir contrato de trabalho), o arguido aufere cerca de 500 euros mensais.
2.1.47.10. B… permanece integrado no agregado da sua progenitora e padrasto e beneficia de apoio familiar, não perspectivando projectos de autonomização.
2.1.47.11. B… denota alguma ansiedade ante o desfecho da presente situação jurídico-penal, temendo a privação da liberdade, contexto em que se refere disponível para colaborar com o Sistema de Administração da Justiça Penal.
2.1.47.12. Não obstante, o arguido, em termos abstractos, perante a ilicitude em apreço, evidencia algumas limitações ao nível da sua consciência crítica, patentes na minimização das noções de dano e vítima, denotando-se em consonância necessidades ao nível da reparação.
2.1.48. Não tem antecedentes criminais.
(…)
FACTOS NÃO PROVADOS

O arguido B…, na sequência do estado depressivo que apresentava, não denotava um comportamento racional.
O arguido B… é pessoa considerada na área da sua residência.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O Tribunal alicerçou a convicção sobre os factos provados no conjunto da prova produzida em audiência, concatenada com as regras da experiência.
Vejamos
- da análise forense de fls. 01 a 100, anexo 1, confirmada em audiência pelo subscritor, resulta que o arguido B… tinha no seu computador, imagens de cartões de credito, produtos, que ali constavam pelo sistema de upload, ou seja, eram pelo mesmo introduzidos, não resultando de download de imagens obtidas por recurso a site da internet, o que, conjugada com a restante prova produzida, permite concluir que, como conclui o Sr. Perito, o arguido detinha conhecimentos informáticos acima da média, que lhe permitam hackear dados de terceiros. Se assim não sucedia, porque razão teria uma lista com números de cartões de créditos de terceiros, utilizada, segundo afirmações do Dr. Perito AB…, para proceder a aquisições e, na qual constava já aqueles que tinham sido detectados por situações de utilização fraudulenta? Não se encontra outra resposta que não seja a de que era ele quem utilizando os números de cartões de credito e códigos de segurança de terceiros, efectuava as compras on line, como se daqueles terceiros se tratasse;
- documento do L… de fls. 26, apenso 1, d qual resulta que o L1… debitou a W… valor da aquisição efectuada pelo arguido B… à F…, no valor € 1.099, o que comprova, o prejuízo inicialmente sofrido por aquele, apesar de à posteriori o seguro ter assumido aquele valor, repondo-o;
- informação da F… de fls. 32, apenso 1, demonstrativa do equipamento adquirido e que o mesmo foi entregue na residência do arguido C…, conforme factura/recibo da F… de fls. 34, apenso 1;
- informação da AC… de fls. 44, apenso 1; da qual resulta quem era o titular do cartão do tlm a que se refere a factura de fls 34 (o arguido C…);
- email de fls. 57, nota de encomenda de fls. 58, apenso 1, dos quais se conclui pelo modo como foi efectuada a encomenda do equipamento e mail utilizado;
- informações de IP utilizado para acesso à internet e aquisição dos bens de fls. 59 e 63 a 68, apenso 1;
- informação da AD… de fls. 195, do apenso 1, que confirma que uma das aquisições efectuadas on line utilizou, para o efeito o IP de uma testemunha inquirida em audiência e que nunca efectuou compras on –line, sendo o seu sinal de internet wi-fi de acesso livre, podendo ser utilizado por terceiros;
- documentos do L1… de fls. 43, 44, 45, 46, 48, e informação da F… de fls 65, e recebido de quitação de fls. 67, do apenso 2, que confirmam a compra de bens através da utilização do cartão de credito de K…, a sua remessa para a residência do arguido C… e o debito do valor na conta cartão de K…, com o inerente prejuízo, que apenas à posterior terá sido suportado pela Seguradora do Cartão de credito;
- informação de IP de fls. 68, apenso 2, da qual resulta qual o IP utilizado para a aquisição on line do equipamento a que se refere o recibo de fls 67;
- extracto bancário de fls. 72 e 73, apenso 2, do qual resulta que a aquisição a que se refere o recibo de fls. 67 foi efectuada pela utilização do cartão de credito titulado por K…, o que lhe provocou, no imediato, o prejuízo referente àquela; pois que o valor foi debitado na sua conta cartão;
- comprovativo de entrega de fls. 80, apenso 2, do qual resulta que os bens a que se refere o recibo de fls 67 foram entregues na residência do arguido C…;
- informações de fls. 88 a 97, apenso 2, das quais resulta o endereço de e-mail utilizado para a aquisição a que se refere o recibo de fls 67 e o IP utilizado;
- informação bancária de fls. 98, apenso 2, da qual resulta que à posteriori o titular do cartão de credito foi ressarcido pelo prejuízo sofrido;
- nota de encomenda de fls. 08 e reclamação bancária de fls. 09 a 11, apenso 3, das quais se extrai os valores encomendados e pagos por recurso ao cartão de credito titulado por O…, e que este reclamou junto da instituição bancária, negando ter utilizado o cartão para esse efeito, bem assim que os bens foram efectivamente entregues na residência do arguido C… ( informações da G… de fls. 14 a 17, apenso 3 e declaração quanto à titularidade do cartão de fls. 30, apenso 3;
- informação de IP utilizado para aa aquisição on line à G… dos produtos pagos com o cartão titulado por O…, de fls. 42, 48 a 50, apenso 3; e informação sobre a titularidade do IP de fls. 71 a 77, apenso 3;
- informação da AD… de fls. 86, apenso 3;
- informação dos CTT de fls. 98, apenso 3 e da G… de fls. 102, apenso 3, que atestam a entrega dos bens na residência do arguido C…;
- documentos de fls. 08 a 12, 28 a 35, apenso 4 que confirmam a encomenda efectuada à U…, os dados do cliente fornecidos, o cartão de credito utilizado para o pagamento, a entrega dos bens na residência do arguido C…;
- extracto bancário de fls. 27, apenso 4; que confirma que o valor da referida aquisição foi debitado na conta cartão titulada por S…, que junto do banco logo reclamou, negando ter efectuado tal transacção;
- informação de IP de fls. 50 e 51, apenso 4 do qual resulta qual o IP utilizado para a realização da referida transacção;
- guia de transporte de fls. 52, apenso 4 que confirma a entrega dos bens adquiridos à U… na residência do arguido C…;
- informações de IP de fls. 99 a 124, apenso 4; e informação da AC… de fls. 133, apenso 4, da qual resulta quem era o titular do serviço de internet utilizado para a realização da transacção realizada com a U… e o mail utilizado;
- informação da AE… de fls. 190, apenso 4 do qual resulta que a titular do serviço de internet era AF…, com residência em Cascais;
- auto de busca e apreensão de fls. 200 a 201 e 203 a 204, apenso 4, que confirmam os objectos encontrados na posse do arguido B…;
- fotografias dos objectos apreendidos a fls. 212 a 214 e 217 a 219, apenso 4;
- informação bancária de fls. 04, 1º volume; que confirma o número de cartão de credito titulado por D…;
- documento de encomenda e factura/recibo da F… de fls. 24 e 25, 1º volume, dos quais resulta quais os bens encomendados e que se destinavam a ser pagos com os elementos do cartão de credito de D…;
- informação da G… de fls. 29, 1º volume, da qual resulta que foi detectada como fraudulenta e, por isso, não concretizada a aquisição tentada com a utilização dos dados do cartão de D….
- fornecedor de endereço de IP de fls. 32 e 33, 1º volume;
- nota de encomenda da G… de fls. 30, 1º volume;
- informação da AG… de fls. 58, 1º volume;
- auto de busca e apreensão de fls. 86 e 87, 1º volume; efectuada à residência de AH…, titular do IP mencionado a fls. 32 e 33, da qual resulta que nada foi encontrado na sua posse que indiciasse a utilização fraudulenta de cartões de credito de terceiros;
- autos de exame directo de fls. 290 a 294, 2º volume;
- guia de depósito de fls. 295 e 296, 2º volume;
- auto de busca e apreensão de fls. 351, 2º volume;
- documentos de fls. 463 a 472 e 477 a 486, 2º volume que identificam as entidades emissoras dos cartões de credito mencionados nos autos;
- documentos bancários de fls. 508, 513 a 525, 534, 539, 541, 542, 543, 544, 545, 546 e 552 a 581, 2º volume;
- D…, titular do cartão de crédito id. em 2.1.8., de forma simples, coerente, espontânea, esclareceu nunca ter fornecido os elementos atinentes à utilização daquele a quem quer que fosse, sendo que apenas o utilizava para efectuar pagamento de viagens.
- K…, titular do cartão de crédito id. em 2.1.13., também de forma serena, coerente, credível, esclareceu nunca ter fornecido a quem quer que fosse os elementos que permitiam a utilização do seu cartão como meio de pagamento;
- W…, titular de cartão de crédito id nos factos provados, de forma serena, coerente, credível esclareceu nunca ter fornecido os seus elementos que permitiam a utilização do seu cartão como meio de pagamento;
- O…, titular do cartão de credito id. em 2.1.17., confirmou o que já as anteriores testemunhas afirmaram: não ter fornecido a quem quer que fosse os elementos que permitiam a utilização do seu cartão como meio de pagamento on line.
Destes depoimentos concluímos, e sendo certo que nenhum fundamento foi possível vislumbrar que justificasse a adulteração pelas testemunhas da verdade dos factos, que os arguidos não tinham o consentimento dos titulares dos cartões que utilizaram para pagamento dos bens adquiridos para a sua utilização, nem era possível aqueles saberem que estes tinham na sua posse os elementos referentes àqueles.
- AH…, vizinha do arguido B…, que não conhecia e que chegou a ser constituída arguida, de forma simples, coerente, confirmou que a PJ se deslocou a sua casa por para uma das compras o arguido B… ter-se socorrido da internet Wireless de que era titular (contrato com a AG…), negando, de forma simples, espontânea que alguma vez tivesse efectuado compras on line.
Ora, como resulta das regras da experiencia, se o acesso à internet de um qualquer cidadão for livre, não se tratando de rede segura que exija palavra passe para que se aceda à Internet pela sua utilização, em situações de vizinhança é possível que pessoas que residam no mesmo prédio ou porta ao lado acedam a qualquer site através de internet de que não são os titulares do contrato.
- AI…, senhoria do arguido C…, de forma simples, espontânea, credível confirmou ter recebido encomendas destinadas àquele, nomeadamente TV, passadeira, tendo a ideia que este arguido terá ficado com alguns destes objectos para si, enquanto outros terão sido levados para local que desconhece, pois não os via lá na casa.
Deste depoimento, e ao contrário do que o arguido C… pretendeu convencer o tribunal, resulta que alguns dos bens lhe eram destinados, não se limitando a ser um mero auxiliar do co-arguido B….
- AJ… titular de contrato de internet utilizado pelos arguidos para aceder à internet e realizar aquisições, negou que alguma vez efectuasse compras on line, e nunca ter permitido a utilização por terceiros da sua internet, desconhecendo, inclusive, que o seu sistema fosse wireless.
- AF…, também titular de contrato de fornecimento de internet, com sistema wireless, negou que alguma vez tivesse realizado compras na internet ou tivesse permitido a sua utilização por terceiros.
- AK…, senhorio do arguido C…, admitiu ter recebido uma ou duas encomendas destinadas àquele, não se recordando do remetente.
- AL…, inspector Da Policia Judiciária, de forma simples, coerente, desapaixonada, confirmou ter participado nas buas realizadas nos auto, confirmando a utilização pelo arguido B… da internet da sua vizinha, dotada de sistema Wireless.
Descreveu na medida dos seus conhecimentos, como se processa a utilização, por terceiros, de internet de outras pessoas.
Não conseguiram localizar o invocado AM…
O arguido B… nega ter sido quem procedeu às compras via internet, alegando que terá sido um cidadão de nome AM…. Contudo, admitiu que as aquisições em apreço nos autos eram-lhe destinadas e que pagava uma percentagem ao arguido C… e ao alegado AM…, pela sua intervenção.
Porém, não alega que o referido AM… fosse seu vizinho, o que poderia justificar que o acesso via Internet da testemunha fosse da autoria daquele e, por outro lado, como resulta de fls. 29, ss, do Vol. I e do auto de busca de fls. _ os pagamentos das aquisições realizadas à NA…, SL, AD…, G…, F… forma efectuados através do endereço IP ………….., fornecido pela AG… á testemunha AH…, que beneficiava do sistema de Wireless, sendo que esta mora na mesma rua em que mora o arguido B…, sendo aquela no nº .. e este no nº... Se o referido AM… não era vizinho desta, se foi o arguido B… o beneficiário dos bens comprados, e estava em posição de utilização daquele sistema Wireless, quem mais poderia ter utilizado aquela internet e através dela realizado as aquisições, que não o arguido? Ele tinha o interesse. Os bens foram-lhe entregues. Morava na porta ao lado da titular do contrato de utilização da internet, pelo que apenas temos como possível ter sido ele quem efectivamente realizou as compras em apreço nos autos.
Mas, ainda que assim não sucedesse, sempre os factos lhe podiam ser imputados, pois que se concluía que sabia do esquema de pagamento, pelos fundamentos já aduzidos, sendo indiferente que não tomasse parte directa na sua execução, pois que sempre dominaria esse facto.
E, das suas declarações, resultou claro que o arguido C… tomou pate directa no plano, sabendo do que se tratava, acabando, até, por ser destinatário de um ou outro bem adquirido.
Acrescente-se que mal se compreenderia o desconhecimento sobre o modo como se processavam os pagamentos, considerando que justifica o recurso ao arguido C… como intermediário para que a sua mãe não desconfiasse. Desconfiar do quê? Apenas uma resposta é possível: não tendo o arguido rendimentos, aquelas aquisições logo seriam consideradas como de proveniência ilícita pela mãe. Contudo, não cremos fosse este o fundamento da intervenção do arguido C…, na medida em que sendo posteriormente entregues ao arguido B… os referidos bens, a mãe sempre suspeitaria do modo como os obteve, pois que a inexistência de rendimentos mantinha-se, podendo, ainda, assim a sua mãe suspeitar da licitude da detenção de tais objectos, assim apenas se apresentando como possível, para esta intervenção, a justificação de pretender “impedir” que detectada a situação, as autoridades o identificassem, o que também justifica que, ainda que de forma não concretamente apurada, tenha utilizado para o efeito internet cujos contractos eram titulados por outras pessoas, mas às quais acedia por sistema wireless. Nem se oponha a esta conclusão o facto de o relatório medico afirmar que nessa época se isolava, pois que embora se admita que essa fosse a sua tendência, tal não significa que não saísse nos dias em que procedia às encomendas, como aliás sucedia nos dias em que combinava com o co-arguido C… ir recebe-las.
Quanto ao arguido C…, embora verbalmente negando saber da proveniência ilícita dos bens, corporalmente a sua postura foi a de quem estava perfeitamente consciente, foi parte activa na situação, sendo que ficou para si com alguns dos bens, o que infirma a sua versão de ser um mero “interposto” da mercadoria. Mais se diga que mal se compreenderia que este arguido, que não tem capacidades inferiores à do homem médio, não soubesse, principalmente porque as aquisições eram realizadas em seu nome (se eram negócios lícitos, porque assim teria de suceder?), eram entregues pelos CTT ou transportadoras na sua residência (e se assim sucedia, esses mesmos serviços não poderiam entregar na casa do arguido B…, sem custos acrescidos?) e era remunerado pelo facto de servir de “intermediário” numa entrega (que se fosse efectuada directamente em casa do arguido B… ficaria “mais barato” a este, pois que assim não teria de pagar o serviço do arguido C…).
Acabaria por admitir que o arguido B…, num chat, divulgou diversos números de cartões de créditos de terceiras pessoas, o que permite concluir, sem qualquer dúvida, que aquele hakeou transacções realizadas pelos titulares que lhe permitiram ter acesso aos códigos de segurança (o que justifica, inclusive a lista que constava do seu PC). Se a intenção não era utiliza-los e permitir a outros a sua utilização, porque realizou aquela lista e a publicou no chat? O próprio admite saber o que é um Hacker. O especialista da PJ que subscreveu o relatório pericial que consta do anexo I admitiu que aquele tem conhecimentos informáticos acima da média que lhe permitiam hackear utilizações dos titulares. Quem mais tinha o interesse e o motivo para a realização das transacções em apreço, quando o próprio admite que os bens mencionados nos factos provados se destinavam si e alguns ao co-arguido C…?
- AO…, mãe do arguido B…, nada de relevante trouxe aos autos, sendo notória a sua dificuldade em caracterizar a personalidade e forma de estar do filho à data dos factos, refugiando-se no facto de ter àquela data um companheiro, com quem passava alguns dias, o que nem sempre lhe permitia estar na companhia do filho.
Confirmou que aquele, aquela data, tinha ataques de pânico e realizou tratamento psiquiátrico sem, contudo, afirmar que tal tratamento lhe retirava o discernimento.
O arguido B… referiu que as aquisições não foram por si realizadas, antes por AM…, como o comprova os pagamentos a fls. 209.
É certo que daqueles documentos resultam que o arguido realizou transferências no valor de € 100 e € 200. Porém, como esclareceu o agente da PJ, não foi possível localizar o referido AM… e, por outro lado, como demonstram os factos provados, logrou-se apurar que o arguido efectuou aquisições, utilizando o IP da sua vizinha, pois que esta tinha internet Wi-Fi que permitia que os seus vizinhos utilizassem o seu sinal para aceder á internet, pelo que não obstante aquele utilizar o seu computador, porque acedia à Internet através do sinal contratado por aquela, a transacção assumia o IP da internet utilizada. E, por outro lado, o arguido admite que os bens se destinavam a si. Se assim sucedia, se a sua intenção era obter os bens “mais baratos”, como podia desconhecer, ainda que fosse AM… quem efectuava as transacções, que esses bens eram adquiridos por recurso a carões de crédito de terceiros? SE eram aquisições realizadas em sites de empresas licitas, pelo valor de mercado, se não fosse o esquema do pagamento por recurso àqueles meios de pagamento, como poderia obter os bens a preço inferior? E porque pagaria uma percentagem (como diz que pagava) a AM… e outra a C… se os bens eram adquiridos de forma licita? Não pagaria, obviamente e nem sequer teria necessidade de os fazer entregar na casa de outrem que não a sua, pois que esta forma de entrega só corrobora que a sua intenção era dificultar que em caso de detecção do esquema, as autoridades “chegassem” até si.
No que concerne ao quadro clinico do arguido B…, à data dos factos, o tribunal valorou o relatório médico junto com a contestação.
Porém, deste relatório não resulta que o arguido, apesar do quadro depressivo, toma de medicamentos etc, estivesse privado da sua capacidade de entender e querer e assumisse comportamentos irracionais. E tanto tinha capacidade de querer e entender, que se propôs obter os bens em apreço nos autos, com a participação do arguido C…, tendo o discernimento necessário a elaborar um esquema que dificultasse a prova da sua intervenção nos factos, o que demonstra bem a sua capacidade intelectual.
- a testemunha AP…, irmã do arguido C…, reputou-o de trabalhador, responsável.
- AQ… ex-namorada do arguido B…, pretendeu inculcar a ideia de que o arguido, na decorrência do seu estado depressivo nunca saia de casa, do que não nos convencemos, pelos fundamentos já exarados, a que acresce o facto de a testemunha não passar os dias sempre na companhia deste, pelo que não pode assegurar de que quando não estava aquele sempre permanecia em casa.
Valoram-se, ainda, os CRC´s e relatórios sociais juntos aos autos.
Quanto aos demais factos não provados, resultou de ausência de prova.
III. 3. Atentemos.
III. 3. 1. A nulidade da sentença.

III. 3. 1. 1. O artigo 374º/2 C P Penal assinala como requisito da sentença, entre outros, “a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
E o artigo 379º/1 C P Penal comina com a nulidade a sentença que, não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º - alínea a).
O Tribunal Constitucional, de resto, através do Ac. 680/98, no processo nº. 456/95, de 2.12.98, in DR II série nº. 54 de 5.3.99, ainda a propósito da redacção primitiva do artigo 374º/2, antes da alteração introduzida através da Lei 59/98 de 24 de Agosto, que no caso concreto, fez acrescentar a expressão ”exame crítico”, julgou inconstitucional a referida norma, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no artigo 205º/1 da Constituição da República, bem como quando conjugada com o artigo 410º/2 alíneas a), b) e c) do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32º/1 da Constituição da República.
Se assim se devia entender com a anterior redacção, muito mais razão existe agora, com a introdução do termo “análise crítica”.
Deve-se entender que o requisito contido no artigo 374º/2 C P Penal, “se traduz na indicação dos elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência e exige não só a indicação das provas ou meio de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados - thema decidendum - nem os meios de prova - thema probandum - mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o artigo 410º/2 C P Penal e extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade”, cfr. Marques Ferreira, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.

A motivação da matéria de facto deve ser de molde a não suscitar dúvidas sobre os meios de prova e as razões que criaram a convicção do tribunal, relativamente aos factos julgados, como provados ou como não provados.
A razão de ser de tal vício prende-se, como parece, da mesma forma patente, com o facto de a falta de análise crítica da prova impedir que o recorrente tenha a possibilidade de em concreto, directa, fundada e eficazmente, demonstrar as razões da sua discordância – a não ser com generalidades – sobre o julgamento da matéria de facto, que não esteja alicerçado, de todo - sequer, com frases feitas ou fórmulas abstractas - sem que se surpreenda, de resto, qualquer preocupação de convencimento dos destinatários.

III. 3. 1. 2. Definidos os pressupostos e parâmetros que devem presidir ao julgamento sobre a matéria de facto, importará agora apreciar se no caso vertente, da mera leitura da decisão recorrida, se consegue saber qual foi o raciocínio lógico que levou à afirmação como provados dos factos de cujo julgamento os arguidos, afinal, discordam.
Cremos, sinceramente, que sim.
Com efeito, de forma, assaz, exaustiva na decisão recorrida expendeu-se acerca dos fundamentos, da razão de ser do julgamento acerca da matéria de facto.
Toda a prova produzida foi aprofundadamente elencada e criticamente analisada.
Aqui se elencou - individualizando-os, até - todos os meios de prova que fundamentaram a sua convicção (tendo, inclusive, o cuidado de resumir parte dos depoimentos das testemunhas e de analisar individualmente o teor dos documentos), explicitando, de forma criteriosa, completa e esclarecedora, os motivos que levaram o Tribunal a formar a sua convicção no sentido em que tal sucedeu, o que fez, ademais, por recurso ao princípio da livre apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, valorada com apelo às regras da experiência comum e normalidade do acontecer.
Sendo, aliás, de salientar, que, na motivação da douta sentença recorrida é feita uma análise aprofundada e conjugada dos meios de prova (quer de ordem testemunhal, quer documental ou pericial) produzidos e da contribuição que cada um deu para a formação da convicção do tribunal, permitindo, assim, acompanhar todo o processo lógico decisório que esteve na base da formação daquela convicção, no que toca à fixação dos factos provados e à condenação do arguido.
Assim, e a título de exemplo, após fazer uma súmula dos depoimentos das testemunhas K…, O… e W…, refere, dando cumprimento ao dever de fundamentação “destes depoimentos concluímos, e sendo certo que nenhum fundamento foi possível vislumbrar que justificasse a adulteração pelas testemunhas, da verdade dos factos, que os arguidos não tinham o consentimento dos titulares dos cartões que utilizaram para ao pagamento dos bens adquiridos para a sua utilização, nem era possível aqueles saberem que estes tinham na sua posse os elementos referentes àqueles”, e, no segmento em que aborda e sintetiza o depoimento da testemunha AH…, vizinha do arguido, menciona, “Ora, como resulta das regras da experiência, se o acesso à internet de um qualquer cidadão for livre – como era o caso -, não se tratando de rede segura que exija palavra passe para que se aceda à internet pela sua utilização, em situações de vizinhança é possível que pessoas que residam no mesmo prédio ou porta ao lado acedam a qualquer site através de internet de que não são titulares de contrato”, bem como, no que respeita ao depoimento de AL…, inspector da PJ, “de forma simples, coerente, desapaixonada, confirmou ter participado nas buscas realizadas nos autos, confirmando a utilização pelo arguido B… da internet da sua vizinha, dotada de sistema Wireless”.
O mesmo sucedendo, aliás, no que respeita às declarações dos arguidos, mormente do recorrente e das testemunhas por ele indicadas.
A fundamentação utilizada na decisão recorrida é absolutamente suficiente para que o tribunal de recurso pudesse – se fosse caso, disso, se o recorrente tivesse suscitado a existência, quer, de erros de julgamento, quer de vícios da decisão - controlar a prova produzida, reanalisando-a, confrontando os diversos pontos de vista em debate.
O que ali se deixou exarado é manifestamente suficiente, em termos de satisfação da exigida e necessária análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, acerca do julgamento firmado sobre a totalidade da matéria de facto – de cujo julgamento, afinal o arguido não discorda.
Com base na abundante, clara e acabada, fundamentação convocada na decisão recorrida, estaria este Tribunal habilitado a proceder ao exame das razões da discordância, se fosse caso de o arguido o ter feito em sede de recurso.
O que se fez na decisão recorrida habilita-nos a todos – arguidos, incluídos, naturalmente – a ter a perfeita noção, de quais os fundamentos co base nos quais se formou a convicção do tribunal sobre os concretos factos que veio a dar como provados e como não provados – no que se traduz afinal, na análise crítica da prova, assim, fornecendo o necessário subsídio, expresso, que permite entender e perceber qual foi o raciocínio no julgamento da materialidade submetida a apreciação.
Não se pode assim, concluir – como pretende o arguido - por que a sentença seja uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras das regras da experiência comum.
O tipo de fundamentação utilizado respeita, em absoluto, o determinado na lei, não havendo, assim violação da norma invocada pelo arguido.
Se a motivação da matéria de facto deve ser de molde a não suscitar dúvidas sobre os meios de prova e as razões que criaram a convicção do tribunal, relativamente ao julgamento da matéria de facto, então, no caso, tal está, cabalmente, retratado.

Não se verifica, pois, a arguida nulidade da sentença, por violação do artigo 374.º/2 C P Penal.

III. 3. 2. A situação de concurso real versus consunção entre os crimes de burla e de falsidade informática.

Entende o arguido que o crime de falsidade informática se encontra numa relação de concurso aparente com o de burla informática, por se verificar uma relação de consunção.
Na decisão recorrida decidiu-se a questão afirmando-se que, “(…) dada a similitude dos ilícitos com os crimes de burla e de falsidade, necessariamente temos por boa a jurisprudência obrigatória do Ac. Uniformizador de jurisprudência de 05.06.2013, concluindo pela verificação de concurso real entre as normas incriminadoras”.
Atentemos então se este entendimento – que tem subjacente a similitude dos crimes de burla e de falsificação com os aqui enunciados, de burla e de falsidade informática, justifica igualmente se afirme a verificação de concurso real, aqui – tal como ali, se vem afirmando.
É certo que também os crimes dos autos – burla e falsifidade, na variante informática - tutelam bens jurídicos de diversa natureza:
ali, visando-se, essencialmente, proteger o património e, aqui, a protecção não do património, mas, sim, “da integridade dos sistemas de informação”, através do qual se “pretende impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas redes e dados”, cfr. Acórdão deste tribunal de 24/4/2013, consultável in site da dgsi.
Vejamos, o que nos diz o AFJ 10/2013, invocado na decisão recorrida, que passaremos a seguir - e a transcrever, mesmo - nas partes mais esclarecedoras, para o acaso aqui em análise.
“É na norma contida no artigo 30.º do Código Penal, traduzindo o pensamento de Eduardo Correia, que está a resposta da problemática do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único, constituído por uma pluralidade de actos ou acções.
O n.º 1 do mesmo artigo contém duas partes, ambas reportadas a situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente – na primeira parte dispõe-se que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos pela conduta do agente; na segunda parte declara-se que o número de crimes também se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Por esta forma se chama à colação os denominados “concurso heterogéneo” (realização de diversos crimes decorrente da violação de diversas normas incriminadoras) e “concurso homogéneo” (realização plúrima do mesmo crime decorrente de violações da mesma norma incriminadora).
Importa referir que, em qualquer uma das situações descritas, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos ou acções. Na realidade, a partir de um só facto ou de uma só acção podem integrar-se diversos tipos legais, por violação simultânea de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora; igualmente a partir de vários factos, ou de várias acções, pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação repetida da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras.
Qualquer uma destas hipóteses configura um concurso de crimes, uma vez que este sucede quando o mesmo agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer mediante vários factos.
Somos assim reconduzidos ao que a propósito concluiu Eduardo Correia quando escreveu que, de acordo com uma concepção normativista do conceito geral de crime, a unidade ou pluralidade de crimes é revelada pelo "número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valores jurídicos negados. Pelo que, deste modo, chegamos à primeira determinação essencial de solução do nosso problema: se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídico-criminais e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado, a actividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos, portanto, perante uma única infracção".
No cerne do critério enunciado, e que constitui a trave mestra de toda a elaboração doutrinal que, a propósito, se escreveu no nosso país, estão princípios nucleares do direito penal uma vez que, seguindo a argumentação do mesmo Mestre, “ mais do que em nenhum outro campo da vida jurídica, se impõe no direito criminal o princípio da segurança do direito e a necessidade de assinalar um fundamento sólido à actividade jurisprudencial pois que a valoração jurídico-criminal não pode ser deixada ao arbítrio do juiz, mas deve ser formulada de maneira, tanto quanto possível, precisa”.
Para dar realidade a este pensamento, adianta Eduardo Correia, possui a técnica legislativa um recurso, que consiste precisamente no “tipo legal de crime”.
Assim, conclui Eduardo Correia, que a possibilidade de subsunção duma relação da vida a um ou vários tipos legais de delito é a chave para determinar a unidade ou pluralidade a unidade ou pluralidade de crimes.
Porém, elucida o mesmo Professor que, para que exista uma infracção não basta que uma conduta seja tipicamente antijurídica: é preciso, também, que ela possa ser reprovada ao seu agente, isto é, que seja culposa. Assim, ao lado daquele Juízo que refere o comportamento humano a bens ou valores jurídico-criminais, outro juízo de valor se requer como pressuposto do crime, o qual se analisa na censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente.
Por vezes o momento psicológico correspondente à realização de uma série de actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal estrutura-se de tal forma que o concreto juízo de reprovação tem de ser formulado várias vezes. Consequentemente, o todo formado por tais actividades, enquanto encarnam a violação do mesmo bem jurídico, fragmenta-se na medida em que algumas das suas partes são objecto de um juízo autónomo de censura, adquirindo, portanto, independência e individualidade.
Assim, a consideração da «culpa», elemento essencial ao conceito de crime, constitui um limite do critério segundo o qual se determinaria a unidade ou pluralidade de infracções, pela unidade ou pluralidade de tipos realizados. A unidade de tipo legal preenchido não importará definitivamente a unidade das condutas correspondentes, na medida em que, sendo vários os juízos de censura que as ligam à personalidade do seu agente, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável, e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes.
Tais juízos de reprovação têm de ser desdobrados, e repetidos, sempre que uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente.
Com efeito, afirma o mesmo Professor, a resolução neste sentido é o termo daquele especifico momento do processo volitivo em que o «eu» pondera o valor, ou desvalor, os prós e os contras dum projecto concebido. É o termo daquela específica fase da volição que, metafisicamente se costuma descrever como constituída por uma luta de motivos e contra motivos, em que o próprio intervém numa afirmação da sua personalidade. Deste modo, quando se trate de um projecto criminoso que entra em execução, é precisamente no momento em que o agente toma a resolução de o realizar, que a ineficácia da norma, na sua função de determinação, se verifica. Se, pois, diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade criminosa, diversas vezes deixa a norma de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os juízos de censura a formular ao agente.
O índice da unidade, ou pluralidade, de determinações volitivas apenas se pode consubstanciar na forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando, fundamentalmente, à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. A experiência, e as leis da psicologia, referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que, porventura, inicialmente os abrangia a todos, se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.
(…)
Neste contexto e neste âmbito, na vigência do CPenal1982, o STJ através do então Assento 3/92, fixou jurisprudência afirmando que, “no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação, e de burla, do artigo 228.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 313.º, n.º 1, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”.
Isto por se entender que são diversos e autónomos, entre si, o bem jurídico violado pela burla e o bem jurídico protegido pela falsificação, que se visam proteger com a incriminação, ou sejam, respectivamente, o património do burlado e a fé pública dos documentos necessária à normalização das relações sociais.
A tal conduz o critério teleológico que se deve ter igualmente por adoptado no aludido n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal para se operar a distinção entre unidade e pluralidade de crimes, determinando o conceito de pluralidade de crimes a partir da indagação sobre se o procedimento ou conduta do agente viola ou não disposições que consagram e protegem interesses diferentes.
Decorridos alguns anos, face à alteração introduzida pelo Decreto Lei 48/95, foi novamente suscitada a apreciação do STJ que através, ainda, do então, denominado Assento 8/2000, fixou jurisprudência na esteira do entendimento anteriormente seguido decidindo que, “no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes”.
Assim, se reafirmou a posição anteriormente assumida, concluindo que, sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de burla (o património) e de falsificação de documento (que não será tanto a fé pública dos documentos mas, antes, a verdade intrínseca do documento enquanto tal ou “a verdade da prova documental enquanto meio que consente a formulação de um juízo exacto, relativamente a factos que possam apresentar relevância jurídica” e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível, deve continuar a concluir-se que a conduta do agente que falsifica um documento e o usa, astuciosamente, para enganar ou induzir em erro o burlado integra (suposta, naturalmente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos), efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de burla.
(…)
Posteriormente e mais recentemente - agora na sequência da alteração legislativa introduzida pela Lei 59/2007, relativamente ao artigo 256.º C Penal - novamente chamado a pronunciar-se o STJ fixou jurisprudência, através do AFJ 10/2013, no sentido de que, “a alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256 do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes”
Na verdade, se é certo que a falsificação pode constituir o meio, o artifício fraudulento que está no cerne da burla, igualmente é exacto que, na comparação dos dois tipos, existe uma bipolaridade de bens jurídicos protegidos o que aliás se revela na sua diferente natureza (pública e semi-pública), reflectindo tal diversidade. Consequentemente, à pluralidade de tipos legais integrados deve corresponder uma pluralidade de crimes.
Aliás, importa realçar que, independentemente da proximidade que exista entre os bens jurídicos protegidos pelos tipos em causa, a pluralidade de resoluções prévias significa uma pluralidade de crimes cometidos pois que se violam as determinações de diferentes normas e, consequentemente são autónomos os fundamentos para o juízo referencial de censura em que a culpa se analisa.
A questão é, então, única e simplesmente determinar se entre a burla e a falsificação, que é instrumento para o seu cometimento, existe esse sentido único de ilicitude; essa conexão subjectiva e objectiva que, sem qualquer dúvida, aponta para uma sobreposição na tutela jurídica a conjugar com o princípio “ne bis in idem”
Na verdade, sendo fora de dúvida que nos encontramos perante a integração de tipos legais diferentes, que tutelam bens jurídicos diversos, o eximir à afirmação de um concurso de crimes à luz do artigo 30.º C Penal tem subjacente o afirmar da violação de tal princípio.
Sobre tal tema já oportunamente se pronunciou o Tribunal Constitucional quando, chamado a avaliar a ofensa do princípio ne bis in idem, na afirmação de um concurso real entre os crimes de falsificação e burla, concluiu que as normas dos artigos 30.º/1, 217.º/1 e 256.º/1 C Penal (…) na interpretação que permite a punição em concurso efectivo pelos crimes de burla e falsificação de documentos, assente na distinção dos bens jurídicos tutelados pelos respectivos tipos legais, não ofende a Constituição, nomeadamente os artigos 2.º e 29.º/5 da Lei Fundamental.
Isto no entendimento de que o que “verdadeiramente importa é saber se se está perante a “prática do mesmo crime” ou perante um concurso efectivo de infracções, quer este concurso seja real, quer seja ideal.
É que, sendo o concurso de crimes efectivo, e não meramente aparente, a dupla penalização não viola o princípio constitucional do ne bis in idem. E isto, porque as sanções, que cada uma das normas penais que se encontram em concurso prevê, se destinam, cada uma delas, a punir a violação de um bem jurídico diferente; ou, então, porque o bem jurídico, que a mesma conduta viola por mais do que uma vez, é um bem jurídico eminentemente pessoal. Em ambos os casos, não se está em presença do mesmo crime, embora se esteja em presença do mesmo facto ou da mesma acção delituosa, o que vale por dizer de uma mesma conduta naturalística.
Reconduzindo-nos aos precisos termos da relação entre o crime de falsificação e o crime de burla temos por adquirido que, não só não são coincidentes os bens jurídicos tutelados, como, também, que a falsificação não é, necessariamente, o instrumento para a consumação da burla. A instrumentalidade da falsificação está indubitavelmente ligada a uma maior sofisticação no meio fraudulento utilizado o que por alguma forma faz surgir o paradoxo de a uma ilicitude com uma densidade mais acentuada poder corresponder uma mesma tipificação em termos penais.
Acresce que o titular do direito violado pelo crime de falsificação não é necessariamente o mesmo do crime de burla. Na verdade, a invocação de uma falsa identidade, ou qualidade, invocando um documento, tem subjacente a colisão com o direito de terceiro cuja identidade, ou qualidade, é alterada com o intuito de defraudar a vítima da burla e isto sem invocar o sempre presente interesse do Estado na fiabilidade dos instrumentos que asseguram as relações entre cidadãos e instituições que o integram.
Igualmente é certo que a opção desvaliosa pelo ilícito se desdobra numa repetição do querer em que o agente tem perfeita consciência de que, por tal forma, viola duplamente a lei penal.
A consideração da pluralidade de crimes perante a pluralidade de resoluções distanciadas no tempo, ainda que tendo subjacente uma instrumentalidade, não colide com o citado princípio ne bis in idem pois que não é o mesmo comportamento que é punido duplamente, mas são dois comportamentos autónomos que não se sobrepõem e que por igual devem se objecto de valoração.
Importa, porém, segmentar uma situação particular que merece uma especial atenção. Na verdade, uma coisa é o agente que numa convergência temporal falsifica o documento e o utiliza de imediato numa continuidade de desígnio criminoso e outra a falsificação que, em momento posterior, e desligado no tempo, é utilizada como artifício fraudulento.
Conclui-se, assim, que em nosso entender o critério do crime instrumento não é suficiente para a afirmação de existência de concurso aparente entre os dois crimes configurada como consunção”.
Ora, os fundamentos constantes destes sucessivos Acórdãos de fixação de jurisprudência são inteiramente transponíveis para o caso dos autos, pois que, inelutavelmente, os bens jurídicos tutelados pelos crimes informáticos de burla e de falsidade, são, também, eles diferentes e, neste pressuposto se terá que afastar a tese do concurso aparente, antes, se afirmando a existência de concurso efectivo entre eles – ainda que se possa ter o de falsidade, como meramente instrumental, para induzir a vítima em erro, no que à burla e reporta.
Donde, a conclusão lógica de que em face do artigo 30.º C Penal, entre os crimes de burla e de falsidade, ambos na vertente informática – também - existe concurso real de infracções.
III. 3. 3. A medida da pena.

III. 3. 3. 1. As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º C Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o artigo 70º C Penal.
Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.
Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2 C Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[1], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”.
Mais à frente[2], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[3] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

III. 3. 3. 2. Depois de se ter decidido optar, em relação ao crime de burla informática, pela aplicação de pena de multa (questão que não vem colocada aqui em causa) e, antes de se ter decidido, a final, substituir a pena de prisão, pelo crime de falsidade informática, pela suspensão da sua execução (questão, também, esta não colocada em causa no recurso) a propósito da operação de determinação da medida da pena, que culminou com as seguintes penas:
- quanto a cada um dos crimes de burla informática: 200 dias de multa, com o quantitativo diário de € 6,00, atenta a sua situação económica;
- quanto ao crime de falsidade informática: 18 meses de prisão por cada um deles e, na pena única de, 600 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e, 3 anos e 6 meses de prisão, expendeu-se pela seguinte forma na decisão recorrida:

“assim, quanto ao arguido B…, há a considerar:
- o grau de ilicitude que é mediano para o tipo em apreço considerando o tipo de bens em causa e o valor de cada uma das aquisições;
- o grau de culpa que é elevado pois o arguido apesar de jovem, não trabalhava e com o esquema montado, granjeava bens que de outro modo não lograria obter, exigindo-se, dado o contexto familiar, outra postura;
- o modo de execução do crime, pois que se além do mais, aproveitou-se da internet de terceiros de forma a procurar não ser detectada a sua intervenção nos factos;
- acresce que não denota ter interiorizado a censurabilidade da sua conduta;
- em seu favor, milita o facto de não ter antecedentes criminais, encontrando-se actualmente empregado e o facto de à data apresentar um quadro depressivo, o que, de certa forma, diminui a sua culpa.

III. 3. 3. 3. Passando, então, à 2.ª operação a efectuar – a que vem afinal colocada em causa - impunha-se ao tribunal fundamentar, de modo concreto, o quantum das penas, desde logo parcelares e, depois a pena única, quer de multa, quer de prisão, respectivamente em relação a 5 crimes de burla informática e outros tantos de falsidade informática – a que corresponde em abstracto, respectivamente as molduras penais abstractas de, pena de multa de 10 a 360 dias e, pena de prisão de um a cinco anos.
E fê-lo, tendo em atenção os critérios previstos nos artigos 40º e 71º C Penal.
Assim, há que ter presente,

- em relação a qualquer dos crimes, um instrumento do outro, o mediano grau de ilicitude dos factos, consubstanciado nos valores patrimoniais em causa, desde logo,
- a normal intensidade da culpa, no caso ainda, mitigada pelo facto de ao tempo o arguido apresentar um quadro depressivo, o que, de certa forma, diminui a sua culpa; e não elevada como se entendeu, porquanto identificável com o dolo directo – pois que, apesar da actuação com dolo directo, no caso, tal não se traduz, por isso, numa culpa de elevada intensidade. Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto.
De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos.
Estamos assim, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento de qualquer dos crimes - quer a nível da ilicitude, quer da culpa.
A actuação do arguido evidencia estarmos perante um quadro protótipo e de aparente normalidade na forma como estes crimes, é suposto serem cometidos – não se podendo ter, de resto, como se entendeu na decisão recorrida – que o grau de culpa seja elevado porque o arguido apesar de jovem, não trabalhava e com o esquema montado, granjeava bens que de outro modo não lograria obter, exigindo-se, dado o contexto familiar, outra postura;
- o modo dissimulado de execução dos factos, através da utilização de ligação alheia à internet, com vista a não ser identificado como autor;
- o valor do benefício almejado, alcançado e do consequente prejuízo para outrem, que a sua conduta provocou;
- o facto de não ter antecedentes criminais e, se encontrar, agora, empregado;
- as necessidades de prevenção geral são elevadas – e não medianas, não se tratando de ilícitos de comissão frequente, mas denotando-se uma crescente indiferença com que se encaram os direitos de outrem atinentes à esfera da respectiva esfera patrimonial, na proporção inversa do relevo dado à angariação de vantagens e proventos económicos, em benefício próprio – atinentes com a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada - que devem, por isso, ser combatidos com a maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade e alarme sociais que causam, dada a temeridade e ousadia evidenciadas na sua prática, tendo, naturalmente, em atenção as particulares circunstâncias do caso;
- sendo, não, tão prementes as necessidades de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida do recorrente, apesar de se notar, no conjunto que tem uma personalidade adequada aos factos que cometeu e avessa ao direito.

Assim, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julgam-se adequadas e ajustadas cada uma das penas individuais aplicadas pela 1ª instância, já acima mencionadas.

A pretendida redução das penas, parcelares ou única, mostra-se desajustada perante as circunstâncias do caso concreto e comprometeria irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.
Temos, por isso, que, as penas parcelares foram fixadas de forma criteriosa e em estrita obediência aos parâmetros legais, designadamente os previstos no artigo 71º C Penal.
III. 3. 3. 4. A pena única.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.
Se bem que o arguido precisa, directa e de forma imediata não tenha reagido contra a pena única e que o fez tão só por via da pretendida redução das penas parcelares, com fundamentos que, como vimos já, não mereceram acolhimento, sempre diremos a este propósito o seguinte.
Estabelece o artigo 77º/1 C Penal que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”.
Ora, neste caso concreto (considerando as penas parcelares em concurso), a pena aplicável (a moldura abstracta do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso – 5x200 dias de multa, limitada, no entanto ao máximo legal de 900 dias e, em relação à prisão, tem 5X18 meses, cfr. artigo 77º/2 C Penal.
Dentro desta moldura, deve ter-se em conta, à luz das exigências gerais de culpa e prevenção, e de acordo com o n.º1 da citada disposição, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Assim, atendendo aos respectivos factos no conjunto (considerando os crimes em concurso cometidos e a gravidade global, bem como conexão entre os crimes – instrumentais uns dos outros - e à sua personalidade, que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando uma certa tendência para a prática deste tipo de crimes (sendo manifesto que não é capaz de lidar com situações de crise, desânimo ou frustração) bem como a tudo o mais que acima referimos, mas agora reportado à gravidade do ilícito global (particularmente a culpa pessoal, as acentuadas exigências de prevenção geral, a gravidade global dos ilícitos, de mediano importe, o contexto em que tudo se passou, as condições de vida, a inserção social e profissional, julga-se, também, neste segmento, ajustadas e adequadas, as penas unitárias fixadas, de 600 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, aplicadas na 1ª instância.
Na perspectiva do direito penal preventivo, estas penas únicas aplicadas pela 1ª instância mostram-se adequadas, equilibradas e proporcionadas em relação à gravidade dos factos cometidos apreciados globalmente e de forma articulada com a personalidade que evidencia, não obstante a sua idade e, condições de vida, ou por isso mesmo, de resto.
Temos, por isso, que, também aqui, as penas foram determinadas criteriosamente em estrita obediência aos parâmetros legais, designadamente os previstos no artigo 77º C Penal.

Improcede, pois, a argumentação do arguido, sendo certo que não foram violados quaisquer princípios ou normas legais atinentes a qualquer das operações, de determinação das penas parcelares ou das penas únicas.

Note-se, aliás, que considerando a moldura penal abstractamente aplicável ao crime de falsidade informática, um a cinco anos de prisão, a fixação da pena concreta em 18 meses, se situa, como é fácil de ver, muito próximo do limite mínimo, não se vislumbrando quaisquer razões, no contexto em que os factos ocorreram, que justifique a sua fixação em limite inferior, concretamente, como pretende o recorrente, no próprio mínimo legal.
IV. DISPOSITIVO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…, assim se confirmando a decisão recorrida nos segmentos impugnados.

Taxa de justiça pelo arguido que se fixa no equivalente a 4 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.
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Porto, 2016 Setembro 14
Ernesto Nascimento
José Piedade
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[1] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[2] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[3] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.