Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5936/19.2T8BRG.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

São inadmissíveis, por violação do disposto no art. 640º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar.
Não obsta à procedência da impugnação pauliana o facto de o ex-cônjuge não ser responsável pelo pagamento da dívida, nem o facto de o bem transmitido e sujeito à impugnação ter feito parte do património comum do extinto casal, porquanto deixou de ter essa natureza com o acto de transmissão, passando a integrar o património do terceiro e poder assim ser penhorado pelo credor.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

A Recorrida intentou esta acção declarativa sob a forma de processo comum contra os Recorrentes, pedindo que: a) Seja decretada a ineficácia da cessão de quotas, reconhecendo-se a possibilidade de a autora impugnante executar no património do 3º réu as quotas; b) Se declare o direito de a autora praticar sobre as aludidas quotas todas as medidas de garantia patrimonial do seu crédito.
Os réus ofereceram contestação, na qual, após historiarem sobre os contornos das relações comerciais que deram origem ao contrato de fornecimento de café referido pela autora na petição, negaram ter-se tratado o acto de cessão de quotas impugnado de um qualquer expediente para proteger o património do 1º réu, sendo, sim, a forma encontrada por este último e por familiares seus (pai e irmã) de saldar uma dívida, da ordem dos 305974,60€, que aquele tinha acumulado para com outra sociedade da família - X – Construções e Engenharia, Lda.” -, resultante de retiradas de dinheiro que, ao longo dos anos, foram feitas pelo 1º réu, aproveitando-se do seu cargo de gerente, para financiar a sociedade “Y – Restauração, S.A.”.

Após julgamento foi proferida a seguinte sentença:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela total procedência da demanda, decido: a) Declarar a ineficácia em relação à autora o acto de cessão de quotas a que se alude nos pontos 7. e 8. dos factos provados, reconhecendo-se a possibilidade daquela executar as quotas objecto desse negócio no património do réu J. P.; b) Declaro o direito de a autora praticar sobre as aludidas quotas todas as medidas de garantia patrimonial do seu crédito; c) Condenar os réus no pagamento das custas do processo.”

Inconformados, os Apelantes formulam as seguintes
Conclusões.

1ª – A sentença recorrida, ao julgar a ação procedente e decidir “declarar a ineficácia em relação à autora o ato de cessão de quotas a que se alude nos pontos 7. e 8. dos factos Página 25 de 29 provados, reconhecendo-se a possibilidade daquela executar as quotas objeto desse negócio no património do réu J. P.”, fez incorreto julgamento sobre a matéria de facto dada como provada e não provada, bem como erradas subsunção, interpretação e aplicação da lei;
2ª – Os RR. consideram que foram incorretamente julgados como “provados”, os concretos pontos de facto 2., 9., 10., 11., 12., e 13., elencados em III. FUNDAMENTAÇÃO. A) Fundamentação de Facto. Factos Provados, da sentença recorrida, os quais deverão ser alterados por esse Venerando Tribunal para “Não Provados”;
3ª – Os RR. consideram que foram incorretamente julgados como “Não Provados” os factos constantes das as alíneas a), b). c), d), e), e f) elencados em III. FUNDAMENTAÇÃO. A) Fundamentação de Facto. Factos Não Provados, da sentença recorrida, os quais deverão ser alterados por esse Venerando Tribunal para “Provados”;
4ª – Neste sentido, o depoimento de parte do 1º R., que foi inquirido na 1ª Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, realizada em 22.04.2021 e cujo depoimento foi gravado no sistema “H@bilus Media Studio”, com inicio pelas 00:00:01 e fim pelas 00:18:47, conforme da respetiva Ata com a ref.ª 172800291 consta, e cujos excertos foram transcritos em I) supra, sem prejuízo, naturalmente, de o Tribunal ad quem proceder à sua audição integral;
5ª – De igual modo, impõe tal alteração sobre a decisão de facto reclamada o depoimento da testemunha Dr. A. R., contabilista certificado, que foi inquirido na 1ª Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, realizada em 22.04.2021 e cujo depoimento foi gravado no sistema “H@bilus Media Studio”, com inicio pelas 00:00:01 e fim pelas 00:57:54, conforme da respetiva Ata com a ref.ª 172800291 consta e cujos excertos foram transcritos em I) supra, sem prejuízo, naturalmente, de o Tribunal ad quem proceder à sua audição integral; Página 26 de 29
6ª – Resulta, ainda, da prova extraída dos documentos nºs 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, e 33, juntos com a contestação, a fls. 95 a 106 dos autos, aqui dados como reproduzidos e integrados para todos os devidos e legais efeitos;
7ª – Nenhuma prova foi feita pela A. relativamente ao por si alegado na petição inicial e dado como provado em 10. dos “Factos Provados” da sentença recorrida de que: “ao outorgar o referido acordo de cessão de quotas, o 1º réu agiu com o propósito de transferir esse património, para o proteger e deixar a salvo dos seus credores, para não o ver transferido para a esfera patrimonial destes”, pelo que deverá ser alterado para “não provado”;
8ª – De igual modo, nenhuma prova foi feita pela A. relativamente ao por si alegado na petição inicial e dado como provado em 11. dos “Factos Provados” da sentença recorrida de que: “Os 1º e 3º réus sabiam que a divida para com a autora poderia atingir o património do réu P. F., agindo no seguimento do plano que elaboraram, o qual incidiu sobre a celebração do dito contrato de cessão de quotas”, o qual deverá ser, em consequência, alterado para “não provado”;
10ª – Não obstante, a referida ausência total de prova desse facto por parte da A. sobre quem recaía o respetivo onus probandi, o certo, todavia, é que os ora apelantes fizeram a prova do contrário ou, pelo menos, a sua contraprova, dando uma explicação verdadeira, sincera e credível sobre a base de tal contrato oneroso celebrado entre eles, explicação essa que, de modo algum, foi abalada ou posta em causa pela apelada;
11ª – No sentido de cumprir o seu ónus da prova quanto aos factos constitutivos da alegada impugnação pauliana, previstos no art. 610º als. a) e b) do CC, requereu a A., mas sem êxito, os depoimentos de parte dos 1º e 3º RR, dos quais não resultou qualquer confissão, muito menos o tendo conseguido através das duas testemunhas que arrolou e que nada depuseram sobre os aludidos factos essenciais constitutivos do seu pretenso direito (art. 342º nº 1 do CC);
SEM PRESCINDIR, Página 27 de 29
12ª – Os apelantes igualmente não se conformam com a sentença impugnada no respeitante à Motivação da Decisão de Facto, porquanto não fez uma análise critica das provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, como expressamente determina o nº 4 do art. 607º do NCPC;
13ª – O Tribunal a quo limitou-se a elencar os factos provados e não provados, mas não fez um juízo critico da prova produzida e que permitisse retirar tais ilações/conclusões, limitando-se a concluir que “… não ficou, na ótica do tribunal, suficientemente demonstrada.”, mas omitiu-se o juízo valorativo da prova;
14ª – Relativamente ao depoimento da testemunha Dr. A. R. e contrariamente ao expendido na sentença recorrida, trata-se de uma testemunha merecedora de credibilidade, independência e autonomia em relação às sociedades comerciais suas clientes e sem qualquer interesse na causa;
15ª – Contrariamente ao expendido na sentença, os documentos números 22. a 32. juntos com a contestação fazem parte integrante da contabilidade da sociedade “X” e as provas resultantes de tal escrituração mercantil fazem prova plena dos factos pela mesma apresentada, evidenciados e mostrados, quer entre comerciantes, quer em juízo;
16ª – Se o tribunal a quo tinha dúvidas sobre a veracidade de tais registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte podia e devia ordenar, por sua iniciativa, ao abrigo do disposto no art. 436º do NCPC, a requisição de tais documentos juntos pelos RR. ou outros que julgasse “necessários ao esclarecimento da verdade”, o que não fez, postergando desse modo, o citado preceito legal;
17ª – Insólita é a afirmação feita na página 9 da sentença recorrida de que a “testemunha A. S. (…). Essa testemunha foi prescindida pelos réus.”, pois, como é sabido, a parte que arrola a testemunha pode, a todo o tempo, prescindir dela; Página 28 de 29
18ª – A sentença recorrida lançou mão de uma “presunção judicial” para dar como provados os pontos de facto, já acima impugnados, nºs 10 a 13., mas não lhe era lícito fazê-lo;
19ª – O contrato de cessão de quotas é um contrato formal e não consensual, ou seja, só é válido se for celebrado por escrito, como foi (cfr. doc. nº 1 junto com a P.I.);
20ª – O Tribunal a quo retira ilações e conclusões de factos que não foram sequer alegados pelas partes, nem são objeto da prova: não foi referido em nenhum momento que a letra tivesse sido apresentada a pagamento, nem que o 1º R. tivesse tido conhecimento de tal, nem sequer foi junto qualquer documento comprovativo;
21ª – Pelo contrário, no que respeita ao contrato de cessão de quotas, bem como à data de celebração do mesmo foi explicado pelos depoimentos supratranscritos em I), que se tivesse sido celebrado com intuito fraudulento, como erradamente se julgou, resulta da lógica e das regras da experiência comum da vida e do normal acontecer que bastaria que nele fosse colocada uma data anterior àquela que foi aposta no contrato;
IGUALMENTE SEM PRESCINDIR,
22ª – Foi dado como provado no ponto 8. dos “Factos Provados” de “A) Fundamentação de Facto”, de “III FUNDAMENTAÇÃO”, que: “Nesse mesmo documento declararam o 1º réu e a ré A. P., ex-cônjuge daquele, ceder a J. P., uma quota no valor nominal de € 23.934,00, por eles detida, como bem comum, na sociedade “J. P., Lda.”, desse documento constando, como preço da cessão, “vinte e oito mil novecentos e trinta e quatro euros”. (negrito nosso);
23ª – Contudo, não foram retiradas as devidas ilações e consequências daquele facto provado, ou seja, que a 2ª R. não contraiu qualquer divida com a A., que não teve sequer conhecimento da alegada divida, e que nem sequer assinou nenhum contrato, letra, aval, ou qualquer outro documento, assim como não deu o seu consentimento a tal; Página 29 de 29
24ª – Foram, desse modo, violadas pela sentença recorrida, entre outras, as disposições legais substantivas constantes dos arts. 342º nº 1 e 3, 349º, 351º, 393º nº 1, 601º, 610º als. a) e b), 611º, 612º, 817º, 847º, 874º, 939º, 940º, 1692º al. a), e 1696º nº 1, todos do CC; e nos arts. 29º, 43º, e 44º do C. Comercial; e adjetivas constantes dos arts. 411º, 436º, 498º nº 2, 526º, 527º nº 1 e 2, e 607º nº 4 e 5 todos do NCPC.
Nestes termos, e nos mais que V. Exªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e provido e, por via dele, revogada a sentença recorrida,…

A Recorrida nada disse.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (1) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Modificação da decisão de facto e alteração da sentença em conformidade;
- A impugnação da transmissão operada pela cônjuge do devedor visado.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios - «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Como refere Abrantes Geraldes (4), sendo certo que actualmente a possibilidade de alteração da matéria de facto é agora assumida como função normal da Relação, verificados que sejam os requisitos que a lei consagra, certo é que nessa operação “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislado optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

De acordo com este mesmo autor e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, em, síntese, o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenha sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (5);
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (6), exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente;(…).

Sublinha ainda o mesmo autor que não existe, quanto ao recurso da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento.
Tendo em mente esta exigência do dispositivo do citado art. 640º, entende ainda Abrantes Geraldes que, mediante uma apreciação rigorosa, decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes (7), sempre com respeito do princípio da proporcionalidade, da letra e espírito da lei, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: A falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (cf. arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g., documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); Falta de indicação exacta, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente cada segmento da impugnação.”
Sobre esta última exigência a nossa posição actual, em consonância com o que tem sido a evolução da jurisprudência deste Tribunal da Relação de Guimarães e de outros tribunais de recurso, como ficou dito em Ac. de 19.11.2020 (8), por nós subscrito, é a seguinte: “Em síntese, as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objecto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.
Deste modo, sendo a impugnação de matéria de facto uma autêntica questão fundamental, susceptível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação expressa e precisa dos pontos de facto impugnados e com as correspondentes conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio. (9)”

Decorre também dessa leitura, conforme jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que devemos ter em conta, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil, que não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar.
É exemplo disso o recente Ac. do S.T.J., de 20.12.2017, onde, em sumário, se escreveu o seguinte: sic: I- A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos (10). II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Nesse sentido o mesmo Supremo Tribunal considerou, em acórdão inédito de 14.06.2018, relatado pelo Conselheiro A. Joaquim Piçarra, em apreciação e confirmação de acórdão relatado por nós que envolvia essa matéria, no Proc. 2926/16.0T8BRG.G1.S1, em síntese e a propósito, que, sic: Não observa o ónus impugnatório fixado no art. 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o impugnante da decisão da matéria de facto que, de forma confusa, prolixa e ambígua, não indica com precisão e certeza o sentido decisório a adoptar (11), nem correlaciona a parte concreta dos depoimentos ou documentos oferecidos relativamente a cada um do conjunto alargado de factos impugnados (12).

Além disso, como já acima se foi adiantando e afirma Ana Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”:

« (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos.
E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio.
Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.”

Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06 (13), afirmou-se, relativamente ao regime semelhante do art. 690ºA, do Código de Processo Civil revogado, que:
«Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos.
Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto.
Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis.
Resulta deste excurso pela doutrina e jurisprudência que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar – sem mais – nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo.
Com efeito, o tribunal de primeira instância – no âmbito do contexto de justificação – elabora uma motivação-documento em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objectivável e intersubjectiva (14). O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa (15).
Assim sendo, cabe ao apelante – para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida – argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo - a versão aceite pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante colocar-se na posição do juiz a quo e exercitar - ele próprio - a apreciação crítica da prova, hierarquizando a credibilidade dos meios de prova (enunciando os parâmetros que majoram ou diminuem a credibilidade de cada meio de prova), concluindo por uma versão alternativa dos factos. Deste modo, este exercício não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com tal enunciação singela.
É incumbência do apelante actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente.
Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, limitando-se a assinalar que existe um meio de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo mesmo tribunal.
Com refere Abrantes Geraldes (16) - As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se a final, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.

Tendo em mente a interpretação do art. 640º, que acima enunciamos, analisemos a pretensa impugnação dos Apelantes.
*
Descendo ao caso.

Os Apelantes sindicam o julgamento dos pontos de facto 2., 9., 10., 11., 12., e 13., considerados assentes na decisão impugnada, os quais deverão, no seu entender, ser alterados para “Não Provados”.
Mais, consideram que foram incorrectamente julgados como “Não Provados” os factos constantes das as alíneas a), b). c), d), e), e f), os quais pretendem ser alterados para “Provados”.

Em sustento dessa decisão, ficou dito pela sentença em crise que, sic:
“Com efeito, relativamente à factualidade vertida nos pontos 1. a 4., malgrado parte dela tivesse sido impugnada pelos réus, não teve o tribunal quaisquer dúvidas em considerá-la provada com base no teor dos documentos que a autora juntou com a petição inicial sob os nºs 4. e 5.”

“Dos termos da defesa que os réus apresentaram, em particular do alegado nos artigos 22º a 29º da contestação, logo resultou que não houve propriamente qualquer contrapartida paga em dinheiro pelo 3º réu em virtude de lhe terem sido cedidas as duas quotas aqui em referência. Isso o confirmaram os réus, também, quando prestaram depoimento de parte.”

“A versão trazida pelos réus na contestação, na tentativa de demonstrarem que o acto impugnado não constitui, ainda assim, um negócio gratuito – vertida nos referidos artigos 22º da 29º daquele articulado – não ficou, na óptica do tribunal, suficientemente demonstrada. Daí que tais factos tivessem sido elencados como não provados nas als. a) a f). O ónus da prova desses factos recaía, claro está, sobre os réus (artigo 342º, nº 3 do Código Civil). A prova que sobre eles foi produzida cingiu-se, em rigor, ao depoimento prestado pela testemunha A. R. e à documentação junta com a contestação sob os nºs 22 a 32. Os réus prestaram depoimento de parte (não declarações de parte), tendo, em sede de esclarecimentos adicionais aos seus depoimentos, os 1º e 3º réus (aquele com maior convicção do que este último, diga-se) procurado convencer o tribunal da realidade daquela versão. Como bem se compreende, essas declarações têm muito reduzido valor probatório.
Já do contabilista A. R. afirmou, ao longo do seu depoimento, estar convicto, pelo que assistiu das conversas entre o 1º réu e a sua irmã A. S., e pelo que o próprio percepcionou, que a cessão de quotas formalizada pelo documento de 15/09/2015 tinha sido a forma encontrada pela família para o 1º réu ressarcir os “desmandos” praticados na gestão das empresas, que ascenderiam aos ditos € 305.974,60.
Todavia, essa testemunha – cujo depoimento, diga-se, não se afigurou particularmente isento – acabou por reconhecer que não podia confirmar que o somatório da suposta dívida do 1º réu seria aquele valor de € 305.974,60, por não ter feito uma verdadeira auditoria à contas da sociedade “X – Construções e Engenharia Civil, Lda.”, não tendo consultado e analisados documentos que suportassem aquela conclusão.
Por outro lado, analisada a referida prova documental - junta com a contestação sob os nºs 22 a 32 – não permite a mesma, ainda que conjugada com o depoimento por último referido, extrair dados probatórios bastantes para convencer o tribunal, sem margem para dúvidas relevantes, da realidade da versão avançada pelos réus acerca da explicação e justificação do acto de cessão de quotas aqui impugnado.
O documento nº 22, por si só nada prova. Dos cheques cujas cópias foram juntas como docs. 24 a 28, sacados sobre uma conta da X, Lda. nos anos de 2008 e 2009, não consta à ordem de quem foram emitidos, desconhecendo-se quem foram os destinatários desses fundos. As cópias dos cheques juntas como docs. 29 a 31 apenas retratam os rostos desses títulos, sendo que, tal como os comprovativos de transferências bancárias (datadas de 2010), não permitem concluir se esses movimentos de dinheiros entre as empresas foram para as finalidades referidas na contestação, ou para outras quaisquer.
Além disso, houve uma questão colocada em audiência que ficou sem resposta: se a dívida do 1º réu era perante a sociedade “X – Construções e Engenharia Civil, Lda.”, porquê pagá-la, digamos assim, ao 3º réu?
Questão essa, para além de outras, que não houve oportunidade de pôr à testemunha A. S., a irmã do 1º réu, pessoa que aparentemente seria a mais conhecedora do circunstancialismo que, na tese da contestação, teria conduzido à celebração do contrato de cessão de quotas visado na demanda. Essa testemunha foi prescindida pelos réus.
Foi, assim, por falta de prova bastante que o tribunal considerou não provada a factualidade acima descrita sob as als. a) a f).”

“Pelo contrário, formou o julgador convicção suficiente para ter como demonstrada a materialidade vertida nos pontos 10. a 13.. Tais factos, sendo do foro internou ou psicológico dos réus, não são passíveis de prova directa. Os réus, ouvidos em depoimento de parte, não os confessaram. Ainda assim, afigura-se ao julgador que da conjugação de factos provados nos autos com as regras da experiência comum é possível, por presunção judicial (cfr o artigo 349º do Código Civil), chegar à prova daquela realidade interna – e assim tem de ser, necessariamente, na generalidade dos casos como o dos autos.
Não foi negada, e está provada por documento autêntico (cfr. a certidão junta como doc. 2), a relação de pai/filho que intercede entre o 3º e 1º réu, e que este foi casado com a 2ª ré. Além desse vínculo filial, resultou também evidenciada em audiência a proximidade que existe entre pai e filho na gestão das empresas da família. A autora tomou a iniciativa de lançar mão da letra de câmbio entregue como garantia no mês de Agosto de 2015, preenchendo-a como pactuado, com data de 22/08/2015 e com vencimento para 01/09/2015. Naturalmente que antes desse preenchimento a devedora principal e os garantes já teriam sido intimados para cumprirem a dívida. O negócio da cessão de quotas surge, coincidentemente, no dia 15/09/2015, sendo que a explicação dada pelos réus para esse negócio não convenceu minimamente, como se viu,
A ponderação daqueles factos à luz das regras da lógica, da normalidade do acontecer e da experiência comum (e, mais ainda, da experiência judiciária) não deixa dúvidas, cremos, que os 1º e 3º réus actuaram com o conhecimento e com os propósitos enunciados sob os pontos 10. a 13.. Por isso que esses factos se tiveram como provados.”

Perante esta fundamentação, a qual deviam confrontar nos termos expostos no art. 640º do Código de Processo Civil, interpretado nos termos acima assinalados, os Apelantes começam por contrapor o depoimento de parte do 1º Réu, relativamente ao qual afirmam que todos os pontos facto impugnados deverão ser alterados para “não provados” e “provados”, respectivamente, porque foram confirmados pelo mesmo.
Segue-se uma citação ou transcrição, acrítica, de excertos desse depoimento de parte e nova citação de prova pessoal gravada, desta feita da testemunha A. R., relativamente à qual os Apelantes fazem a mesma referência fundadora (item 5. Das alegações) e produzem transcrições sem qualquer comentário crítico.
Adiante, no ponto 6., os Apelantes parecem mudar de convicção e dizem agora que a prova dos facos alegados em 22. a 29. da contestação deve ser feita em conjugação com o conjunto de depoimentos que também aí citam.
Ora, a fórmula desta impugnação configura uma violação do disposto no citado art. 640º, nº 1, al. b), já que os Apelantes englobam nas mesmas referência probatórias um conjunto vasto de pontos de facto, que por sua vez, incluem diversos dados, sem a devida concretização, procurando, deste modo, uma repetição quase completa do julgamento, nomeadamente na parte respeitante aos factos negativamente julgados, sem a devida precisão ou concretização e, em grande medida, sem confrontarem os fundamentos da decisão impugnada, acima transcrita.
Pelo exposto, decide-se rejeitar esta impugnação.
Sem prejuízo do exposto, sublinha-se o seguinte.
As regras do ónus da prova, em relação às quais a sentença recorrida faz referência em sede de motivação da decisão de facto, não relevam para esta fase da decisão ou, em concreto, para o processo decisório factual mas sim apenas para a fase posterior, do julgamento de direito e verificação dos factos que poderão, ou não, satisfazer o ónus da prova dos que potencialmente preencham a causa de pedir ou as excepções que devem ser julgadas. O que releva nesta fase e nesse âmbito é a regra do art. 413º, do Código de Processo Civil, que é bastante distinta daquela respeitante ao ónus da prova.
Mais, deve-se realçar que a impugnação da decisão de facto não pode consistir na afirmação de uma opinião conveniente do sentido da prova produzida. Como acima ficou dito o apelante não pode abster-se de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo e tem de, sempre, confrontar os seus dados com os tidos em conta pela decisão em crise.
Nesta medida é, no mínimo, falacioso, dizer, v.g., que nenhuma prova foi produzida relativamente aos factos 10. a 13. da decisão infirmada, quando da mesma consta a referência a prova indirecta que foi tida em conta pelo Tribunal recorrido e que competia aos Apelantes debater.
Acresce ainda dizer que a factualidade constante do item 13. não constitui matéria conclusiva mas sim a referência possível a determinados elementos subjectivos relevantes para a decisão.

No que contende com a genérica discordância dos Apelantes relativamente à motivação da sentença que, repetimos, deveria incidir sobre determinadas decisões de facto ou factos relevantes para cumprir o disposto no art. 640º, do Código de Processo Civil, deve dizer-se que é, com o devido respeito, no mínimo, falacioso dizer que o Tribunal a quo não apreciou criticamente as provas dos factos em apreço, tendo em conta o que acima se transcreveu da sua fundamentação.
É também uma simplificação conveniente do decidido afirmar que o Tribunal não explicitou as razões da sua crítica ao depoimento do contabilista C. R., quando na mesma motivação é patente a fragilidade de um depoimento que faz afirmações que logo de seguida reconhece não terem consistência. Porquê?! E se de facto, como afirmam os Apelantes, é um prestador de serviços da empresa dos Réus, é de admitir, de acordo com as regras da experiência, o epíteto lançado pela decisão impugnada perante essa evolução insegura das suas declarações em audiência.
No que concerne à análise genérica da documentação da contestação, sob os nºs 22 a 32, dir-se-á que, mais uma vez, os Apelantes fazem uso fácil e não sustentado em qualquer norma de direito (que deviam citar – art. 639º, nº 2, do Código de Processo Civil) da expressão “prova plena”, quando é certo que os documentos particulares em causa não têm, sem mais, essa relevância probatória, antes estando sujeitos ao princípio da livre apreciação que o Tribunal da primeira instância expressou, como lhe permite a previsão do art. 607º, nº 5, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, o disposto no art. 436º, do Código de Processo Civil, que os Apelantes citam sem efeito prático relevante para o julgado, não substitui a responsabilidade de cada uma das partes na instrução da causa e “deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável”. (17) Por outras palavras, esta norma adjectiva não tem a interpretação que subjaz à alegação dos Recorrentes.
Em sentido divergente, no que contende com a referência à testemunha A. S., é caso para dizer que os Recorrentes tanto criticam a natureza parca de certas afirmações da sentença, como daquelas que tentam melhor precisar o raciocínio ou convicção do Tribunal, como é aquela em que se nota a voluntária e indiscutível abdicação de determinada prova que podia ter sido relevante para o esclarecimento dos factos e que, mais uma vez, nada de pragmático traz para a decisão de algum dos pontos em concreto julgados, muito menos com a repetida referência errónea à regra do ónus da prova em sede de motivação da decisão dos factos.

No ponto 12., os Apelantes, que em momento anterior queriam fazer prova de determinados factos relevantes para a configuração do negócio em apreço com prova testemunhal, dizem agora, sem sustento, que o Tribunal a quo, não podia recorrer a prova por presunção no que diz respeito aos factos 10 a 13, quando é evidente que tal matéria extrapola o contrato de cessão de quotas em apreço e incide apenas sobre dados subjectivos e exógenos ao mesmo, relevantes para a apreciação do instituto da impugnação pauliana.
Por isso, apesar da formalidade exigida pela regra geral do art. 228º, do C.S.C., a sua prova é, contrariamente ao pretendido, possível com base em prova testemunhal e, consequentemente, também viável com recurso à prova prevista no art. 349º, do Código Civil, a que aqui foi usada pelo Tribunal recorrido. Aliás recorda-se que a regra do art. 393º, nº 1, é excepcionada, nos casos referidos no seu nº 3, e no art. 394º, nº 3, todos do Código Civil.
Portanto, sempre improcederiam estes outros argumentos.

No que diz respeito a afirmado em 13., estamos perante recurso a factos instrumentais que, contrariamente ao afirmado, foram alegados pelos demandantes (cf. 11. e 12. da p.i) que o Tribunal pode atender (cf. art. 5º, do C.P.C.) por via da instrução da causa, inclusive por presunção judicial, nos termos do art. 349º, do Código Civil, sendo que a data do contrato em apreço é dado assente documentalmente, em 7., pelo que também aqui as objecções dos Apelantes improcederiam.

É também fruto de equívoco e de total ausência de sustento jurídico ou normativo, afirmar que a prova de dados subjectivos como são os atinentes à má-fé não pode ser feita com recurso a presunção judicial, como já ficou adiantado supra (sendo certo que tal requisito foi desconsiderado no caso em apreço tendo em conta a natureza gratuita do acto ponderado, como ficou expresso na sentença em crise).
Mais uma vez, sem qualquer apoio normativo, os Apelantes fazem afirmações inconsistentes, sendo certo que, tratando-se de dados que extrapolam o objecto formal do contrato em apreço pode o Tribunal recorrer a essa prova, aliás aquela que domina a demonstração destes factos do foro interno, na comum ausência da confissão dos autores dos factos. Deve ainda deixar-se claro, mais uma vez, que as regras do ónus da prova são irrelevantes em momento de avaliação da prova, sendo, portanto, despropositado invoca-las para discutir esse aspecto do julgado.

3.2. FACTOS A CONSIDERAR

a) Factos provados.

1. No âmbito da sua actividade comercial, no dia 15/07/2009, a autora celebrou com a sociedade comercial “Y – Restauração, S.A.” o acordo escrito constante do doc. junto a fls. 19 a 21, mediante o qual esta se obrigou a comprar à autora, e esta a fornecer, contra o pagamento dum preço, determinadas quantidades de café - nos termos e condições contantes daquele documento, cujo teor, brevitatis causa, aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. O réu P. F. outorgou também esse acordo, declarando, juntamente com J. R., na Cláusula 8ª, “(…) constituir-se fiadores da Segunda Outorgante respondendo e obrigando-se, solidária e integralmente pelo cumprimento de todas as cláusulas do presente contrato, nos mesmos termos em que esta o faz”.
3. Mais declararam aqueles, na Cláusula 9ª do dito acordo, “Declaram ainda os terceiros outorgantes que renunciam expressamente ao benefício da excussão prévia, tornando-se assim garantes e principais devedores, nos precisos termos em que o é a Segunda Outorgante”.
4. Para garantia das obrigações assumidas, o réu P. F. e o J. R. deram o seu aval à aceitante “Y – Restauração, S.A.” na letra de câmbio nº ……………22, a qual, incumprido o contrato, foi preenchida no valor de € 147.750,00, com data de emissão de 22/08/2015 e data de vencimento para 01/09/2015.
5. Apresentada a letra a pagamento, não tendo a autora logrado obter o pagamento voluntário da mesma, deu-a à execução através de requerimento executivo entrado a 11/12/2015, peticionando o pagamento da quantia de € 148.145,89, execução essa que corre termos pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão-J3 sob o nº 10081/15.7T8VNF, nela figurando como executados, além da sociedade “Y – Restauração, S.A.” e do J. R., o aqui 1º réu P. F..
6. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães nos autos de oposição por embargos movida contra aquela execução, datado 10/07/2019 e transitado em julgado a 30/09/2019, foi decidido revogar “a sentença recorrida quanto aos apelantes J. R. e P. F., ordenando a prossecução da execução quanto aos mesmos para cobrança da quantia de 109.312,50 (cento e nove mil trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, a partir da data de vencimento aposta na letra dada à execução até integral pagamento”.
7. Por documento datado de 15/09/2015, denominado “Documento Particular de Cessão de Quotas com Alteração do Pacto Social” – junto a fls. 11 vº a 13, aqui se dando o seu teor por reproduzido – declarou o 1º réu, além do mais, ceder a J. P., uma quota no valor nominal de € 998,00, por si detida, como bem próprio, na sociedade “J. P., Lda.”, desse documento constando, como preço da cessão, “novecentos e noventa e oito euros”.
8. Nesse mesmo documento declararam o 1º réu e a ré A. P., ex-cônjuge daquele, ceder a J. P., uma quota no valor nominal de € 28.934,00, por eles detida, como bem comum, na sociedade “J. P., Lda.”, desse documento constando, como preço da cessão, “vinte e oito mil novecentos e trinta e quatro euros”.
9. Não foi paga pelo 3º réu, J. P., qualquer quantia em dinheiro como preço por lhe terem sido cedidas as referidas quotas sociais.
10. Ao outorgar o referido acordo de cessão de quotas, o 1º réu agiu com o propósito de transferir esse património, para o proteger e deixar a salvo dos seus credores, para não o ver transferido para a esfera patrimonial destes
11. Os 1º e 3º réus sabiam que a dívida para com a autora poderia atingir o património do réu P. F., agindo no seguimento do plano que elaboraram, o qual incidiu sobre a celebração do dito contrato de cessão de quotas.
12. O 1º réu tinha plena consciência da sua situação financeira e patrimonial deficitária, a qual era também do conhecimento do 3º réu, pai daquele primeiro.
13. Sendo a sociedade “J. P., Lda.” um negócio familiar, ambos quiseram protegê-lo dos credores e celebraram a dita cessão de quotas, visando os réus, com esse acto, a dissipação do património do 1º, de modo a diminuir as garantias do crédito da autora.

b) Factos não provados.

1. Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que:

a) O réu P. F. tinha uma dívida para com a sociedade “X – Construção e Engenharia, Lda.”, a qual, à data de 15/09/2015, ascendia ao valor global de € 305.974,60.
b) Tal dívida resultou de retiradas que foram sendo, ao longo dos anos, feitas pelo sócio 1º réu, aproveitando o seu cargo de gerente, de importâncias daquela sociedade que, por sua vez, serviram para o 1º réu emprestar e financiar a sociedade “Y – Restauração, S.A.”.
c) Em consequência disso, a sociedade “J. P., Lda.” viu-se forçada a injectar capital na “X – Construção e Engenharia, Lda.” e mesmo, inclusivamente, a pagar contas e dívidas desta ao Estado, quer de impostos tais como IRC, quer de execuções fiscais e pagamentos em prestações, que uma vez mais o 1º réu fez à revelia dos demais sócios da “J. P., Lda.”.
d) Tal situação de endividamento do 1º réu para com as sociedades “X – Construção e Engenharia, Lda.” e “J. P., Lda.”, ao ser detectada pelos seus consócios (pai e irmã), gerou conflitos e confrontaram-no com o seu comportamento enquanto gerente, que usufruiu de dinheiro da sociedade, e com a perda ou quebra de confiança não só para continuar a exercer o cargo de gerente, mas também estando em causa a sua continuidade como sócio, de forma a ressarcir, ou pelo menos, a minimizar o prejuízo patrimonial por aquele causado a estes.
e) Neste contexto, os consócios, ora 3º réu e a irmã, interpelaram o 1º réu para regularizar as suas dívidas, tendo obtido a resposta que, embora reconhecesse a existência e a exigibilidade dessas dívidas, não tinha possibilidades económicas para proceder à respectiva restituição daquelas verbas.
f) Na sequência do que os seus sócios e familiares impuseram ao 1º réu a renúncia imediata à gerência e a cessão das suas quotas sociais das sociedades “X – Construção e Engenharia, Lda.” e “J. P., Lda.”.

3.3. DO DIREITO APLICÁVEL

3.3.1. Manteve-se inalterada decisão da matéria de facto.

Os Apelantes fazem depender o seu pedido de modificação da decisão recorrida, essencialmente, do sucesso da sua impugnação instrumental fáctica.
Posto isto, sem prejuízo do que se excepciona infra, fica inelutavelmente prejudicado o seu conhecimento ou a pretendida alteração da decisão de mérito recorrida com base nessa argumentação, o que aqui se declara (cf. arts. 608º, n.º 2, 663º, n.ºs 2 e 6, ambos do Código de Processo Civil).

3.3.2. Da impugnação da transmissão do cônjuge

No item 14., num misto de argumentação em que, de modo impróprio, se recorre a elementos de prova quando se discute apenas direito, está expressa argumentação que, a nosso ver, é apenas relevante nesse plano jurídico.
Na perspectiva dos Apelantes, a declarada ineficácia do negócio em apreço não pode envolver a meação da 2ª Ré, que nada terá a ver com o negócio subjacente ao crédito da Autora. No entender dos Apelantes, a ineficácia declarada só poderia abranger a meação do 1º Réu, dado que essa não foi envolvida, por qualquer forma, na relação cartular invocada ou no negócio que lhe está subjacente, nem tal foi alegado pela Autora.

Ora, sendo esse um tema há muito polémico, na posição que adoptamos é necessário ter presente o seguinte.
O art. 616º, do Código de Processo Civil, estipula que (1.) julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
Dizendo isto, o legislador pressupõe que a impugnação regulada nos arts. 610º e ss., do Código Civil, não atinge a validade do acto de transmissão ou disposição, limitando-se a permitir que o credor, já na esfera jurídica do obrigado à restituição, possa satisfazer o seu crédito.
Com afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (18), “sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse (…).

E nesse sentido ficou dito, v.g., no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4.6.2019 (19):

«A este propósito, refere-se adequadamente no Acórdão deste STJ de 13-12-2005 (Col. Jur. STJ, Tomo III, 2005, pág. 164) que “na impugnação pauliana, o contrato de alienação é válido, pelo que o bem é de terceiro; é um bem deste cuja restituição se pede e se irá executar, pelo que não há que colocar a questão de este bem, no momento em que é alvo da impugnação pauliana, ser próprio ou comum do casal réu. Nessa medida, procedendo a impugnação pauliana em casos em que apenas um dos cônjuges é devedor, é um bem de terceiro a restituir ao património desse cônjuge réu, sendo certo que o bem não perde a sua natureza de bem de terceiro. Daqui decorre que a acção nunca poderá proceder apenas parcialmente (no tocante à meação que se consideraria que o cônjuge devedor haveria tido nos bens que foram objecto de alienação … ”.
Em síntese, “actuando” a impugnação pauliana sobre bens de terceiros (a restituir ao património do cônjuge devedor na medida necessária à satisfação do crédito do impugnante), nunca a acção poderia proceder apenas em parte, restrita à meação que o cônjuge devedor. Após o acto de alienação, os bens deixaram de fazer parte do património comum do casal e, consequentemente, deixa de ter cabimento qualquer consideração sobre o carácter de comum do bem transmitido a terceiro, não havendo a respeitar qualquer meação de um cônjuge não devedor. É esta a jurisprudência persistente deste STJ, como se verifica compulsando o acórdão já referido (e de 9-12-2004 indicado nesse aresto) e os acórdãos de 6-11-2008 (que refere, em sumário, que “na constância do casamento, vigorando um regime de comunhão de bens, os cônjuges não são titulares de nenhuma “meação” sobre os bens determinados que integram essa comunhão. Não pode assim proceder a pretensão de que a impugnação apenas afecte a “meação” do cônjuge que interveio na compra”), de 14-12-2006 (que expressamente afirma, ainda em sumário, que “sendo transmitido para terceiro o direito de propriedade de um bem comum do casal, e sendo a dívida da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges, poderá o credor socorrer-se da acção de impugnação pauliana para, a verificarem-se os respectivos requisitos, ter direito à restituição do bem alienado na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, nos termos do n.º 1 do art. 616.º do CC”), de 9-1-2003 (acórdão que refere, também em sumário, que “não obsta à impugnação pauliana de doação de bem comum dos doadores a circunstância de a dívida ser da responsabilidade de um deles apenas”) e de 19-4-2000 (aresto que afirma, de igual modo, em sumário, que “é admissível a impugnação pauliana de um bem comum do casal, apesar de apenas um dos cônjuges alienantes ser o único responsável pela dívida garantida”), todos acessíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.”
Posto isto, ainda que não tenha sido envolvida na relação que subjaz à pauliana em apreço e tendo em conta o disposto no art. 8º, nº 3, do Código Civil, igualmente no caso presente julgamos que carece de sustento a objecção suscitada pelos Apelantes no que diz respeito à transmissão operada pela 2ª Ré, sem prejuízo de a mesma, se for caso disso, actuar oportunamente em defesa do seu património, actualmente intacto de acordo com os dados disponíveis, v.g., nos termos do art. 1697º, nº 2, do Código Civil.
Por tudo o que fica dito supra, improcede a apelação.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.

Custas pelos Apelantes, em partes iguais (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
*
Guimarães, 03-03-2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator – José Flores;
1.ª Adjunta – Sandra Melo;
2.ª Adjunta – Conceição Sampaio.



1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Ed., p. 155 e ss.
5. Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.2.2015, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza :II - A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013). V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objecto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respectivo conhecimento. – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/83d97510a180fd5f80257df1005b598c?OpenDocument
6. Com se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiçam, de 27.9.2018, infra citado: “Por outro lado, não basta transcrever os depoimentos que se invocam para alterar as respostas dadas. É necessário dizer porquê. Qual a razão pela qual deve ser num sentido e não noutro. Essa análise crítica também não foi feita pela Recorrente”.
7. E, como acentua o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça infra citado, do princípio da cooperação, pretendendo-se que, por essa via, a 2ª instância facilmente aceda à informação tida pelo recorrente como interessante, em lugar de despender tempo nessa actividade – “há um mínimo de exigência e rigor a impor ao recorrente que impugna a matéria de facto, sob pena de, perante a ambiguidade, inconcludência e prolixidade na elaboração da peça recursória, transferir para a 2ª instância tarefas funcionais desmesuradas, exorbitantes e desproporcionadas que, nos termos legais, àquele cabem.
8. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9484dd49e64d74d28025863a00574f6a?OpenDocument
9. No mesmo sentido vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLSB.L1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes; Ac. 07.07.2016, proc. 220/13.8TTBCL.G1.S1, relator Gonçalves Rocha; Ac. STJ de 16.05.2018, proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, relator Ribeiro Cardoso; Ac. STJ de 06.06.2018, proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1, relator Pinto Hespanhol; Ac. STJ de 31.10.2018, proc. 2820/15.2T8LRS.L1.S1 e Ac. STJ de 06.11.2019, proc. 1092/08.0TTBRG.G1.S1, ambos relatados por Chambel Mourisco, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
10. Nesse sentido ainda o recente Ac. do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 27.9.2018, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9cd6ef26b3a23d8f8025831500549377?OpenDocument : I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso. II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados. – “Ora, é a própria recorrente que admite que não constam – como se lhe impunha – expressamente das conclusões os pontos concretos da matéria de facto não provada e impugnado (…). “Ora, quando se verifica uma falta de conclusões sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando existe uma falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados e quando se verifica também uma falta de especificação dos concretos meios probatórios e uma falta de posição expressa sobre o resultado pretendido, uma análise crítica da prova, as conclusões são deficientes impondo-se a rejeição do recurso (quanto á pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto).”
11. “Acresce que, na definição do sentido decisório a ser tomado, a recorrente manteve, em especial, nos pontos em que ocorreu rejeição liminar do recurso, clara ambiguidade e incerteza, isto mesmo no corpo alegatório em que sugere um conteúdo ou qualquer outro diferente do que foram assumido pela 1ª instância.”, assim se considerando frustrado o propósito legislativo subjacente à previsão da al. a), do nº 2, do art. 640º do Código de Processo Civil, “já que prática, transpôs para a Relação o ónus de discernir, em concreto, quais os meios probatórios e real sentido decisório relativamente aos blocos de questões que agrupou, sem os relacionar com cada facto concreto, como seria ajustado.” / “Era mister que, perante tais circunstâncias, fosse precisa e concisa na indicação dos factos concretos, com reporte directo aos meios probatórios, análise crítica dos mesmos e expressa definição do sentido decisório que caberia a cada um desses factos.
12. Salienta-se que “a recorrente não se afadigou em fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o (s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas” (…) concluindo que é inviável estabelecer uma concreta correlação entre estes e aquelas.
13. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8e86daac001d58518025799f00505946?OpenDocument
14. cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330
15. cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª ed., pp. 165-180.
16. Ob.cit., p. 159
17. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Ed., p. 528
18. Código Civil Anotado, 4ª ed., p. 633
19. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/aa5bda67df8037768025840f0047c5cc?OpenDocument Idem: - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.5.2012, I – A impugnação pauliana abrange todos os bens alienados ainda que anteriormente fizessem parte de comunhão conjugal, podendo o credor impugnante penhorá-los na sua totalidade, ainda que um dos cônjuges não seja devedor face ao título executivo; II – Com a transmissão válida para o património de terceiro, deixa de poder considerar-se a qualidade que o bem tinha antes da transmissão e de poder ser partilhado para se saber a qual dos cônjuges poderia vir a caber.