Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
914/14.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DEDUÇÃO DE RENDIMENTOS APÓS O DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR EM CASO DE CONTRATO A TERMO.
Doutrina:
- Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho, anotado, 10.ª edição, 2016, Almedina, p. 117.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO: - ARTIGO 393.º, N.º 2, ALÍNEA A).
LEI N.º 28/98, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 27.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 25-03-2015, PROCESSO N.º 4776/09.0TTLSB.L1.S1;
- DE 05-05-2010, PROCESSO N.º 270/07.3TTOAZ.S1;
- DE 22-06-2017, PROCESSO N.º 2059/14.4TTLSB.L1.S1;
- DE 21-03-2018, PROCESSO N.º 1859/16.5T8PTM.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 14-03-2019, ACÓRDÃO N.º 170/2019.
Sumário :
I. No contrato de trabalho do praticante desportivo a responsabilidade, em caso de despedimento ilícito, afere-se pelo critério legal consagrado no artigo 27º, n. º 1, primeiro segmento, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, e não pelo regime geral do artigo 393º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, pelo que a parte incumpridora incorre em responsabilidade civil pelos danos causados pelo incumprimento.

II. Sendo aplicáveis, subsidiariamente, ao contrato de trabalho do praticante desportivo somente as normas do contrato de trabalho comum que sejam compatíveis com o seu regime e os seus princípios, a norma do artigo 393, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, não lhe é aplicável por inexistência de qualquer lacuna a integrar, por não ser compatível com o regime jurídico nele consagrado.

III.  Um praticante de ..., despedido ilicitamente pelo seu Clube Empregador, que durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, foi exercer a sua atividade de ...ista para outra entidade empregadora desportiva, da qual recebeu, nesse mesmo período, remunerações em montante inferior ao da indemnização a que tinha direito pelo despedimento ilícito, tem a receber do primitivo Clube Empregador a diferença entre esses dois montantes.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 914/14.0TTLSB.L1.S1 (Revista)[1] – 4ª Secção



Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

 

            a). Relatório[2]:

                       

                       AA intentou, em 19 de março de 2014, na Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção do Trabalho, J7, a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de Processo Comum, contra “BB”, peticionando que:

i. Se qualifique como contrato de trabalho desportivo o contrato que celebrou com o Réu.

ii. Se qualifique a carta de revogação do contrato como um verdadeiro despedimento ilícito promovido pelo Réu, condenando-se o mesmo a pagar-lhe a quantia global de € 102.703,45, assim discriminada:


a. € 76.440,00, a título de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo do contrato;
b. € 6.370,00, a título de proporcionais de subsídio de Natal dos anos 2013 e 2014 e € 6.370,00 a título de proporcionais de subsídio de férias dos mesmos anos;
c. € 10.670,00, das rendas pagas em ... e que seria encargo do Réu BB caso o contrato fosse cumprido;
d. € 400,29, de eletricidade e de € 193,16, de gás natural gastos em ... e que seria encargo do Réu BB caso o contrato fosse cumprido;
e. € 15.000,00, por danos não patrimoniais provocados pela revogação unilateral, sem justa causa e sem indicação de motivo.
f. A este valor total de € 115.443,45 deverá ser deduzida a quantia ilíquida de € 12.740,00 que o Réu lhe pagou, atingindo, assim, o valor final de € 102.703,45.

- Peticiona, subsidiariamente, caso se venha a considerar que o artigo 27º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não é inconstitucional, que o Réu seja condenado a pagar-lhe uma indemnização global e equitativamente fixada em € 51.003,45 [€ 76.440,00 + 6.370,00 + 6.370,00 – 51.700,00 + € 10.670,00 + € 400,29 + € 193,16 + € 15.000,00 - 12.740,00];

- Subsidiariamente, ainda, e caso o tribunal conclua pela aplicação do n.º 2 do artigo 27.º, da Lei n.º 28/08, deverá ser o Réu condenado a reintegrar o Autor, no seu posto de trabalho, com as mesmas condições contratuais previstas para a época desportiva 2013/2014, reintegração essa que deverá ocorrer no início da época desportiva imediatamente a seguir ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

iii. Mais peticiona o pagamento dos juros legais, desde a data da citação até integral pagamento.


****

              Tendo havido audiência de partes, as mesmas não se conciliaram.

****

             Notificado o Réu para, querendo, apresentar a sua contestação, apresentando-a alegou, em síntese, o seguinte:

(i) Entende que o contrato relevante nos autos é um contrato de prestação de serviços;

(ii) O autor nunca manifestou qualquer oposição ou discordância quanto aos acordos alcançados, mormente quanto à natureza dos vínculos celebrados;

(iii) O autor exercia a sua atividade de forma autónoma;

(iv) O autor não recebia ordens suas, nem estava inserido na sua estrutura hierárquica, limitando-se a cumprir as orientações do treinador, nas quais não tinha qualquer interferência;

(v) Não estava, igualmente, sujeito a qualquer poder disciplinar.

               Concluiu pedindo que a ação seja julgada improcedente, e, consequentemente, seja absolvido de todos os pedidos contra ele formulados.


****

                       O Autor respondeu à contestação, concluindo pela improcedência das exceções aí arguidas.

****

                     Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência preliminar, delimitou-se o objeto do litígio e dispensou-se a seleção da matéria de facto.

****

                       Procedendo-se à realização do julgamento e tendo-se fixado a matéria de facto, foi proferida sentença, em 03 de maio de 2016, na qual se decidiu:

“Julgar parcialmente procedente a ação e em consequência:

a. Reconhecer que entre Autor e Réu vigoraram, nas épocas desportivas 2011/2012 e 2012/2013, contratos de trabalho desportivo, submetidos ao regime jurídico previsto na Lei 28/98, de 26 de junho;
b. Declarar que o Réu promoveu, com efeitos reportados a 31 de julho de 2013, o despedimento ilícito do Autor;
c. Absolver, no mais, o Réu dos pedidos.

II


 

                                  Inconformados, Autor e Réu interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 03 de maio de 2017, julgou:

1. Improcedente o recurso interposto pelo Réu.

2. Parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor.

Em consequência:

3. Conferiu aos pontos de facto n.ºs 14, 30, 35, 42 e 43 a seguinte redação:

14) “O autor, ao longo da duração do contrato suprarreferido esteve inserido no Departamento de ... do réu, estrutura da qual faziam parte o Diretor CC, o treinador DD, o treinador-adjunto EE, o seccionista FF, um médico, um fisioterapeuta e um plantel de cerca de 16 jogadores”.

30) “Ao longo da duração do contrato, o autor desempenhou a atividade de ... ao serviço do réu”.

35) “Por ter ficado com o rótulo de “jogador dispensado” de um clube, o autor sentiu-se envergonhado”.

42) “O autor com o rendimento que auferia no GG, suportava as despesas do seu agregado familiar, nomeadamente, arrendamento, água, luz”.

43) A celebração do contrato referido foi antecedida de negociação entre autor e réu, nunca tendo o Autor manifestado qualquer oposição ou discordância quanto ao seu conteúdo.

4. Aditou à matéria de facto os pontos nºs 47 a 51 com a seguinte redação:

47) “Em virtude da celebração do acordo referido em 1) o Réu BB suportava”:

- Os custos da habitação do Atleta/Autor, em apartamento não partilhado”;

- As despesas de água, luz e gás, desde que devidamente comprovadas”.

48) “Durante a vigência do Contrato referido em 1), por cada época desportiva completa ao serviço do BB, o Réu estava obrigado a proporcionar ao Autor duas viagens em classe económica (Lisboa-‑...-Lisboa)”.

49) “Em ..., e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou a renda mensal de € 970,00 por uma casa situada no nº … da ..., pelo menos, nos meses de setembro, outubro e novembro 2013, janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2014”.

50) “Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou, pelo menos, os seguintes valores de eletricidade:

- Em setembro de 2013, o valor de Euros 36,395”. 

51) “Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou, pelo menos, os seguintes valores de gás natural:

- Euros 17,56 relativos a setembro de 2013.

5. Mais se acordou:

iv. Em recusar a aplicação por inconstitucionalidade do disposto do artigo 27º, n.º 1, da Lei 28/98, de 26 de junho;

v. Em condenar o Réu “BB” a pagar ao Autor:

· A quantia de sessenta e três mil e setecentos Euros (€ 63.700,00), por indemnização por danos patrimoniais;

· A quantia de sete mil e quinhentos Euros (€ 7.500,00), a título de danos não patrimoniais;

· Sobre estes valores são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

6. Na parte restante acordou-se em manter a sentença recorrida.

III

 
                     Inconformado ficou, agora, o Réu “BB” que interpôs o presente recurso de revista.

****

                          Como no acórdão recorrido se recusou a aplicar, por inconstitucionalidade, o disposto no artigo 27º, n.º 1, da Lei 28/98, de 26 de Junho, o Ministério Público interpôs recurso, aliás, obrigatório, para o Tribunal Constitucional[3], nos termos dos artigos 280º, da Constituição da República Portuguesa[4], 70º, n.º 1, alínea a), 72º, n.º s 1, alínea a) e 3, estes da Lei da Organização. Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional[5] - Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

                        Por despacho do Exmo. Senhor Desembargador Relator, em 30 de junho de 2017, foi admitido o recurso interposto para o TC, consignando que após a descida do processo do TC, se pronunciaria sobre o recurso de revista interposto pelo Réu.

                Descido o processo do TC, foi admitido o presente recurso de revista.


                                              Ora, por acórdão proferido, em 14 de março de 2019, pelo Tribunal Constitucional, e já transitado em julgado, decidiu-se:

- “Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma extraída do n.º 1 do artigo 27.º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, segundo a qual a indemnização devida ao praticante desportivo, em caso de despedimento ilícito, não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.

               Nos termos do artigo 80º, n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada.

                Assim sendo, a decisão antecedente faz caso jogado nestes autos, não podendo ser reapreciada por este Supremo Tribunal de Justiça.

****


                                              O Réu “BB …” terminou a sua alegação com as seguintes conclusões;

1) “Entende o Recorrente que a decisão recorrida viola o disposto no art.º 27°, n.º 1, da Lei 28/98, disposição que não aplicou por sufragar a inconstitucionalidade da interpretação do n.º 1, do art.º 27°, tal como decidido no Ac. TC 199/09 de 01/06, por violação do art.º 13°, da CRP, no sentido de, em caso de despedimento ilícito, haver limites máximos indemnizatórios correspondentes às quantias auferidas, caso o contrato atingisse o seu termo.

Ora, entende o Recorrente que não há qualquer violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13°, da CRP porque não se tratam de situações iguais que merecem igual tratamento, tanto assim que o legislador previu a necessidade de uma regulamentação própria para um praticante desportivo profissional (viola, assim, também o Tribunal recorrido o disposto no art.º 9º, CT/09); por outro lado, o Acórdão do TC n° 199/09, de 01/06, não declara a inconstitucionalidade do art.º 27°, da Lei 28/98, mas antes considera inconstitucional a dimensão em que se prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, "não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo" (veja-se a este propósito o Ac. STJ de 25.3.15, disponível em www.dgsi.pt).

2)  Acresce que, o Acórdão recorrido violou o disposto nos art.º 27°, n.º 3, da Lei 28/98 e o disposto no art.º 339°, n.º 1, CT/09, ao aplicar o disposto no art.º 393°, n.º 2, al. a), do CT/09, devido ao facto da imperatividade desta disposição ser expressamente afastada por uma outra disposição especial!

Mais se dirá que, ao não recorrer à repristinação da norma anterior à Lei 28/98, por ter conteúdo idêntico, mas antes aplicar o CT/2009, certo é que o Tribuna! recorrido considerou existir uma analogia entre um contrato a termo e um contrato de trabalho desportivo, quando não podiam ser realidades mais distintas: no primeiro caso, pretende-se ressarcir o trabalhador da precariedade e insegurança ínsitas a essa forma de contratação e compensá-lo dos danos conexos com a perda de emprego e, no segundo caso, estamos perante um contrato por natureza, a termo, onde a cessação nos conduz para o regime de responsabilidade civil, compensando os praticantes desportivos pelos lucros cessantes!

Assim, o Tribunal recorrido também violou o disposto nos art.ºs 9º e 10°, CC, bem como o disposto no art.º 562° CC (Teoria da Diferença);

3) Certo é que a dedução de valores está inclusivamente prevista no disposto no art.º 390°, n.º 2, al. a), do CT/09, para a cessação dos contratos sem termo e os Tribunais não têm considerado inconstitucional por violação do disposto no art.º 13°, da CRP (Princípio da Igualdade), quando comparado com o regime previsto para a cessação do contrato a termo, onde tal dedução não está prevista no disposto no art.º 393°, n.º 2, al. a), do CT/09 (vejam-se a este propósito os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 9.12.13 e 16.12.15, disponíveis em www.dgsi.ot).

A solução a que se chegou no Acórdão recorrido conduz a uma situação de enriquecimento sem causa do praticante desportivo por receber as retribuições de duas entidades desportivas distintas referente à mesma época desportiva!

Antes se devia ter considerado que ao A. são devidos € 3.229.06. assim alcançados: os recibos juntos aos autos em 5.12.14 totalizam € 60.470,94 e não os falados € 51.700,00 previstos no contrato; somando tai quantia aos € 12.740,00 já pagos pelo R., temos o total de € 73.210,94; deduzindo a quantia que o A. deixou de auferir, na época 13/14, no R., ou seja, € 76.440,00 aos € 73.210,94, encontra-se a diferença de € 3.229.06. considerando os vencimentos efetivamente recebidos pelo R., conforme prova documental (recibos) junta aos autos e não o valor previsto no contrato.

E, nem as quantias dadas como provadas em 108° a 111° da petição deverão ser consideradas pelo facto do seu ressarcimento não estar previsto no disposto no art.º 27°, n.º 1, da Lei 28/98, mas antes estão contempladas no disposto no art.º 260°, n.º 1, al. a), do CT/09, como não fazendo parte da retribuição, não tendo o A. feito a prova, que lhe cabia, da exceção aí prevista (cf. Ac. STJ de 12.3.14, disponível em www.dgsi.pt);

4) Atento o decidido nos Acórdão do STJ de 25.1.12 e nos Acórdãos da RL de 21.11.12 e de 20.6.12 (todos disponíveis em www.dgsi.pt), certo é que os factos provados 32 a 40, mais não são do que consequências normais da cessação de um contrato desportivo, o qual, aliás, neste caso, durou somente uma época desportiva (e não várias épocas que poderiam motivar outro tipo de sentimentos do jogador em relação ao Clube, seus Colegas ou mesmo pelo país e relações que aí eventualmente poderia desenvolver); qualquer jogador está sujeito a vicissitudes contratuais acrescidas em relação a um trabalhador comum porque a continuação do seu contrato está necessariamente dependente de "n" fatores, tais como a sua performance, a posição da equipa, no final de cada campeonato, o orçamento disponível para a modalidade, as opções do treinador, etc.

Ora, além de ser habitual a um jogador "andar com a casa às costas", certo é que o A. ganhava na R. € 6.370,00/mês, celebrou, de imediato, contrato de trabalho com outra entidade desportiva e, como compensação da cessação do contrato, recebeu do R., € 12.740,00 (ou seja, não se pode falar propriamente de dificuldades financeiras, instabilidade emocional ou preocupação extraordinárias, que mereçam a tutela do Direito!);

Em suma, entende o R. que, por um lado, a sua conduta não é censurável ao ponto de ser condenado ao pagamento de danos morais, nem o A. sofreu prejuízos anormais, extraordinários em relação aos que comummente sucedem, aquando da cessação de um contrato desportivo, que mereçam a tuteia do Direito, pelo que o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.ºs 27°, da Lei 28/98, 496°, n.º 2, e 566°, n.º 2, do CC (quanto à contabilização dos juros por danos morais, desde a citação).”

              Termina pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, nos termos expostos, e, que, consequentemente, se revogue o acórdão recorrido e se declare a constitucionalidade do art.º 27°, n.º 1, da Lei 28/98.


****

             O Autor/Recorrido não apresentou contra-alegações.


IV

            


          - Questões colocadas:

                     

a) Da (in)constitucionalidade do n.º 1, do artigo 27°, da Lei 28/98 de 26 de junho;

b) Da aplicação do disposto no n.º 3, do artigo 27°, da Lei 28/98 de 26 de junho;

c) Dos danos não patrimoniais, dada a matéria de facto provada, e, quanto a eles, dos juros de mora, desde a citação.

d) Pedidos subsidiários de pagamento de outras despesas e reintegração do Autor.

V

              

- Parecer do Ministério Público:

           Neste Supremo Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu proficiente parecer no sentido da revista ser julgada procedente pelas seguintes razões:

               

               1.ª) - A questão da (in)constitucionalidade do n.º 1, do artigo 27º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, já se encontra resolvida pelo acórdão proferido pelo TC, em 14 de março de 2019, pelo que se encontra prejudicada;

               2.ª) - À luz do entendimento pacífico e reiterado deste Supremo Tribunal, no sentido de que no caso é aplicável o regime da responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não havendo lugar, por isso, à aplicação do disposto no artigo 493.º, do Código do Trabalho, devendo antes a indemnização devida ao Autor recorrido ser apurada de acordo com a teria da diferença consagrada no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, deve ser este o regime aqui aplicável;

               c) - Não parecendo resultar da matéria de facto provada que os danos não patrimoniais subsistentes, que se traduzem nos que comummente se verificam em idênticas situações, legitimem a tutela do direito, justificadora da condenação por aqueles danos.

Notificado às partes, somente o Autor se pronunciou pugnando pela bondade do acórdão recorrido e, em consequência, pela sua manutenção e dizendo que o Ministério Público não se pronunciou sobre o seu pedido, subsidiário, da sua reintegração.


****


        - Da revista:

       - Lei adjetiva aplicável:

       Tendo a ação sido proposta em 19 de março de 2014 e o acórdão recorrido sido proferido em 03 de maio de 2017, são aqui aplicáveis os atuais Códigos de Processo Civil[6] e do Processo do Trabalho[7], aquele por força das normas conjugadas dos artigos 81º, n.º 5, e 1º, n.º 2, alínea a), deste último Código.


****

         

          - Lei substantiva aplicável:

      Tendo os factos ocorrido de 29 de abril de 2012 a 13 de julho de 2013, é aqui aplicável o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e a Lei n.º 28/98, de 26 de junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, que, apesar de revogada, pelo artigo 48º, e de substituída pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, era, à data dos factos, a que se encontrava em vigor.

            Com efeito, não tendo a Lei n.º 54/2017, qualquer disposição de direito transitório, aplicam-se as disposições gerais, em matéria de aplicação da lei no tempo, maxime o disposto no artigo 12º, do CC.

            Assim, só se aplicando a Lei n.º 57/2017 aos factos novos, não tendo, pois, efeito retroativo, são aqui aplicáveis as normas da Lei n. º 28/98.


****


            - Questão prévia levantada pelo Ministério Público:

      Diz o Ministério Público que a questão da (in)constitucionalidade do n.º 1, do artigo 27°, da Lei 28/98, de 26 de junho, já foi resolvida pelo Tribunal Constitucional, através do acórdão de 14 de março de 2019, que o julgou inconstitucional, mas somente na dimensão em que prevê que “a indemnização devida ao praticante desportivo, em caso de despedimento ilícito, não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.

             Tem razão, mas só parcialmente.

                Com efeito, a questão colocada pelo Autor era a da inconstitucionalidade de todo o n.º 1, do artigo 27°, da Lei n.º 28/98 de 26 de junho.

               Contudo, o Tribunal Constitucional apenas se pronunciou sobre o seguinte segmento (que foi o único que foi declarado inconstitucional):

               Dispõe o artigo 27º, n.º 1.que “[n]os casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil por danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.

               Ora, o Tribunal Constitciomal não se pronunciou sobra a (in)constitucionalidade do primeiro segmento desta norma.

               Acresce que o Tribunal Constitucional, no acórdão em causa, delimitou o recurso, em questão prévia.

Tem o seguinte teor:

                “5. A título prévio, e uma vez que o requerimento de interposição de recurso se refere também ao problema da «aplicação subsidiária da alínea b) do art.º 393 do CT», impõe-se delimitar o objeto do presente recurso.

Observa-se, antes de mais, que o tribunal recorrido concluiu que se mostrava prejudicado o conhecimento da questão da aplicação subsidiária da alínea b), do n.º 2, do artigo 393. ° do Código do Trabalho (adiante designado CT) ao caso dos autos. Recusada a aplicação do n.º 1 do artigo 27. ° da Lei n.º 28/98 e considerando que a norma revogada por este artigo não podia ser repristinada por ter idêntico teor, entendeu o TRL, isso sim, que era de aplicar a alínea a) do n.º 2 do artigo 393. ° do CT ao cálculo da indemnização devida ao ora recorrido.

Ainda que o recorrente, no requerimento de interposição do recurso em apreço, pretendesse referir-se a esta questão, a apreciação a fazer não poderá deixar de cingir-se à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do tribunal a quo. Com efeito, cabendo ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada, já não lhe compete pronunciar-se sobre o direito infraconstitucional a aplicar ao caso, na eventualidade de ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade.

Assim, e tal como resulta da decisão recorrida, constitui objeto do presente recurso a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13. ° da Constituição, da norma extraída do n.º 1 do artigo 27. °, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, segundo a qual a indemnização devida, em caso de despedimento ilícito, não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas, se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.”

               Procede, assim, parcialmente a questão prévia levantada pelo Mº Pº, pelo que, oportunamente, se apreciará a constitucionalidade do segmento  não conhecido pelo Tribunal Constitucional.

VI

            

             b) Fundamentação:

- Da matéria de facto:

As instâncias deram como provada a seguinte factualidade[8]:

1) “Datado de 29 de abril de 2012, autor e réu subscreveram o documento constante de fls. 47 a 52, dos autos, denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, cujo teor é o seguinte:

«(…)

Entre:

BB (…) adiante designado por BB,

E

AA (…) adiante designado (…) por ATLETA,

É celebrado o presente CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, nos termos e condições seguintes:

PRIMEIRA

Objeto

1. O BB contrata o Atleta para prestar serviços próprios da atividade de jogador de ... do BB.              

SEGUNDA

Duração

1. A presente prestação de serviços é válida para as épocas desportivas de 2012/2013 e 2013/2014, tendo início a 01 de agosto de 2012 e termo a 31 de julho de 2014.

2. As épocas de ... têm início a 01 de agosto e concluem-se a 31 de julho do ano seguinte.

TERCEIRA

Preço e condições de pagamento

1. Para as épocas desportivas de 2012/2013 e 2013/2014, o BB pagará ao Atleta a quantia anual ilíquida de € 76.440,00 (…), a qual será paga em 12 prestações ilíquidas, mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 6.370,00 (…) cada, a pagar nos meses de agosto a julho da respetiva época desportiva, acrescido de IVA à taxa legal quando houver lugar à sua liquidação nos termos da legislação em vigor.

QUARTA

Autonomia

1. A prestação devida pelo Atleta será, dentro dos parâmetros definidos neste contrato, por ele organizada com inteira autonomia técnica e jurídica, com vista à satisfação das necessidades do BB no que respeita aos fins pressupostos na cláusula primeira e dentro dos condicionalismos locais e temporais do seu funcionamento.

QUINTA

Vínculo

Os outorgantes consideram-se vinculados apenas pelo regime do presente contrato de prestação de serviços. Fica, designadamente, expresso que:

a) O Atleta deverá fazer prova perante o BB, quando este a entenda solicitar, da declaração à Administração Fiscal de início, alterações ou cessação de atividade, bem como da sua inscrição no regime de segurança social dos trabalhadores independentes;

b) BB e Atleta ficarão obrigados ao cumprimento das obrigações contributivas de Segurança Social previstas na Lei para cada uma das partes no Regime dos trabalhadores independentes, bem como todas as obrigações que resultem da legislação fiscal, não ficando o BB obrigado a contratar para o Atleta qualquer seguro de acidente de acidentes de trabalho.

SEXTA

Equipamentos

1. O Atleta obriga-se a utilizar em competições, exclusivamente, os equipamentos que lhe forem fornecidos pelo BB, qualquer que seja a marca comercial ou outras neles aposta com fins publicitários, deixando-se fotografar ou filmar com os referidos equipamentos sempre que para isso for solicitado e autorizando desde já o BB a utilizar essas fotografias, filmes ou vídeos, durante a vigência do Contrato ou após o seu termo, segundo critérios por si estabelecidos.

2. O ATLETA apenas poderá utilizar equipamentos do BB, fora do âmbito do presente contrato de prestação de serviços, desde que prévia e expressamente autorizado pelo BB, o que deverá ser solicitado por escrito.

SÉTIMA

Incumprimento

1. O BB poderá resolver imediatamente o presente contrato de prestação de serviços em caso de incumprimento do mesmo por parte do Atleta, designadamente, quando se verifique alguma das seguintes situações:

a) Manifesta falta de interesse do Atleta na prossecução dos objetivos indicados na cláusula primeira;

b) Incapacidade definitiva ou temporária do Atleta – desde que superior a 60 (…) dias – para a prática da modalidade, não estando o Atleta ao serviço do BB no momento da prática do facto que determinou a incapacidade;

c) Utilização de substâncias que integrem o conceito de “doping”, de acordo com a classificação seguida pelos organismos nacionais e internacionais;

d) Prática de atos suscetíveis de lesarem seriamente a imagem, bom nome, reputação ou credibilidade do BB;

e) Suspensão do Atleta da prática de ..., pela Federação de ... de Portugal, bem como por qualquer outro organismo nacional ou estrangeiro, que impeça aquele de participar em qualquer atividade no âmbito da modalidade, a nível nacional ou estrangeiro, em período igual ou superior a um mês, por facto não imputável ao BB;

f) Se o Atleta prestar atividades constantes da cláusula Primeira a qualquer outra entidade, bem como se se comprometer a prestá-las, verbalmente ou por escrito, ou ainda se iniciar negociações tendentes a essa finalidade a qualquer outra entidade durante a vigência da presente prestação de serviços.

2. Sendo o contrato resolvido com fundamento nas alíneas a) a e) do número anterior, o Atleta ficará obrigado a indemnizar o BB, a título de cláusula penal, pelo valor igual ao total das retribuições que teria a haver até final do presente contrato, montante que nunca poderá ser inferior a 12 meses de retribuição.

3. Sendo o contrato resolvido com fundamento na alínea f), do número anterior, o Atleta ficará obrigado a indemnizar o BB, a título de cláusula penal, no montante de € 50.000,00 (…).

4. Em qualquer dos casos referidos no n.º 1, da presente Cláusula, o Atleta reconhece ao BB o direito de resolver de imediato o presente Contrato, sem que àquele assista direito a indemnização ou compensação de qualquer espécie, seja a que título for.

5. O Atleta poderá resolver o presente contrato, desde que exista atraso superior a 3 meses no pagamento da retribuição a que se refere a cláusula Terceira, mediante envio ao BB de carta registada com aviso de recepção, na qual convidará o clube a regularizar a situação no prazo de 30 dias, findo o qual, sem que tal regularização ocorra, o presente contrato ter-se-á por resolvido.

6. As partes acordam na duração do presente contrato de prestação de serviços, e o BB tem essa expectativa jurídica legítima, pelo que, se o Atleta revogar o contrato antes do termo acordado, conforme o estipulado na Cláusula Segunda, ou resolver o mesmo sem fundamento que o justifique, fica obrigado a indemnizar o BB, a título de cláusula penal, no montante de € 50.000,00 (…).

OITAVA

Prevalência

1. As estipulações do presente contrato prevalecem sobre quaisquer outras anteriores que com elas se não conformem, quer tenham sido ou não reduzidas a escrito.

2. Qualquer alteração ao presente contrato só será válida se constar de documento escrito.

NONA

Casos omissos

No omisso, observar-se-ão as regras disciplinadoras do contrato de mandato constantes do Código Civil.

DÉCIMA

Litígios.

Para dirimir qualquer litígio emergente da interpretação ou execução do presente contrato, as partes escolhem o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.

(…)».

2) Datada de 27 de junho de 2013, o réu enviou ao autor a missiva constante de fls. 79, que este recebeu, e cujo teor é o seguinte:

«(…)

Assunto: Revogação de prestação de serviços

Exmo. Sr.

Nos termos e para os efeitos do artigo 1170.º do Código Civil, “ex vi” artigo 1156.º do mesmo diploma legal, servimo-nos do presente para comunicar a V. Exa. a decisão do BB em revogar a V.ª prestação de serviços a partir do dia 31 de julho de 2013, cessando nessa data todos os seus efeitos.

Sem prejuízo, o BB assegurará a V.ª Exa. uma indemnização de valor correspondente a 2 meses de retribuição, no valor ilíquido de € 12.740,00 (…).».

3) O autor é de nacionalidade montenegrina e não domina a língua portuguesa nem falada nem escrita.

4) O autor é praticante desportivo profissional da modalidade de ..., disso fazendo a sua profissão exclusiva, com a qual obtém proventos económicos para acorrer às necessidades da sua vida e do seu agregado familiar, sendo essa a única fonte de rendimento do seu agregado.

5) Iniciou a prática do ... na sua cidade natal – ... - tendo, posteriormente, exercido a sua profissão nos seguintes países: ... (ao serviço do ...); ... (ao serviço do ...), ... (ao serviço do ..., ...), vide doc. 2.

6) O autor é casado e tem um filho menor, sendo que o mais novo deles nasceu em 10 de julho de 2013 em Lisboa.

7) Pelos diversos clubes que representou, destacou-se como um dos melhores marcadores das equipas e posições de referência nas tabelas de goleadores dos campeonatos e, em 2009/2010, o Autor sagrou-se o melhor jogador marcador da ... (Liga Profissional de ... de ...), docs. 2 e 4.

8) Essa, juntamente com a da ..., é considerada uma das melhores Ligas de ... do Mundo.

9) Na época desportiva 2011/2012, o Autor estava ao serviço do clube espanhol ... - vide doc. nº 3.

10) Tendo o BB entrado em contacto com o Autor, em abril de 2012, e enviado dois dos seus representantes a ..., pessoalmente, para falar e convidar o Autor a jogar na equipa do Réu (um treinador e um diretor).

11) E apresentou ao Autor uma proposta contratual completa, para celebrar um contrato de integração e representação, como jogador profissional de ..., na equipa sénior do Réu/BB, com a duração de duas épocas desportivas, válido para as épocas de 2012/2013 e 2013/2014, com um salário superior ao que auferia em ....

12) No final da época desportiva de 2011/2012, o Autor transferiu-se para o Réu BB.

13) Aquando da celebração do contrato referido em 1), o autor subscreveu, em conformidade com o n.º 9 da cláusula 1.ª, o documento constante de fls.64 a 76, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, mas dele constando, em particular, os seguintes itens:

«(…) 3. COMPROMISSOS DOS ATLETAS, TÉCNICOS, DIRIGENTES E DEMAIS STAFF DO ... DO CLUBE:

(…)

3.2. Cumprir integralmente os programas de atividades elaborados pelo gabinete técnico.

(…)

3.4. Apresentar-se devidamente vestido com o material do Clube distribuído no início de cada época, e pré-designado pelo gabinete técnico, em qualquer deslocação, ou representação do Clube.

(…)

3.6. Comunicar imediatamente qualquer lesão ou doença ao gabinete médico, designadamente se a mesma for impeditiva de participar em qualquer treino ou jogo.

3.7. Cumprir integralmente qualquer tipo de tratamento que seja prescrito pelo gabinete médico, dentro dos horários pré-estabelecidos.

3.8. Não efetuar qualquer tipo de tratamento ou diagnóstico fora ou dentro do Clube nem tomar qualquer substância que não tenham sido expressamente prescritos/autorizados pelo gabinete médico do Clube. 3.9. A falta ou atraso a um tratamento médico é considerada uma falta ou atraso a treino.

3.10. Os atletas não poderão permanecer fora das suas residências depois das 00h30, exceto em noite anterior a dia de folga em que poderão estar fora das suas residências até às 03hOO.

(…)

4.1. Os jogadores, técnicos e restante staff estão obrigados a utilizar os uniformes desportivos ou formais que o Clube disponibilize, durante as concentrações, viagens, jogos ou em qualquer outro ata que o Clube julgue necessário;

(…)

4.2.A. Corresponde ao Clube a imagem ativa da equipa e de todos os elementos do grupo de trabalho, é decisão do Clube, a publicidade que os atletas, técnicos e restante staff devem usar, quando ao serviço do Clube, ou por qualquer exigência contratual que o clube assuma com algum dos seus parceiros.

(…)

4.2.C. O Clube poderá utilizar livremente a imagem dos atletas, técnicos ou restante staff da forma como entender, dentro do âmbito da publicidade institucional ou das marcas patrocinadoras.

(…)

4.3.C. Nenhum elemento do grupo de trabalho - atletas, técnicos e restante staff, poderá conceder entrevistas ou qualquer outro tipo de declarações à comunicação social, sem a prévia autorização do Conselho Diretivos e/ou Direção Geral das Modalidades, ou pelo Diretor Desportivo quando autorizado por aqueles;

(…)

4.4.B. É estritamente proibido aos jogadores fumarem. Os técnicos, dirigentes e demais staff não poderão fumar nem em espaços fechados nem junto aos jogadores;

(…)

4.5.C. Sempre que o Clube disponibilize meio de transporte, atletas, técnicos e restante staff utilizam exclusivamente esse meio de transporte, salvo autorização em contrário;

4.5.D. Em todas as deslocações o grupo será acompanhado por um responsável que fará cumprir os programas delineados pelo gabinete técnico;

4.5.E. Quando se verificar deslocações em grupo, não é permitido a nenhum elemento da comitiva fumar no interior do meio de transporte.

4.5.F. Não é permitido a nenhum atleta beber bebidas alcoólicas, consumir estupefacientes ou qualquer produto farmacológico, com exceição dos prescritos pelo Gabinete Médico do Clube.

4.5.G. Não é permitido o uso de telemóveis durante as refeições, nos balneários, palestras ou em atos sociais ao serviço do Clube.

Durante as viagens de autocarro ou outro meio de transporte onde seja possível manter o telemóvel ligado, este deverá estar no modo silêncio, para não incomodar quem vai a descansar.

Em dias de jogos, a utilização de telemóveis está limitada até à saída do autocarro, aquando da viagem Hotel/Pavilhão, ou até à entrada do Pavilhão em jogos que não incluam viagem em comitiva, ou até à hora pré-definida como hora de convocatória.

4.5.H. Quando se verificarem refeições em grupo, o conteúdo das mesmas é definido pelo gabinete técnico e médico. Os atletas devem chegar em equipa e sair em equipa;

4.5.J. Em deslocações com pernoita não é permitido ter a televisão acesa, depois do horário do silêncio estabelecido no programa de viagem, bem qualquer outro aparelho eletrónico.

(…)

5.1. Quaisquer comportamentos incorretos/incumprimentos ao presente Código de Conduta por parte dos diversos elementos da equipa de ... do BB são geradores de danos na esfera jurídica do Clube por ferirem o seu bom nome, imagem, reputação e honorabilidade. Como tal, o presente capítulo prevê um conjunto de cláusulas penais que fixam o montante da indemnização exigível pelo Clube pelos diferentes incumprimentos/comportamentos, e que resultam do acordo das partes, sem prejuízo do direito do BB em resolver o contrato do(s) atleta(s) com base nesse(s) comportamento(s)/incumprimento(s).

5.2. O montante da indemnização exigível variará consoante o caso entre 5% e 100% da retribuição mensal do infrator por cada ato gerador de danos.

5.3. As faltas a treinos terão de ser sempre justificadas junto do treinador e do Diretor Desportivo, antes do treino seguinte à falta, sem o que respetivo atleta não poderá treinar-se.

5.4. Em caso de atraso injustificado a um treino, haverá lugar ao pagamento por parte do infrator ao Clube de uma indemnização em valor correspondente a 5% da retribuição mensal do infrator por cada 10 minutos até perfazer 30 minutos de atraso. Um atraso superior a 30 minutos é considerado falta ao treino e haverá lugar ao pagamento por parte do infrator ao Clube de uma indemnização em valor correspondente a 10% da retribuição mensal do infrator, que será elevada até 50% da retribuição mensal do infrator se o treino estiver marcado para o dia de véspera de um jogo.

5.5. Em caso de atraso injustificado a uma concentração, haverá lugar ao pagamento por parte do infrator ao Clube de uma indemnização em valor correspondente a 10% da retribuição mensal do infrator. Pela falta a uma concentração (considerando-se como tal um atraso superior a 2 horas), sem fundamento adequado, haverá lugar ao pagamento por parte do infrator ao Clube de uma indemnização em valor correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator.

(…)

5.7. A falta injustificada a um jogo dará lugar ao pagamento por parte do infrator ao Clube de uma indemnização em valor correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator, sem prejuízo de o treinador poder ainda não convocar o infrator para o(s) jogo(s) seguinte(s).

5.8. O controlo das horas de chegada aos treinos e demais compromissos da equipa, é feito pelo Diretor Desportivo, na sua ausência é feito pelo Treinador Principal ou por qualquer outro elemento do staff técnico, que posteriormente darão conhecimento superiormente.

5.9. Os elementos da equipa de ... do BB que forem punidos com exclusão dois minutos ou por expulsão definitiva do jogo, designadamente por palavras dirigidas à equipa de arbitragem ou qualquer tipo de agressão a qualquer agente desportivo, ficam obrigados a pagar ao Clube uma indemnização no valor de 5% da retribuição mensal do infrator (em caso de exclusão por dois minutos) e de 25% da retribuição mensal do infrator (em caso expulsão por exibição de cartão vermelho).

5.10. Os elementos da equipa de ... do BB que não cumpram os tratamentos médicos prescritos pelo gabinete médico do Clube ficam obrigados a pagar ao Clube uma indemnização em valor correspondente a 50% retribuição mensal do infrator; os que recorram a médicos e/ou tratamentos e medicamentos lícitos, mas não autorizados pelo aludido gabinete ficam obrigados a pagar ao Clube uma indemnização em valor correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator; os que não reportem ao Clube lesões de que padeçam ficam obrigados a pagar ao Clube uma indemnização em valor correspondente a 50% da retribuição mensal do infrator; finalmente, os jogadores que ingiram substâncias proibidas (designadamente doping ou estupefacientes) ficam automaticamente suspensos de toda a atividade no clube, obrigados a pagar ao Clube uma indemnização em valor correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator.

5.11. O elemento da equipa de ... do BB que não respeite o recolher obrigatório em estágios ou no que alude ao ponto 3.10 deste documento, incorrerá no pagamento de uma indemnização ao Clube correspondente a 50% da retribuição mensal do infrator.

5.12. O elemento da equipa de ... do BB que faltar injustificadamente a uma convocatória para um compromisso publicitário do Clube, quando devidamente convocado por este, fica obrigado ao pagamento de uma indemnização ao Clube correspondente a 50% da retribuição mensal do infrator, sem prejuízo de poder vir novamente a ser convocado para a mesma ou outra ação de promoção.

5.13. Os atletas na assinatura de cada convocatória ou por ordem expressa, devem vestir e transportar os equipamentos de passeio, formal e/ou de treino que forem facultados pelo gabinete técnico. A falta de qualquer peça de vestuário será penalizada com o pagamento de indemnização ao Clube correspondente a 10% da retribuição mensal do infrator e poderá impedir o atleta de seguir com a comitiva oficial.

5.14. Os jogadores da equipa sénior de ... do BB devem zelar por um regime de vida compatível com a prática da modalidade de modo a que se apresentem a todo o tempo na adequada forma física, nomeadamente, em termos de peso, resistência física, repouso, e cuidados de saúde, pelo sempre que o jogador se apresente no Clube com uma forma física inadequada, designadamente por alimentação deficiente, excesso de peso, ingestão de bebidas alcoólicas ou estupefacientes, viagens longas em Portugal e no estrangeiro, entre outros, ficará obrigado a pagar ao Clube a título de indemnização correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator.

5.15. Os jogadores, técnicos e restante staff que prestarem declarações aos órgãos da comunicação social, sites de internet, blogs, redes sociais e afins, ou que publiquem mensagens e ou imagens nos seus próprios blogs e sítios de internet que ofendam, lesem, diminuam ou por qualquer forma afetem o bom-nome, imagem, reputação e/ou honorabilidade do Clube, dos seus jogadores, técnicos, dirigentes ou outros colaboradores ou que digam respeito a assuntos confidenciais, do foro interno do Clube, ficarão obrigados ao pagamento de uma indemnização ao Clube a título de indemnização correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator.

5.16. A realidade interna do clube e da equipa deve em todos os momentos ser protegida e resguardada. Desta forma, todos os acontecimentos coletivos ou individuais que decorram no decurso da atividade profissional não poderão ser objeto de comentário ou apreciação por qualquer membro da equipa nas redes sociais (Facebook, orkut, twitter, myspace, etc.) ou blogs pessoais, a que pertence, quer diretamente, quer por um qualquer colaborador do mesmo. Os jogadores, técnicos e restante staff que o façam ficam obrigados ao pagamento de uma indemnização ao Clube correspondente a 100% da retribuição mensal do infrator.

5.17. A utilização indevida do telemóvel, em contravenção do disposto neste Código de Conduta, gera a obrigação por parte do infrator de pagar ao Clube uma indemnização correspondente a 10% da retribuição mensal do infrator.

5.18. As demais infrações ao previsto neste Código de Conduta, não especificamente previstas, geram nos jogadores, técnicos e restante staff a obrigação de pagamento de uma indemnização ao Clube no valor correspondente a 50% da retribuição mensal do infrator.

5.19. Os jogadores, técnicos, dirigentes e demais elementos da equipa de ... do BB autorizam desde já o Clube a descontar o montante da(s) indemnização(ões) que Ihe(s) for(em) aplicada(s) na retribuição(ões) mensal(is) e ou prémio(s) imediatamente seguinte(s) à prática dos factos.

(…)

6.1 O presente Código de Conduta entra em vigor na presente data, e deverá ser cumprido na íntegra, sujeitando-se a sanções disciplinares a quem não cumprir o estabelecido.

(…)».

14) O autor, ao longo da duração do contrato suprarreferido esteve inserido no Departamento de ... do réu, estrutura da qual faziam parte o Diretor CC, o treinador DD, o treinador-adjunto EE, o seccionista FF, um médico, um fisioterapeuta e um plantel de cerca de 16 jogadores – facto alterado.

15) O autor estava obrigado a comparecer e a realizar treinos diários e, por vezes, bi-diários.

16) O autor utilizava equipamento e material fornecido pelo réu (bolas, baliza, resina, etc.).

17) Em horas previamente definidas pelos diretores e treinadores contratados pelo Réu.

18) O autor treinava sob orientação e seguindo ordens e instruções dos treinadores contratados pelo réu, durante os treinos e jogos.

19) E até em período de férias.

20) O autor seguia as orientações, ordens e instruções que lhe eram transmitidas pelos médicos, fisioterapeutas e enfermeiros contratados pelo réu.

21) O autor realizava jogos nacionais e internacionais cujo horário lhe era comunicado pelo réu, recebendo ordens para comparecer nos locais e às horas definidas pelos diretores e treinadores contratados pelo Réu.

22) O autor deslocava-se e viajava em grupo com todos os restantes companheiros de equipa.

23) E usava o uniforme e demais acessórios do réu.

24) Sempre igual ao dos restantes companheiros de equipa.

25) Sempre que convocado, o autor estava obrigado a comparecer e permanecer em estágios de concentração para competição e treinos de início de época.

26) Dormindo em hotéis pagos pelo réu.

27) Tendo um horário previamente fixado pelo réu para acordar, tomar as suas refeições, assistir a vídeos e horário fixo para recolher aos quartos.

28) Tal como toda a restante equipa, na qual o autor estava incluído numa relação de grupo.

29) Nas instalações do réu e em outros locais que este indicasse.

30) “Ao longo da duração do contrato, o autor desempenhou a atividade de … ao serviço do réu– facto alterado.

31) O autor exerceu a sua atividade no réu sempre com zelo e diligência.

32) O recebimento, pelo autor, da missiva referida em 2) causou-lhe consternação e preocupação com o seu futuro e o da sua família.

33) O autor abandonou ... (país onde residia) e trabalhava há vários anos para, propositadamente, vir trabalhar para Portugal.

34) O recebimento, pelo autor, da missiva referida em 2) causou-lhe desgosto, e profunda tristeza, afetando, ainda, a sua dignidade pessoal e profissional.

35) “Por ter ficado com o rótulo de “jogador dispensado” de um clube, o autor sentiu-se envergonhado” – facto alterado.

36) Sendo que esse rótulo afetou o seu prestígio, quer ao nível nacional, quer ao nível internacional.

37) A comunicação referida em 2) ocorreu numa fase de férias/defeso da época desportiva, sendo que, nessa altura, todos os planteis das grandes equipas para a época desportiva seguinte já estão completos e os melhores e mais caros jogadores contratados pelos principais clubes.

38) Esta situação deixou o autor angustiado com o seu presente e o seu futuro profissionais, bem como com o futuro da sua família.

39) E fez com que o autor se sentisse desamparado e descartável.

40) Nessa altura a sua esposa encontrava-se já na fase final da gestação.

41) Na época 2013/2014, o autor celebrou com o GG, o contrato documentado a fls. 80 a 91, dos autos, para o exercício da atividade de jogador da modalidade de ..., mediante o pagamento, na aludida época, do salário bruto mensal de € 4.700,00 x 11, no valor total de € 51.700,00.

42) “O autor com o rendimento que auferia no GG, suportava as despesas do seu agregado familiar, nomeadamente, arrendamento, água, luz”facto alterado.

43) “A celebração do contrato referido foi antecedida de negociação entre autor e réu, nunca tendo o Autor manifestado qualquer oposição ou discordância quanto ao seu conteúdo” – facto alterado.

44) A Liga Profissional de ... foi extinta na época 2008/2009 sendo que, até então, era pela mesma exigido aos clubes a celebração de contratos de trabalho com os seus atletas.

45) A partir de então deixou de ser obrigatório aos praticantes desportivos estarem vinculados aos clubes através de contrato de trabalho.

46) Em fevereiro de 2013 o Autor já havia sido verbalmente avisado que os seus serviços não estavam a corresponder ao esperado, nem os objetivos estavam a ser alcançados.

47) Em virtude da celebração do acordo referido em 1) o Réu BB suportava:

- Os custos da habitação do Atleta/Autor, em apartamento não partilhado;
- As despesas de água, luz e gás, desde que devidamente comprovadas - facto aditado.

48) Durante a vigência do Contrato referido em 1), por cada época desportiva completa ao serviço do BB, o Réu estava obrigado a proporcionar ao Autor duas viagens em classe económica (Lisboa-...-Lisboa)”facto aditado.

49) “Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou a renda mensal de € 970,00 por uma casa situada no nº 6 da ..., pelo menos, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2013, janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2014” – facto aditado.

50) Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou, pelo menos, os seguintes valores de eletricidade:

- Em setembro de 2013, o valor de Euros 36,39”facto aditado.

51) “Em ... e durante a época desportiva 2013/2014, o Autor pagou, pelo menos, os seguintes valores de gás natural:

- Euros 17,56 relativos a setembro de 2013 - facto aditado.


VII

         - Do Direito:

    1) - Se o primeiro segmento do n.º 1 do artigo 27°, da Lei n.º 28/98 de 26 de junho, é inconstitucional[9]:

                                                    

A Lei n.º 28/98, de 26 de junho, alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de agosto[10], aqui aplicável, dada a data dos factos, estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva.

A sua noção consta do artigo 2º, alínea a), norma que o define como sendo “aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportivas, sob a autoridade e a direção desta”.

 

É, assim, o contrato de trabalho do praticante desportivo um contrato de trabalho com regime especial.

Está sujeito à forma escrita, deve ser assinado por ambas as partes, conter a sua identificação, incluindo a nacionalidade e a data de nascimento do praticante, a atividade desportiva a que se obriga a prestar [artigo 5º, n.º 1, alíneas a) e b)], a participação em competições promovidas por uma federação dotada da utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato na respetiva federação [artigo 6º, n.º 1] e não pode ter duração inferior a uma época desportiva nem superior a oito épocas, entendendo-se por época desportiva o período de tempo, nunca superior a 12 meses, durante o qual decorre a atividade desportiva, a fixar para cada modalidade pela respetiva federação [artigo 8º, n.ºs 1 e 5].

Também, só pode ser celebrado a termo e a violação da duração mínima e máxima, legalmente fixadas, determina a aplicação desta e não a contratada [artigo 9º].

               

               Ora, dadas as particulares características da área socioeconómica em que o mesmo se insere, bem como da natureza da atividade profissional que contempla, o contrato de trabalho do praticante desportivo apresenta-se como um contrato de trabalho especial, que repele o carácter de perenidade da relação laboral comum, pois que lhe é essencial a duração limitada ou seja, a fixação de um prazo de vigência [essencial e não acidental ou acessória, como no contrato de trabalho comum].

Acresce que, nos termos do disposto no artigo 26º, alíneas a) a g), o contrato de trabalho desportivo pode cessar por caducidade, revogação, por acordo das partes, despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva, rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, rescisão por qualquer das partes durante o período experimental, despedimento coletivo e abandono do trabalho.

Por outro lado, dispõe o artigo 27º, nº 1, primeiro segmento, que, nos casos previstos nas alíneas c) e d), do n.º 1, do artigo anterior, “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”.

               Como direito subsidiário, aplica-se às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo as regras pertinentes ao contrato do trabalho, conforme estabelecido no artigo 3º.

                Por sua vez, o artigo 9º, do CT/2009, estipula que ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais [nele estabelecidas] que sejam compatíveis com a sua especificidade.

Em anotação a este artigo, Pedro Romano Martinez[11] sustenta que o artigo 9º “[p]retende esclarecer que entre a parte geral e a parte especial do direito do trabalho, subsiste uma relação comum: o regime geral (do Código do Trabalho) aplica-se aos contratos de trabalho especiais salvo quanto às particularidades justificadas pelos tipos contratuais em concreto

 [---]

Refira-se, ainda, que as regras especiais estabelecidas nesses contratos têm de ser interpretadas e integradas à luz do disposto no Código do Trabalho; ou seja […] as respetivas normas devem ser interpretadas de acordo com o regime do Código e as lacunas integradas segundo as soluções neste consagradas”.

               Assim sendo, as normas do CT são aplicáveis, subsidiariamente, ao contrato de trabalho do praticante desportivo, desde que se mostrem compatíveis com os seus princípios e com o seu regime, ou seja, desde que não conflituem com as suas especificidades estabelecidas na Lei n.º 28/98.


****

               Como já se disse, o Autor invocou a inconstitucionalidade de todo o n.º 1, do artigo 27º, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, por violação do princípio da igualdade, pugnando, assim, pela aplicação, do disposto no artigo 393.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

               

              Sobre esta questão as instâncias pronunciaram-se de maneira diversa.

                ASSIM:

                Posição da 1ª instância:

           

                “O Acórdão citado aborda, como resulta evidente do seu teor, a questão da resolução, com fundamento em justa causa, do contrato de trabalho desportivo operada pelo praticante desportivo.

               Além do mais, o que, naquele Aresto se julga inconstitucional, é uma determinada dimensão interpretativa do art.º 27º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, e não o preceito no seu todo e, muito menos, que, na ponderação da indemnização devida, se não recorra aos princípios da responsabilidade civil por facto ilícito.

               De todo o modo, e apelando às considerações tecidas a propósito do princípio da igualdade, note-se que o mesmo impõe que se trate de igual modo o que é igual e de modo distinto o que é distinto. E, nesta sede, não se nos afigura legítimo conferir a um despedimento ilícito operado num contrato de trabalho desportivo idênticas consequências às de um despedimento ilícito operado num contrato de trabalho a termo certo.

                (…).

               Destarte, seja pela natureza das atividades em causa, seja pela ratio que subjaz aos regimes jurídicos em causa, seja, por fim, pela qualidade dos intervenientes nos contratos, entende o Tribunal que o apontado artigo 27.º, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, não padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, daí que se recuse, ao contrário do pretendido pelo autor, a aplicação, in caso, do art.º 393.º, n.º 2, do Código do Trabalho.”

            Posição do acórdão recorrido:

O acórdão recorrido, entendendo que tinha plena aplicação ao caso concreto - em que o empregador despede o praticante desportivo sem justa causa -, os argumentos e as razões aduzidas no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/2009, de 28 de abril de 2009, e sufragando a inconstitucionalidade por ele declarada, concluiuque o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por confronto com o que se estabelece no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho – norma, aliás mantida no artigo 396.º, n.º 4, do Código revisto pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro -, viola o princípio da igualdade, na medida em que prevê um limite máximo para a indemnização a arbitrar ao praticante desportivo que cesse o contrato antes do termo, com justa causa, limite esse que, no regime geral, corresponde ao mínimo indemnizatório a atribuir ao trabalhador do regime comum que cesse o contrato nas mesmas circunstâncias”.

Em face do exposto, recusou a aplicação do disposto no artigo 27º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 de 26 de junho ao caso dos autos, e, consequentemente, decidiu que a indemnização devida ao Autor devia ser a que resultava do disposto no artigo 393º, nº 2, alínea a), do CT “por ser norma que versa sobre a situação regime geral”..




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           Ora, o Tribunal Constitucional, quer no Acórdão n.º 199/2009, datado de 28 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 910/08, 2.ª Secção, quer no Acórdão n.º 170/2019, datado de 14 de março de 2019, este com força de caso julgado nestes autos, por neles ter sido proferido, não declarou a inconstitucionalidade do regime jurídico, adotado no contrato de trabalho do praticante desportivo, relativo à responsabilidade das partes pela sua cessação[12].

               Na verdade, apenas se julgou inconstitucional “[p]or a violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, nas dimensões em que prevê que a indemnização devida, “em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo” e “em caso de despedimento ilícito”, não poder exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.

               Ora, como resulta dos acórdãos em causa, foi declarada inconstitucional somente uma certa dimensão interpretativa [sobre o “quantum” indemnizatório] do 2º segmento, do n.º 1, do artigo 27º, e não a norma no seu todo e, muito menos, o regime jurídico relativo à responsabilidade das partes pela cessação dos contratos.

               

               Como se diz no acórdão desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça, de 2015.03.25[13] “[s]ubsistem assim, intocadas, as razões de fundo que justificaram a necessidade de intervenção legislativa neste domínio específico – cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 305/95, de 18/11, que precedeu atual Lei n.º 28/98 –, com a consequente adoção do regime plasmado no referido artigo 27.º da LCTD”.

               Assim sendo, “[a] responsabilidade das partes pela cessação do contrato de trabalho desportivo afere-se pelo critério legal eleito pelo artigo 27º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, qual seja o da responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não havendo lugar, por isso, à aplicação do disposto nos artigos 446.º a 448.º do Código do Trabalho (cuja aplicação é meramente subsidiária e apenas na medida em que não seja incompatível com a especificidade do contrato de trabalho desportivo)” – Acórdão de 15.03.2015[14].

               Em idêntico sentido, decidiu o acórdão de 05.05.2010[15] que “[n]o que toca à indemnização por rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho desportivo, o artigo 27º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 consagra um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, uma vez que, ao estipular que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”, claramente nos remete para as disposições civilísticas, designadamente para o art.º 562.º e seguintes do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização”.

               

               Esta é a jurisprudência desta 4ª Secção e Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, a de que a responsabilidade das partes pela cessação do contrato de trabalho desportivo afere-se pelo critério da responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato.

               Ora, consagrando o artigo 27º, da Lei 28/98, no que toca à indemnização por despedimento do contrato de trabalho desportivo sem justa causa, um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, remetendo-nos aquele normativo para as disposições civilísticas, designadamente para o artigo 562º, e seguintes, do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização, inexiste violação do princípio da igualdade.

               

               Com efeito, flui do exposto que se está perante realidades factuais e jurídicas [o contrato a termo certo consagrado no CT e o contrato de trabalho do praticante desportivo] distintas e, consequentemente, não comparáveis entre si [no contrato de trabalho do praticante desportivo não é admissível o contrato por tempo indeterminado; está sujeito imperativamente a termo resolutivo; não pode ter duração inferior a 1 época e nem superior a 8 épocas; na falta de indicação do respetivo termo, considera-se celebrado por uma época ou para a época desportiva no qual foi celebrado; sendo celebrado por tempo inferior a 1 época ou superior a 8 épocas, aplicar-se-ão estes prazos e não os do contratos; não comtempla a renovação tácita por período igual ao inicialmente estipulado; não exige prévia comunicação do empregador ao trabalhador da vontade de o fazer cessar, etc.].

               

Acresce que o artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio da igualdade, ao estabelecer que todos os cidadãos são iguais perante a lei [n.º 1] e que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território, de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual [n.º 2].  

Por isso, à luz do princípio constitucional da igualdade, o essencial reside na proibição de diferenciações injustificadas.

Esta questão, já foi objeto de tratamento pelo Tribunal Constitucional, e da sua jurisprudência resulta que este tem, constante e reiteradamente afirmado e ponderado, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundadas.

No acórdão n.º 294/2014, de 9 de maio[16], consta que o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado que “ [o princípio] da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes (cf. o Acórdão n.º 412/2002):

“[A] proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades.”

Por outro lado, o Tribunal Constitucional também tem entendido que a proibição do arbítrio exige ainda tratamento diferenciado de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas,

É o que resulta, quando refere que «[a] igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, «reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade»[17].

Assim sendo, desde que estes limites não sejam violados, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.

Só se verifica, pois, violação do princípio da igualdade, quando existir arbítrio, subjetividade, diferenciações materialmente infundadas ou sem qualquer fundamento razoável e sem uma justificação objetiva e racional.

O que não existe no caso em apreço.

               Assim, ao despedimento sem justa causa do Autor, efetuado pelo Réu, deve ser aplicado o critério jurídico adotado no contrato de trabalho do praticante desportivo relativo à responsabilidade das partes pela sua cessação do contrato, ou seja, o regime do artigo 27º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, e não o regime do artigo 393º, n.º 2, alínea a), do CT/2009.

               

                Procede, nesta parte, a revista.


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     2) - Se é de recusar a aplicação do disposto no artigo 27°, n.º 3, da Lei 28/98, de 26 de junho:

               No acórdão recorrido, não se declarou, como pretendido pelo Autor, que o disposto no artigo 27º, n.º 3, da Lei 28/98, de 16 de outubro é inconstitucional.

               Essa norma determina que quando, em caso de despedimento promovido pela entidade empregadora, caiba o direito à indemnização prevista no n.º 1, do respetivo montante devem ser deduzidas as remunerações que, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, o trabalhador venha a receber pela prestação da mesma atividade a outra entidade empregadora desportiva.

 

               Contudo, o Tribunal “a quo”, apesar de não ter declarado a inconstitucionalidade do sobredito preceito, não o aplicou no acórdão recorrido, por entender ser de aplicar a norma do artigo 393º, n.º 2, alínea a), do CT, dada a sua natureza imperativa, como decorre do artigo 339º, n.º 3, do CT.

               

Com efeito, consta no acórdão recorrido que o Autor tem direito a receber a indemnização mínima a que alude o artigo 393º, n.º 2, alínea a), do CT, sempre sem prejuízo da invocação dos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais para justificar indemnização superior àquela.

               Assim, ao valor da indemnização não se deduziu o que o Autor auferiu após a resolução do contrato.

               O Réu insurgiu-se, quanto a esta decisão, argumentando que o artigo 339° ressalva expressamente, no final do seu n.º 1, que o regime estabelecido para a cessação do contrato de trabalho não pode ser afastado, "salvo o disposto noutra disposição legal", pelo que, o disposto na Lei n.º 28/98 por preconizar um regime especial, afasta, precisa e expressamente, a imperatividade mencionada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

               Ora, face ao que foi dito na questão anterior, é patente que a decisão recorrida não pode ser mantida, uma vez que a indemnização devida ao autor tem de ser calculada nos termos do regime da responsabilidade civil previsto no Código Civil, para que, como já dissemos, o disposto no artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, nos remete.

               Nos termos desse regime, e como dispõe o artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

               Acresce que o Código Civil consagrou, quanto ao critério a utilizar na avaliação da indemnização pecuniária, a chamada teoria da diferença[18].

               Significa, assim que a indemnização pecuniária a arbitrar ao lesado deve medir-se pela diferença entre a situação real em que o facto lesante deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria sem o dano sofrido.

               

               Sendo, apenas, aplicáveis, subsidiariamente, ao contrato de trabalho do praticante desportivo as normas do contrato de trabalho comum que forem compatíveis com o seu regime e os seus princípios, a norma do artigo 393º, n.º 2, alínea a), do CT, não lhe é aplicável, porque inexiste qualquer lacuna ou vazio a preencher, não é compatível com o regime jurídico nele consagrado relativo à responsabilidade das partes pela cessação do contrato, e por a imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho do CT ter sido afastada por outra disposição legal, como o permite o artigo 339º, n.º 1[19], parte final, do CT, ou seja, por afastada pelo artigo 27º, n,º 3, da Lei n.º 28/9.

                Procede, também nesta parte, a revista.

VII

           

            3) - Aplicação do direito aos factos:

           Decorre do exposto que a indemnização devida ao Autor pelo seu despedimento sem justa causa deve ser aferida pelo critério legal constante no disposto no artigo 27º, n.º 1, primeira, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.

               Também decorre que ao montante da indemnização fixada nos termos sobreditos, devem ser deduzidas as remunerações que, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, o trabalhador venha a receber pela prestação da mesma atividade a outra entidade empregadora desportiva.


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               Os factos relativos à fixação da indemnização devem ser alegados e provados pelo Autor, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, por serem constitutivos do direito por ele invocado.

               Os factos atinentes às remunerações a deduzir ao valor da indemnização devem ser alegados e provados pelo Réu, nos termos do artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, por serem modificativos ou extintivos do direito que o Autor alegou.

           De acordo com o artigo 27º, n.º 1, primeiro segmento, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, em virtude do incumprimento do contrato.

            a) - Danos patrimoniais:

               

               - Retribuições que o Autor deixou de auferir desde o seu despedimento até ao fim do contrato:

               

                O Réu devia pagar ao Autor a quantia total de € 76.440,00 em sede de indemnização por danos patrimoniais, relativa a todas as retribuições que este deixou de auferir desde o seu despedimento e até ao fim do contrato.

Também se deu como provado que o Réu já lhe pagou a quantia de € 12.740,00, relativa a 2 meses dessas retribuições, pelo que há que fazer a sua dedução àquele montante.

                Assim sendo, a quantia a pagar pelo Réu ao Autor, a esse título, seria a de € 63.700,00.

 


****

               - Retribuições que o autor auferiu, no mesmo período, pelo desempenho da mesma atividade e sua dedução ao montante anteriormente fixado:



               Por sua vez, o artigo 27º, n.º 3, da Lei n.º 28/98, dispõe que “quando, em caso de despedimento promovido pela entidade empregadora, caiba direito a indemnização prevista no n.º 1, do respetivo montante devem ser deduzidas as remunerações que, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, o trabalhador venha a receber pela prestação da mesma atividade a outra entidade empregadora desportiva”.
           
            Deu-se como assente que na época de 2013/2014, o autor celebrou com o “GG”, o contrato documentado a fls. 80 a 91, dos autos, para o exercício da atividade de jogador da modalidade de ..., mediante o pagamento, na aludida época, do salário bruto mensal de € 4.700,00 x 11, no valor total de € 51.700,00 – facto n.º 41.
****
            Quanto a este valor diz o Recorrente que o Tribunal da Relação não considerou devidamente os documentos juntos ao processo, em 5.12.14, que configuram os recibos de vencimento do A. de julho de 2013 a junho de 2014, enquanto jogador do GG, em que terá auferido as seguintes quantias ilíquidas: € 2.350,00; € 4.700,00; € 4.700,00; € 4.700,00; € 4.700,00; € 6.891,04; € 4.700,00; € 4.700,00; € 4.700,00; € 4.700,00; € 4.700,00; € 8.929,90”, o que “totaliza € 60.470,94 e não os falados € 51.700,00”.

               Ora, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece em regra, da matéria de direito, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo Tribunal da Relação o regime jurídico que julgue mais adequado, estando-lhe vedado sindicar o erro na apreciação das provas e na apreciação dos factos, exceto se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – artigos 674º, n.º 3, e 682º, n.º 2, ambos do CPC.
               No caso concreto, o pagamento da retribuição [vencimento] pode ser provada por qualquer meio, não se exigindo qualquer formalidade especial, em termos legais, para a sua prova, pelo que, quanto a ela, funciona a regra geral da liberdade de julgamento.
                Com efeito, o artigo 276º, n.º 3, do CT, não contém qualquer regra de direito probatório que afaste o princípio geral da liberdade da prova.
                Acresce que o contrato foi feito em ..., os contraentes não são de nacionalidade portuguesa e o pagamento foi feito naquele país.      
               Assim sendo, não procede a pretensão do Recorrente, quanto à alteração do montante global das retribuições a deduzir.
****
                De acordo com o disposto no artigo 27º, n.º 3, da Lei n.º 28/98, ao montante da quantia global de € 63.700,00 que o Réu deveria pagar ao Autor há que deduzir a quantia total de € 51.700,00, referente às retribuições que este auferiu, na época de 2013/2014, como jogador de ... ao serviço do “GG”.
               
                Assim, o valor que o Réu tem a pagar ao Autor, como dano patrimonial, pelas retribuições que deixou de auferir devido ao seu despedimento ilícito, é no montante global de € 12.000,00.
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                b) - Danos não patrimoniais:

            O Autor peticionou a título de danos não patrimoniais a quantia de € 15.000,00.

               Na 1ª instância, conhecendo-se deste pedido, julgou-se o mesmo improcedente.

                O Tribunal da Relação, por sua vez, julgando o recurso parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar ao Autor, a esse título, uma indemnização no valor de € 7.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.


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           Ora, de acordo com o artigo 27º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil em virtude do incumprimento do contrato, ou seja, em caso de despedimento ilícito o empregador é condenado a indemnizar o praticante desportivo por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais.

                Os danos de natureza não patrimonial inserem-se no instituto da responsabilidade civil por facto ilícito, dependendo da verificação dos requisitos a que se refere o artigo 483º, do CC. Civil, a saber a existência de um facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

           Determina, por sua vez, o artigo 496º, do CC, que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito" e que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.

               Contudo, só há lugar a indemnização por danos não patrimoniais desde que os danos sejam de tal modo graves que mereçam a tutela do direito.

             Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita, ou seja, a sua prova há-de ser inequívoca.

             Acresce que, como este Tribunal já decidiu, no seu Acórdão de 18 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 638/06.2TTSNT.L1.S1[20]em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável”.

             

              Como se afirmou no acórdão de 21.03.2018, proferido no Processo n.º 1859/16.5T8PTM.E1.S1[21], "se é certo que em qualquer despedimento ilícito haverá alguma angústia, tristeza e receio quanto ao futuro por parte do trabalhador, importa, como se pode ler no Acórdão do STJ de 9 de Setembro de 2015 (…), processo n.2180/10.7TTVRLP1.S1[22], que os elementos de facto provados no processo "permitam ajuizar sobre o correspondente grau de gravidade", de modo a poder apurar-se em que medida é que os danos não patrimoniais "se prolongaram ou não no tempo e de que maneira afetaram a vida quotidiana pessoal, familiar, social e profissional" do trabalhador".

             

              De acordo com esta jurisprudência, em direito laboral para haver direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá, assim, o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável, não bastando, no entanto, o A. alegar que é notório e por isso não necessita de prova, que o despedimento provoca prejuízos de ordem moral, nomeadamente pela afetação da sua imagem como pessoa e trabalhador.

                É esta questão que está aqui em causa, ou seja, a de saber se da matéria de facto provada resulta a existência de danos não patrimoniais que justifiquem a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao Autor.

               Nesta sede resultou provado que o despedimento ilícito de que foi alvo, provocou ao Autor consternação, preocupação e angústia com o seu futuro e o da sua família, tanto mais que a sua esposa se encontrava já na fase final da gestação, causou-lhe desgosto e profunda tristeza, afetando a sua dignidade pessoal e profissional, sentiu-se envergonhado com o rótulo de "jogador dispensado", rótulo que afetou o seu prestígio ao nível nacional e internacional, que o seu despedimento foi levado a cabo em época de férias/defeso da época desportiva altura em que todos os planteis das grandes equipas para a época desportiva seguinte já estão completos e os melhores e mais caros jogadores contratados pelos principais clubes.

                Em contraponto, provou-se que o A., foi despedido por missiva de 27 de junho de 2013, com efeitos a 31 de julho de 2013, já havia sido verbalmente avisado, em fevereiro de 2013, de que os seus serviços não estavam a corresponder ao esperado, nem os objetivos estavam a ser alcançados, sendo que em 23.07.2013 foi contratado pelo “GG”, como jogador de ..., para a época 2013/2014, ou seja, logo após o seu despedimento ilícito pela recorrente o recorrido foi contratado para exercer a sua atividade profissional de jogador de ... num clube francês, ainda que mediante retribuição inferior.

                 

               Ora, esta matéria de facto provada não é suficiente para se poder concluir pela existência de danos não patrimoniais de gravidade bastante para merecer a tutela do direito.

               Com efeito, dela não resulta que os danos não patrimoniais existentes, traduzindo-se nos que comummente se verificam em idênticas situações, sejam legitimadores da tutela do direito, de modo a justificarem uma condenação pelos mesmos.

               Não se extraindo da matéria fáctica apurada que aquelas emoções, sofridas pelo Autor [preocupação, angústia, desgosto, tristeza, vergonha, etc.], tenham atingido uma gravidade, profundidade, danosidade ou acentuação tais de modo a causar na sua personalidade moral um prejuízo assinalável, inexiste, pois, fundamento para o indemnizar por danos não patrimoniais.

                Nesta parte procede, pois, o recurso.
    

VIII


            c) - Pedidos subsidiários:

1) Outros danos patrimoniais peticionados:  

O Autor peticionou, a título subsidiário, o pagamento de outros danos patrimoniais, conforme artigos 108º a 111º, da sua petição inicial, nomeadamente as quantias de € 10.760,00 pelas rendas da casa, € 400,29 pela eletricidade e € 193,16 pelo gás natural que teve que pagar em ..., na época desportiva de 2013/2014.

               Segundo ele, terá que ser indemnizado pelo Réu desses valores, por serem despesas diretamente decorrentes da cessação ilícita do seu contrato pois, do contrato cessado estava clausulado que era aquele quem suportava tais despesas [de habitação em apartamento não partilhado, de água, luz e gás].

               Na 1.ª instância, “não obstante a sua menção a título subsidiário”, foi o mesmo julgado improcedente, dada a factualidade, a esse respeito, dada como provada - “(…) no que se refere às despesas que o autor não teria se não fosse a sua deslocação para a ..., verificamos, que o Autor não logrou efetuar qualquer prova do seu quantitativo mensal, como lhe impunham as regras gerais sobre o ónus da prova constantes do artigo 342º, n.º 1, do CC”.

Por sua vez, o Tribunal da Relação, a este respeito, uma vez que esta pretensão foi mantida pelo Autor no seu recurso de apelação, aditou à factualidade provada os factos ínsitos nos n.ºs 47 a 51.

               

Apesar desse aditamento, decidiu-se, no acórdão recorrido, que se reputava prejudicada a apreciação desta vertente do recurso do Autor, pois “a análise desta problemática só faria sentido caso se tivesse aplicado, por o reputar constitucional, o n.º 1, do artigo 27.º, da Lei n.º 28/98”, o que não aconteceu.


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                2) – Reintegração:

            O Autor, também, a título subsidiário peticionou a sua reintegração, nos termos do artigo 27º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, “reintegração essa que deverá ocorrer no início da época desportiva imediatamente a seguir ao trânsito em julgado da sentença condenatória”.

               Este pedido foi, igualmente, conhecido na sentença da 1ª instância, tendo sido julgado improcedente, por ter ocorrido o termo do contrato celebrado e, assim, já não ser possível a reintegração do Autor.

           

Manteve o A. a sua pretensão em sede da apelação que interpôs da sentença proferida em primeira instância, como, aliás, o refere na resposta ao parecer do Mº Pº.

            Contudo, o Tribunal “a quo” não conheceu desse pedido, por ter ficado prejudicado face ao teor da decisão aí proferida“neste ponto, recordar-se-á, antes de mais, que o pedido inicialmente deduzido a tal título teve natureza subsidiária”.


****


           Ora, não se aplicando a este Supremo Tribunal de Justiça, a regra da substituição ao tribunal recorrido, dado o disposto nas normas conjugadas dos artigos 679º e 665º, ambas do CPC, e procedendo a revista, como de facto procede, devem os autos serem remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa, após trânsito em julgado do presente acórdão, para que conheça destas duas questões que não conheceu por estarem prejudicadas pela solução que deu ao litígio.


IX


            - Decisão:

Pelo exposto, concede-se a revista e, consequentemente revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, deliberando-se:

1) – Condenar o Réu no pagamento ao Autor da quantia de € 12.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais;

2) – Absolver o Réu do pedido, formulado pelo Autor, do pagamento da indemnização por danos não patrimoniais;

3) – Mantém-se, no mais, o acórdão recorrido.

4) - Determinar a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, após trânsito em julgado do presente acórdão, para conhecer dos pedidos subsidiários do pagamento das despesas e da reintegração do Autor.


*****

            Custas:

a) - Neste Supremo Tribunal de Justiça, a cargo de Autor/Recorrido;

b) – Nas instâncias: conforme o que vier a ser decidido a final.

Anexa-se o sumário do Acórdão.


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                          Lisboa, 11 de setembro de 2019


Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

António Leones Dantas


_________________________
[1] - Registo n.º 2019/013 – (FP) – CM/LD.
[2] - Efetuada com base nos Relatórios das instâncias.
Negrito e sublinhado nossos.
[3] - Doravante TC.
[4] - Doravante CRP.
[5] - Doravante LOFPTC.
[6] - Doravante CPC.
[7] - Doravante CPT.
[8] - Os factos alterados pelo Tribunal da Relação estão em itálico e a negrito e os factos aditados estão em itálico.
[9] - Seguiremos o acórdão de 22 de junho de 2017, deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 2059/14.4TTLSB.L1.S1, relatado pelo aqui Relator e que trata de situação igual.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e81c2831a69b27ba802581480031f3b4?OpenDocument.
[10] - Doravante Lei 28/98 e à qual pertencerão todos os artigos sem menção de origem.
[11] - Código do Trabalho, anotado, 10ª edição – 2016, Almedina, anotação ao artigo 9º, página 117.
[12] - Na “questão prévia” já se tratou desta questão, relativamente ao acórdão n.º 170/2019, proferido nestes autos.
[13] - Processo n.º 4776/09.0TTLSB.L1.S11.
[14] www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3296d33677fae9ba80257e15003bdcfd?OpenDocument
[15] - Processo n.º 270/07.3TTOAZ.S1.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bc637cd32f6e84878025771b003017ab?OpenDocument
[16] - Proferido no processo n.º 1203/013 e publicado no DR, IIª Série, n.º 89, de 09.05.2014, página 12118.
[17] - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88.
[18] - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição, Almedina, página 777-
[19] - “O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou por outra disposição legal” [n.º 1] e “os valores de indemnizações podem ser reguladas, dentro dos limites este Código, ser reguladas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”.
[20] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b5f9614ad1aa633f80257896005051ab?OpenDocument
[21] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/612672f0159629e4802582590042d1b9?OpenDocument.
[22] - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4094097b26c78ca80257ebc0034a549?OpenDocument