Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
180/10.7TTVRL.P.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 09/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR/ ILICITUDE DO DESPEDIMENTO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Artigos 1.º a 107.º, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 707, 711, 763-764.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 494.º, 496.º, N.ºS1 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2009, EDITADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 129.º, N.º1, AL. J), 389.º, 390.º, 391.º, 392.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 58.º.
Referências Internacionais:
CARTA SOCIAL EUROPEIA: - ARTIGO 1.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27 DE MARÇO DE 2003, PROCESSO N.º 4673/2002, DA 4.ª SECÇÃO, COM SUMÁRIO DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT .
-DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROCESSO N.º 3743/2002, DA 4.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A, N.º 7, DE 9 DE JANEIRO DE 2004, P. 136
Sumário :
1.  Declarado ilícito o despedimento, porque tal declaração tem eficácia retroativa, restabelece-se o vínculo contratual e os efeitos do contrato de trabalho, como se o despedimento não tivesse existido, o que exige a consequente restauração natural, devendo o empregador indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais e reintegrá-lo, com a categoria e a antiguidade devidas, salvo se for requerida indemnização em substituição da reintegração.

2.  Face à repristinação dos efeitos jurídicos do contrato firmado em 19 de outubro de 2009 e à demonstrada celebração, em 30 de setembro de 2010, de um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, concorreriam, no mesmo período temporal, dois contratos de trabalho, um sem termo e outro a termo, pelo que, como não se compatibilizam os seus regimes, o que afasta a admissibilidade da coexistência de ambos, o contrato de trabalho mais recente deve passar a regular os direitos e as obrigações estabelecidos entre as partes.

3.  Não tendo o autor provado que os danos não patrimoniais alegadamente sofridos com o despedimento merecem a tutela do direito, ónus que lhe cabia, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não se verifica um dos pressupostos legais que permitiriam a fixação de indemnização a esse título.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 12 de abril de 2010, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, Secção Única, entretanto, extinto, AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra a BB, LDA., pedindo: 1.º) que a ré fosse condenada a reconhecer que contratou o autor como trabalhador subordinado e, portanto, que tinham celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado; 2.º) que se declarasse ilícito o despedimento efetuado pela ré, sendo esta condenada (a) a reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, com todos os direitos e regalias que adviriam caso se tivesse mantido ao serviço desde 12 de fevereiro de 2010, (b) a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória de € 50, por cada dia de atraso na reintegração, (c) a pagar-lhe € 1.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (d) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, com juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, que foi admitido ao serviço da ré, em 28 de setembro de 2009, por contrato verbal e, em 19 de outubro de 2009, mediante contrato escrito, denominado «contrato de avença», e que, no âmbito deste contrato, desempenhou as funções de professor de educação física, competindo-lhe lecionar as aulas de acordo com o programa que tinha sido previamente estabelecido, trabalho supervisionado e controlado pelo coordenador CC, que lhe dava as instruções sobre a forma como e onde devia trabalhar, sendo que cumpria um horário fixo, era sujeito a controlo de assiduidade, possuía uma caderneta individual relativa a cada aluno, onde anotava as respetivas faltas e avaliações, acrescentando que o local de trabalho era indicado pela ré, os instrumentos de trabalho pertenciam à ré e a retribuição auferida, no montante de € 1.090,59, constituía a sua única fonte de rendimento.

Mais invocou que, por carta de 12 de janeiro de 2010, a ré comunicou-lhe a denúncia do contrato com efeitos a 12 de fevereiro seguinte; porém, o contrato que vigorava entre as partes deve ser qualificado como de trabalho, pelo que a cessação desse contrato configura um despedimento ilícito, sem justa causa e sem precedência de procedimento disciplinar, que gera as consequências previstas no artigo 389.º do Código do Trabalho, incluindo a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos, já que se sentiu triste, desconsiderado e desrespeitado com o despedimento.

Frustrada a conciliação, a ré veio contestar a ação, aduzindo, em síntese, que as partes celebraram, em 19 de outubro de 2009, um «contrato de avença», em que o autor se obrigou a exercer as funções de professor de educação física, sem qualquer subordinação hierárquica, e que, em 30 de setembro de 2010, o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, que cessou em 31 de agosto de 2011, tendo recebido todos os créditos a que tinha direito do referido contrato, por isso, configura abuso do direito vir agora invocar direitos respeitantes ao primeiro contrato de trabalho firmado, visto que, ao celebrar o segundo contrato de trabalho com a ré (contrato de trabalho a termo), criou nesta a convicção de que não invocaria quaisquer direitos atinentes àquele primeiro contrato de trabalho.

O autor respondeu, reiterando o alegado na petição inicial e pedindo que a ré fosse condenada como litigante de má-fé.

Após o julgamento, proferiu-se sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos deduzidos pelo autor.

2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que revogou a sentença do tribunal de 1.ª instância, alterando a decisão sobre a matéria de facto, declarando que as partes firmaram, entre si, um contrato de trabalho, a que a ré pôs termo, de forma ilícita, em 12 de fevereiro de 2010, e condenando a ré a pagar ao autor, a título de retribuições vencidas desde 13 de março de 2010 a 31 de agosto de 2010, a quantia de € 7.663,76, «a que deve ser deduzido o subsídio de desemprego de que, porventura, o autor haja beneficiado durante aquele período e que a ré deve entregar à Segurança Social, sendo aquela quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento», tendo julgado, quanto ao mais, a ação improcedente e absolvido a ré dos restantes pedidos deduzidos.

É contra esta deliberação que o autor, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formulou as conclusões seguintes, na sequência do convite que lhe foi dirigido para proceder à indicação das normas jurídicas que considerava violadas e sintetizar as conclusões da primitiva alegação de recurso:

                «A)   As normas jurídicas violadas pelo Tribunal recorrido são as normas dos artigos 217.º, 483.º e 496.º do C. Civil, 53.º e 58.º da CRP, 129.º, al. j), 140.º, n.os 1 e 2, 141.º, n.º 1, al. e), 147.º, n.º 1, al. c), 143.º e 436.º [sic], n.º 1, al. c), do C. Trabalho e artigo 1.º, n.º 1, da Carta Social Europeia aprovada pela Resolução da AR n.º 21/91.
                  B) Se o A. celebrou o contrato em causa nestes autos em 19-10-2009 e se foi despedido em 12-02-2010, não se pode dizer, de modo algum, que esse contrato estava em vigor quando, em 30-09-2010, o A. celebra o contrato a termo, porquanto: nem o A. prestava qualquer trabalho à R., nem recebia qualquer salário.
                  C) Sendo decretada a nulidade do despedimento, o que existe e que é posto em vigor é uma ficção do contrato com os direitos do trabalhador reconhecidos, mas apenas estes. O passado não pode ser posto em vigor. O que é posto em vigor não é o contrato mas os direitos do trabalhador decorrentes do contrato que são reconhecidos, mas para o futuro posterior à sentença, desde a data em que foi praticado o ato de despedimento ilícito, nomeadamente o direito ao salário e à antiguidade.
                   D) Para haver a revogação do contrato anterior teria de haver uma declaração expressa, mas esta não existiu, nem a R. nem o tribunal recorrido defendem que existiu. Restaria, assim, a declaração negocial tácita que aqui também não se verifica.
                E) A celebração do contrato de trabalho a termo certo foi apenas um modo do A. obter trabalho enquanto durava o presente litígio, para que pudesse sobreviver. Deste modo, não se pode concluir que ao celebrar o contrato a termo certo, o A. tinha a intenção e/ou declarou revogar o contrato designado de avença, mas que era sim um contrato de trabalho, e a R. estava convicta dessa intenção e dessa declaração tácita. O A. continuou a pretender que a presente ação prosseguisse em tribunal e a própria R. nunca veio a juízo declarar que o contrato de “avença” tinha sido revogado pelo contrato de trabalho a termo certo e, por consequência, pedir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
                   F) O facto de o atual Código de Trabalho não dispor de norma semelhante ao artigo 41.º-A introduzido pela Lei 18/2001, de 03/07, não significa que seja admissível a celebração sucessiva e simultânea de contratos de trabalho, desde logo porque tal possibilidade além de violar as normas laborais, viola disposições constitucionais, sendo certo, ainda, que não é esse o sentido e o objetivo da lei laboral, que protege, prima facie, o trabalhador. Trata-se apenas e tão-só de uma lacuna da lei que deve ser preenchida recorrendo aos princípios basilares do direito laboral, no que respeita, sobretudo, à contratação e à cessação dos contratos.
                 G) Tanto mais que, diga-se, in casu, a contratação do trabalhador, aqui A., ao abrigo do segundo contrato (a termo) visou a satisfação das mesmas necessidades já asseguradas pela anterior contratação.
                   H) Não existe uma única vantagem contratual em passar-se de contratado por tempo indeterminado a contratado a termo e, por outro lado, não faz qualquer sentido que, insistindo a lei em criar mecanismos para evitar a contratação a termo sucessiva e ilimitada consinta numa interpretação da cessação do contrato que alcança de imediato e na pendência do mesmo contrato, o contrário do legalmente estabelecido.
                  I)   Uma interpretação contrária, mormente a interpretação segundo a qual a celebração do segundo contrato em plena vigência do primeiro, tem a virtualidade de o fazer cessar, desde logo por ser incompatível a subsistência simultânea de dois contratos, viola, além dos princípios do direito laboral, o direito à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da CRP.
                  J)  Este princípio abrange não apenas o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho. O empregador não poderá limitar-se a constituir relações de trabalho com prazos curtos, por forma a efetuar livremente despedimentos por via da não renovação dos contratos. Por isso o trabalho a termo, sendo por natureza precário, só é admissível quando ocorram razões que o justifiquem. Por identidade de razão, pode entender-se que o direito à segurança no emprego obsta a que a entidade patronal possa manter indefinidamente o trabalhador numa situação de precariedade, mediante o recurso sucessivo a contratos a termo para o exercício das mesmas funções ou para a satisfação das mesmas necessidades de serviço.
                    K) A possibilidade de usarmos a liberdade contratual como critério determinante da solução proposta (extinção do vínculo anterior) conduz, por um lado, à aceitação de um negócio simulatório (de facto, mesmo em abstrato, não se vê uma única vantagem contratual, sequer a da desvinculação, em passar-se de contratado por tempo indeterminado a contratado a termo) e, por outro lado, não faz qualquer sentido que, insistindo a lei em criar mecanismos (formais e sancionatórios) para evitar a contratação a termo sucessiva ou ilimitada consinta uma interpretação da cessação do contrato que alcança de imediato, e na pendência do mesmo contrato, o contrário do legalmente pretendido.
                    L)  Acresce que, sempre se dirá, não estarem os contratos de trabalho sujeitos ao princípio da liberdade contratual como os demais contratos civis. É que nos demais contratos o que for acordado passará a vinculá-las e torna-se fonte de regulamentação. Já no contrato de trabalho, não obstante as partes poderem ajustar o conteúdo, o mesmo estará sujeito a uma regulamentação normativa objetiva, com carácter imperativo, aplicável independentemente da vontade das partes.
                  M) A celebração de um contrato de trabalho a termo quando o mesmo trabalhador dispunha de um contrato de trabalho sem termo e sem qualquer justificação sequer para que a entidade patronal invoque a alteração da situação jurídica do trabalhador não passa de um meio de praticar a fraude à lei que impede os despedimentos sem justa causa, já que o trabalhador passará a ser despedido sem direito sequer à indemnização legal sob pretexto da não renovação do contrato de trabalho a termo, conseguindo, assim, a entidade patronal o que a lei constitucional citada impede.
                  N) Assim, independentemente da inexistência no CT/2009 de uma norma com o conteúdo preciso do anterior n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT (na redação dada pela Lei 18/2001), por aplicação das regras gerais do direito do trabalho e dos contratos e das regras específicas sobre a cessação laboral, o contrato de trabalho por tempo indeterminado não pode ser extinto pela declaração tácita em que se traduz a celebração, entre as mesmas partes, de um contrato a termo.
                    O) Com efeito, proibindo o Código de Trabalho a sucessão de contratos a termo, conforme dispõe o artigo 143.º do C.T, por maioria de razão também não se pode admitir a celebração de um contrato de trabalho a termo na vigência ou após a celebração de um contrato de trabalho sem termo.
                  P) Os danos sofridos pelo A. merecem a tutela do direito, atenta a sua gravidade e as circunstâncias em particular do caso, afigurando-se-nos bastante modesta, equilibrada e ajustada a indemnização peticionada no montante de € 1.000,00 (mil euros).
                  Q) Por tudo o exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue totalmente procedente a ação, nomeadamente, os pedidos formulados sob o n.º 2, alíneas a), b) e d), bem como o pedido no tocante aos danos não patrimoniais sofridos pelo A.
                    R) O contrato de trabalho a termo celebrado entre A. e R. em 30.09.2010 não contém a indicação do motivo, sendo a referência constante do contrato, além de falsa, manifestamente insuficiente.
                    S)  A menção escrita do motivo, no contrato de trabalho a termo, configura uma formalidade ad substantiam e não uma mera formalidade ad probationem, sendo a observância da forma essencial à validade da declaração negocial. Se não for observada a forma escrita ou se do contrato escrito não constarem os elementos mencionados na lei, é o próprio termo que é nulo. Com efeito, a inobservância da formalidade ad substantiam afeta a validade da declaração, atento o disposto no art. 220.º do Cód. Civil, a qual dita a invalidade do termo.
                   T)  A nulidade do termo, que entendemos que se verifica, in casu, atento tudo o supra exposto, determina que o contrato de trabalho seja considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, face ao disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho/2009.
                  U) Nulidade esta que é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 286.º do C.C, e que cumpre oficiosamente conhecer, com todas as legais consequências.»

A ré/recorrida não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal, em sede de exame preliminar do processo, porque se considerou que não se podia conhecer do objeto do recurso de revista, na parte em que se levantava a questão do valor jurídico do contrato a termo firmado em 30 de setembro de 2010, determinou-se a audição das partes para que se pronunciassem, sendo certo que, por despacho de 29 de abril de 2015, foi decidido não conhecer do recurso, «na parte em que vem invocada a nulidade do contrato de trabalho a termo celebrado no dia 30 de setembro de 2010, temática a que […] correspondem as atuais conclusões R) a U)», decisão que, notificada às partes, não foi impugnada.
Seguidamente, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que a revista devia ser negada, sustentando que «deverá ser reconhecido que entre 19-[10]-2009 e 12-02-2010 vigorou entre as partes um contrato de trabalho, ao qual a ré pôs fim de forma ilícita naquela data, tendo o autor direito ao recebimento das retribuições vencidas desde 13-03-2010 até ao dia que antecedeu a entrada em vigor do contrato de trabalho a termo certo, devendo ser aplicado, se houver lugar a tal, o disposto no art. 390.º do CT» e, por outro lado, que as consequências decorrentes do despedimento «não assumem uma gravidade tal que sejam merecedoras de tutela do Direito, não devendo assim ser atribuída qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais», parecer que, notificado às partes, não motivou qualquer resposta.

3. No caso, excluído o segmento do recurso de revista julgado inadmissível, as questões suscitadas são as que se passam a explicitar:

              a) Se procedem os pedidos deduzidos, na petição inicial, sob o n.º 2, alíneas a), b) e d), isto é, a reintegração no posto de trabalho e o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, bem como das retribuições «que o Autor deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até efetivo e integral pagamento» [conclusões A), B) a O) e Q), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
             b)  Se há lugar a indemnização por danos não patrimoniais [conclusões A), P) e Q), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Ter-se-á por assente, porque se trata de matéria transitada em julgado, que o contrato firmado entre as partes, no dia 19 de outubro de 2009, embora denominado contrato de avença, é de qualificar como contrato de trabalho e que, tendo a ré posto termo ao referido contrato, a partir de 12 de fevereiro de 2010, sem precedência de processo disciplinar, a sobredita cessação consubstancia um despedimento ilícito.

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.
                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) A R. é uma sociedade cooperativa de responsabilidade limitada, que tem como objeto social a promoção de atividades de ensino e educação no concelho de ...;
2) Por contrato denominado «contrato de avença», datado de 19/10/2009, foi titulado por escrito que o A. foi admitido ao serviço da R. para exercer as funções de professor de educação física, competindo-lhe lecionar a disciplina de atividade física e desportiva aos alunos do pré-escolar, 1.º ciclo do ensino básico do concelho de ... e apoiar o coordenador das atividades de índole desportiva a desenvolver e promover pela Câmara Municipal — cfr. doc. de fls. 12 e 13, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido;
2-A) Nos termos da cláusula primeira do referido contrato de 19-10-2009, o autor obrigou-se a prestar serviço «sem subordinação hierárquica» [facto aditado pelo Tribunal da Relação];
2-B) E nos termos da cláusula segunda, o contrato é válido até estar findo o procedimento concursal para contratação por tempo indeterminado de professores de educação física [facto aditado pelo Tribunal da Relação];
3) Competia ao A. lecionar atividades no Centro Desportivo Municipal, nomeadamente, «atividade física sénior», «mexa-se» e «voleibol» e apoiar o coordenador das atividades de índole desportiva a desenvolver e promover pela Câmara Municipal;
4) O A. auferia a retribuição mensal fixa de € 1.090,59;
5) O A. trabalhava 5 dias por semana (de 2.ª a 6.ª feira) e cumpria um horário de 25 horas/semana;
6) O A. era submetido a um controle de assiduidade e possuía uma caderneta individual de cada aluno, onde anotava as faltas de cada um e fazia as suas avaliações;
7) O local de trabalho do A. era nas várias escolas do pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico do concelho de ..., indicadas pela R., assim como no Pavilhão Municipal e Bombeiros Voluntários de ... e nas instalações da R.;
8) Os instrumentos de trabalho do A., como bolas, arcos, coletes, sinalizadores, equipamentos, jogos de diversão, rádio gravador, etc., eram da propriedade da R. que sempre lhe forneceu todo o material necessário ao exercício das suas funções;
9) O A. faltou ao trabalho por motivo de doença duas vezes, uma durante o mês de outubro de 2009 e a segunda no mês de novembro de 2009 (de 20/11/2009 a 26/11/2009), tendo comunicado e justificado as faltas à R., entregando atestado médico para o efeito, por instruções do seu coordenador;
10) Durante o tempo em que prestou a sua atividade para a R., o A. jamais exerceu quaisquer outras funções por conta de outro organismo ou entidade, sendo a remuneração liquidada pela R. a sua única fonte de rendimento;
11) Por carta datada de 12/01/2010, a R. comunicou ao A. a denúncia do contrato com ele celebrado, a partir de 12/02/2010 — cfr. doc. de fls. 14, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido;
12) No dia 30/09/2010, o A. celebrou com a R. um contrato de trabalho a termo resolutivo certo e a tempo parcial, o qual produziu efeitos a partir de 01/09/2010 e até 31/08/2011 — cfr. doc. de fls. 57 a 59, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido;
13) O A. cumpriu o referido contrato, tendo sido comunicada ao A. a denúncia do mesmo, por carta registada com A/R enviada a 19/07/2011 — cfr. doc. de fls. 60 e 61, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido;
14) O Autor desenvolvia o trabalho sob a supervisão do coordenador CC, que lhe dava indicações sobre a forma como e onde devia trabalhar, tendo-lhe sido dito pelo Presidente da Ré, aquando da celebração do contrato, que deveria obedecer às ordens do coordenador [redação alterada pelo Tribunal da Relação];
14-A) O A. exercia as suas funções sob a supervisão e seguindo as indicações do referido coordenador, o qual para o efeito o contactava diversas vezes por telefone e outras vezes por e-mail, comunicando-lhe ainda para que estivesse presente em determinadas atividades, mesmo ao fim de semana [facto aditado pelo Tribunal da Relação];
15) Com a carta indicada no ponto 11) supra, o A. sentiu um profundo choque, ficou desanimado, ansioso e angustiado, dada a dificuldade de encontrar emprego nesta área de atividade, em particular no concelho de ..., onde pretende residir e trabalhar;
16) Ficou triste por deixar de fazer aquilo de que tanto gosta e sentiu-se desconsiderado e desrespeitado, o que o desanimou e causou-lhe abatimento;
17) Na audiência de julgamento, realizada em 24-09-2013, a ré não compareceu nem a sua mandatária judicial [facto aditado pelo Tribunal da Relação];
18) A ré não apresentou justificação da falta [facto aditado pelo Tribunal da Relação];
19) No dia 28 de setembro de 2010, as partes apresentaram requerimento nos autos em que [requereram] a suspensão da instância, uma vez que chegaram a acordo para pôr termo à ação, mas «esse acordo ainda não está formalizado por escrito, nem houve tempo para o fazer» [facto aditado pelo Tribunal da Relação];
20) Em 7 de setembro de 2011, o autor apresentou requerimento nos autos, onde, afirmando que «[n]ão foi possível alcançar o almejado acordo», [requereu] o prosseguimento dos autos [facto aditado pelo Tribunal da Relação].

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do atual Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

2. Em primeira linha, o recorrente alega que, tendo sido despedido em 12 de fevereiro de 2010, o contrato celebrado em 19 de outubro de 2009 não estava em vigor, quando ajustou um contrato de trabalho a termo, em 30 de setembro de 2010, «nem o A. prestava qualquer trabalho à R., nem recebia qualquer salário», e que, decretada a ilicitude do seu despedimento, «[o] que é posto em vigor não é o contrato mas os direitos do trabalhador decorrentes do contrato que são reconhecidos, mas para o futuro posterior à sentença, desde a data em que foi praticado o ato de despedimento ilícito, nomeadamente o direito ao salário e à antiguidade».

Doutra parte, alega que, «[p]ara haver a revogação do contrato anterior teria de haver uma declaração expressa, mas esta não existiu, nem a R. nem o tribunal recorrido defendem que existiu», restando «a declaração negocial tácita que aqui também não se verifica», sendo que «[a] celebração do contrato de trabalho a termo certo foi apenas um modo do A. obter trabalho enquanto durava o presente litígio, para que pudesse sobreviver», logo, «não se pode concluir que ao celebrar o contrato a termo certo, o A. tinha a intenção e/ou declarou revogar o contrato designado de avença, mas que era sim um contrato de trabalho, e a R. estava convicta dessa intenção e dessa declaração tácita. O A. continuou a pretender que a presente ação prosseguisse em tribunal e a própria R. nunca veio a juízo declarar que o contrato de “avença” tinha sido revogado pelo contrato de trabalho a termo certo e, por consequência, pedir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.»

Assim, conclui que «a interpretação segundo a qual a celebração do segundo contrato em plena vigência do primeiro tem a virtualidade de o fazer cessar, desde logo por ser incompatível a subsistência simultânea de dois contratos, viola, além dos princípios do direito laboral, o direito à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa», e, ainda, que, «independentemente da inexistência no CT/2009 de uma norma com o conteúdo preciso do anterior n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT (na redação dada pela Lei 18/2001), por aplicação das regras gerais do direito do trabalho e dos contratos e das regras específicas sobre a cessação laboral, o contrato de trabalho por tempo indeterminado não pode ser extinto pela declaração tácita em que se traduz a celebração, entre as mesmas partes, de um contrato a termo».

Refira-se que a sentença do tribunal de 1.ª instância considerou que o autor, «ao celebrar livremente um contrato de trabalho a termo com a R., ainda que vigorasse entre ambos um contrato de trabalho por tempo indeterminado, pretendeu pôr fim à vigência deste, pelo que tornou inviáveis os pedidos que formulou na presente lide», os quais julgou, por este motivo, totalmente improcedentes.

Diversamente, o acórdão recorrido deliberou nos termos seguintes:

                   «O Autor intentou a presente ação em 12-04-2010, em que peticionou, entre o mais, a ilicitude do despedimento e a reintegração no posto de trabalho.
                     Na pendência do processo, em 28-09-2010, por altura da celebração do contrato de trabalho a termo, em que o Autor passou a exercer idênticas funções às que tinha exercido no âmbito do contrato em litígio nos autos, as partes vieram requerer a suspensão da instância porque teriam chegado a acordo nos autos, que faltava formalizar.
                     E em 07-09-2011, escassos dias após a cessação do contrato de trabalho a termo, o Autor veio requerer o prosseguimento dos presentes autos.
                    Ou seja, numa sucessão cronológica, o contrato denominado de avença cessa em 12 de fevereiro de 2010, em 12 de abril seguinte o Autor intenta a presente ação, em 28 de setembro do mesmo ano, antes da apresentação da contestação, as partes vêm requerer a suspensão da instância porque teriam chegado a acordo, que faltava formalizar, no dia 30 de setembro celebram um contrato de trabalho a termo a que atribuem efeitos ao dia 1 desse mês, tendo no âmbito do mesmo o Autor exercido as funções de professor de educação física que exercera anteriormente, e findo esse contrato em 31 de agosto de 2011, veio o Autor, em 7 de setembro seguinte, requerer o prosseguimento dos autos.
                     Ora, as partes ao celebrarem o contrato de trabalho a termo vincularam-se em termos incompatíveis com parte do que o Autor pretendia nesta ação: se nesta ação o trabalhador pede a reintegração na empresa e se por virtude do contrato de trabalho a termo (cuja validade e eficácia não vem posta em causa) passa a trabalhar na empresa, existe uma incompatibilidade entre aquele pedido e a realidade ocorrida.
                     Certamente por isso as partes pediram a suspensão da instância, afirmando que tinham chegado a acordo e só após a cessação do contrato a termo o Autor vem pedir o prosseguimento dos autos.
                     Digamos que, face aos factos ocorridos e à tramitação processual, a parte parece pretender a suspensão da vigência do contrato em litígio durante o período em que vigorou o contrato a termo, após o que aquele retomaria a sua vigência.
                      Contudo, não se afigura que tal tenha arrimo na lei.
                     Se, como se afirmou, as partes podem celebrar um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato sem termo, no caso tal só pode significar que as partes entenderam a partir daí convertido esse contrato por tempo indeterminado em contrato a termo, ou, então, tacitamente revogado o contrato sem termo; entendimento, de resto, reforçado, pela afirmação das partes, por alturas da celebração do contrato de trabalho a termo, de que tinham chegado a acordo para pôr termo à ação, e pela posição assumida pelo Autor, que apenas requereu o prosseguimento dos autos após a cessação deste último contrato, que durou 12 meses.
                     Poder-se-ia eventualmente objetar que tendo o contrato em litígio cessado em 12-02-2010, aquando da celebração ou início da vigência do contrato de trabalho a termo, aquele não estava em execução, pelo que não se poderia concluir pela conversão ou revogação do mesmo.
                     Afigura-se, todavia, que pedindo o Autor as consequências da ilicitude da cessação desse anterior contrato, maxime, a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições intercalares, por força da lei terá que se ficcionar essa vigência, o que se traduz, tendo em conta o pedido e o que decorre da lei, na subsistência do contrato, mantendo-se a situação jurídica com a configuração que teria se o despedimento não tivesse ocorrido e, portanto, se a prestação de trabalho continuasse a ser normalmente executada.
                     Dito de outro modo: tendo em conta os pedidos formulados e a cessação (ilícita) do contrato ficciona-se a sua vigência em 1 de setembro de 2010.
                      Por isso, quando as partes celebraram, em 30-09-2010, o contrato de trabalho a termo, com data do início de vigência em 01-09-2010, converteram o anterior contrato em contrato a termo, ou revogaram tacitamente, desde esta última data, o contrato em litígio nos autos.
                     Já quanto aos efeitos passados deste contrato, anteriores a 01-09-2010, ou seja, desde a cessação (ilícita) por comunicação da empregadora até à conversão ou revogação do contrato, ter-se-ão que manter na medida em que não se extrai do circunstancialismo fáctico que com a celebração e vigência do novo contrato as partes quisessem também regular os efeitos passados do anterior.
                       […]
                     Tendo em conta tal conclusão supra — de conversão ou revogação do anterior contrato por virtude da celebração do contrato de trabalho a termo — analisemos agora os pedidos formulados na presente ação.
                      O Autor peticionou desde logo que se declare que entre as partes vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado e que foi ilicitamente despedido.
                      Em relação a tais pedidos, face ao que se deixou afirmado supra (sob n.º 3) é de declarar os mesmos procedentes.
                      Porém, o mesmo já não se verifica quanto às peticionadas consequências dessa ilicitude.
                     Assim, pedindo o Autor a reintegração na empresa, tal não é possível, pois, como se analisou e decidiu, com a celebração do contrato de trabalho a termo considera-se tacitamente convertido ou revogado o contrato dos autos.
                     O mesmo se verifica quanto ao pagamento da sanção pecuniária compulsória: não se verificando reintegração, não pode haver lugar àquela.
                     Quanto ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (artigo 390.º, n.º 1), como decorre da análise efetuada supra, apenas poderá haver lugar ao pagamento dessas retribuições desde 13-03-2010 [já que tendo o despedimento ocorrido em 12-02-2010, a ação apenas foi proposta em 12-04-‑2010 (cfr. n.º 2, alínea b) do artigo 390.º)] até à conversão do contrato sem termo, ou cessação (por virtude da revogação tácita), em 31-08-2010, já que em 01-09-2010 se iniciou a vigência do contrato de trabalho, como contrato a termo.
                     Assim, contabilizando as retribuições (incluindo férias, subsídio de férias e de Natal) que o trabalhador deixou de auferir desde 13 de março de 2010 até 31 de agosto de 2010, obtém-se o valor total de € 7.663,14 (€ 668,43 de março de 2010 + € 5.452,95 de abril a agosto de 2010 + € 1.541,76 de férias, subsídio de férias e de Natal — artigos 258.º, 263.º, n.º 2, 264.º, n.os 1 e 2, e 245.º, n.º 1, b), do Código do Trabalho).
                      A tal quantia deve ser deduzido no entanto, e por força da lei, o subsídio de desemprego de que, porventura, o Autor haja beneficiado durante aquele período, que a Ré deve entregar à Segurança Social [cfr. artigos 389.º, n.º 1, a), e 390.º, n.os 1 e 2, alíneas b) e c), ambos do Código do Trabalho].
                      […]
                     Sobre a quantia em causa são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, tal como peticionado (artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, todos do Código Civil).»

2.1. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável ao caso.

A relação contratual em apreço iniciou-se em 19 de outubro de 2009 (pese embora o autor tenha alegado que foi admitido ao serviço da ré, por acordo verbal, em 28 de setembro de 2009, tal admissão não resultou provada), pelo que se aplica o regime jurídico contido no Código do Trabalho de 2009, editado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que entrou em vigor no dia 17 de fevereiro de 2009, diploma a que pertencem os preceitos adiante citados, sem menção da origem.

Ora, a alínea j) do n.º 1 do artigo 129.º reza que é proibido ao empregador fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.

Por seu turno, o artigo 389.º prevê os efeitos da ilicitude do despedimento, estatuindo que o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais [n.º 1, alínea a)] e a reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º, os quais regulam, respetivamente, a indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador e a pedido do empregador [n.º 1, alínea b)], estipulando n.º 1 do artigo 390.º que, sem prejuízo da indemnização consagrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º, «o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento».

2.2. Provou-se que, «[p]or contrato denominado contrato de avença, datado de 19/10/2009, foi titulado por escrito que o A. foi admitido ao serviço da R. para exercer as funções de professor de educação física» [facto provado 2)], que, «[p]or carta datada de 12/01/2010, a R. comunicou ao A. a denúncia do contrato com ele celebrado, a partir de 12/02/2010» [facto provado 11)], e que, na presente ação, instaurada no dia 12 de abril de 2010, as partes requereram, em 28 de setembro de 2010, «a suspensão da instância, uma vez que chegaram a acordo para pôr termo à ação» [facto provado 19)], sendo que, em 30 de setembro de 2010, «o A. celebrou com a R. um contrato de trabalho a termo resolutivo certo e a tempo parcial, o qual produziu efeitos a partir de 01/09/2010 e até 31/08/2011» [facto provado 12)].

Assim, quando as partes firmaram, em 30 de setembro de 2010, o contrato de trabalho a termo resolutivo certo e a tempo parcial que produziu efeitos a partir de 1 de setembro de 2010, o contrato celebrado em 19 de outubro de 2009 tinha cessado há mais de seis meses, mais precisamente em 12 de fevereiro de 2010, uma vez que a denúncia operada, ainda que ilícita, determinou a imediata cessação daquele contrato, produzindo efeitos até à declaração judicial da ilicitude do referido ato extintivo.

Logo, a provada contratação a termo não preenche os pressupostos legais da proibição acolhida na alínea j) do n.º 1 do artigo 129.º, na justa medida em que não se configura a celebração de um contrato a termo na vigência de um contrato por tempo indeterminado, nem ficou demonstrada a existência de qualquer intuito fraudulento associado à celebração do contrato de trabalho a termo, designadamente o propósito de prejudicar o trabalhador «em direito ou garantia decorrente da antiguidade».

Por outro lado, atenta a afirmada eficácia extintiva da denúncia atuada com efeitos a partir de 12 de fevereiro de 2010 e a expressiva distância temporal entre tal denúncia e a celebração do contrato de trabalho a termo, carece do necessário suporte fáctico sustentar-se que a mencionada celebração só poderá significar que as partes pretenderam converter o contrato firmado em 19 de outubro de 2009 em contrato de trabalho a termo ou, então, revogar tacitamente o contrato ajustado anteriormente.

Acontece que, em 7 de setembro de 2011, «o autor apresentou requerimento nos autos, onde, afirmando que “[n]ão foi possível alcançar o almejado acordo”, requereu o prosseguimento dos autos» [facto provado 20)], sendo que, prosseguindo a ação seus termos, transitou em julgado o segmento deliberativo que declarou que o contrato firmado entre as partes, em 19 de outubro de 2009, embora denominado contrato de avença, é de qualificar como contrato de trabalho e que, tendo a ré posto termo ao referido contrato, a partir de 12 de fevereiro de 2010, sem precedência de processo disciplinar, tal cessação consubstancia um despedimento ilícito.

Pois bem, conforme se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 20 de novembro de 2003, Processo n.º 3743/2002, da 4.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 7, de 9 de Janeiro de 2004, p. 136, «a declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência a retoma da relação de trabalho pelo trabalhador despedido como se o despedimento nunca tivesse ocorrido, mantendo portanto o trabalhador todos os direitos que a relação de trabalho lhe conferia».

Deste modo, declarada a ilicitude do despedimento e porque essa declaração tem eficácia retroativa, restabelece-se o vínculo contratual e, bem assim, os efeitos do contrato de trabalho, como se o despedimento não tivesse existido, o que demanda a consequente restauração natural, nos termos dos artigos 389.º e 390.º, devendo a entidade empregadora indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, pagar-lhe o valor das retribuições correspondente ao período desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e reintegrá-lo, com a categoria e antiguidade devidas, salvo nos casos aludidos nos artigos 391.º e 392.º, que disciplinam a atribuição de indemnização em substituição da reintegração.

O certo é, porém, que face à repristinação dos efeitos jurídicos do contrato firmado em 19 de outubro de 2009 e à demonstrada celebração, em 30 de setembro de 2010, de um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, com efeitos reportados a 1 de setembro de 2010, concorreriam, no mesmo lapso temporal, dois contratos de trabalho, um sem termo e outro a termo, pelo que, «como não se compatibilizam os regimes de um e outro, arredando a admissibilidade da coexistência de ambos, somos levados à conclusão de que o contrato posterior pôs termo ao mais antigo, revogando-o, sendo ele que passou a regular os direitos e obrigações em que as partes acordaram» (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Março de 2003, Processo n.º 4673/2002, da 4.ª Secção, com sumário disponível em www.stj.pt, proferido à luz do Regime da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Prazo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 18/2001, de 3 de julho, cujas considerações, na parte citada, são transponíveis para a questão em apreciação).

Na verdade, como se afirma no acórdão recorrido, «as partes ao celebrarem o contrato de trabalho a termo vincularam-se em termos incompatíveis com parte do que o Autor pretendia nesta ação: se nesta ação o trabalhador pede a reintegração na empresa e se por virtude do contrato de trabalho a termo (cuja validade e eficácia não vem posta em causa) passa a trabalhar na empresa, existe uma incompatibilidade entre aquele pedido e a realidade ocorrida.»

Tudo para concluir que não é possível acolher o pedido deduzido no sentido da reintegração do autor, o mesmo se verificando quanto ao pedido de condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na reintegração; relativamente às retribuições intercalares, apenas deverá haver lugar ao seu pagamento desde 13 de março de 2010 (o despedimento efetivou-se em 12 de fevereiro de 2010, mas a ação só foi instaurada em 12 de abril seguinte) até ao dia 31 de Agosto de 2010, dado que, em 30 de setembro de 2010, o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2010.

2.3. O recorrente alega, porém, que o acórdão recorrido ofende as normas dos artigos 53.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do n.º 1 do artigo 1.º da Carta Social Europeia, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 64-A/2001, em 21 de Setembro, propugnando, neste plano de consideração, que «a interpretação segundo a qual a celebração do segundo contrato em plena vigência do primeiro, tem a virtualidade de o fazer cessar, desde logo por ser incompatível a subsistência simultânea de dois contratos, viola, além dos princípios do direito laboral, o direito à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da CRP», acrescentando que o aduzido princípio «abrange não apenas o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho», que «o empregador não poderá limitar-se a constituir relações de trabalho com prazos curtos, por forma a efetuar livremente despedimentos por via da não renovação dos contratos», que «o trabalho a termo, sendo por natureza precário, só é admissível quando ocorram razões que o justifiquem» e que «pode entender-se que o direito à segurança no emprego obsta a que a entidade patronal possa manter indefinidamente o trabalhador numa situação de precariedade, mediante o recurso sucessivo a contratos a termo para o exercício das mesmas funções ou para a satisfação das mesmas necessidades de serviço».

Delimitada a norma de natureza jurisprudencial em causa, importa verificar se a aludida dimensão normativa infringe as normas invocadas.

O artigo 53.º da Constituição estabelece que «[é] garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos».

Por seu turno, o artigo 58.º da Lei Fundamental dispõe que «[t]odos têm direito ao trabalho» (n.º 1) e que, «[p]ara assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) a execução de políticas de pleno emprego; b) a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) a formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.»

Finalmente, o n.º 1 do artigo 1.º da invocada Carta Social Europeia prevê, sob a epígrafe «Direito ao trabalho», que com vista a assegurar o exercício efetivo do direito ao trabalho, as Partes comprometem-se «[a] reconhecer como um dos seus principais objetivos e responsabilidades a realização e a manutenção do nível mais elevado e estável possível de emprego, com vista à realização do pleno emprego».

No dizer de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 707), «[é] bastante significativo que o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores seja o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra os despedimentos sem justa causa. Trata-se de uma expressão direta do direito ao trabalho (artigo 58.º), o qual, em certo sentido, consubstancia um aspeto do próprio direito à vida dos trabalhadores. Na sua vertente positiva, o direito ao trabalho consiste no direito a procurar e obter emprego; na sua vertente negativa, o direito ao trabalho garante a manutenção do emprego, o direito de não ser privado dele.»

Todavia, como notam aqueles AUTORES (ob. cit., p. 711), «[o] direito à segurança no emprego não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos […]. O seu âmbito de proteção abrange todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho.»

E, prosseguindo, afirmam (idem, ibidem): «O trabalho a termo é, por natureza, precário; o que é o contrário de segurança. Por isso, é necessário também um motivo justificado para a contratação a termo […]. O direito à segurança no emprego pressupõe, assim, que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades temporárias das entidades empregadoras e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades […]».

No caso vertente, assume pertinência a invocação do direito à segurança no emprego e de uma das dimensões negativas do direito ao trabalho, concretamente, o direito a não ser privado do posto de trabalho alcançado (ob. cit., pp. 763-764), o qual se reconduz, afinal, ao invocado direito à segurança no emprego.

A pretendida violação do direito constitucional à segurança no emprego terá de ser aferida em função das normas que regulam a contratação a termo e por referência ao período relativamente ao qual o autor se manteve, por via desse tipo de contratação, numa situação de precariedade de emprego.

Considerando (i) que a lei faz depender a contratação a termo de um elenco taxativo de situações em que se considera justificável o recurso ao trabalho precário, sem pôr por isso em causa que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a regra, (ii) que o legislador fez rodear a celebração de contratos a termo de um sistema de normas teleologicamente orientado para limitar o recurso a esse regime contratual e (iii) que foram editados normativos que concorrem para demover o empregador do recurso sistemático ao contrato a termo e que funcionam como garantias ad posteriori a favor da estabilidade no emprego, não se pode reconhecer um «défice de constitucionalidade» na dimensão normativa impugnada.

Com efeito, não se configura, no caso posto, a celebração de um contrato de trabalho a termo na vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, nem ficou demonstrada a existência de intuito fraudulento associado à celebração do contrato de trabalho a termo, designadamente o propósito de prejudicar o trabalhador «em direito ou garantia decorrente da antiguidade».

Acresce que, tal como o acórdão recorrido sublinha, não vem suscitada, na presente ação, a validade e eficácia do contrato de trabalho a termo celebrado, sendo certo que o pedido deduzido na ação reporta-se, tão-somente, ao vínculo contratual iniciado em 19 de outubro de 2009, uma vez que, terminado o contrato de trabalho a termo ajustado em 30 de Setembro de 2010, o autor não aditou novo pedido ou causa de pedir, nem alegou qualquer factualidade atinente à questão do valor jurídico daquele contrato de trabalho a termo, matéria que, por isso, não foi considerada pelas instâncias e, particularmente, na fundamentação do acórdão recorrido.

Não se vislumbra, pois, que a aludida dimensão normativa possa configurar a violação das indicadas normas constitucionais e da Carta Social Europeia Revista.

Em conformidade, improcedem as correspondentes conclusões da alegação do recurso de revista, discriminadas, nos pontos I, 3., alínea a), do relatório supra.

3. O acórdão recorrido concluiu que, no caso vertente, não se justificava a fixação de indemnização por danos não patrimoniais.

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

              «No caso em apreciação, o quadro descrito evidencia a existência efetiva de dano não patrimonial; todavia, segundo se entende, já não evidencia um dano com gravidade que justifique indemnização.
                     Na verdade, por um lado, importa atentar que sendo embora a cessação do contrato ilícita, não foi algo que ocorreu de modo totalmente imprevisto, tendo em [conta] que o contrato ao abrigo do qual o Autor foi admitido foi denominado de “avença” e nele se previu expressamente que era válido até estar findo o processo de contratação por tempo indeterminado (fls. 12 e 13); por outro, o que se extrai da referida factualidade é que o Autor com o “despedimento” — ato ilícito da Ré — sofreu as consequências normalmente inerentes a quem perde o emprego (situação, infelizmente, muito comum): perda de retribuição, tristeza, desânimo e angústia quanto ao futuro.
                     Ora, todo este circunstancialismo descrito, não evidencia um dano que assuma gravidade e que justifique, no dizer da lei, a tutela do direito e, assim, uma indemnização.»

O recorrente discorda, aduzindo que «[o]s danos sofridos pelo A. merecem a tutela do direito, atenta a sua gravidade e as circunstâncias em particular do caso» e que a indemnização pedida, no valor de € 1.000, é «modesta, equilibrada e ajustada».

Nos termos do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho de 2009, sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora é condenada a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais [alínea a)].

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil estabelece que «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», dispondo o n.º 3 que a indemnização por danos não patrimoniais será fixada equitativamente, devendo o tribunal considerar, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código, o qual prevê que, na fixação do valor da indemnização há que ter em conta «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».

No caso, resultou provado que o autor, recebida a carta, de 12 de Janeiro de 2010, que lhe comunicou a denúncia do contrato firmado em 19 de outubro de 2009, «sentiu um profundo choque, ficou desanimado, ansioso e angustiado, dada a dificuldade de encontrar emprego nesta área de atividade, em particular no concelho de ..., onde pretende residir e trabalhar» e «[f]icou triste por deixar de fazer aquilo de que tanto gosta e sentiu-se desconsiderado e desrespeitado, o que o desanimou e causou-lhe abatimento» [factos provados 11), 15) e 16)].

Ora, se perante o despedimento, o autor «sentiu um profundo choque, ficou desanimado, ansioso e angustiado» e «[f]icou triste por deixar de fazer aquilo de que tanto gosta e sentiu-se desconsiderado e desrespeitado, o que o desanimou e causou-‑lhe abatimento», perturbações do sistema nervoso, tristeza, desânimo, ansiedade e abatimento que configuram, sem dúvida, danos de natureza não patrimonial, o certo é que, tal como reza o n.º 1 do artigo 496.º citado, apenas são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que não acontece com os danos não patrimoniais em apreciação, por falta de elementos de facto que permitam ajuizar sobre o correspondente grau de gravidade.

Com efeito, desconhece-se se as referidas perturbações do sistema nervoso, tristeza e ansiedade decorrentes do despedimento ilícito se prolongaram ou não no tempo e de que maneira afetaram a vida quotidiana pessoal, familiar, social e profissional do autor, acrescendo que, tal como salienta o acórdão recorrido, embora a cessação do contrato seja ilícita, «não foi algo que ocorreu de modo totalmente imprevisto, tendo em conta que o contrato ao abrigo do qual o Autor foi admitido foi denominado de “avença” e nele se previu expressamente que era válido até estar findo o processo de contratação por tempo indeterminado», sendo que o autor sofreu as consequências normalmente inerentes a todos quantos perdem o emprego.

Não tendo o autor provado que os danos não patrimoniais alegadamente sofridos merecem a tutela do direito, ónus que lhe cabia, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não se verifica um dos pressupostos legais que permitiriam a fixação de indemnização a esse título.

Deste modo, improcedem as conclusões A), P) e Q), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

                                              III

Pelo exposto, delibera-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, embora, parcialmente, com diversa fundamentação.

Custas pelo autor/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                               Lisboa, 9 de Setembro de 2015

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha