Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4776/05.0TTLSB.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
PODERES DO JUIZ
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / RESPONSABILIDADE DAS PARTES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PARTES E TRIBUNAL / PODERES DO JUIZ / DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL.
Doutrina:
- J. Leal Amado, ‘Contrato de Trabalho Desportivo’ Anotado, Coimbra Editora, 1995, 21; Vinculação versus Liberdade. O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra, 2002, 67/ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º1, 6.º, N.º2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 11.º, 446.º A 448.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 9.º.
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO CELEBRADO ENTRE A LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL E O SINDICATO DE JOGADORES PROFISSIONAIS DE FUTEBOL: - ARTIGO 50.º.
LEI N.º 28/98, DE 26 DE JUNHO (LCTD): - ARTIGOS 3.º, 27.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7.3.2007.
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 199/2009, DE 28-4-2009, PROCESSO N.º 910/08, 2.ª SECÇÃO.
Sumário :

I – Para além de providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, no âmbito dos deveres de gestão processual, o exercício do poder-dever do Juiz de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados tem limitações: não só se inscreve num momento processual próprio, como visa simplesmente o suprimento de eventuais irregularidades (que os articulados evidenciem), formais ou outras, nomeadamente as relativas a insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

II – O poder cometido ao julgador no sentido de realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio tem como baliza os factos de que lhe é lícito conhecer, sendo que, quanto a estes, é às partes que cabe, por regra, alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

III – A responsabilidade das partes pela cessação do contrato de trabalho desportivo afere-se pelo critério legal eleito pelo art. 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, qual seja o da responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não havendo lugar, por isso, à aplicação do disposto nos arts. 446.º a 448.º do Código do Trabalho (cuja aplicação é meramente subsidiária e apenas na medida em que não seja incompatível com a especificidade do contrato de trabalho desportivo).

Decisão Texto Integral:

     Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                          I.

1.

Nos Autos epigrafados, com processo declarativo comum, «AA, SAD» demandou BB e CC, todos devidamente identificados, pedindo que – uma vez declarada a ininvocabilidade de qualquer causa para rescindir o contrato de trabalho desportivo ou, se assim não for entendido, a inexistência de qualquer causa hábil, adequada ou suficiente para operar a rescisão do contrato sob a invocação de justa causa – seja o 1.º R. condenado a pagar à A. a quantia de € 2.045.080,00 por virtude do incumprimento do contrato de trabalho desportivo, emergente da sua rescisão sem justa causa e, ambos, solidariamente condenados a pagar à demandante a importância de € 5.000.000,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais provocados na sua esfera jurídica, com juros vencidos e vincendos até ao integral embolso dos peticionados montantes.

Aduziu para o efeito, em breve escorço, que:

- Em Junho de 2000, a A. e o 1.º R. celebraram um contrato de trabalho desportivo para vigorar entre 1 de Agosto de 2000 e 30 de Junho de 2005, nos termos de cuja cl.ª 12.ª se assentou que …‘o Jogador/BB e o Clube acordam que se obrigam, face a qualquer situação de incumprimento do presente contrato e previamente a qualquer outra iniciativa, a interpelar a outra parte, tendo em vista a solução ou resolução consensual do diferendo, no prazo de 30 dias contados dessa interpelação, sem o que o incumprimento será ininvocável como motivo de ruptura do contrato por qualquer das partes, aceitando ambos que esta cláusula é essencial à celebração deste contrato e criada no interesse mútuo das partes’;

- Em Novembro de 2003, é convencionado e formalizado um ‘aditamento’ a este contrato de trabalho desportivo mediante o qual se majora a retribuição do Jogador em causa para as épocas ainda por executar… e se mantém expressamente todo o restante clausulado do contrato, maxime a dita cl.ª 12.ª;

- Foi então outorgado e subscrito – como contrapartida do aumento da retribuição – um outro contrato de trabalho desportivo, com vigência sucessiva do mesmo até 23 de Junho de 2008, nele se mantendo o conteúdo da cl.ª 12, mas agora como cl.ª 11.ª;

- Terminadas as férias de Verão de 2005, o Jogador/1.º R. não se apresentou no seu local de trabalho para iniciar os trabalhos da chamada pré-época, tendo comunicado à A., através do advogado, por carta recebida em,18.7.20005, que o contrato que o ligava à ‘AA-SAD’ cessara, por caducidade, escrito no qual conclui: “ Em resumo: a assinatura do meu cliente teria sido obtida de forma ardilosa, na confusão do aditamento ao contrato que cessou, e o seu reconhecimento ‘presencial’ feito de forma ilícita, pois não estava presente qualquer notário (ou seu representante), nem o meu cliente se deslocou ao notário para fazer qualquer assinatura (…);

- Nenhum dos fundamentos invocados para a justa causa tem sustento e a mesma é feita num contrato que o 1.º R. nunca executou, tendo incumprido a totalidade da prestação a que se vinculara, fazendo-o sem motivo sério e sem que tenha accionado, como devia, o teor da obrigação que assumira na referida cl.ª 11.ª,

- A ruptura contratual que o 1.º R. formalizou e o conflito desportivo dela emergente provocaram, além do mais, a diminuição sensível do activo patrimonial da A.

Contestada, saneada, instruída e discutida a causa, proferiu-se finalmente sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com dispositivo nos termos reeditados a fls. 1542, a que nos reportamos.

2.

Inconformadas, as partes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 1533-1594, deliberou, por unanimidade, julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pela A. e pelo R., mantendo a decisão recorrida.

A A./’AA – Futebol SAD’ não se conformou com a decisão. Contra ela se insurge mediante a presente Revista, cuja motivação remata com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que absolveu o recorrido BB do pagamento de uma compensação pela resolução sem justa causa (logo, ilícita) do contrato de trabalho que mantinha com a recorrente;

2. Na sequência da declaração de nulidade do art. 50.º do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, deveria o Tribunal de 1.ª Instância ter convidado, ao abrigo do disposto nos arts. 6.º, 7.º (anterior art. 266.º) e 411.º (anterior n.º 3 do art. 265.º) do C.P.C., na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o recorrente a suprir as falhas da sua petição inicial (falhas essas que apenas se manifestaram em momento posterior ao da propositura da acção e como decorrência da sobredita declaração de nulidade do art. 50.º do Contrato Colectivo de Trabalho), sob pena de nulidade dos Autos por omissão de formalidade essencial;

3. O que, nos termos do n.º 2 do art. 195.º do C.P.C., gera a nulidade de todo o processo subsequente ao acto omitido, o que desde já se argui;

4. O presente recurso de revista é admissível, conforme detalhado em sede de Alegações, quer na sua forma ordinária, quer na sua forma excepcional;

5. Porquanto estamos perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, mas também de manifesto relevo social, a saber, a determinação do direito aplicável aos casos de resolução ilícita do contrato de trabalho por parte do praticante desportivo;

6. Mercê da declaração de inconstitucionalidade da parte final do n.º 1 do art. 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho e, no caso particular da modalidade desportiva futebol, da declaração de nulidade do art. 50.º, existe um aparente vazio legal e regulamentar relativamente à solução a dar ao caso concreto;

7. Tal vazio, a admitir-se a sua efectiva existência, não pode ser integrado com recurso ao Direito Civil, concretamente às regras da responsabilidade civil, sob pena de se manter a existência de um tratamento desfavorável no âmbito da relação laboral desportiva, face ao direito laboral comum, não expurgando, dessa forma, a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, mas, outrossim, agravando a posição relativa das partes na relação laboral desportiva ao impor uma situação compensatória mais penosa;

8. Porquanto tal significa desconsiderar a natureza laboral do contrato em causa…

9. E, bem assim, desconsiderar o carácter subsidiário do Código do Trabalho em relação aos contratos de trabalho dos praticantes desportivos, reconhecido e imposto pelo art. 3.º d alei n.º 28/98, de 26 de Junho e pelo n.º 1 do art. 9.º do Cód. Civil;

10. Assim sendo, ao caso concreto é aplicável o disposto nos arts. 446.º, 447.º e 448.º do Código do Trabalho…

11. Do que resulta que deverá o recorrido ser condenado a pagar à recorrente uma indemnização correspondente ao período de pré-aviso em falta (a saber, 60 dias, atenta a antiguidade daquele), no montante de € 83.140,00, acrescida de juros de mora, calculados desde a data da entrada da petição inicial em Juízo e até ao efectivo e integral pagamento.

Termina clamando pela concessão de provimento à sua pretensão, declarando-‑se nulo o processado, nos termos do n.º 2 do art. 195.º do C.P.C., a partir do fim da fase dos articulados, em virtude da violação do princípio da cooperação e da verdade material, em consequência da omissão, por parte do Tribunal, do convite ao aperfeiçoamento dos articulados, atenta a declaração de nulidade, em momento superveniente, do art. 50.º do Contrato Colectivo de Trabalho, determinando-se a realização de tal convite e retomando a Instância desde tal fase;

 Ou, caso assim se não entenda, ser o Acórdão revogado e substituído por outro que, contemplando a pretensão formulada, condene o R. no pagamento de uma compensação pela cessação ilícita do contrato de trabalho no peticionado montante, com juros de mora.

O recorrido respondeu.

Manifestando-se, em síntese, contra a admissibilidade do recurso enquanto revista excepcional – temática enfrentada e dirimida na deliberação proferida no apenso da reclamação –, sustenta que as questões suscitadas pela recorrente, configuradas na invocação da violação da lei de processo e na inconstitucionalidade da parte final do n.º 1 do art. 27.º da LCTD (Lei n.º 28/98, de 26 de Junho), são questões novas, não se equacionando a segunda sequer nos termos e dimensão em que foi julgada pelo Tribunal Constitucional.

Termina afirmando que, a admitir-se o recurso, seja negada a Revista.

                                                                       ___

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que propendeu, a final, no sentido do não atendimento da pretensão da recorrente, com confirmação do acórdão impugnado, posição a que reagiu a postulante nos termos plasmados a fls. 1732/ss., a que nos reportamos.

                                                                       ___

3. O thema decidendum.

Ante as delineadas asserções conclusivas – por onde se afere e delimita o objecto e âmbito do recurso, sem embargo da consideração das temáticas de conhecimento oficioso, se for caso disso –, são questões axiais a dilucidar e resolver as seguintes:

- Saber se, na sequência da declaração de nulidade do art. 50.º do CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, posteriormente à propositura da presente acção, deveria o Tribunal de 1.ª Instância ter convidado o recorrente a suprir as falhas da sua petição inicial;

- E se, acrescidamente àquela declaração de nulidade do art. 50.º do CCT, a declaração de inconstitucionalidade da parte final do n.º 1 do art. 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, exclui que a solução do caso se busque nas regras da responsabilidade civil, devendo antes aplicar-se, face ao seu carácter subsidiário, o disposto nos arts. 446.º a 448.º do Código do Trabalho.

Preparada a decisão, com prévia entrega aos Exm.ºs Adjuntos de cópia do projecto de acórdão, cumpre ora conhecer.

                                                                       ___

                                                                       II.

                                                    Fundamentação

1. De Facto.

Vem assente esta factualidade:

1. Em 09 de Junho de 2000, “AA, SAD”, como primeiro outorgante, e BB, como segundo outorgante, celebraram o acordo escrito por estes designado “Contrato de trabalho desportivo”, junto a fls. 68 e ss., cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

1.ª – O jogador obriga-se a prestar com regularidade a actividade de futebolista ao clube, em representação e sob a autoridade e direcção deste, mediante a retribuição, podendo no decurso do contrato ocorrer cedência temporária por iniciativa do Clube.

2.ª – O Clube compromete-se a pagar ao jogador, até ao dia 5 (cinco) do mês seguinte aquele a que diz respeito, a remuneração mensal ilíquida de:

- Esc. 1.666.666$00 (um milhão seiscentos e sessenta e seis mil seiscentos e sessenta e seis escudos), perfazendo um valor total de Esc. 20.000.000$00 (20 milhões de escudos) para a época de 2000/2001.

- Esc. 2.166.666$00 (dois milhões cento e seis mil seiscentos e sessenta e seis escudos, perfazendo um valor de Esc. 26.000$00 (vinte e seis milhões de escudos) para a época de 2002/2003.

- Esc. 2.666.666$00 (dois milhões seiscentos e sessenta e seis mil seiscentos sessenta e seis escudos), perfazendo um valor de Esc. 32.000.000$00 (trinta e dois milhões de escudos) para a época de 2003/2004.

- Esc. 3.166.666$00 (três milhões seiscentos e sessenta e seis mil sessenta e seis escudos), perfazendo um valor de Esc. 44.000.000$00 (quarenta e quatro milhões de escudos) para a época de 2004/2005.

(…).

4.ª – O Clube poderá ainda pagar ao jogador prémios de jogo ou de classificação em função dos resultados e ainda outros prémios que decida vir a atribuir-lhe, os quais serão liquidados, de acordo com as suas disponibilidades financeiras, no decurso do período de duração e vigência do presente contrato e até ao prazo limite de 60 dias sobre o termo deste, não assumindo tais prémios carácter remuneratório.

5.ª – Os subsídios de férias e de Natal estão incluídos nos valores globais referidos na cláusula 2.ª.

6ª – O presente contrato tem início em 01 de Agosto de 2000 e termo na época desportiva de 2005.

(…).

12.ª – O jogador e o Clube acordam que se obrigam, face a qualquer situação de incumprimento do presente contrato e previamente a qualquer outra iniciativa, a interpelar a outra parte tendo em vista a solução ou resolução consensual do diferendo no prazo de 30 dias contados dessa interpelação, sem o que o incumprimento será ininvocável como motivo de ruptura do contrato por qualquer das partes, aceitando ambos que esta cláusula é essencial à celebração deste contrato e criada no interesse mútuo das partes.

(…).” – (A)

2. O contrato referido na alínea A) dos factos assentes foi registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) - (B).

3. Em 20 de Novembro de 2003, autor e primeiro réu, como primeira e segundo outorgantes, celebraram o escrito designado por “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, junto a fls. 71 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

- “1.º O contrato individual de trabalho foi celebrado por via de prazo, com início em 01 de Agosto de 2000 e termo em 30 de Junho de 2005.

- 2.º Todas as demais cláusulas do contrato inicial subsistem em vigor, com excepção da 2.ª (de seguida é aqui expressamente alterada), e da 3.ª, que é eliminada:

Cláusula 2.ª – A 1.ª contratante compromete-se a pagar ao jogador, as seguintes remunerações ilíquidas:

Época 2003/2004: um valor total de € 448.920,00 (quatrocentos e quarenta e oito mil novecentos e vinte euros), deduzindo-se a este montante as verbas já auferidas pelo jogador e vencidas até á data do presente acordo;

€ 41.570,00 (quarenta e um mil, quinhentos e setenta euros) em doze prestações mensais, perfazendo um valor total de € 498.800,00 (quatrocentos e noventa e oito mil, oitocentos euros) para a época 2004/2005.

Cláusula 3ª: É eliminada.” – (C)

4. Entre 01 de Agosto de 2000 e 30 de Junho de 2005, o réu BB auferiu as seguintes “remunerações” anuais:

. 01.08.2000 a 30.06.2001 - € 99.759,58;

. 01.07.2001 a 30.06.2002 - € 129.687,45;

. 01.07.2002 a 30.06.2003 - € 159.615,33;

. 01.07.2003 a 30.06.2004 - € 448.920,00;

. 01.07.2004 a 30.06.2005 - € 498.800,00 – (D).

5. Em consequência do aditamento referido em C), em 20 de Novembro de 2003, “AA, SAD”, como primeiro outorgante, e BB, como segundo outorgante, celebraram o acordo escrito por estes designado “Contrato de trabalho desportivo” junto a fls. 73 e s., cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

-“1.ª – O jogador obriga-se a prestar com regularidade a actividade de futebolista à AA, SAD, em representação e sob a autoridade e direcção desta, mediante a retribuição, podendo no decurso do contrato ocorrer cedência temporária por iniciativa da AA, SAD.

2.ª – O Clube compromete-se a pagar ao jogador, até ao dia 5 (cinco) do mês seguinte aquele a que diz respeito, a remuneração mensal ilíquida de:

- € 41.570,00 (quarenta e um mil, quinhentos e setenta euros), perfazendo um valor total de € 498.800,00 (quatrocentos e noventa e oito mil e oitocentos euros) para a época de 2005/2006.

- € 54.037,00 (cinquenta e quatro mil e trinta e sete euros) perfazendo um valor total de € 648.440,00 (seiscentos e quarenta e oito mil quatrocentos e quarenta euros) para a época de 2006/2007.

- € 74.820,00 (setenta e quatro mil, oitocentos e vinte euros), perfazendo um valor de € 897.840,00 (oitocentos e noventa e sete mil, oitocentos e quarenta euros) para a época de 2007/2008.

3.ª – AA, SAD poderá ainda pagar ao jogador prémios de jogo ou classificação em função dos resultados e ainda outros prémios que decida vir a atribuir-lhe, os quais serão liquidados, de acordo com as suas disponibilidades financeiras, no decurso do período de duração e vigência do presente contrato e até ao prazo limite de 60 dias sobre o termo deste, não assumindo tais prémios carácter remuneratório.

4.ª – Os subsídios de férias e de Natal estão incluídos nos valores globais referidos na cláusula 2.ª.

6ª – O presente contrato tem início em 01 de Agosto de 2005 e termo em 30 de Junho de 2008.

(…). – (E)

6. O réu BB reuniu-se em 20 de Novembro de 2003 com o Presidente do Conselho de Administração, DD, e chegou a acordo para renovar o contrato com o Benfica até 2008, sendo as negociações desse contrato acompanhadas pela comunicação social, que deu grande relevo à sua formalização e sucesso das negociações e publicitadas as datas do seu início e termo e a remuneração do réu, oitocentos mil euros – (F)

7. Os contratos e aditamentos referidos nas alíneas A), E) e C) dos factos assentes foram registados – (G).

8. O réu BB não se apresentou para iniciar os treinos da pré-temporada para a época de 2005/2006 – (H)

9. Em 01 de Julho de 2005, o réu BB, enviou à autora, através do seu Mandatário, o fax junto a fls. 81 a 83 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente o seguinte:

“ (…).

Como é do conhecimento de V. Exas, cessou ontem por caducidade o contrato de trabalho desportivo celebrado em 9 de Junho de 2000. Nesta conformidade, é vontade expressa do meu cliente não continuar a praticar a sua actividade de futebolista profissional nessa sociedade anónima desportiva.

É certo que o meu cliente teve conhecimento de que se encontraria registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional um contrato de trabalho desportivo celebrado em 2003 e que pretensamente seria válido para as épocas de 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008.

Porém, segundo informações do meu constituinte, importa fazer as seguintes notas:

. Os eventuais acordos obtidos, quando da renegociação do contrato caducou, não se traduziram na formalização de um contrato de trabalho desportivo;

. A aposição da assinatura do meu cliente em qualquer documento então subscrito não foi reconhecida presencialmente pela simples razão de que não estava presente qualquer pessoa com competência para o fazer;

. Ao meu cliente não foi entregue então, como o não foi posteriormente, qualquer exemplar desse “contrato”, não obstante a Lei 28/98, de 26 de Junho, estabelecer expressamente no n.º 1 do art. 5.º que “sem prejuízo do disposto em outras normas legais, na regulamentação desportiva ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o contrato de trabalho desportivo é lavrado em duplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar”, sendo certo, de resto, que tal menção não consta seguramente do pretenso “contrato”;

. O texto do referido “contrato”, na sua parte essencial e particular, não corresponde integralmente ao consenso obtido.

Em resumo: a assinatura do meu cliente teria sido obtida de forma ardilosa, na confusão da assinatura do aditamento ao contrato que cessou, e o seu reconhecimento “presencial” feito de forma ilícita, pois não só não estava presente qualquer notário (ou seu representante), nem o meu cliente se deslocou ao notário para fazer qualquer assinatura.

Estas observações resultam de informações particulares a que o meu cliente teve acesso, e não porque possua algum duplicado, como era seu direito possuir.

Nesta conformidade, e na perspectiva do meu cliente, qualquer contrato, para além daquele que ora termina, não tem validade, não podendo por isso produzir qualquer efeito, designadamente, dele não pode resultar qualquer obrigação de comparência da sua parte no próximo dia 4 de Julho de 2005.

Assim sendo, enquanto não for exibido e entregue o duplicado desse pretenso “contrato de trabalho desportivo”, não tenciona o meu cliente assumir a obrigação do seu cumprimento.” – (I)

10. Em resposta ao fax referido na alínea anterior, a autora remeteu ao réu BB a carta datada de 05 de Julho de 2005, junta por cópia a fls. 85 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

“ (…).

Até à presente data não temos razões para crer que as acusações formuladas sejam da sua responsabilidade. Daí que façamos um apelo para que nos forneça tais informações e para que, em cumprimento do Contrato que livremente negociou e subscreveu e cujo exemplar lhe foi entregue e está em execução, (tanto mais que foi registado) se apresente imediatamente ao serviço para o continuar a cumprir, o que terá de acontecer até sexta-feira, dia 08 de Julho de 2005.” – (J)

11. Em 15 de Julho de 2005, o réu BB remeteu à autora que a recebeu nesta data, carta junta por cópia a fls. 89 a 98, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente o seguinte:

“ (…).

Nesta conformidade, nos termos dos arts. 3.º, 26.º, 1, als. d) e e) da Lei 28/98, de 26 de Junho, e 441.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) (violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador), e) (lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador) e f) (ofensas à integridade moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador) e 442.º do Código do Trabalho, declaro resolvido, na pendência do período experimental, e com invocação de justa causa, o contrato de trabalho desportivo datado de 20 de Novembro de 2003 para as épocas desportivas de 2005/2006, 2006/2007 e 2007/2008, com efeitos a partir da recepção desta carta”. – (L)

12. A autora não pagou ao réu Luís BB o prémio de € 92.400,00 pela conquista da Superliga de 2004/2005, o qual deveria ser pago até ao dia 29 de Agosto de 2005 – (M)

13. Na época de 2005/2006, o réu foi transferido para o Valência pela verba de oito milhões de euros – (N)

14. O réu, por intermédio do seu mandatário judicial, conforme certidão da LPFP, obteve certidão do teor dos contratos, não se tendo apresentado no seu local de trabalho – (O)

15. Por acordo entre autora e réu, em 20 de Novembro de 2003, se o réu BB, até ao final da época de 2007/2008, fosse transferido definitivamente para outro clube, teria direito a receber 10% do valor de transferência – (P)

16. O contrato referido na alínea A) foi lavrado em duplicado – (1.º)

17. O “aditamento ao contrato de trabalho”, referido na alínea C) dos factos assentes, foi lavrado em duplicado – (2.º)

18. As “condições financeiras” que constam da cláusula segunda do acordo referido em E) são as mesmas que foram negociadas previamente entre a autora e o réu BB – (5.º)

19. O acordo referido em E) foi lavrado em duplicado – (6.º)

20. A assinatura do réu BB no acordo referido em E) foi aposta na presença do notário ou de quem o representasse, com o esclarecimento de que o termo de reconhecimento foi lavrado posteriormente no notário – (7.º e 8.º)

21. A ausência do jogador provocou notícias nos jornais desportivos – (11.º)

22. O réu obteve diversos exemplares do contrato referido em E), na secretaria de futebol profissional da autora – (12.º)

23. Em 02 de Julho de 2005, foram publicadas notícias em pelo menos dois jornais, atribuindo ao Presidente da A. a seguinte afirmação: “Possivelmente deve estar a ser mal aconselhado. E se é por quem eu penso, trata-se daquela pessoa que, quando se aproxima da Luz, o cheiro incomoda a nossa águia. (…).” – (14.º)

24. Em 22 de Julho de 2005, foi veiculada pelo menos no jornal “A...” a notícia da existência de uma proposta de cinco milhões de euros para aquisição dos direitos desportivos referentes ao réu BB – (15.º e 17.º)

25. O verso do contrato junto a fls. 342 apresenta um espaço em branco, não inutilizado, de treze centímetros e meio, após a assinatura do réu BB, com o esclarecimento de que o termo de reconhecimento foi feito em folha separada e após este espaço – (18.º)

26. Em 25 de Julho de 2005, a ora autora “AA …, SAD” deduziu, perante a Comissão Arbitral Paritária e contra BB, a oposição ao reconhecimento de justa causa formulando os seguintes pedidos:

a. Ser ordenada a suspensão da instância até que o Comité do Estatuto do Jogador aprecie a conduta do Sr. BB e extraia dela as adequadas consequências desportivas;

b. Independentemente desta requerida suspensão, sempre deverá ser apreciada, como questão prejudicial, a invocada inexistência jurídica do Contrato de Trabalho, o que arrastará a fixação do prazo para o requerido provocar a iniciativa processual que repute adequada à verificação jurisdicional dessa invocada inexistência jurídica, o que se requer igualmente nos termos do art. 279.º, n.º 1, do CPC;

c. Em qualquer caso, independentemente da prejudicialidade da inexistência do contrato de trabalho desportivo, sempre deverá ser declarada a ininvocabilidade de qualquer causa justificativa da ruptura contratual à luz da cláusula 12.ª do 1.º contrato e da cláusula 11.ª do 2.º contrato de trabalho desportivo;

d.  E, sem ceder, sempre deverá ser declarada a insusceptibilidade de arguição de um período experimental para provocar a ruptura imotivada do contrato de trabalho desportivo, à luz dos n.ºs 1 e 4 do art. 11.º do CCTJPF; e, finalmente, deverá declarar a ausência de fundamento de facto e de direito para integrar qualquer causa justa, adequada ou suficiente para operar, mesmo para efeitos exclusivamente desportivos, a extinção do contrato de trabalho desportivo nos termos invocados pelo requerido.

27. Em 22 de Agosto de 2005, a Comissão Arbitrária Paritária do CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol decidiu “em julgar procedente a acção e, em consequência, considerar, para efeitos meramente desportivos, ilícita a rescisão promovida por BB do contrato de trabalho que o vinculava à AA – …, SAD, para vigorar entre 1 de Julho de 2005 e 30 de Junho de 2008”.

28. Por decisão de 24 de Fevereiro de 2006, proferida no processo n.º 4776/05.0TTLSB, que correu termos na 1.ª secção da 9.ª Vara Cível de Lisboa, foi decidido “anulo o Acórdão proferido pela Comissão Arbitral Paritária em 22.8.2005 no Processo n.º 103-CAP/2005, sendo requerente AA – … SAD e Requerido BB”.

29. Interposto recurso de apelação da decisão referida no número anterior, pelo Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão de 24.02.2006 foi decidido julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

30. Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça veio este a proferir Acórdão em 05 de Julho de 2006 negando a revista.

                                                                       __

A materialidade alinhada não vem posta em causa.

É com base nesta premissa de facto que vão solucionar-se as questões suscitadas no presente recurso.

                                                                      __

2. O DIREITO.

2.1 -

A recorrente ‘AA, SAD’ visou, com a propositura da presente acção, o pagamento de uma compensação pela resolução (sem justa causa) do contrato de trabalho que consigo manteve com o demandado BB.

Baseou-se para o efeito no art. 50.º do identificado Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, preceito que foi entretanto declarado nulo por Acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Março de 2007, proferido no âmbito do Proc. n.º 06S1541, facto que, como alega, se viria a revelar fundamental nestes Autos, atenta a decisão proferida, a final.

Aduz, por isso, que – é este o objecto da primeira questão supra equacionada, a que se dirigem concretamente as 2.ª e 3.ª conclusões recursórias do alinhamento respectivo – não tendo havido convite do Tribunal ao aperfeiçoamento da P.I. e à indicação de factos que pudessem consubstanciar o pedido indemnizatório (que se impunha por força dos disposto no então art. 508.º do C.P.C./actual art. 590.º do NCPC, conjugado com os arts. 6.º, 7.º e 411.º, correspondentes aos arts. 266.º e 265.º/3 da anterior Codificação), se cometeu nulidade processual por omissão de formalidade essencial, cuja arguição expressamente formula, nos termos do n.º 2 do art. 195.º do C.P.C.   

Não pode acolher-se esta pretensão, como logo se intuiu e ora se demonstra.

Assim:

Para além de providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, no âmbito dos deveres de gestão processual (n.º 2 do art. 6.º do C.P.C.), o exercício do poder-dever do Juiz de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, invocado pela recorrente, tem limitações: não só se inscreve num momento processual próprio (‘Gestão inicial do processo’/’Findos os articulados…’), como visa simplesmente o suprimento de eventuais irregularidades (que os articulados evidenciem), formais ou outras, nomeadamente as relativas a insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

Do princípio do inquisitório, por outro lado, expressamente resulta que a incumbência cometida ao julgador, nesse âmbito (realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio), tem como baliza os factos de que lhe é lícito conhecer.

E, quanto a estes, é às partes que cabe, por regra, alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas (ónus de alegação/princípio dispositivo – art. 5.º/1 do C.P.C./antigo art. 264.º).

Inverificada, pois, a nulidade arguida – pretenso vício que, se tivesse existido, constituiria mera nulidade secundária/inominada e sempre estaria sanado pela intervenção da parte no processo sem que o tenha suscitado –, soçobram as correspondentes conclusões da motivação recursória.

                                                                   ___

2.2 -

A 2.ª questão.

O Acórdão revidendo – depois de assumir que a sentença sindicada, acolhendo as razões invocadas no Acórdão do S.T.J. de 7.3.2007, não suscita censura ao ter rejeitado a aplicação, porque nulo, do art. 50.º do identificado CCT, juízo que se deixou expressamente secundado – analisou a questão consistente na aplicação ao caso da disciplina prevista no art. 27.º da LCTD, concluindo que o Tribunal a quo fez desse normativo boa aplicação.

Nestes termos (transcrição, em síntese, da respectiva fundamentação):

Em suma, apenas está em causa o pedido de condenação do R. ‘a pagar à A. a quantia de € 2.045.080,00 (…) por virtude do incumprimento do contrato de trabalho, emergente da rescisão sem justa causa do contrato de trabalho desportivo (art. 50.º do CCT)’.

(…)

Do disposto no n.º 1 do art. 27.º da LCTD, rescindindo o contrato sem justa causa, o praticante desportivo promove indevidamente a sua cessação e, consequentemente, incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do respectivo incumprimento contratual.

Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2010, ‘No que toca à indemnização por rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho desportivo, o art. 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 consagra um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, uma vez que, ao estipular que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”, claramente nos remete para as disposições civilísticas, designadamente para o art. 562.º e seguintes do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização.’ [Proc. n.º 270/07.3TTOAZ.S1, Sousa Peixoto, disponível em www.dgsi.pt).

Significa isto, portanto, que a indemnização é calculada nos termos do regime da responsabilidade civil previsto no Código Civil, isto é, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566.º, n.º 2, do Cód. Civil).

Atentas as regras gerais sobre o ónus da prova (art. 342.º/1 do Cód. Civil), competia, pois, à A. alegar e provar os factos necessários de modo a demonstrar ter sofrido os danos que justificam o pedido de condenação do R no pagamento de € 2.045.080,00 (…) por virtude do incumprimento do contrato de trabalho, emergente da rescisão sem justa causa do contrato de trabalho desportivo (art. 50.º do CCT)”.

Ora, no que tange a este pedido, a causa de pedir é o contrato de trabalho desportivo e o efeito jurídico pretendido fazer valer pela A. assenta exclusivamente no incumprimento desse contrato, sem justa causa, para a partir daí, estribando-se no art. 50.º do CCT aplicável, pretender a condenação do R. no valor de (…), independentemente de qualquer dano, simplesmente, como afirma, por corresponder ao ‘valor que lhe pagaria pela execução dessa prestação, valor esse que o R. quis, aceitou e formalizou.’

Por outras palavras, a A. formulou esse pedido apoiando-se exclusivamente no disposto no art. 50.º do CCT aplicável e, logo, sem atender ao n.º 1 do art. 27.º da LCTD, desconsiderando que à luz deste preceito o direito à indemnização é condicionado à existência efectiva de danos.

Neste quadro (…) não pode o pedido proceder, já que foi formulado no pressuposto de ser devida indemnização independentemente da alegação e prova de danos, em consequência do incumprimento do contrato por parte do jogador, como o exige o n.º 1 do art. 27.º da LCTD.

Concluindo, soçobra também esta derradeira linha de argumentação e, logo, improcede na totalidade o recurso da recorrente A.

Invocando – para além da incontestada declaração de nulidade do art. 50.º do CCT, a declaração de inconstitucionalidade do n.º1, in fine, do art. 27.º da LCTD/Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, decidida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/2009, e a sua consequente desaplicação no caso –, a Recorrente alega que desta (desaplicação) não poderá resultar, automaticamente, a aplicação do regime da responsabilidade civil, prevista no Cód. Civil, por isso redundar afinal na obliteração da natureza laboral do contrato sujeito.

E, perante a existência de um aparente vazio legal e regulamentar relativamente à solução a dar ao caso concreto, pugna pela aplicação do disposto nos arts. 446.º a 448.º do Código do Trabalho, atento o seu carácter subsidiário em relação aos contratos de trabalho dos praticantes desportivos, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe ora a indemnização correspondente  ao período do pré-aviso, no montante de € 83 140,00.

São estes os contornos da questão equacionada, a que se reportam as demais proposições conclusivas (as 6.ª a 12.ª do respectivo acervo).  

Tudo revisto e ponderado, diremos, desde já, que não colhem merecimento as razões ora aduzidas, insusceptíveis que são de pôr em crise a bondade da solução alcançada e da fundamentação que a suporta, que, ambas, globalmente ratificamos.

Com efeito:

- A Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, contém o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.

- Trata-se de um contrato especial de trabalho[1], a que só subsidiariamente se aplicam as regras que disciplinam o contrato de trabalho – e apenas na medida em que não sejam incompatíveis com a sua especificidade (art. 3.º da LCTD e art. 11.º do CT de 2003/9.º do CT/2009).

- No que tange à responsabilidade das partes pela cessação do contrato, o diploma contém regra própria – art. 27.º – nos termos de cujo n.º 1 …’a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato.

- O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/2009, datado de 28 de Abril desse ano, tirado no Processo n.º 910/08, 2.ª Secção, não declara a inconstitucionalidade do critério/regime jurídico adoptado relativo à responsabilidade das partes pela cessação do contrato.

Pronunciando-se sobre o segundo segmento do n.º 1 da norma, atinente aos limites do quantum indemnizatório, julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da C.R.P., a norma do art. 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, apenas na dimensão em que prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, ‘não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo’.

- Subsistem assim, intocadas, as razões de fundo que justificaram a necessidade de intervenção legislativa neste domínio específico – cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 305/95, de 18/11, que precedeu actual Lei n.º 28/98 –, com a consequente adopção do regime plasmado no referido art. 27.º da LCTD.

(A inclusão de certas matérias neste diploma é sinónimo de que, relativamente a elas, há particularidades relevantes[2]).

- Inexiste, pois, o putativo/aparente vazio legal e regulamentar. A responsabilidade da parte, no cenário previsto, afere-se pelo critério legal eleito, o da responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não havendo por isso que considerar, subsidiariamente, a solução adrede prevista no Código do Trabalho, concretamente nos arts. 446.º a 448.º.

- O pretenso desfavor do regime legal, globalmente adoptado no âmbito da relação laboral desportiva, face ao direito laboral comum, não constituiu objecto da pronúncia do Tribunal Constitucional.

                                                                       ___

Tratado tudo quanto, de essencial, nos cumpria conhecer, vamos terminar.

                                                                       ___

                                                                       III.

                                                             DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão impugnado.

Custas pela recorrente.

(Anexa-se sumário – art. 663.º/7 do C.P.C.).

                                                                      ***

                                                                                                                   Lisboa, 25 de Março de 2015

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

 _________________
[1] - Apud J. Leal Amado, ‘Vinculação versus Liberdade. O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo’, Coimbra, 2002, pg. 67/ss.).
[2] - Cfr. Leal Amado, ‘Contrato de Trabalho Desportivo Anotado’, Coimbra Editora, 1995, pg. 21.