Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEREIRA RODRIGUES | ||
Descritores: | PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR IMPEDIMENTO DO TRABALHADOR JUSTIFICAÇÃO DAS AUSÊNCIAS AO TRABALHO ABANDONO DO TRABALHO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 05/18/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE | ||
Sumário : | I. Não cabe, dentro dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, conhecer e reapreciar de elementos de prova que sejam da livre apreciação do julgador, porque essa apreciação é da competência exclusiva das instâncias, nem sequer o podendo fazer com a finalidade de verificar se as instâncias decidiram acertadamente ou não. II. No âmbito do Código do Trabalho de 2003, em caso de suspensão do contrato de trabalho por impedimento do trabalhador, este apenas carece de justificar a falta determinante da suspensão, não carecendo de justificar as ausências verificadas durante esse período e, consequentemente, as mesmas não podem consubstanciar um comportamento do trabalhador que faça presumir o seu abandono do trabalho. III. Tendo a entidade empregadora promovido um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, lhe produza danos não patrimoniais, para saber se há lugar a indemnização haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito, não se justificando a condenação por tais danos se a culpabilidade do empregador for claramente diminuta e os danos pouco relevantes. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR. No Tribunal do Trabalho de Sintra, AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra BB, IPSS, alegando, em síntese, que: Encontrando-se ligada à Ré por contrato de trabalho, em 9 de Março de 2005, entrou em baixa médica, tendo-se mantido nessa situação, de forma ininterrupta, até 27 de Agosto de 2006; Quando, na primeira dessas datas, entrou de baixa comunicou à Ré a sua situação, tendo entregue pessoalmente o respectivo comprovativo, o mesmo sucedendo relativamente às sucessivas renovações; Por carta datada de 20 de Junho de 2006, a Ré comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006, apesar de a Autora o haver feito no dia 13 de Junho de 2006; Todavia, na data em que a Ré invocou o abandono do trabalho, bem sabia que a Autora continuava de baixa, tendo, inclusive, na sua posse o respectivo comprovativo que esta havia entregue; Logo que recebeu a carta da Ré a declarar a cessação do contrato por abandono, respondeu de imediato, expondo as razões da não entrega imediata do comprovativo, e à cautela juntou cópia do comprovativo já entregue no escritório da Ré; Ainda que se conclua que não apresentou em tempo útil o comprovativo da sua renovação de baixa a partir de 30 de Maio de 2006, como a Ré alega na carta que lhe remeteu, tal facto não permitiria concluir pela presunção do abandono do trabalho; O comportamento da Ré tem provocado na Autora um desgosto e angústia profundos, sentindo-se inteiramente injustiçada e sem forças para enfrentar uma situação de desemprego. Pediu que a cessação do contrato de trabalho fosse considerada ilícita e o despedimento declarado nulo com as legais consequências, nomeadamente, ser a Ré condenada: a reintegrar a Autora ou a pagar-lhe a indemnização por antiguidade, que à data cifrou em € 5.730.27; a pagar à Autora todas as retribuições e subsídios que se vencerem no decurso da presente acção até trânsito em julgado; a pagar à Autora quantia não inferior a € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e tudo acrescido de juros de mora.
A Ré contestou, alegando, em suma, que: A Autora só veio a comunicar a continuação da sua baixa após a expedição pelo Réu da comunicação do abandono do trabalho; A Autora não teve qualquer problema - de saúde ou outro - que a impedisse de comunicar ao Réu o motivo da ausência e apresentar atempadamente o comprovativo da prorrogação da alegada situação de incapacidade.
Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, onde a Autora optou pela indemnização em detrimento da reintegração, foi proferida sentença, declarando ilícito o despedimento da Autora e condenando a Ré a pagar à Autora: a) a quantia que se liquidar em incidente de liquidação, correspondente aos salários, e respectivos subsídio de férias e Natal, vencidos desde 7 de Agosto de 2006, até ao trânsito em julgado da presente sentença, com referência ao salário mensal de € 648.70, e uma diuturnidade no montante de € 12.52, deduzidas as importâncias que a Autora eventualmente tenha auferido, a título de rendimentos de trabalho, após a data do despedimento e subsídio de desemprego, nos termos do disposto no n° 2 e 3 do art. 437° do C. de Trabalho; b) € 10.379.28 (dez mil trezentos e sessenta e nove euros e vinte e oito cêntimos) a título de indemnização por antiguidade; c) € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde 21 de Setembro de 2006 até integral pagamento.
Inconformada, a Ré recorreu da sentença, pedindo, a final das suas alegações, a improcedência da acção. Tendo os autos prosseguido seus termos veio a ser proferido douto Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se acordou, por unanimidade, em conceder parcial provimento à apelação, alterando-se a sentença recorrida, no sentido de condenar a recorrida em € 7.784,40, a título de indemnização por antiguidade e em tudo o mais se mantendo a sentença.
Mais uma vez inconformada, a Ré interpôs recurso de Revista da decisão do Tribunal da Relação para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da Revista, ao que a recorrente veio responder manifestando a sua discordância.
Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar as questões que se colocam à apreciação, que se passam a discriminar, pela ordem em que abaixo se conhecerão, e que são as relativas: a) à impugnação da decisão da matéria de facto; b) à caracterização da cessação da relação de trabalho; c) à indemnização em substituição da reintegração e por danos não patrimoniais.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO. A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que o Tribunal da Relação confirmou: 1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 4 de Novembro de 1997, mediante contrato de trabalho a termo certo que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado. 2. Tendo passado a partir dessa altura a desempenhar por conta e no proveito da Ré, no seu estabelecimento, a sua actividade profissional correspondente à Categoria de Escriturária de 1ª, sob as instruções, orientações e direcção da Ré e das suas estruturas hierárquicas e mediante o recebimento de uma contrapartida em dinheiro. 3. A Autora auferia ultimamente a remuneração mensal base ilíquida de € 648,7. 4. Ao qual acrescia o valor correspondente a uma diuturnidade, actualmente no valor de € 12,52, mensais. 5. E também abono para falhas no montante de € 16,23. 6. Em 9 de Março de 2005 a Autora entrou em baixa médica, tendo-se mantido nessa situação até 27 de Agosto de 2006. 7. Quando em 9 de Março de 2005 entrou de baixa comunicou à Ré a sua situação, tendo entregue o respectivo comprovativo. 8. O mesmo sucedendo relativamente às sucessivas renovações. 9. A 20 de Junho de 2006, a Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 40, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006. 10. Em resposta à referida carta a Autora remeteu à Ré, em 28 de Junho de 2006, a carta, cuja cópia se junta a fls. 44, com cópia do comprovativo da baixa. 11. A Autora não havia entregue imediatamente o referido comprovativo de baixa médica em que a mesma era prorrogada do até 28 de Junho. 12. A Autora veio a fazê-lo em data não concretamente apurada, mas anterior ao recebimento da carta remetida pela Ré à Autora, datada de 20 de Junho e enviada nessa mesma data. 13. A Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 46, datada de 3 de Julho de 2006. 14. A Ré sabia que à Autora desde 2002 sofria de doença do foro oncológico, que a tem impedido de trabalhar de forma ininterrupta, desde Março de 2005. 15. A Ré sabia que a Autora sofre há vários anos de doença prolongado e que a partir de Março de 2005, foi submetida a tratamentos dolorosos que impediam de trabalhar e de fazer uma vida normal. 16. Até a Autora ficar doente foi uma trabalhadora assídua. 17. No mês de Outubro de 2000, a Ré entregou à Autora a carta junta a fls. 50, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 18. A saúde da Autora ficou mais fragilizada com o recebimento da carta da Ré em que invoca o abandono do trabalho. 19. O comportamento da Ré tem provocado na Autora desgosto e angústia, sentindo-se esta injustiçada e sem forças para enfrentar uma situação de desemprego. 20. A Autora recebeu, em 27 de Junho de 2006, a carta remetida pela Ré no dia 20 desse mês e ano. 21. A Autora não se apresentou ao serviço após 29 de Maio de 2006.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. Antes de entrar na análise das questões que se suscitam na presente Revista, importa advertir que à presente acção, porque foi instaurada em 2006, aplica-se o Código de Processo do Trabalho de 1999 [aprovado pelo DL n.º 480/99, de 9/11, e alterado pelo DL n.º 323/2001, de 17/12, e DL n.º 38/2003, de 8/3], sendo que o artigo 81.º/5, daquele Código manda aplicar à interposição e alegação do recurso de revista «o regime estabelecido no Código de Processo Civil». Vejamos, pois, as questões a dilucidar: a) Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto Nos termos conjugados dos artigos 729.º/2 e 3 e 722.º/2 do CPC, extrai-se o regime de que a decisão em matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, não pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou ofensa de disposição que fixe a força probatória de determinado meio de prova ou quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Deste modo, a revista, no que concerne à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, aquelas situações excepcionais, ou seja, quando: - o tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; - o tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; - o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Como se sabe, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655º do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. Mas o princípio da livre apreciação da prova cede em determinadas situações, perante o princípio da prova legal, designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos. Assim, enquanto segundo o princípio da prova livre o julgador tem plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a força probatória. Ora, os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais, que se deixam, em síntese, enunciados e que carecem de ser observados na produção de prova, foram no caso concreto violados. Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só pode fazê-lo por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, e em termos práticos, pode dizer-se que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto é daqueles efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça. O que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido. Note-se que estão nesse caso, para além das situações já citadas, evidentemente, também aquelas em que se fixam factos com conteúdo de matéria conclusiva ou de direito, pois que aí não pode o Supremo Tribunal de Justiça deixar de exercer os seus poderes de cognição, sob pena de ficar manietado para a correcta aplicação do direito. Obviamente que dentro destes princípios não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar os depoimentos de parte ou testemunhais a fim de aferir se eles provam, ou não, determinados factos, que não tenham sido objecto de outra prova de valor superior. Como não cabe averiguar se a convicção firmada pelos julgadores nas instâncias em relação a determinado facto, em prova de livre apreciação, se fez no sentido mais adequado, tanto mais estando as instâncias, mormente a 1.ª, em melhores condições de julgamento, atento o princípio da imediação em que determinadas provas são produzidas. Como não cabe ainda apreciar se em face de determinado documento que admita contraprova ou prova em contrário, a apreciar livremente pelo julgador, se verificou, ou não, erro de julgamento na fixação dos factos. Ora, no caso vertente a Ré na apelação que interpôs para a Relação, nos termos do artigo 690°-A do Código de Processo Civil impugnou a decisão da matéria de facto proferida na 1.ª instância, sustentando, no essencial, que deviam ser dados como provados os factos constantes do artigo 10° da petição inicial e dos artigos 13°, 14°, 17°, 18°, 33°, 42°, 44° e 45° da contestação e, por outro lado, que deviam ser eliminados, por não terem ficado provados, os factos vertidos nos pontos 7°, 8°, 12°, 14° e 15° da matéria de facto dada como provada. E o Tribunal da Relação, de fls. 14 a 22 do douto acórdão proferido nos autos, pronunciou-se, especificadamente, sobre todos os pontos da matéria de facto colocada em crise pela Apelante, reapreciando todos os elementos de prova, documentais e testemunhais, invocados pela Recorrente, para concluir pela improcedência da impugnação deduzida. Porém, não se conformando com a decisão proferida, a Ré recorre para este Supremo Tribunal, apresentando a mesma impugnação da decisão que havia apresentado naquele tribunal, sustentando que a matéria vertida no artigo 10° da petição inicial deve ser havida por assente por confissão aceite e que em face dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas é de concluir que os factos vertidos nos artigos 13°, 14°, 42°, 44° e 45º da BI se encontravam provados. Sustentando ainda que devem ser considerados não provados os pontos seguintes do elenco dos factos provados: - 7º, por as testemunhas nada terem dito; - 8º, por não alegado; - 12º, por não alegado e irrelevante e -14º e 15º, por deturpada apreciação crítica das provas. E depois de esgrimir todos os seus argumentos remata na sua douta alegação que «impõe-se, por conseguinte, a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de o mesmo, exercendo as suas competências legais, reapreciar devidamente a matéria de facto quanto aos concretos aspectos mencionados, seguindo-se os demais termos até final». E em resposta ao Parecer do Ministério Público diz que «a Recorrente bem sabe que este tribunal não pode conhecer de matéria de facto. O que a Recorrente pretende é que este Supremo Tribunal declare que o tribunal recorrido pode e deve alterar a decisão em matéria de facto tomada pela 1.ª instância…». Ora, se bem se entende o raciocínio da Recorrente, o que esta pretende com a impugnação da decisão da matéria de facto, feita para este Supremo Tribunal nos mesmos termos em que o fizera para o Tribunal da Relação, apenas mudando o nome do tribunal recorrido, é que também este tribunal faça uma reapreciação das provas produzidas sobre os aspectos sindicados, analisando documentos e o depoimento das testemunhas, etc., para verificar o erro da decisão do tribunal recorrido e lhe remeter os autos para reapreciar devidamente a matéria de facto. Porém, como já acima se deixou assinalado, não cabe dentro dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, conhecer e reapreciar de elementos de prova que sejam da livre apreciação do julgador, porque essa apreciação é da competência exclusiva das instâncias. Nem sequer o podendo fazer com a finalidade de verificar se as instâncias decidiram acertadamente ou não. Por isso, sufraga-se o douto parecer do Ministério Público na parte que segue: É certo que a Recorrente veio alegar que o acórdão recorrido considerou irrelevante a factualidade vertida no artigo 10.° da petição inicial, quando deveria tê-la considerado assente, por confissão aceite, tendo em conta que se trata de matéria que, no quadro da acção, tal como se encontra configurada pelos factos alegados pelas partes nos seus articulados, é claramente desfavorável à Recorrida e, além do mais, foi expressamente aceite pelo Recorrente e, principalmente, porque a mesma releva na óptica da solução de direito preconizada pela Recorrente. Ora, neste segmento da impugnação poderá defender-se o poder de cognição deste tribunal, por estar em causa a interpretação de uma norma de direito (a do art. 490.º/2 do CPC) e então haver-se-ia como provado, face ao alegado pela Autora no artigo 10.º da petição e ao pronunciado pela Ré no artigo 8.º da contestação, que a «[a]utora durante as sucessivas renovações da baixa podia ausentar-se de casa, cuja distância ao estabelecimento da R. é de escassos metros». Sucede que o Tribunal da Relação não considerou esta matéria como relevante e, por isso, decidiu não a levar ao elenco dos factos provados. Porém, como decorre do art. 659.º/3 do CPC, na decisão a proferir sempre os factos admitidos por acordo podem ser tomados em consideração, desde que relevantes se mostrem, independentemente de se encontrarem, ou não, vertidos entre os factos considerados assentes. Daí que se aqueles factos se mostrarem com relevo para a decisão, nada impede que sejam invocados, sem necessidade de expressa inclusão na facticidade, formalmente, declarada assente. É verdade também que a Recorrente diz que foram dados como provados factos não alegados, sugerindo existência de ilegalidade, verificável pelo Supremo. Porém, é de ter presente que o juiz pode fundamentar a decisão final não só nos factos alegados pelas partes como também nos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, e nos factos complementares que resultem também da discussão e julgamento da causa, quando a parte a quem aproveitem manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (art. 264.º/2 e 3 do CPC). Como no caso a instrução do processo foi feita com base em documentos e depoimentos testemunhais, uns e outros de livre apreciação do tribunal, o poder cognitivo deste tribunal não pode ser exercido no âmbito de tal matéria. Invoca também a Recorrente a impertinência de factos dados como provados. Nesta parte crê-se, atento o disposto nos art.s 511.º/2 e 653.º/4 do CPC, que não é admissível sequer a reclamação ou a impugnação da matéria de facto com tal fundamento. Nestes termos considera-se não existir fundamento para censura da decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à decisão da matéria de facto. b) Quanto à caracterização da cessação da relação de trabalho. Coloca-se a questão de saber se o contrato de trabalho que ligava as partes se deve considerar cessado por abandono do trabalho por parte da Autora ou se por despedimento ilícito promovido pela Ré. Alega a Recorrente que a Autora entrou em situação de "baixa" em 9 de Março de 2005 e foi apresentando, atempadamente, à Ré documentos comprovativos dessa situação até 29 de Maio de 2006, e não se apresentou ao serviço da Ré após esta data. A Ré só veio a receber o comprovativo da prorrogação da baixa, por mais trinta dias, na tarde do dia 20 de Junho de 2006, já depois de decorridos mais de dez dias úteis de ausência e já depois de a Ré ter expedido a comunicação de abandono do trabalho. Acrescenta que a Autora, ora Recorrida, durante esse período - entre 29 de Maio de 2006 e 20 de Junho de 2006 - também não comunicou, por si ou por interposta pessoa, à Ré os motivos dessa ausência. Quando finalmente, na tarde de 20 de Junho de 2006, a Recorrida, ou alguém por ela, deixou o comprovativo da "baixa" na caixa do correio do estabelecimento da Recorrente, não invocou qualquer fundamento pelo qual só nessa data lhe tenha sido possível apresentar tal comprovativo. Invoca mais que nos termos dos artigos 228.°, 229.°, n.° 6, e 334.° do Código do Trabalho/2003, as faltas após 29 de Maio de 2006 são injustificadas, tendo o Tribunal entendido erradamente que o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 não se aplica nos casos de suspensão do contrato de trabalho por motivos de doença, mas tal entendimento, não colhe, desde logo porque deixaria o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 sem qualquer alcance prático ou com um alcance praticamente nulo. Defende, assim, a Recorrente que a relação de trabalho se deve considerar cessada por ausência da Autora ao serviço integradora de abandono do trabalho. Vejamos se lhe assiste razão. Estabelece o artigo 450°/1 do Código do Trabalho de 2003, aplicável ao caso dos autos, que «considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço, acompanhada de factos que, com toda a possibilidade, revelem a intenção de o não retomar». E o n.º 2 diz que presume-se «abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência». Mas esta presunção, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito pode «ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência». E o mesmo preceito estipula ainda, no n.º 4, que «o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador pelos prejuízos causados, não devendo a indemnização ser inferior ao montante calculado nos termos do artigo 448°». Sempre tem sido entendimento pacífico na jurisprudência, quer no domínio do LCCT (Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro), quer no do Código do Trabalho, que para que a ausência do trabalhador ao serviço se possa caracterizar como “abandono do trabalho” é indispensável a verificação cumulativa de dois requisitos: - (I) um objectivo, que consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos, se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo da sua actividade; - (II) outro subjectivo, traduzido num «animus» extintivo, que se capta através de algo que o revele ou que exteriorize factos que, de acordo com a lei, «com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho» [vd. Acórdãos do STJ de 05.07.2007; de 26.03.2008 e de 03.06.2009, acessíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]. E quanto ao segundo requisito salienta JÚLIO GOMES [in Direito do Trabalho, vol. l, 2007, pág. 1072] que «esta intenção há-de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo de modo algum suficiente uma mera verosimilhança, já que também aqui a vontade da demissão, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca. A vontade extintiva não pode considerar-se a regra, mas antes a excepção, e como tal deve ser interpretada restritivamente, exigindo-se mais do que uma omissão». Acresce que cabe ao empregador que invocou a cessação do contrato o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção do abandono, os factos que suportam a presunção, como se defendeu no acórdão do STJ de 26/03/2008, já citado. Será que no caso em apreço os factos que resultaram provados consubstanciam a figura de abandono do trabalho por parte da Autora? Vem provada, na parte que interessa, a seguinte facticidade: Em 9 de Março de 2005 a Autora entrou em baixa médica, tendo-se mantido nessa situação até 27 de Agosto de 2006 e quando entrou de baixa comunicou à Ré a sua situação, tendo entregue o respectivo comprovativo, o mesmo sucedendo relativamente às sucessivas renovações; Em 20 de Junho de 2006, a Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 40, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006; Em resposta à referida carta a Autora remeteu à Ré, em 28 de Junho de 2006, a carta, cuja cópia se junta a fls. 44, com cópia do comprovativo da baixa; A Autora não havia entregue imediatamente o referido comprovativo de baixa médica em que a mesma era prorrogada até 28 de Junho, apenas veio a fazê-lo em data não concretamente apurada, mas anterior ao recebimento da carta remetida pela Ré à Autora, datada de 20 de Junho e enviada nessa mesma data. Ora, as ausências ao trabalho por parte da Autora entre 9 de Março de 2005 e 27 de Agosto de 2006 em consequência de baixa médica são ausências motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a doença da trabalhadora, correspondendo essas ausências ao tipo de faltas justificadas, previsto no artigo 225.º, n.º 2, al. d) do Código do Trabalho de 2003. Sucede que nos termos do art. 230º/3, do mesmo código, nos «casos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 225.º, se o impedimento do trabalhador se prolongar efectiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se o regime de suspensão da prestação do trabalho por impedimento prolongado». E o art. 333º/1 reafirma a aplicação do mesmo regime, ao estabelecer que «determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente o serviço militar obrigatório ou serviço cívico substitutivo, doença ou acidente». É bem claro que o legislador quis regular em termos distintos as ausências do trabalhador ao seu serviço por impedimento deste, designadamente por motivo de doença, mandando aplicar às verificadas até um mês: - o regime das faltas, com a necessidade de o trabalhador ter de as justificar. E às verificadas para além de um mês: - o regime de suspensão do contrato, sem necessidade de justificação dessas ausências, como melhor se verá. O que bem se compreende, na medida em que durante os primeiros 30 dias o contrato se mantém plenamente em vigor, com os inerentes direitos, deveres e garantias. Outro tanto não sucede durante o período de suspensão, pois que apenas se mantêm os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho, cessando os restantes, conforme se extrai do disposto no art. 331º/1 do CT. E um dos deveres que não pode deixar de cessar durante o período da suspensão é o dever de comparência ao serviço [art. 121.º/1/b) do CT], porque este dever pressupõe a obrigação da efectiva prestação de trabalho, que durante o período de suspensão não pode ter lugar. Ou seja, durante o período da suspensão do contrato devido a doença do trabalhador que se prolongue por mais de um mês o mesmo trabalhador não tem de se apresentar no local de trabalho para prestar a sua actividade profissional, pelo que, não tendo esta obrigação, também não lhe pode ser assacada a correlativa obrigação de ter que justificar a sua ausência. Por isso, o n.º 3 do art. 228.º do CT, que diz que «a comunicação tem de ser reiterada para as faltas justificadas imediatamente subsequentes às previstas nas comunicações indicadas nos números antecedentes», não pode ter qualquer aplicação após o contrato do trabalhador ter passado ao regime de suspensão. É certo que a ausência ao trabalho que venha a determinar a suspensão do contrato deve ser comunicada ao empregador, como hoje até o determina expressamente o art. 253.º/4 do CT de 2009, porque afinal se destina a comunicar ao empregador a entrada do contrato no regime de suspensão e do seu motivo determinante. O que o trabalhador carece de justificar é, pois, o período da sua ausência por doença que seja determinante do regime de suspensão. A partir desse momento o trabalhador não tem de apresentar qualquer justificativo da sua ausência até por não haver referências na lei, de natureza temporal ou incidental, em relação às quais o trabalhador se devesse reportar para apresentação de tal justificativo. Eventuais prorrogações, ou renovações, da baixa médica não impõem qualquer obrigação de comunicação formal, por a lei não conter qualquer cominação para a situação de a comunicação não se verificar. E seria abusivo para o caso ir buscar o regime das faltas para se poder encontrar a sanção porque este regime se mostra afastado até ao momento em que o trabalhador deva retomar o trabalho por ter chegado ao seu termo o período de baixa médica por doença. Aliás se fosse intenção do legislador aplicar o regime da justificação das faltas no âmbito da suspensão do contrato não se absteria de o dizer expressamente, ainda que, reconheça-se, se o fizesse não deixaria também de estabelecer um regime incongruente e em parte de esvaziamento do instituto da suspensão do contrato. Note-se que o legislador nem sequer pode ser acusado de não prevenido, pois que no artigo 334.º do CT não se esqueceu de estatuir que o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a actividade no dia imediato ao da cessação do impedimento «sob pena de incorrer em faltas injustificadas». Quer dizer, o legislador previu uma situação de aplicação do regime das faltas, que eventualmente tenha lugar de seguida ao termo do regime da suspensão, para o caso de o trabalhador não se apresentar ao trabalho, que nem carecia de prever porque sempre decorreria das regras gerais, mas pretendeu advertir o trabalhador para essa eventualidade, pelo que mal se compreenderia que igualmente não advertisse, expressamente, o trabalhador para a necessidade de justificar as ausências durante o período da suspensão, se tal devesse ter lugar. Daí que não se subscrevam as conclusões do recurso da Recorrente proclamadoras de teorias em contrário do que aqui se deixa exposto, designadamente quando o Recorrente diz que «a prova inequívoca de que a tese defendida pelo Tribunal recorrido não colhe, é o facto de o Legislador de 2009, constatada a forma errada como estava a ser interpretado o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003, ter vindo esclarecer expressamente essa questão no n.° 4 do artigo 253.° do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro». Com efeito, este último normativo não assume a natureza de lei interpretativa, porque o legislador assim não o qualifica e porque o regime anterior ao do Código de Trabalho de 2009 é claro sobre a matéria em apreço no sentido que acima se deixou expresso, não carecendo de qualquer interpretação por via legislativa. No caso vertente não se suscita qualquer dúvida de que as ausências da Autora determinaram a suspensão do contrato, facto de que a Recorrente tinha perfeito conhecimento por lhe terem sido comunicadas as prorrogações da baixa, pelo que tendo a situação de baixa cessado apenas a 27 de Agosto de 2007, não carecia a Autora de proceder a qualquer justificação das ausências durante o período da suspensão e apenas a partir da cessação da suspensão do contrato recaía sobre a mesma o dever de se apresentar ao serviço, sob pena de, então, incorrer em faltas injustificadas e não antes desse evento. Acresce que não só o trabalhador não carece de justificar as faltas dadas durante esse período de suspensão do contrato como, consequentemente, não podem essas faltas consubstanciar um comportamento do trabalhador que faça presumir o seu abandono do trabalho. Deste modo, tendo a Ré, em 20 de Junho de 2006, remetido à Autora a carta cuja cópia se mostra junta autos, a comunicar-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006, procedeu ao despedimento da Autora, que foi ilícito por não ter sido precedido do respectivo procedimento legal. Assim, o contrato de trabalho que ligava as partes considera-se cessado, não por abandono do trabalho por parte da Autora, mas antes por despedimento ilícito promovido pela Ré. c) Quanto à indemnização em substituição da reintegração e por danos não patrimoniais: Alega a Recorrente que, admitindo, sem conceder, que houvesse lugar a indemnização em vez da reintegração, o Tribunal deveria ter optado pelo limite mínimo admitido por Lei. E quanto à indemnização por danos não patrimoniais, diz que não se mostra alegado nem provado qualquer facto concreto que permita concluir qual o dano sofrido pela Autora e que, por outro lado, a Recorrente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sem fins lucrativos, pelo que os € 4.000 em que foi condenada são incomportáveis, pelo que, admitindo, sem conceder, que ao caso coubesse uma indemnização por danos não patrimoniais, a mesma teria de ser drasticamente reduzida. Vejamos. Quanto à indemnização em substituição da reintegração. No tocante à indemnização em substituição da reintegração subscreve-se a decisão da Relação nesta parte, que aliás foi no sentido de acolher parcialmente o que a Ré pedira na apelação: Quanto à indemnização por danos não patrimoniais: Sendo o despedimento declarado ilícito o trabalhador tem direito, para além da reintegração, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados (art. 436.º do CT). A obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, tem como suposição, para além da verificação do facto, que este seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o mesmo facto (ilícito) e um resultado (danoso) (art.s 483º e 563º do CC). O primeiro requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é, pois, que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia, e devia, ter agido de modo a não cometer o ilícito e não o fez. O nosso Código Civil, no tocante à culpa, quer no âmbito da responsabilidade extra-obrigacional (art. 487º, n.º 2), quer no da responsabilidade obrigacional (art. 799º, n.º 2) manda apreciá-la em abstracto, isto é, segundo «a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso». Assim, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente diligente. O segundo requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º). A obrigação de indemnizar, em qualquer dos casos, tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, ou seja, «toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, tanto de carácter patrimonial (desvantagem económica), como de carácter não patrimonial (relativos à vida, à honra, ao bem estar, etc.)» [M J. Almeida Costa, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª ed., pg. 171]. Acresce que o «obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art. 562º do CC). Sucede, porém, que a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir. Com efeito, estipula o já citado art. 563º do CC que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». A nossa lei acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente [vd. I. G. Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pg. 404. e ss.]. Temos, pois, que «a ideia fulcral desta doutrina é a de que se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo. Torna-se necessário, portanto, não só que o facto se revele, em concreto, condição “sine qua non” do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção» [M J. Almeida Costa, in Ob. Cit., pg. 172]. Verificada a existência de culpa e o nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, conclui-se existir obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, pelo que se impõe, então, com vista a determinar o quantitativo indemnizatório, avaliar os danos produzidos e aferir do grau de responsabilidade do autor da lesão, que terá de ser feita em função da sua maior ou menor culpabilidade, da situação económica deste e do lesado e das demais circunstâncias do caso (art. 494º). Note-se que é ao devedor que cabe provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, n.º 1 do CPC.). Uma vez concluído pela obrigação de indemnizar, tem também de se ter presente que esta compreende tanto os danos emergentes (ou os prejuízos imediatos sofridos pelo lesado), como os lucros cessantes (benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão) ou ainda os danos futuros, determináveis, de imediato ou em ulterior decisão (art. 564º do CC). E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, pois estabelece o art. 496º/1 do CC, que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º ...», ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais, também chamados danos morais, são aqueles «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral» [In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378]. No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual [Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285]. Dentro desta concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo se justifica que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração [vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104]. Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar. E estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial carecem de ser observados no âmbito do direito laboral por este nada de específico conter nesta matéria. Deste modo, em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável. No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador. Note-se que, independentemente da lesão destes bens da natureza espiritual, assiste direito à entidade empregadora de fazer cessar a relação laboral com um seu trabalhador, quando levada a efeito dentro do condicionalismo imposto pela lei, sendo que em tal situação dificilmente poderá ter cabimento uma indemnização por danos morais, a menos que se use, sem necessidade, de procedimento lesivo daqueles bens. Acresce que mesmo no caso de a entidade empregadora promover um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, produza danos não patrimoniais ao mesmo trabalhador, sempre haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito. É que pode suceder que apesar de a entidade empregadora ter promovido um despedimento ilícito não patenteie um comportamento gravemente culposo, consideradas as circunstâncias envolventes desse despedimento. Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita. Ora, no caso vertente ficou provado que a saúde da Autora ficou mais fragilizada com o recebimento da carta da Ré em que invoca o abandono do trabalho e que o comportamento da Ré tem provocado na Autora desgosto e angústia, sentindo-se injustiçada e sem forças para enfrentar uma situação de desemprego. Sucede que, na verdade, a 20 de Junho de 2006, a Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 40, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006. Sendo que a Autora, que tinha vindo a fazer entrega dos comprovativos da prorrogação da baixa, não havia entregue imediatamente o referido comprovativo de baixa médica em que a mesma era prorrogada do até 28 de Junho. Como acima se viu, entende-se que a Autora após o contrato ter entrado no regime de suspensão não tinha que apresentar tais comprovativos. Mas o certo é que a Ré se tem batido no processo, aliás com muito empenho e ampla argumentação, pelo defesa de entendimento oposto, ou seja, de que a Autora era obrigada em face da lei a apresentar os comprovativos da prorrogação da baixa, pelo que, não o tendo feito atempadamente, a Ré tinha direito a considerar cessado o contrato por abandono do trabalho. Atendendo, pois, ao condicionalismo em que a Ré comunicou à Autora a cessação do contrato por abandono do trabalho, não se vislumbra que a Ré tenha agido com intenção de proceder a despedimento ilícito ou, admitindo essa eventualidade, aceitando-o como consequência normal da comunicação da cessação da relação de trabalho por abandono. Assim, se é legítimo e pertinente discutir se existiu, ou não, despedimento ilícito, por se configurarem como, mais ou menos, defensáveis entendimentos divergentes ou até opostos, parece de reconhecer que a culpa do empregador, a existir, restará fortemente diminuída, caso se venha a concluir pela ilicitude do despedimento, pelo que não deve relevar para efeito da sua condenação por invocados danos morais pelo trabalhador. Por outro lado, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima, mais uma vez, a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais. Ora, em face da facticidade que resultou assente, é de concluir que não tem relevância bastante nem a culpa por parte da Ré nem os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, com vista a fundamentar uma condenação daquela em indemnização a favor da segunda. É certo que também resultou provado que a Ré sabia que a Autora desde 2002 sofria de doença do foro oncológico, que a impedia de trabalhar de forma ininterrupta, desde Março de 2005 e que a Autora sofria há vários anos de doença prolongada e que, a partir de Março de 2005, foi submetida a tratamentos dolorosos que a impediam de trabalhar e de fazer uma vida normal. Mas esta matéria não releva no sentido de imputar à Ré um maior grau de culpabilidade na produção dos danos, porque independentemente do conhecimento que a Ré possuía das condições de saúde da Autora, outros factos se verificaram e esses é que integraram o condicionalismo, verdadeiro e próximo, da cessação da relação de trabalho. Do que se conclui, sem necessidade de outros considerandos, que a Revista é de conceder nesta parte, sendo a acção de improceder quanto ao pedido de condenação por danos não patrimoniais. Procedem, em parte, as conclusões do recurso, sendo de alterar a decisão recorrida.
IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcialmente a Revista e altera-se a decisão recorrida no sentido de julgar a acção improcedente quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Na parte restante confirma-se a decisão recorrida. Custas pela recorrida em conformidade com o decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário, uma vez que a recorrente está isenta.
Lisboa, 18 de Maio de 2011.
Pereira Rodrigues (Relator) Pinto Hespanhol Fernandes da Silva |