Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
638/06.2TTSNT.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR IMPEDIMENTO DO TRABALHADOR
JUSTIFICAÇÃO DAS AUSÊNCIAS AO TRABALHO
ABANDONO DO TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário : I. Não cabe, dentro dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, conhecer e reapreciar de elementos de prova que sejam da livre apreciação do julgador, porque essa apreciação é da competência exclusiva das instâncias, nem sequer o podendo fazer com a finalidade de verificar se as instâncias decidiram acertadamente ou não.
II. No âmbito do Código do Trabalho de 2003, em caso de suspensão do contrato de trabalho por impedimento do trabalhador, este apenas carece de justificar a falta determinante da suspensão, não carecendo de justificar as ausências verificadas durante esse período e, consequentemente, as mesmas não podem consubstanciar um comportamento do trabalhador que faça presumir o seu abandono do trabalho.

III. Tendo a entidade empregadora promovido um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, lhe produza danos não patrimoniais, para saber se há lugar a indemnização haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito, não se justificando a condenação por tais danos se a culpabilidade do empregador for claramente diminuta e os danos pouco relevantes.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Sintra, AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra BB, IPSS, alegando, em síntese, que:

Encontrando-se ligada à Ré por contrato de trabalho, em 9 de Março de 2005, entrou em baixa médica, tendo-se mantido nessa situação, de forma ininterrupta, até 27 de Agosto de 2006;

Quando, na primeira dessas datas, entrou de baixa comunicou à Ré a sua situação, tendo entregue pessoalmente o respectivo comprovativo, o mesmo sucedendo relativamente às sucessivas renovações;

Por carta datada de 20 de Junho de 2006, a Ré comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006, apesar de a Autora o haver feito no dia 13 de Junho de 2006;

Todavia, na data em que a Ré invocou o abandono do trabalho, bem sabia que a Autora continuava de baixa, tendo, inclusive, na sua posse o respectivo comprovativo que esta havia entregue;

Logo que recebeu a carta da Ré a declarar a cessação do contrato por abandono, respondeu de imediato, expondo as razões da não entrega imediata do comprovativo, e à cautela juntou cópia do comprovativo já entregue no escritório da Ré;

Ainda que se conclua que não apresentou em tempo útil o comprovativo da sua renovação de baixa a partir de 30 de Maio de 2006, como a Ré alega na carta que lhe remeteu, tal facto não permitiria concluir pela presunção do abandono do trabalho;

O comportamento da Ré tem provocado na Autora um desgosto e angústia profundos, sentindo-se inteiramente injustiçada e sem forças para enfrentar uma situação de desemprego.

Pediu que a cessação do contrato de trabalho fosse considerada ilícita e o despedimento declarado nulo com as legais consequências, nomeadamente, ser a Ré condenada: a reintegrar a Autora ou a pagar-lhe a indemnização por antiguidade, que à data cifrou em € 5.730.27; a pagar à Autora todas as retribuições e subsídios que se vencerem no decurso da presente acção até trânsito em julgado; a pagar à Autora quantia não inferior a € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e tudo acrescido de juros de mora.

A Ré contestou, alegando, em suma, que:

A Autora só veio a comunicar a continuação da sua baixa após a expedição pelo Réu da comunicação do abandono do trabalho;

A Autora não teve qualquer problema - de saúde ou outro - que a impedisse de comunicar ao Réu o motivo da ausência e apresentar atempadamente o comprovativo da prorrogação da alegada situação de incapacidade.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, onde a Autora optou pela indemnização em detrimento da reintegração, foi proferida sentença, declarando ilícito o despedimento da Autora e condenando a Ré a pagar à Autora: a) a quantia que se liquidar em incidente de liquidação, correspondente aos salários, e respectivos subsídio de férias e Natal, vencidos desde 7 de Agosto de 2006, até ao trânsito em julgado da presente sentença, com referência ao salário mensal de € 648.70, e uma diuturnidade no montante de € 12.52, deduzidas as importâncias que a Autora eventualmente tenha auferido, a título de rendimentos de trabalho, após a data do despedimento e subsídio de desemprego, nos termos do disposto no n° 2 e 3 do art. 437° do C. de Trabalho; b) € 10.379.28 (dez mil trezentos e sessenta e nove euros e vinte e oito cêntimos) a título de indemnização por antiguidade; c) € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde 21 de Setembro de 2006 até integral pagamento.

Inconformada, a Ré recorreu da sentença, pedindo, a final das suas alegações, a improcedência da acção.

          Tendo os autos prosseguido seus termos veio a ser proferido douto Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se acordou, por unanimidade, em conceder parcial provimento à apelação, alterando-se a sentença recorrida, no sentido de condenar a recorrida em € 7.784,40, a título de indemnização por antiguidade e em tudo o mais se mantendo a sentença.

Mais uma vez inconformada, a Ré interpôs recurso de Revista da decisão do Tribunal da Relação para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
«l.ª O douto acórdão recorrido sufragou erradamente as diversas omissões quanto à factualidade considerada assente de que enfermava a sentença proferida em primeira instância, nomeadamente assumindo, por um lado, uma "capitis diminutio" do tribunal de recurso para a reapreciação da prova gravada que manifestamente não resulta do artigo 712.° do Código de Processo Civil e decidindo, por outro, pela irrelevância de certos factos apenas segundo uma das soluções plausíveis de direito.
2.ª Com efeito, o douto acórdão recorrido considerou irrelevante a factualidade vertida no artigo 10.° da   petição   inicial,   quando   deveria   tê-la   considerado   assente,   por confissão aceite, tendo em conta que se trata de matéria que, no quadro da acção, tal como se encontra configurada pelos factos alegados pelas partes nos seus articulados, é claramente desfavorável à Recorrida e, além do mais, foi expressamente aceite pelo Recorrente e, principalmente, porque a mesma releva na óptica da solução de direito preconizada pelo Réu/Recorrente.
3.ª Por este motivo e de acordo com o n.° 2 do artigo 567.°, com o n.° 3 do artigo 659.° e com a primeira parte do n.° 1 do artigo 712.°, ambos do Código de Processo Civil, o douto acórdão recorrido deveria ter atendido o recurso interposto e ter incluído aquela matéria na factualidade considerada assente, pelo que, ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido violou ainda os artigos 511.°, n.°s 1 e 2, e 653.°, n.° 4, do Código de Processo Civil.
4.ª Um dos aspectos em que o douto acórdão recorrido se considerou "inapto" para reapreciar a prova gravada diz respeito ao alegado nos 13.°, 14.° e 44.° da Contestação. Sucede que, atento o teor dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas oferecidas pelo Réu, ora Recorrente, forçoso seria concluir que essa matéria se encontrava cabalmente provada.
5.ª Não o tendo feito, o douto acórdão recorrido sufragou a manifestamente deficiência da decisão quanto a esta matéria, o que viola os n.°s 1 e 2 do artigo 511.° e o n.° 4 do artigo 653.° do Código de Processo Civil, bem como a parte final da alínea a) do n.° 1 e do n.° 2 do artigo 712.° do Código de Processo Civil.
6.ª Os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, provam cabalmente o alegado no artigo 42.° da Contestação, sendo certo que se trata de matéria relevante para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito.
7.ª Ao decidir manter o que sobre este assunto havia sido decidido em primeira instância, o douto acórdão recorrido sufragou a evidente deficiência dessa apreciação e violou o disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 511.° e no n.° 4 do artigo 653.° do Código de Processo Civil, bem como o dever de reapreciação nos termos da já citada parte final da alínea a) do n.° 1 e do n.° 2 do artigo 712.° do Código de Processo Civil.
8.ª O Documento n.° 1 junto com a Contestação - cujo original foi apresentado em audiência - prova cabalmente o facto alegado no artigo 45.° da Contestação. Este deveria ter sido considerado "provado".
9.ª Pelo que, não o tendo feito, a decisão recorrida, na parte respeitante à matéria de facto considerada assente, deveria ter reapreciado devidamente a decisão do Tribunal de primeira instância, nos termos da primeira parte da alínea a) do n.° 1 do artigo 712.° do Código de Processo Civil, tendo em conta que a mesma é relevante para a decisão (artigos 511.°, n.°s 1 e 2, e 653.°, n.° 4, do mesmo Código).
10.ª Face ao teor dos certificados de incapacidade temporária juntos aos autos, à confissão da Autora, ora Recorrida no artigo 10.° da petição inicial - confissão aceite no artigo 8.° da Contestação - e ao depoimento da testemunhas FF - filho da Autora, ora Recorrida - e das oferecidas pelo Réu, ora Recorrente, impunha-se considerar-se provados os factos alegados nos artigos 17.° e 18.° da Contestação.
11.ª Por estas razões, também por aqui a decisão quanto à matéria de facto viola os n.°s 1 e 2 do artigo 511.° e o n.° 4 do artigo 653.° do Código de Processo Civil, bem como viola o dever de reapreciação nos termos da parte final da alínea a) do n.° 1 e do n.° 2 do artigo 2.° do mesmo Código.
12.ª Quanto ao facto considerado assente sob o n.° 7, não só a Autora não fez qualquer prova do facto em causa, já que as testemunhas que arrolou nada disseram sobre o assunto, como, bem pelo contrário, o que se provou, pelo menos com as declarações da testemunha CC, foi que a Autora não se deslocou ao Infantário a fim de comunicar a sua situação de doença. Deveria, por isso, ter sido considerado tal facto "não provado", conforme decorre do artigo 516.° do Código de Processo Civil.
13.ª O Tribunal recorrido deveria assim ter decidido, nos termos da parte final da alínea a) do n.° 1 do artigo 712.° do Código de Processo Civil, e respondido a essa questão contra a parte a quem o facto aproveita - no caso a Autora, ora Recorrida - conforme preceitua o artigo 516.° do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, violou os indicados preceitos legais.
14.ª Nenhuma prova existe nos autos que permita considerar provado o facto considerado assente sob o n.° 8., além de que a Autora, ora Recorrida, nem sequer o alegou. Aliás, apenas alegou ter apresentado os comprovativos da "baixa" pessoalmente, ou tê-los colocado no receptáculo do correio, mas não alegou ter repetido as comunicações dos motivos das ausências.
15.ª Tendo em conta que o Juiz "só pode servir-se dos factos articulados pelas partes" e que não se está perante a hipótese do n.° 1 do artigo 264.° do Código de Processo Civil, forçoso é concluir que a resposta dada a esta matéria (n.° 8 dos factos assentes) violou inequivocamente a segunda parte do artigo 664.° do mesmo Código de Processo Civil. Por isso, a resposta ao n.° 8 deveria ser reapreciada, nos termos da parte final da alínea a) do n.° 1 do artigo 712.° do mesmo Código, esclarecendo-se que a Autora apenas apresentou comprovativos - e não comunicações do motivo da ausência - relativamente às renovações até 29 de Maio de 2006 e sem prejuízo da resposta dada sob o n.° 11, da factualidade assente. Como, porém, o Tribunal recorrido não o fez, violou os referidos preceitos legais.
16.ª A resposta dada sob o n.° 12 dos factos assentes, além de respeitar a um facto que não foi alegado por qualquer das partes e de incompleta, está redigida de um modo que é totalmente irrelevante, segundo qualquer das soluções plausíveis de direito, já que o que poderia relevar era o facto de o Réu ter expedido a comunicação de abandono do trabalho depois de ter recebido o comprovativo da "baixa".
17.ª Dada a sua irrelevância para o caso, tal resposta viola os n.°s 1 e 2 do artigo 511.° e a segunda parte do artigo 664.° do Código de Processo Civil, pelo que deveria ter sido reapreciada nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 712.° do mesmo Código, mas não foi. Por isso, o douto acórdão recorrido violou os indicados preceitos legais.
18.ª As respostas dadas sob os n.°s 14 e 15 da factualidade assente reflectem uma deturpada apreciação da prova produzida em audiência, designadamente da apreciação crítica dos depoimentos das testemunhas GG, FF, CC, DD e EE, sendo que à falta de elementos que concretamente evidenciassem que, pelo menos, um membro da Direcção tivesse conhecimento directo do estado de saúde concreto da Autora no período posterior a Março de 2005 - para já não falar no período posterior a 29 de Maio de 2006, que é o que efectivamente releva - e tendo em conta os demais elementos que contradizem esses factos, e geram dúvidas sobre o teor dos mesmos, teria de ter sido dada resposta contra a parte a quem os mesmos aproveita, no caso, a Autora, ora Recorrida.
19.ª Por isso, a resposta correcta para os n°s 14. e 15. era "não provados", pelo que, por não ter reapreciado devidamente esta questão, o douto acórdão recorrido violou, quanto a este aspecto, o já citado artigo 516.° do Código de Processo Civil e a parte final da alínea a), do n° 1, do artigo 712.° do mesmo Código.
20.ª Impõe-se, por conseguinte, a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de o mesmo, exercendo as suas competências legais, reapreciar devidamente a matéria de facto quanto aos concretos aspectos mencionados, seguindo-se os demais termos até final.
21.ª Quanto ao aspecto jurídico e de acordo com a prova carreada para os autos, a Autora entrou em situação de "baixa" em 9 de Março de 2005 e foi apresentando atempadamente ao Réu documentos comprovativos dessa situação até 29 de Março de 2006, e não se apresentou ao serviço do Réu após esta data. O Réu só veio a receber o comprovativo da prorrogação da baixa por mais trinta dias na tarde do dia 20 de Junho de 2006, já depois de decorridos mais de dez dias úteis de ausência e já depois de o Réu ter expedido a comunicação de abandono do trabalho.
22.ª A Autora, ora Recorrida, durante esse período - entre 29 de Maio de 2006 e 20 de Junho de 2006 - também não comunicou, por si ou por interposta pessoa, ao Réu os motivos dessa ausência. Quando finalmente, na tarde de 20 de Junho de 2006, a Recorrida, ou alguém por ela, deixou o comprovativo da "baixa" na caixa do correio do estabelecimento do Recorrente, não invocou qualquer fundamento pelo qual só nessa data lhe tenha sido possível apresentar tal comprovativo.
23.ª Nos termos dos artigos 228.°, 229.°, n.° 6, e 334.° do Código do Trabalho/2003, as faltas após 29 de Maio de 2006 são injustificadas.
24.ª O Tribunal entendeu erradamente que o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 não se aplica nos casos de suspensão do contrato de trabalho por motivos de doença.
25.ª Tal entendimento, que se respeita, não colhe, desde logo porque deixaria o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 sem qualquer alcance prático ou com um alcance praticamente nulo.
26.ª De facto, teria de entender-se que o Legislador, embora adoptando uma norma nova relativamente ao regime que resultava do artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 874/76, de 28 de Dezembro - que correspondia "grosso modo" aos n.°s 1 e 2 do mesmo artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 - não teria querido resolver qualquer problema prático existente, porque na óptica do Tribunal recorrido, o novo n.° 3 nada alteraria quanto ao regime resultante do direito anterior. Um tal entendimento é, desde logo, contrariado pelo princípio da utilidade e do acerto das soluções consagradas pelo legislador (n.° 3 do artigo 9.° do Código Civil).
27.ª Das situações que, segundo o n.° 1 do artigo 333.° do Código do Trabalho/2003, são determinantes da suspensão do contrato de trabalho, as únicas que implicam necessidade de reiteração da comunicação do motivo da ausência são as situações de doença ou acidente, porque o empregador não sabe se a "baixa" é, ou não, prorrogada pelos serviços médico-sociais ou pelos serviços médicos da entidade para quem esteja transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho, além de que nestes casos até se colocam questões de ética médica, pelo que o Legislador não podia, sequer, prever na Lei a obrigatoriedade do médico assistente ou do médico de acidentes no trabalho comunicar ao empregador a prorrogação da situação de incapacidade temporária para o trabalho. Daí a necessidade de obrigar o trabalhador a reiterar a comunicação do motivo da ausência.
28.ª Por outro lado, se se admitisse, como o faz o Tribunal recorrido, que, ocorrendo a suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador ficaria exonerado da obrigação de reiterar a comunicação do motivo da ausência, teria de considerar-se que o Legislador teria adoptado uma solução cujo alcance prático era praticamente nulo, porque, atentas as durações inicial e renovada das "baixas", o trabalhador só estaria obrigado a cumprir essa obrigação no final dos seis dias de "baixa" inicial, porquanto, renovada esta por mais 30 dias, já se ultrapassaria o limite de um mês a partir do qual se inicia a suspensão do contrato de trabalho (cfr. n.° 3 do artigo 230.° do Código do Trabalho/2003). Ou seja, o esforço do Legislador, ao aditar um novo n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 teria apenas o alcance de resolver o problema da primeira de - potencialmente - muitas renovações da "baixa".
29.ª Aliás, esse esforço teria sido totalmente inglório, porquanto, como ao fim do período inicial de seis dias de baixa ainda não ocorreu a suspensão do contrato, o trabalhador sempre teria obrigatoriamente de comunicar o motivo da ausência, sob pena de entrar de imediato em falta injustificada, pelo que, certamente, a leitura da lei feita pelo Tribunal recorrido não é a que reconstitui o pensamento do Legislador, porque, não é lógico nem é defensável que o Legislador se tenha dado ao trabalho de criar "ex novo" uma norma para resolver um problema inexistente, porque já resolvido por aplicação do normativo vigente à época.
30.ª Forçoso é, pois, concluir que o Legislador, com o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003, visava resolver o problema da necessidade [de] reiteração da comunicação do motivo da ausência, não no momento anterior à suspensão do contrato de trabalho, porque, nesse caso, as regras existentes já obrigavam a essa reiteração, mas sim durante a suspensão do contrato de trabalho. Aliás, esta norma visou exactamente pôr fim à orientação jurisprudencial assente na legislação anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho/2003, segundo a qual, no quadro do citado artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 874/76, de 28 de Dezembro, uma vez iniciada a suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador ficava dispensado de comunicar e provar o motivo da ausência, que, como se sabe, se prestava a evidentes abusos e, além do mais, era manifestamente violadora do princípio da boa fé.
31.ª O n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 foi, aliás, introduzido numa conjuntura em que o Legislador revelava preocupação no controlo da assiduidade e na prevenção e repressão de abusos, como se vê, designadamente, da adopção de mecanismos de controlo das situações de ausência por doença (cfr. artigos 229.°, n.°s 4 a 8, e 219.°, n.°s 4 a 9 do mesmo Código), resultando, assim, ainda mais incompreensível que, nesse contexto, o Legislador se desse ao trabalho de introduzir uma norma com o alcance nulo que o Tribunal recorrido lhe pretende conferir.
32.ª Por outro lado, a jurisprudência anterior em que se estriba o acórdão recorrido assenta também no equívoco de que, no regime de suspensão não existem faltas justificadas, quando, como é sabido e defendido pela melhor doutrina, esse regime da suspensão mais não é, na maioria dos casos, do que um conjunto de faltas justificadas cuja duração ultrapassa um mês.
33.ª Não é por se aplicar o regime de suspensão do contrato do trabalho que as faltas que a ele conduzem perdem a natureza de faltas justificadas, sendo que a suspensão do contrato só permanece enquanto tais faltas estiverem justificadas. Daí a necessidade de reiteração da comunicação do motivo justificativo e de apresentação das provas devidas, sob pena de as faltas se tornarem injustificadas, como decorre dos já referidos artigos 228.° e 229.°, n.° 6, do Código do Trabalho/2003.
34.ª Por último, a prova inequívoca de que a tese defendida pelo Tribunal recorrido não colhe, é o facto de o Legislador de 2009, constatada a forma errada como estava a ser interpretado o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003, ter vindo esclarecer expressamente essa questão no n.° 4 do artigo 253.° do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro.
35.ª Tal como foi identificado no "Livro Branco das Relações Laborais" que esteve na génese do Código do Trabalho/2009, o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho tinha suscitado interpretações diversas, daí a necessidade de clarificação da sua redacção.
36.ª Não obstante, a própria jurisprudência poderia ter chegado à interpretação em causa, não fora os equívocos em que incorreu.
37.ª Por isso, o n.° 4 do artigo 253.° do Código do Trabalho/2009, por referência ao n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003, ao consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado, tem natureza interpretativa, a qual, nos termos do n.° 1 do artigo 13.° do Código Civil, se integra na lei interpretada e é aplicável no presente caso, ainda não transitado.
38.ª Este facto, e esta alegação, foi totalmente ignorado pelo douto acórdão recorrido sem que gastasse uma linha a fundamentar a sua decisão e que, por isso, viola o citado artigo 13.° do Código Civil.
39.ª O Tribunal recorrido também ignorou o facto de, tendo em conta a redacção do n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 e o uso adoptado pela Autora de apresentar  mensalmente   o   comprovativo   da  "baixa",   qualquer  alteração  desse procedimento sem aviso do Réu deveria ser considerado violador do principio da boa-fé e dos usos instituídos, fazendo recair sobre a Autora as consequências dessa alteração inadvertida.
40.ª Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1.°, 119.°, n.° 1, 225.º, n.º 1 d), 228.°, 229.°, n.° 6, e 333.º, n.° 1, do Código do Trabalho/2003, bem como os artigos 9.°, n.° 3, e 13.°, n.° 1, do Código Civil, e o artigo 253.°, n.° 4, do Código do Trabalho/2009.
41.ª As instâncias reconheceram que estão provados os factos conducentes à presunção de abandono do trabalho exigidos pelos n.°s 2 e 5 do artigo 450.° do Código do Trabalho/2003; no entanto, considera-se erradamente a mesma presunção foi ilidida.
42.ª Ora, as presunções só podem ser legais ou judiciais (artigo 349.° do Código Civil), não existe nenhuma Lei que imponha ao empregador que, nas circunstâncias do caso "sub judice", presuma que a ausência da Autora, não comunicada e não justificada após 29 de Maio de 2006 mais não era que uma prorrogação da "baixa" anterior.
43.ª A única presunção aplicável ao caso é a já referida, prevista no n.° 2 do artigo 450.° do Código do Trabalho/2003 segundo a qual, verificada a ausência não justificada nem comunicada ao trabalho durante dez dias ou mais dias úteis, o empregador, ora Recorrente, podia presumir que a Autora abandonou o trabalho, presunção essa cujos requisitos estavam preenchidos no caso como as próprias instâncias reconhecem.
44.ª A Autora, ora Recorrida não logrou ilidir a presunção de abandono do trabalho, porque, não só a mesma estava obrigada a reiterar a comunicação do motivo justificativo da ausência, como o facto de a Autora alegar, e até provar, que a "baixa" foi prorrogada não ilide a presunção do n.° 2 do artigo 450.° do Código do Trabalho/2003, porque, nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, a presunção de abandono do trabalho só pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
45.ª Tal presunção não poderia ser ilidida com base noutros factos que não o previsto no n.° 3 do artigo 450.° do Código do Trabalho/2003, porque a tanto se opõe o n.° 2 do artigo 350.° do Código Civil.
46.ª Ao decidir diferentemente, o Tribunal recorrido violou o preceituado nos artigos já referidos nas conclusões anteriores, bem como o disposto nos n.°s 2, 3 e 5 do artigo 450.° do Código do Trabalho/2003 e nos artigos 349.° e 350.°, n.° 2, do Código Civil.
47.ª Decorre do que antecede que a cessação do contrato de trabalho da Recorrida ocorreu por denúncia unilateral sem aviso prévio, por abandono do trabalho, por parte daquela (n.° 4 do artigo 450.° do Código do Trabalho/2003) e não por despedimento promovido pelo Recorrente sem precedência de processo disciplinar.
48.ª Não havendo despedimento ilícito - como de facto não houve - não está o Recorrente obrigado a pagar à Recorrida qualquer indemnização, seja a título de indemnização por antiguidade seja a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como não tem de pagar à Recorrida quaisquer quantias a título de retribuições.
49.ª Por isso, a condenação do Recorrente a pagar tais indemnizações é violadora do preceituado na alínea a) do artigo 429.°, bem como dos artigos 436.° e 437.° do Código do Trabalho.
50.ª Sempre se dirá, porém, que a fixação do valor de  base  da  indemnização  de antiguidade em 30 dias de remuneração é manifestamente exagerado e violador do n.º 1  do  artigo 439.° do Código do Trabalho,  porque Tribunal fixou  a  base da indemnização   na   média   dos   limites   permitidos   pela   Lei   e   não   fundamentou minimamente tal decisão.
51.ª Não ponderou que, atenta a dúvida, aliás espelhada nas divergências doutrinais e jurisprudenciais citadas, quanto à obrigatoriedade de comunicação da prorrogação da "baixa", face ao preceituado no n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003, o grau de "ilicitude" do Recorrente seria manifestamente diminuto. Além do que a própria Recorrida, ao longo de mais de um ano, foi reiterando a apresentação atempada dos comprovativos, também contribuindo para a convicção do Recorrente de que ambas as partes estavam cientes da aplicabilidade do n.° 3 do mesmo artigo 228.º.
52.ª Assim, admitindo, sem conceder, que houvesse lugar a indemnização, o Tribunal deveria ter optado pelo limite mínimo admitido por Lei.
53.ª Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, dá-se aqui por reproduzida conclusão 51.ª, acrescentando-se que não se mostra alegado nem provado qualquer facto concreto que permita concluir qual o dano sofrido pela Autora.
54.ª Por outro lado, o Recorrente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sem fins lucrativos, pelo que os € 4.000,00 em que foi condenado são incomportáveis, pelo que, admitindo, sem conceder, que ao caso coubesse uma indemnização por danos não patrimoniais, a mesma teria de ser drasticamente reduzida.
55.ª Por isso, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o preceituado nos artigos 450.°, n.° 3, 429.°, a), 436.°, 437.°, 439.º, n.° 1, 228.°, n.° 3, do Código do Trabalho/2003 e os artigos 494.° e 496.°, n.° 3, l.ª parte, do Código Civil.
Pelo que, Ilustres Conselheiros, concedendo provimento ao presente recurso, revogando o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que, considerando a acção totalmente improcedente, absolva o Recorrente, de todos os pedidos, V. Exas. farão JUSTIÇA e cumprirão a LEI.»

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da Revista, ao que a recorrente veio responder manifestando a sua discordância.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar as questões que se colocam à apreciação, que se passam a discriminar, pela ordem em que abaixo se conhecerão, e que são as relativas:

a) à impugnação da decisão da matéria de facto;

b) à caracterização da cessação da relação de trabalho;

c) à indemnização em substituição da reintegração e por danos não patrimoniais.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que o Tribunal da Relação confirmou:

1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 4 de Novembro de 1997, mediante contrato de trabalho a termo certo que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

2. Tendo passado a partir dessa altura a desempenhar por conta e no proveito da Ré, no seu estabelecimento, a sua actividade profissional correspondente à Categoria de Escriturária de 1ª, sob as instruções, orientações e direcção da Ré e das suas estruturas hierárquicas e mediante o recebimento de uma contrapartida em dinheiro.

3. A Autora auferia ultimamente a remuneração mensal base ilíquida de € 648,7.

4. Ao qual acrescia o valor correspondente a uma diuturnidade, actualmente no valor de € 12,52, mensais.

5. E também abono para falhas no montante de € 16,23.

6. Em 9 de Março de 2005 a Autora entrou em baixa médica, tendo-se mantido nessa situação até 27 de Agosto de 2006.

7. Quando em 9 de Março de 2005 entrou de baixa comunicou à Ré a sua situação, tendo entregue o respectivo comprovativo.

8. O mesmo sucedendo relativamente às sucessivas renovações.

9. A 20 de Junho de 2006, a Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 40, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006.

10. Em resposta à referida carta a Autora remeteu à Ré, em 28 de Junho de 2006, a carta, cuja cópia se junta a fls. 44, com cópia do comprovativo da baixa.

11. A Autora não havia entregue imediatamente o referido comprovativo de baixa médica em que a mesma era prorrogada do até 28 de Junho.

12. A Autora veio a fazê-lo em data não concretamente apurada, mas anterior ao recebimento da carta remetida pela Ré à Autora, datada de 20 de Junho e enviada nessa mesma data.

13. A Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 46, datada de 3 de Julho de 2006.

14. A Ré sabia que à Autora desde 2002 sofria de doença do foro oncológico, que a tem impedido de trabalhar de forma ininterrupta, desde Março de 2005.

15. A Ré sabia que a Autora sofre há vários anos de doença prolongado e que a partir de Março de 2005, foi submetida a tratamentos dolorosos que impediam de trabalhar e de fazer uma vida normal.

16. Até a Autora ficar doente foi uma trabalhadora assídua.

17. No mês de Outubro de 2000, a Ré entregou à Autora a carta junta a fls. 50, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

18. A saúde da Autora ficou mais fragilizada com o recebimento da carta da Ré em que invoca o abandono do trabalho.

19. O comportamento da Ré tem provocado na Autora desgosto e angústia, sentindo-se esta injustiçada e sem forças para enfrentar uma situação de desemprego.

20. A Autora recebeu, em 27 de Junho de 2006, a carta remetida pela Ré no dia 20 desse mês e ano.

21. A Autora não se apresentou ao serviço após 29 de Maio de 2006.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Antes de entrar na análise das questões que se suscitam na presente Revista, importa advertir que à presente acção, porque foi instaurada em 2006, aplica-se o Código de Processo do Trabalho de 1999 [aprovado pelo DL n.º 480/99, de 9/11, e alterado pelo DL n.º 323/2001, de 17/12, e DL n.º 38/2003, de 8/3], sendo que o artigo 81.º/5, daquele Código manda aplicar à interposição e alegação do recurso de revista «o regime estabelecido no Código de Processo Civil».

Vejamos, pois, as questões a dilucidar:

a) Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto

Nos termos conjugados dos artigos 729.º/2 e 3 e 722.º/2 do CPC, extrai-se o regime de que a decisão em matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, não pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou ofensa de disposição que fixe a força probatória de determinado meio de prova ou quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Deste modo, a revista, no que concerne à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, aquelas situações excepcionais, ou seja, quando:

- o tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência;

- o tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico;

- o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Como se sabe, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655º do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Mas o princípio da livre apreciação da prova cede em determinadas situações, perante o princípio da prova legal, designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos.

Assim, enquanto segundo o princípio da prova livre o julgador tem plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a força probatória.

Ora, os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais, que se deixam, em síntese, enunciados e que carecem de ser observados na produção de prova, foram no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só pode fazê-lo por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por outras palavras, e em termos práticos, pode dizer-se que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto é daqueles efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça.

O que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

Note-se que estão nesse caso, para além das situações já citadas, evidentemente, também aquelas em que se fixam factos com conteúdo de matéria conclusiva ou de direito, pois que aí não pode o Supremo Tribunal de Justiça deixar de exercer os seus poderes de cognição, sob pena de ficar manietado para a correcta aplicação do direito.

Obviamente que dentro destes princípios não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar os depoimentos de parte ou testemunhais a fim de aferir se eles provam, ou não, determinados factos, que não tenham sido objecto de outra prova de valor superior.

Como não cabe averiguar se a convicção firmada pelos julgadores nas instâncias em relação a determinado facto, em prova de livre apreciação, se fez no sentido mais adequado, tanto mais estando as instâncias, mormente a 1.ª, em melhores condições de julgamento, atento o princípio da imediação em que determinadas provas são produzidas.

Como não cabe ainda apreciar se em face de determinado documento que admita contraprova ou prova em contrário, a apreciar livremente pelo julgador, se verificou, ou não, erro de julgamento na fixação dos factos.

Ora, no caso vertente a Ré na apelação que interpôs para a Relação, nos termos do artigo 690°-A do Código de Processo Civil impugnou a decisão da matéria de facto proferida na 1.ª instância, sustentando, no essencial, que deviam ser dados como provados os factos constantes do artigo 10° da petição inicial e dos artigos 13°, 14°, 17°, 18°, 33°, 42°, 44° e 45° da contestação e, por outro lado, que deviam ser eliminados, por não terem ficado provados, os factos vertidos nos pontos 7°, 8°, 12°, 14° e 15° da matéria de facto dada como provada.

E o Tribunal da Relação, de fls. 14 a 22 do douto acórdão proferido nos autos, pronunciou-se, especificadamente, sobre todos os pontos da matéria de facto colocada em crise pela Apelante, reapreciando todos os elementos de prova, documentais e testemunhais, invocados pela Recorrente, para concluir pela improcedência da impugnação deduzida.

Porém, não se conformando com a decisão proferida, a Ré recorre para este Supremo Tribunal, apresentando a mesma impugnação da decisão que havia apresentado naquele tribunal, sustentando que a matéria vertida no artigo 10° da petição inicial deve ser havida por assente por confissão aceite e que em face dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas é de concluir que os factos vertidos nos artigos 13°, 14°, 42°, 44° e 45º da BI se encontravam provados. Sustentando ainda que devem ser considerados não provados os pontos seguintes do elenco dos factos provados: - 7º, por as testemunhas nada terem dito; - 8º, por não alegado; - 12º, por não alegado e irrelevante e -14º e 15º, por deturpada apreciação crítica das provas.

E depois de esgrimir todos os seus argumentos remata na sua douta alegação que «impõe-se, por conseguinte, a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de o mesmo, exercendo as suas competências legais, reapreciar devidamente a matéria de facto quanto aos concretos aspectos mencionados, seguindo-se os demais termos até final».

E em resposta ao Parecer do Ministério Público diz que «a Recorrente bem sabe que este tribunal não pode conhecer de matéria de facto. O que a Recorrente pretende é que este Supremo Tribunal declare que o tribunal recorrido pode e deve alterar a decisão em matéria de facto tomada pela 1.ª instância…».

Ora, se bem se entende o raciocínio da Recorrente, o que esta pretende com a impugnação da decisão da matéria de facto, feita para este Supremo Tribunal nos mesmos termos em que o fizera para o Tribunal da Relação, apenas mudando o nome do tribunal recorrido, é que também este tribunal faça uma reapreciação das provas produzidas sobre os aspectos sindicados, analisando documentos e o depoimento das testemunhas, etc., para verificar o erro da decisão do tribunal recorrido e lhe remeter os autos para reapreciar devidamente a matéria de facto.

Porém, como já acima se deixou assinalado, não cabe dentro dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, conhecer e reapreciar de elementos de prova que sejam da livre apreciação do julgador, porque essa apreciação é da competência exclusiva das instâncias. Nem sequer o podendo fazer com a finalidade de verificar se as instâncias decidiram acertadamente ou não.

Por isso, sufraga-se o douto parecer do Ministério Público na parte que segue:
«Ora, como é sabido o erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto não pode ser objecto de recurso de revista, "salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova" (artigo 722°, n.° 2, do Código Processo Civil), sendo que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo "salvo o caso excepcional previsto no n.° 2 do artigo 722° (artigo 729°, n.° 2, do Código de Processo Civil).
Ou seja, funcionando como tribunal de revista, o Supremo só pode sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto quando o fundamento invocado for a violação de alguma regra de direito material probatório. Fora desses casos excepcionais, o Supremo apenas poderá ordenar que o processo volte ao tribunal recorrido quando considerar que a decisão relativa à matéria de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando a mesma sofra de contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.
A Recorrente não invoca, na revista, para sustentar o erro na apreciação das provas, a violação de norma de direito material probatório e embora refira o “print" retirado da página electrónica dos CTT - Correios de Portugal, tal documento não tem a virtualidade para, por si só, fazer prova dos factos alegados nos artigos 44° e 45° da contestação.
Assim, relativamente aos meios de prova que serviram de base à decisão das instâncias, vigora o princípio da livre apreciação da prova (artigo 396° do Código Civil), domínio que está excluído do âmbito dos poderes de intervenção do Supremo Tribunal, como resulta das citadas disposições do Código de Processo Civil e, também, do n° 6 do artigo 712° do mesmo Código.
Deste modo, está vedado a este Supremo Tribunal censurar a decisão da Relação que manteve inalterada a matéria de facto fixada na 1.ª instância».

É certo que a Recorrente veio alegar que o acórdão recorrido considerou irrelevante a factualidade vertida no artigo 10.° da   petição   inicial,   quando   deveria   tê-la   considerado   assente,   por confissão aceite, tendo em conta que se trata de matéria que, no quadro da acção, tal como se encontra configurada pelos factos alegados pelas partes nos seus articulados, é claramente desfavorável à Recorrida e, além do mais, foi expressamente aceite pelo Recorrente e, principalmente, porque a mesma releva na óptica da solução de direito preconizada pela Recorrente.

Ora, neste segmento da impugnação poderá defender-se o poder de cognição deste tribunal, por estar em causa a interpretação de uma norma de direito (a do art. 490.º/2 do CPC) e então haver-se-ia como provado, face ao alegado pela Autora no artigo 10.º da petição e ao pronunciado pela Ré no artigo 8.º da contestação, que a «[a]utora durante as sucessivas renovações da baixa podia ausentar-se de casa, cuja distância ao estabelecimento da R. é de escassos metros».

Sucede que o Tribunal da Relação não considerou esta matéria como relevante e, por isso, decidiu não a levar ao elenco dos factos provados.

Porém, como decorre do art. 659.º/3 do CPC, na decisão a proferir sempre os factos admitidos por acordo podem ser tomados em consideração, desde que relevantes se mostrem, independentemente de se encontrarem, ou não, vertidos entre os factos considerados assentes.

Daí que se aqueles factos se mostrarem com relevo para a decisão, nada impede que sejam invocados, sem necessidade de expressa inclusão na facticidade, formalmente, declarada assente.

É verdade também que a Recorrente diz que foram dados como provados factos não alegados, sugerindo existência de ilegalidade, verificável pelo Supremo.

Porém, é de ter presente que o juiz pode fundamentar a decisão final não só nos factos alegados pelas partes como também nos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, e nos factos complementares que resultem também da discussão e julgamento da causa, quando a parte a quem aproveitem manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (art. 264.º/2 e 3 do CPC).

Como no caso a instrução do processo foi feita com base em documentos e depoimentos testemunhais, uns e outros de livre apreciação do tribunal, o poder cognitivo deste tribunal não pode ser exercido no âmbito de tal matéria.

Invoca também a Recorrente a impertinência de factos dados como provados.

Nesta parte crê-se, atento o disposto nos art.s 511.º/2 e 653.º/4 do CPC, que não é admissível sequer a reclamação ou a impugnação da matéria de facto com tal fundamento.

Nestes termos considera-se não existir fundamento para censura da decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à decisão da matéria de facto.

b) Quanto à caracterização da cessação da relação de trabalho.

Coloca-se a questão de saber se o contrato de trabalho que ligava as partes se deve considerar cessado por abandono do trabalho por parte da Autora ou se por despedimento ilícito promovido pela Ré.

Alega a Recorrente que a Autora entrou em situação de "baixa" em 9 de Março de 2005 e foi apresentando, atempadamente, à Ré documentos comprovativos dessa situação até 29 de Maio de 2006, e não se apresentou ao serviço da Ré após esta data. A Ré só veio a receber o comprovativo da prorrogação da baixa, por mais trinta dias, na tarde do dia 20 de Junho de 2006, já depois de decorridos mais de dez dias úteis de ausência e já depois de a Ré ter expedido a comunicação de abandono do trabalho.

Acrescenta que a Autora, ora Recorrida, durante esse período - entre 29 de Maio de 2006 e 20 de Junho de 2006 - também não comunicou, por si ou por interposta pessoa, à Ré os motivos dessa ausência. Quando finalmente, na tarde de 20 de Junho de 2006, a Recorrida, ou alguém por ela, deixou o comprovativo da "baixa" na caixa do correio do estabelecimento da Recorrente, não invocou qualquer fundamento pelo qual só nessa data lhe tenha sido possível apresentar tal comprovativo.

Invoca mais que nos termos dos artigos 228.°, 229.°, n.° 6, e 334.° do Código do Trabalho/2003, as faltas após 29 de Maio de 2006 são injustificadas, tendo o Tribunal entendido erradamente que o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 não se aplica nos casos de suspensão do contrato de trabalho por motivos de doença, mas tal entendimento,  não colhe, desde logo porque deixaria o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003 sem qualquer alcance prático ou com um alcance praticamente nulo.

Defende, assim, a Recorrente que a relação de trabalho se deve considerar cessada por ausência da Autora ao serviço integradora de abandono do trabalho.

Vejamos se lhe assiste razão.

Estabelece o artigo 450°/1 do Código do Trabalho de 2003, aplicável ao caso dos autos, que «considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço, acompanhada de factos que, com toda a possibilidade, revelem a intenção de o não retomar».

E o n.º 2 diz que presume-se «abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência».

 Mas esta presunção, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito pode «ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência».

E o mesmo preceito estipula ainda, no n.º 4, que «o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador pelos prejuízos causados, não devendo a indemnização ser inferior ao montante calculado nos termos do artigo 448°».

 Sempre tem sido entendimento pacífico na jurisprudência, quer no domínio do LCCT (Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro), quer no do Código do Trabalho, que para que a ausência do trabalhador ao serviço se possa caracterizar como “abandono do trabalho” é indispensável a verificação cumulativa de dois requisitos:

- (I) um objectivo, que consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos, se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo da sua actividade;

- (II) outro subjectivo, traduzido num «animus» extintivo, que se capta através de algo que o revele ou que exteriorize factos que, de acordo com a lei, «com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho» [vd. Acórdãos do STJ de 05.07.2007; de 26.03.2008 e de 03.06.2009, acessíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].

E quanto ao segundo requisito salienta JÚLIO GOMES [in Direito do Trabalho, vol. l, 2007, pág. 1072] que «esta intenção há-de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo de modo algum suficiente uma mera verosimilhança, já que também aqui a vontade da demissão, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca. A vontade extintiva não pode considerar-se a regra, mas antes a excepção, e como tal deve ser interpretada restritivamente, exigindo-se mais do que uma omissão».

Acresce que cabe ao empregador que invocou a cessação do contrato o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção do abandono, os factos que suportam a presunção, como se defendeu no acórdão do STJ de 26/03/2008, já citado.

Será que no caso em apreço os factos que resultaram provados consubstanciam a figura de abandono do trabalho por parte da Autora?

Vem provada, na parte que interessa, a seguinte facticidade:

Em 9 de Março de 2005 a Autora entrou em baixa médica, tendo-se mantido nessa situação até 27 de Agosto de 2006 e quando entrou de baixa comunicou à Ré a sua situação, tendo entregue o respectivo comprovativo, o mesmo sucedendo relativamente às sucessivas renovações;

Em 20 de Junho de 2006, a Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 40, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006;

Em resposta à referida carta a Autora remeteu à Ré, em 28 de Junho de 2006, a carta, cuja cópia se junta a fls. 44, com cópia do comprovativo da baixa;

A Autora não havia entregue imediatamente o referido comprovativo de baixa médica em que a mesma era prorrogada até 28 de Junho, apenas veio a fazê-lo em data não concretamente apurada, mas anterior ao recebimento da carta remetida pela Ré à Autora, datada de 20 de Junho e enviada nessa mesma data.

Ora, as ausências ao trabalho por parte da Autora entre 9 de Março de 2005 e 27 de Agosto de 2006 em consequência de baixa médica são ausências motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a doença da trabalhadora, correspondendo essas ausências ao tipo de faltas justificadas, previsto no artigo 225.º, n.º 2, al. d) do Código do Trabalho de 2003.

Sucede que nos termos do art. 230º/3, do mesmo código, nos «casos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 225.º, se o impedimento do trabalhador se prolongar efectiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se o regime de suspensão da prestação do trabalho por impedimento prolongado».

E o art. 333º/1 reafirma a aplicação do mesmo regime, ao estabelecer que «determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente o serviço militar obrigatório ou serviço cívico substitutivo, doença ou acidente».

É bem claro que o legislador quis regular em termos distintos as ausências do trabalhador ao seu serviço por impedimento deste, designadamente por motivo de doença, mandando aplicar às verificadas até um mês: - o regime das faltas, com a necessidade de o trabalhador ter de as justificar. E às verificadas para além de um mês: - o regime de suspensão do contrato, sem necessidade de justificação dessas ausências, como melhor se verá.

O que bem se compreende, na medida em que durante os primeiros 30 dias o contrato se mantém plenamente em vigor, com os inerentes direitos, deveres e garantias.

Outro tanto não sucede durante o período de suspensão, pois que apenas se mantêm os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho, cessando os restantes, conforme se extrai do disposto no art. 331º/1 do CT.

E um dos deveres que não pode deixar de cessar durante o período da suspensão é o dever de comparência ao serviço [art. 121.º/1/b) do CT], porque este dever pressupõe a obrigação da efectiva prestação de trabalho, que durante o período de suspensão não pode ter lugar.

Ou seja, durante o período da suspensão do contrato devido a doença do trabalhador que se prolongue por mais de um mês o mesmo trabalhador não tem de se apresentar no local de trabalho para prestar a sua actividade profissional, pelo que, não tendo esta obrigação, também não lhe pode ser assacada a correlativa obrigação de ter que justificar a sua ausência.

Por isso, o n.º 3 do art. 228.º do CT, que diz que «a comunicação tem de ser reiterada para as faltas justificadas imediatamente subsequentes às previstas nas comunicações indicadas nos números antecedentes», não pode ter qualquer aplicação após o contrato do trabalhador ter passado ao regime de suspensão.

É certo que a ausência ao trabalho que venha a determinar a suspensão do contrato deve ser comunicada ao empregador, como hoje até o determina expressamente o art. 253.º/4 do CT de 2009, porque afinal se destina a comunicar ao empregador a entrada do contrato no regime de suspensão e do seu motivo determinante.

O que o trabalhador carece de justificar é, pois, o período da sua ausência por doença que seja determinante do regime de suspensão. A partir desse momento o trabalhador não tem de apresentar qualquer justificativo da sua ausência até por não haver referências na lei, de natureza temporal ou incidental, em relação às quais o trabalhador se devesse reportar para apresentação de tal justificativo.

Eventuais prorrogações, ou renovações, da baixa médica não impõem qualquer obrigação de comunicação formal, por a lei não conter qualquer cominação para a situação de a comunicação não se verificar.

E seria abusivo para o caso ir buscar o regime das faltas para se poder encontrar a sanção porque este regime se mostra afastado até ao momento em que o trabalhador deva retomar o trabalho por ter chegado ao seu termo o período de baixa médica por doença.

Aliás se fosse intenção do legislador aplicar o regime da justificação das faltas no âmbito da suspensão do contrato não se absteria de o dizer expressamente, ainda que, reconheça-se, se o fizesse não deixaria também de estabelecer um regime incongruente e em parte de esvaziamento do instituto da suspensão do contrato.

Note-se que o legislador nem sequer pode ser acusado de não prevenido, pois que no artigo 334.º do CT não se esqueceu de estatuir que o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a actividade no dia imediato ao da cessação do impedimento «sob pena de incorrer em faltas injustificadas».

Quer dizer, o legislador previu uma situação de aplicação do regime das faltas, que eventualmente tenha lugar de seguida ao termo do regime da suspensão, para o caso de o trabalhador não se apresentar ao trabalho, que nem carecia de prever porque sempre decorreria das regras gerais, mas pretendeu advertir o trabalhador para essa eventualidade, pelo que mal se compreenderia que igualmente não advertisse, expressamente, o trabalhador para a necessidade de justificar as ausências durante o período da suspensão, se tal devesse ter lugar.

Daí que não se subscrevam as conclusões do recurso da Recorrente proclamadoras de teorias em contrário do que aqui se deixa exposto, designadamente quando o Recorrente diz que «a prova inequívoca de que a tese defendida pelo Tribunal recorrido não colhe, é o facto de o Legislador de 2009, constatada a forma errada como estava a ser interpretado o n.° 3 do artigo 228.° do Código do Trabalho/2003, ter vindo esclarecer expressamente essa questão no n.° 4 do artigo 253.° do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro».

Com efeito, este último normativo não assume a natureza de lei interpretativa, porque o legislador assim não o qualifica e porque o regime anterior ao do Código de Trabalho de 2009 é claro sobre a matéria em apreço no sentido que acima se deixou expresso, não carecendo de qualquer interpretação por via legislativa.

No caso vertente não se suscita qualquer dúvida de que as ausências da Autora determinaram a suspensão do contrato, facto de que a Recorrente tinha perfeito conhecimento por lhe terem sido comunicadas as prorrogações da baixa, pelo que tendo a situação de baixa cessado apenas a 27 de Agosto de 2007, não carecia a Autora de proceder a qualquer justificação das ausências durante o período da suspensão e apenas a partir da cessação da suspensão do contrato recaía sobre a mesma o dever de se apresentar ao serviço, sob pena de, então, incorrer em faltas injustificadas e não antes desse evento.

Acresce que não só o trabalhador não carece de justificar as faltas dadas durante esse período de suspensão do contrato como, consequentemente, não podem essas faltas consubstanciar um comportamento do trabalhador que faça presumir o seu abandono do trabalho.

Deste modo, tendo a Ré, em 20 de Junho de 2006, remetido à Autora a carta cuja cópia se mostra junta autos, a comunicar-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006, procedeu ao despedimento da Autora, que foi ilícito por não ter sido precedido do respectivo procedimento legal.

Assim, o contrato de trabalho que ligava as partes considera-se cessado, não por abandono do trabalho por parte da Autora, mas antes por despedimento ilícito promovido pela Ré.

c) Quanto à indemnização em substituição da reintegração e por danos não patrimoniais:

Alega a Recorrente que, admitindo, sem conceder, que houvesse lugar a indemnização em vez da reintegração, o Tribunal deveria ter optado pelo limite mínimo admitido por Lei.

E quanto à indemnização por danos não patrimoniais, diz que não se mostra alegado nem provado qualquer facto concreto que permita concluir qual o dano sofrido pela Autora e que, por outro lado, a Recorrente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sem fins lucrativos, pelo que os € 4.000 em que foi condenada são incomportáveis, pelo que, admitindo, sem conceder, que ao caso coubesse uma indemnização por danos não patrimoniais, a mesma teria de ser drasticamente reduzida.

Vejamos.

Quanto à indemnização em substituição da reintegração.

No tocante à indemnização em substituição da reintegração subscreve-se a decisão da Relação nesta parte, que aliás foi no sentido de acolher parcialmente o que a Ré pedira na apelação:
«Dispõe o art. 439º, n.º 1 do Código do Trabalho, que em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o montante, entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429º.
Ao contrário do que se verificava anteriormente, com a entrada em vigor do Código do Trabalho, a indemnização deixou de ser fixa e passou a ser variável, cabendo ao tribunal fixar o seu montante. Em vez de proceder a uma simples operação aritmética, como sucedia no domínio da LCCT, o juiz, agora, passa a fixar a indemnização segundo uma moldura, entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades, devendo, na determinação concreta do seu montante, atender ao valor da retribuição base e diuturnidades auferidas pelo trabalhador, à data do despedimento, à antiguidade do trabalhador e ao grau de ilicitude do despedimento, tendo em conta as situações previstas nas três alíneas do art. 429º.
Como se refere no Ac. desta Relação de 7/3/2007, relatado pelo Exmº Desembargador Ferreira Marques, in www,dgsi.pt, “Assim, um despedimento fundado em motivos políticos, étnicos, ou religiosos terá um grau de ilicitude muito mais elevado do que um despedimento decretado sem processo disciplinar; um despedimento abusivo ou baseado em factos falsos será muito mais grave do que um despedimento baseado em factos que, no entender do tribunal, não justificam a aplicação daquela sanção disciplinar. Por outro lado, visando a indemnização acorrer à perda do posto de trabalho e à fenomenologia económico-social adversa, bem conhecida nas sociedades dos nossos dias, em que o trabalhador e o seu agregado familiar ficam mergulhados, após o despedimento, o tribunal deve também levar em linha de conta nessa ponderação, o valor da retribuição do trabalhador e a sua antiguidade. Deste modo, num despedimento baseado em motivos políticos, religiosos ou étnicos e num despedimento baseado em factos falsos, com muitos anos de serviço e com uma retribuição modesta, justifica-se que o tribunal atribua a esse trabalhador uma indemnização correspondente ao limite máximo da referida moldura ou muito próximo desse limite, mas já não se justifica nos demais casos”.
No caso em apreço, o despedimento resultou na consideração, por parte do Réu- apelante, como vimos, da existência de uma situação de abandono do trabalho por parte da Autora.
Tal tese não vingou, sendo que não há razões para crer que a sua defesa não tenha derivado unicamente da circunstância de o Réu não ter avaliado - embora, como vimos, sem o mínimo de cuidado - convenientemente a situação, em termos do seu enquadramento jurídico. Ou seja, não está demonstrado que o Réu tenha, com a invocação do abandono do trabalho, agido com dolo, com o único propósito de se ver livre da trabalhadora.
Por outro lado, não podem deixar de se considerar a antiguidade da Autora, o seu não elevado salário, bem como a alegação, que nos parece pertinente, de que a Ré, sendo uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), sobrevive apenas da quotização dos seus associados e dos subsídios da Segurança Social.
Daí que consideremos adequado não o montante fixado na sentença, nem a fixação no limite mínimo, mas sim o de 30 dias por cada ano.
Como tal, e tendo em conta que a sentença transitou na parte em que se limitou a liquidar a indemnização até ao momento da sua prolação, fixa-se a mesma no montante de € 7.784,40».

            Quanto à indemnização por danos não patrimoniais:

Sendo o despedimento declarado ilícito o trabalhador tem direito, para além da reintegração, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados (art. 436.º do CT).

A obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, tem como suposição, para além da verificação do facto, que este seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o mesmo facto (ilícito) e um resultado (danoso) (art.s 483º e 563º do CC).

O primeiro requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é, pois, que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia, e devia, ter agido de modo a não cometer o ilícito e não o fez.

O nosso Código Civil, no tocante à culpa, quer no âmbito da responsabilidade extra-obrigacional (art. 487º, n.º 2), quer no da responsabilidade obrigacional (art. 799º, n.º 2) manda apreciá-la em abstracto, isto é, segundo «a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso». Assim, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente diligente.

O segundo requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º).

A obrigação de indemnizar, em qualquer dos casos, tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, ou seja, «toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, tanto de carácter patrimonial (desvantagem económica), como de carácter não patrimo­nial (relativos à vida, à honra, ao bem estar, etc.)» [M J. Almeida Costa, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª ed., pg. 171].

Acresce que o «obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art. 562º do CC).

Sucede, porém, que a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir. Com efeito, estipula o já citado art. 563º do CC que «a obrigação de indem­nização só existe em relação aos danos que o lesado prova­velmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

A nossa lei acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente [vd. I. G. Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pg. 404. e ss.].

Temos, pois, que «a ideia fulcral desta doutrina é a de que se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequa­da a produzi-lo. Torna-se necessário, portanto, não só que o fac­to se revele, em concreto, condição “sine qua non” do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção» [M J. Almeida Costa, in Ob. Cit., pg. 172].

Verificada a existência de culpa e o nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, conclui-se existir obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, pelo que se impõe, então, com vista a determinar o quantitativo indemnizatório, avaliar os danos produzidos e aferir do grau de responsabilidade do autor da lesão, que terá de ser feita em função da sua maior ou menor culpabilidade, da situação económica deste e do lesado e das demais circunstâncias do caso (art. 494º). Note-se que é ao devedor que cabe provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, n.º 1 do CPC.).

Uma vez concluído pela obrigação de indemnizar, tem também de se ter presente que esta compreende tanto os danos emergentes (ou os prejuízos imediatos sofridos pelo lesado), como os lucros cessantes (benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão) ou ainda os danos futuros, determináveis, de imediato ou em ulterior decisão (art. 564º do CC).

E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, pois estabelece o art. 496º/1 do CC, que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º ...», ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais, também chamados danos morais, são aqueles «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais.

Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral» [In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378].

No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual [Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285].

            Dentro desta concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo se justifica que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração [vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104].

Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.

E estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial carecem de ser observados no âmbito do direito laboral por este nada de específico conter nesta matéria.

Deste modo, em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.

No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador.

Note-se que, independentemente da lesão destes bens da natureza espiritual, assiste direito à entidade empregadora de fazer cessar a relação laboral com um seu trabalhador, quando levada a efeito dentro do condicionalismo imposto pela lei, sendo que em tal situação dificilmente poderá ter cabimento uma indemnização por danos morais, a menos que se use, sem necessidade, de procedimento lesivo daqueles bens.

Acresce que mesmo no caso de a entidade empregadora promover um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, produza danos não patrimoniais ao mesmo trabalhador, sempre haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito.

É que pode suceder que apesar de a entidade empregadora ter promovido um despedimento ilícito não patenteie um comportamento gravemente culposo, consideradas as circunstâncias envolventes desse despedimento.

Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.

Ora, no caso vertente ficou provado que a saúde da Autora ficou mais fragilizada com o recebimento da carta da Ré em que invoca o abandono do trabalho e que o comportamento da Ré tem provocado na Autora desgosto e angústia, sentindo-se injustiçada e sem forças para enfrentar uma situação de desemprego.

Sucede que, na verdade, a 20 de Junho de 2006, a Ré remeteu à Autora a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 40, comunicou-lhe que o seu contrato de trabalho havia cessado por abandono, por não ter comunicado o motivo da sua ausência a partir de 30 de Maio de 2006. Sendo que a Autora, que tinha vindo a fazer entrega dos comprovativos da prorrogação da baixa, não havia entregue imediatamente o referido comprovativo de baixa médica em que a mesma era prorrogada do até 28 de Junho.

Como acima se viu, entende-se que a Autora após o contrato ter entrado no regime de suspensão não tinha que apresentar tais comprovativos. Mas o certo é que a Ré se tem batido no processo, aliás com muito empenho e ampla argumentação, pelo defesa de entendimento oposto, ou seja, de que a Autora era obrigada em face da lei a apresentar os comprovativos da prorrogação da baixa, pelo que, não o tendo feito atempadamente, a Ré tinha direito a considerar cessado o contrato por abandono do trabalho.

Atendendo, pois, ao condicionalismo em que a Ré comunicou à Autora a cessação do contrato por abandono do trabalho, não se vislumbra que a Ré tenha agido com intenção de proceder a despedimento ilícito ou, admitindo essa eventualidade, aceitando-o como consequência normal da comunicação da cessação da relação de trabalho por abandono.

Assim, se é legítimo e pertinente discutir se existiu, ou não, despedimento ilícito, por se configurarem como, mais ou menos, defensáveis entendimentos divergentes ou até opostos, parece de reconhecer que a culpa do empregador, a existir, restará fortemente diminuída, caso se venha a concluir pela ilicitude do despedimento, pelo que não deve relevar para efeito da sua condenação por invocados danos morais pelo trabalhador.

Por outro lado, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima, mais uma vez, a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais.

Ora, em face da facticidade que resultou assente, é de concluir que não tem relevância bastante nem a culpa por parte da Ré nem os danos não patrimoniais sofridos pela Autora, com vista a fundamentar uma condenação daquela em indemnização a favor da segunda.

É certo que também resultou provado que a Ré sabia que a Autora desde 2002 sofria de doença do foro oncológico, que a impedia de trabalhar de forma ininterrupta, desde Março de 2005 e que a Autora sofria há vários anos de doença prolongada e que, a partir de Março de 2005, foi submetida a tratamentos dolorosos que a impediam de trabalhar e de fazer uma vida normal.

Mas esta matéria não releva no sentido de imputar à Ré um maior grau de culpabilidade na produção dos danos, porque independentemente do conhecimento que a Ré possuía das condições de saúde da Autora, outros factos se verificaram e esses é que integraram o condicionalismo, verdadeiro e próximo, da cessação da relação de trabalho. 

Do que se conclui, sem necessidade de outros considerandos, que a Revista é de conceder nesta parte, sendo a acção de improceder quanto ao pedido de condenação por danos não patrimoniais.

Procedem, em parte, as conclusões do recurso, sendo de alterar a decisão recorrida.

IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcialmente a Revista e altera-se a decisão recorrida no sentido de julgar a acção improcedente quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Na parte restante confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrida em conformidade com o decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário, uma vez que a recorrente está isenta.

Lisboa, 18 de Maio de 2011. 

              

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva