Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
270/07.3TTOAZ.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
RESCISÃO DE CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/05/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1. No que toca à indemnização por rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho desportivo, o art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 consagra um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, uma vez que, ao estipular que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”, claramente nos remete para as disposições civilísticas, designadamente para o art.º 562.º e seguintes do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização.
2. Segundo este regime, o praticante desportivo que, com justa causa, tenha rescindido o contrato de trabalho, terá de alegar e provar os danos que efectivamente sofreu por causa da rescisão do contrato.
3. Tendo o autor alegado que a ré não lhe pagou as prestações pecuniárias que teria auferido até ao termo do contrato e que, em consequência da cessação do aludido contrato, tinha direito a receber aquelas prestações, é de reconhecer, na perspectiva de um declaratário normal (art.º 236.º, n.º 1, do C.C.), que o autor pretendeu dar àquela alegação o sentido de que com a rescisão do contrato sofreu um dano de valor igual ao das retribuições que teria auferido da ré até ao termo do contrato.
4. Estando provado que o autor deixou de receber da ré as retribuições que dela teria auferido se o contrato tivesse cessado no seu termo (final da época desportiva de 2006/2007) e que, posteriormente à rescisão do contrato com a ré, exerceu a actividade de basquetebolista profissional, sob a autoridade e direcção de outra entidade empregadora desportiva, mediante retribuição, ainda na época de 2006/2007, torna-se evidente, nos termos da teoria da diferença consagrada no art.º 566.º, n.º 2, do C.C., que ele só tem direito a receber da ré, a título de indemnização pela rescisão do contrato com justa causa, a diferença entre o montante correspondente às retribuições que deixou de auferir da ré, em virtude da rescisão do contrato, e o montante das retribuições que, até ao final da referida época desportiva, auferiu ao serviço do outro empregador.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
Na presente acção, proposta no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis por AA contra a BB, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de € 66.400, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, sendo € 7.500 a título de parte dos prémios referentes à época desportiva de 2005/2006, € 44.100 a título das retribuições que teria auferido na época desportiva de 2006/2007, ou seja, até ao termo do contrato, € 9.900 a título dos direitos de imagem que teria recebido na época desportiva de 2006/2007 e € 4.900 a título de renda da casa dos meses de Abril/2006 até Maio/2007.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- em 1 de Setembro de 2005, celebrou um contrato de trabalho desportivo com a ré, para exercer as funções de jogador profissional de basquetebol, com início em 25.8.2005 e termo em 25.5.2007;
- nos termos do referido contrato, o autor auferiria em cada uma das épocas desportivas (2005/2006 e 2006/2007) nove prestações mensais de € 4.900, com vencimento no dia 10 dos meses de Outubro a Junho de cada época;
- em 25.11.2005, o autor e a ré celebraram um aditamento ao referido contrato, nos termos do qual a ré pagaria ao autor € 5.000 pela presença da equipa nos playoffs de 2005/2006, € 5.000 pela presença da equipa na Final Eight da Taça de Portugal na época de 2005/2006 e € 5.000 pela presença da equipa na Taça da Liga na época de 2005/2006;
- a ré também celebrou com o autor um contrato de direitos de imagem, comprometendo-se a ré, em contrapartida, a pagar-lhe a quantia de € 9.900 por época, em nove prestações de € 1.100 cada, com início em 10 de Outubro;
- na época de 2005/2006, a equipa da ré atingiu os três objectivos supra referidos;
- além disso, a ré prometeu pagar ao autor a renda mensal da casa, até ao limite de € 350 mês e até ao final do contrato de trabalho;
- quando nada o fazia prever, em Setembro de 2006 a ré não inscreveu a sua equipa de basquetebol na Liga de Clubes de Basquetebol, ficando, por isso, impedida de participar em quaisquer provas oficiais, e acabou mesmo por extinguir a equipa de basquetebol;
- tal facto impediu a prestação efectiva da actividade desportiva para toda a época de 2006/2007, para a qual o autor fora contratado;
- a ré não pagou ao autor as prestações remuneratórias à época de 2006/2007 (€ 44.100), o mesmo acontecendo com metade (€ 7.500) dos prémios de presença acima referidos, com as prestações referentes aos direitos de imagem na época de 2006/2007 (€ 9.900) e com a renda de casa referentes aos meses de Abril/2006 até Maio/2007 (€ 4.900);
- face à impossibilidade por parte do autor e por culpa exclusiva da ré de poder cumprir a sua prestação contratual, jogando e treinando, e face ao não pagamento das retribuições vencidas e não pagas, não restava ao autor outra alternativa que não fosse a rescisão do contrato com justa causa, o que fez por carta de 21 de Setembro de 2006.

A ré contestou, alegando, também em resumo, o seguinte:
- no final de época de 2005/2006, a direcção da ré demitiu-se, tendo esta passado por uma crise directiva que se prolongou por mais de dois meses;
- só em princípios de Agosto de 2006 é que a ré conseguiu eleger nova direcção;
- um dos primeiros objectivos da nova direcção foi o de conseguir apoios financeiros que lhe permitissem inscrever-se na Liga de Clubes de Basquetebol, para disputar o campeonato nacional de basquetebol na época de 2006/2007;
- os esforços desenvolvidos nesse sentido prolongaram-se até à data limite de inscrição na referida Liga, mas sem êxito;
- logo que concluiu pela impossibilidade de disputar o campeonato profissional na época de 2006/2007, a ré transmitiu tal situação ao autor para que este pudesse encontrar novo clube, o que por este foi aceite;
- mais ficou acordado entre o autor e a ré que após este encontrar novo clube, ou não, se acertaria um valor a pagar pelos eventuais danos resultantes da rescisão do contrato a efectuar por mútuo acordo;
- a ré ficou a aguardar que o autor a contactasse, mas, surpreendentemente, em 22.9.2006, recebeu a comunicação de rescisão do contrato por parte do autor, invocando este a violação do dever de ocupação efectiva;
- o autor só se viu impedido de exercer a actividade desportiva na época de 2006/2007 ao serviço da ré, porque esta se viu impedida de aceitar tal prestação, pelas razões objectivas acima referidas;
- se a ré tivesse podido aceitar a prestação desportiva do autor, durante a época de 2006/2007, obviamente que o teria feito, pois esse era o seu desejo e tudo fez para que tal fosse possível, não se verificando, por isso, uma oposição injustificada por parte da ré à prestação efectiva desportiva por parte do autor;
- posteriormente à comunicação de rescisão do contrato, a ré tomou conhecimento, através dos jornais, que o autor tinha celebrado contrato de trabalho desportivo com o “Queluz Sintra Património Mundial”, actividade que efectivamente acabou por exercer durante a época de 2006/2007;
- em Setembro de 2006, ao rescindir o contrato de trabalho desportivo, também deixou de vigorar o contrato de direitos de imagem, não lhe sendo, por isso, devidos quaisquer valores a título de direitos de imagem referentes à época de 2006/2007;
- a ré apenas deve ao autor € 7.500, a título de prémios.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada improcedente no que diz respeito à quantia reclamada a título de renda de casa e procedente quanto aos demais pedidos, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor: i) as retribuições acordadas para a época de 2006/2007, no montante de € 44.100, deduzidas as retribuições que o autor auferiu do Clube Queluz Sintra Património Mundial, na época de 2006/2007, em montante a liquidar posteriormente; ii) a quantia de € 7.500, acrescida de juros de mora desde a citação, a título de parte do valor dos prémios devidos pela presença da equipa nos playoffs, na final da Taça Eight, da Taça de Portugal e na Taça da Liga, na época de 2005/2006; iii) a quantia de € 9.900, acrescida de juros de mora desde a citação, referente ao contrato de direitos de imagem.

E, para decidir daquela forma no que toca às retribuições referentes à época de 2006/2007 – que, como adiante veremos, é a única questão trazida ao recurso de revista –, o M.mo Juiz começou por afirmar que o vínculo jurídico-laboral estabelecido constituía um contrato de trabalho desportivo regulado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, e, depois de tecer algumas considerações genéricas sobre o conceito de justa causa, fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
«Nos termos do preceituado no art.º 12º, al. a) da Lei n.º 28/98, são deveres da entidade empregadora desportiva, em especial, proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva bem como a participação efectiva nos treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva.
Conforme resulta dos factos apurados, em Setembro de 2006, a R. não inscreveu a sua equipa de basquetebol na Liga de Clubes de Basquetebol, ficando a mesma, em consequência, impedida de participar em quaisquer provas oficiais. Tal situação impedia também o A. da prestação efectiva da sua actividade desportiva que se traduzia na realização de treinos e jogos da competição oficial de basquetebol na equipa da R. na época de 2006/2007 para a qual fora contratado.
E embora tenha resultado provado que no final da época de 2005/2006, a Direcção da R. demitiu--se, seguindo-se uma crise directiva, que só foi resolvida em Agosto, com a eleição de uma nova Direcção. E que a nova Direcção desenvolveu contactos para conseguir apoios financeiros que lhe permitissem inscrever a equipa de basquetebol na Liga de Clubes de Basquetebol e suportar o pagamento dos salários e demais custos inerentes à disputa do campeonato profissional de basquetebol na época de 2006/2007, mas não alcançou tais apoios e em data não concretamente apurada acabou por deliberar extinguir a equipa de basquetebol profissional onde o A. jogava, mesmo assim não se mostra elidida a presunção de culpa que recai sobre a Ré nos termos do disposto no art.º 799º do Código Civil.
É que a Ré não logrou provar que a Direcção da R. tenha prolongado os contactos tendentes a assegurar os apoios financeiros para a disputa do campeonato profissional de basquetebol na época de 2006/2007 até à data limite de inscrição na Liga de Clubes de Basquetebol, tendo feito tudo o que era possível, e que logo que concluiu pela impossibilidade de disputar tal campeonato transmitiu a situação ao A. para que este pudesse encontrar novo clube para a época 2006/2007 – ponto 2 dos factos não provados.
Em obediência ao preceituado no art.º 442º, n.º 1 do Código do Trabalho e 29º da Lei n.º 28/98, o Autor comunicou a resolução do contrato à Ré e à Liga de Clubes de Basquetebol, com indicação dos motivos justificativos.
Pelo exposto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3º, 12º, al. a) e 26º, n.º 1, al.d) da Lei n.º 28/98 e art.º 441º, n.º 1 do Código do Trabalho, decide-se que o Autor resolveu com justa causa o contrato de trabalho desportivo que o ligava à Ré.
Nos termos do disposto no art.º 27º, n.º 1 da Lei n.º 28/98, a parte que der causa à cessação (...) incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
A retribuição compreende todas as prestações patrimoniais que, nos termos das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, a entidade empregadora realize a favor do praticante desportivo profissional pelo exercício da sua actividade ou com fundamento nos resultados nela obtidos – art.º 14º da Lei n.º 28/98.
Conforme ensina Antunes Varela – Direito das Obrigações em Geral, 7ª edição, págs.509 e 511 – Na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual). (...) Apesar de nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo na prática da vida, compartimentos estanques. Pode mesmo dizer-se que, sob vários aspectos, responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes.
No caso dos autos, porque o que está em causa é o incumprimento de um contrato e não a violação dos deveres gerais de conduta que a ordem jurídica impõe aos indivíduos, com vista à protecção dos seus direitos, estamos no domínio da responsabilidade civil contratual.
Sem dúvida que, “in casu”, se verificam os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil contratual, a saber: facto, ilicitude, culpa, dano, e nexo de causalidade entre facto e dano.
A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, a aqui Ré deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – art. 562 do Código Civil.
Conforme ensina A. Varela – Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 591, 7ª edição – dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar.
Na definição do citado civilista, o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado, correspondendo este aos benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão – ibidem, pág. 593.
O art. 566º do Código Civil, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade.
Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº 1 do art. 566º do Código Civil.
Ensina Antunes Varela – obra citada, pág. 906 – que a indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (id quod interest, como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido.
A lei consagra, assim, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº 2, do Código Civil.
Considerando a factualidade assente, o incumprimento contratual da Ré teve como consequência directa e necessária que o Autor deixasse de auferir as remunerações contratadas para a época de 2006/2007.
No entanto, conforme resulta da factualidade assente, posteriormente à rescisão do contrato com a R., ainda na época de 2006/2007, o A. exerceu a actividade de basquetebolista profissional sob a autoridade e direcção do Clube Queluz Sintra Património Mundial, mediante retribuição. Ora, a retribuição que o Autor auferiu naquele clube nunca a teria auferido se tivesse continuado vinculado à Ré, uma vez que não é legalmente possível a um jogador estar vinculado simultaneamente a dois clubes. Por isso, ao valor das remunerações que o Autor deixou de auferir da Ré haverá a deduzir o valor das retribuições que, naquela época de 2006/2007 o Autor auferiu ao serviço do Clube Queluz Sintra Património Mundial, pois só a diferença constitui o lucro cessante.
E, não tendo sido apurado o valor das retribuições que o Autor auferiu ao serviço do Clube Queluz Sintra Património Mundial, relega-se para liquidação posterior a fixação do montante devido ao Autor a título de lucro cessante.» (fim de transcrição)

A ré apelou da sentença, mas restringiu o recurso à parte em que foi condenada a pagar ao autor as retribuições acordadas para a época de 2006/2007, no montante de € 44.100, deduzidas as retribuições que o autor auferiu do Clube Queluz Sintra Património Mundial na época de 2006/2007, em montante a liquidar posteriormente, e a pagar a quantia de € 9.900 referente ao contrato de direitos de imagem.

E fê-lo com base, em resumo, na seguinte argumentação:
- a Lei n.º 28/98 consagra um regime diferente do regime geral, para os casos de resolução do contrato com justa causa por iniciativa do trabalhador, uma vez que no seu art.º 27.º, n.º 1, remete para as disposições do direito civil, nomeadamente para os artigos 562.º e seguintes do Código Civil;
- nos termos do regime geral, a obrigação de indemnizar só existe verificados que sejam determinados pressupostos: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano;
- no caso dos autos não se verificavam os pressupostos do dano e da culpa, uma vez que o autor estruturou a petição inicial como se pretendesse o cumprimento por parte da ré da obrigação pecuniária resultante do contrato de trabalho, quando deveria ter alegado e provado os danos decorrentes da rescisão do aludido contrato e uma vez que a culpa só se verificaria se a ré tivesse querido a extinção da sua equipa profissional de basquetebol ou não tivesse agido de modo a impedir tal extinção, o que da matéria de facto provada não decorre;
- na parte em que a ré foi condenada a pagar a quantia de € 9.900 relativamente ao contrato de direitos de imagem, a sentença colocou a questão no plano do cumprimento/incumprimento contratual quando a deveria ter colocado no plano da resolução contratual, sendo o regime a aplicar o da resolução do contrato (artigos 432.º e seguintes do C.C.) e não o da responsabilidade contratual;
- entre o contrato de trabalho desportivo e o contrato de direitos de imagem celebrados entre as partes existe uma relação de acessoriedade que torna este contrato subordinado daquele;
- estamos, pois, perante uma união ou coligação de contratos que, mantendo embora uma relação de interdependência, não perdem a sua individualidade;
-resolvido o contrato de direitos de imagem, o autor regressa à situação anterior à celebração de tal contrato, ficando apenas o direito a ser indemnizado pelo interesse contratual negativo, isto é, pelo prejuízo que não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato de direitos de imagem, o que vale por dizer que não tem direito a ser colocado na posição em que se encontraria caso o contrato fosse cumprido.

No que toca aos direitos de imagem, o Tribunal da Relação do Porto julgou procedente o recurso e revogou a sentença nessa parte.

Por sua vez, no que diz respeito às retribuições que o autor teria auferido na época de 2006/2007, se o contrato não tivesse sido objecto de rescisão, a Relação, sem emitir qualquer pronúncia sobre as questões suscitadas pela ré no recurso de apelação (inexistência de culpa da sua parte na não inscrição da equipa na Liga de Clubes de Basquetebol para disputar as competições profissionais na época de 2006/2007 e a falta de alegação por parte do autor dos danos eventualmente sofridos com a rescisão do contrato), acabou por revogar a sentença na parte em que ordenou que aquelas retribuições fossem deduzidas das que o autor auferiu, na época em causa, ao serviço do Clube Queluz Sintra Património Mundial, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 44.100, a título de indemnização pela rescisão do contrato com justa causa, agravando, assim, oficiosamente, nesta parte, a condenação da ré, uma vez que o autor não interpusera recurso da sentença, seja a título independente, seja a título subordinado.

E para decidir dessa forma (no que concerne às retribuições referentes à época de 2006/2007), o Tribunal da Relação recusou a aplicação do disposto no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por entender que aquele normativo violava não só o princípio da igualdade contido no art.º 13.º da Constituição, ao estabelecer que a indemnização devida ao praticante desportivo que rescinda com justa causa o seu contrato de trabalho desportivo não pode exceder o valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo, limite esse que no regime geral do Código do Trabalho não existe, mas também o disposto no art.º 59.º da CRP, ao não fixar uma indemnização mínima, como sucede no regime geral (art.º 443.º, n.º 3, do C.T./2003), e considerou aplicável ao caso o disposto no citado art.º 443.º, n.º 3, do C.T./2003.

O M.º P.º interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (TC) relativamente à questão da inconstitucionalidade do art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, e a ré interpôs recurso de revista, que foi admitido para subir, se for caso disso, após a apreciação do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Remetidos os autos ao T.C., aí veio a ser proferido acórdão, em 28.4.2009, (Acórdão n.º 199/2009 – Processo 910/08, da 2.ª Secção, a fls. 191 a 199 dos autos), nele se decidindo «[j]ulgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, na dimensão em que prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, “não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”».

Ordenada, pela Relação, a subida do recurso de revista a este Supremo Tribunal e nada obstando a que dele se conheça, cumpre apreciar as questões suscitadas pela ré nas conclusões por si formuladas nas alegações do recurso, cujo teor é o seguinte:
1 - O acórdão do Tribunal da Relação do Porto recusou a aplicação do art. 27, nº 1 da Lei 28/98 por entender que tal norma viola em toda a sua dimensão os arts. 13º e 59º da Constituição da República Portuguesa.
2 - O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do art. 13° da CRP, a norma do art. 27°, nº 1, da Lei 28/98, apenas na dimensão em que prevê que a indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, “não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.
3 - No caso concreto, a aplicação do art. 27°, nº 1 da Lei 28/98 deve ser feita com o alcance determinado pelo Tribunal Constitucional, conforme disposto no art. 80°, nº 3, da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
4 - A decisão do Tribunal Constitucional não impede a aplicação do art. 27°, nº 1 da Lei 28/98 nos termos em que o fez o Tribunal de Primeira Instância, uma vez que não existe um limite mínimo para o valor da indemnização.
5 - O concreto regime de indemnização a atribuir ao praticante desportivo, em caso de rescisão com justa causa por parte deste, não pode inferir-se do art. 59° da CRP;
6 - Acresce que, o art. 27°, nº 1, ao prever indemnização nos termos aí fixados para o caso de rescisão com justa causa por parte do praticante desportivo, garante as "condições mínimas" de protecção deste, não podendo, por isso, falar­-se em violação do art. 59° da CRP.
7 - Nos termos do art. 27°, nº 1 da Lei 28/98, em caso de rescisão com justa por iniciativa do trabalhador, a parte que deu causa à cessação incorre em responsabilidade civil pelos danos causados.
8 - No caso concreto, para que exista obrigação de indemnização a cargo da R. é necessário que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil, a saber: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre facto e dano.
9 - Determinada conduta é culposa, quando a mesma é devida a falta de diligência ou a dolo do devedor.
10 - Dos factos provados resulta que a R. actuou sem dolo ou falta de diligência, não se verificando, por isso, o elemento “culpa”.
11 -O A. não alegou, muito menos provou, que tenha sofrido danos com a rescisão do contrato de trabalho desportivo, como lhe competia (art. 342° do Código Civil);
12 - Por isso, no caso concreto não se encontra preenchido o elemento “dano”.
13 - Não se verificando os elementos “culpa” e “dano” não existe obrigação de indemnização a cargo da R.
14 - A condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 44.100,00 viola o disposto nos arts.27°, nº l da Lei 28/98, 798°, 562° e 563° do Código Civil.
15 - Mesmo que resultasse dos factos provados o valor dos danos sofridos pelo A., sempre haveria que deduzir a tal valor as retribuições que este auferiu, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato rescindido, pela prestação da mesma actividade a outra entidade empregadora desportiva, como resulta do disposto nos 562° e 566° do Código Civil;
16 - Ao não se fazer a dedução das verbas que o A. auferiu durante a época 2006/07 ao serviço do “Queluz Sintra Património Mundial” como basquetebolista profissional, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts 27°, nº l da Lei 28/98, 562° e 566° do Código Civil.

A recorrente rematou as suas alegações pedindo a revogação do acórdão, na parte em que a condenou a pagar ao A. a quantia de € 44.1000,00, com a sua consequente absolvição no que toca àquele pedido, ou, caso assim não se entenda, pedindo que àquele montante sejam deduzidos os valores auferidos pelo A. ao serviço do “Queluz Sintra Património Mundial”, como basquetebolista profissional, durante a época 2006/07.

O autor não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, em parecer a que as partes não reagiram.

Corridos os vistos dos adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que vêm dados como provados pela Relação são os seguintes (anote-se que os factos n.os 18 e 19 foram oficiosamente aditados pela Relação):
1. Por contrato de trabalho desportivo, inserto a fls. 7 e 8 dos autos, a R. admitiu ao seu serviço o A. como jogador profissional de basquetebol, para prestar com regularidade a actividade de basquetebolista, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização.
2. Nos termos da cláusula 2ª, tal contrato tinha o seu início em 25/8/2005 e teria o seu termo em 25/5/2007, ou 48 horas depois do último jogo oficial em que a R. participasse na época.
3. E segundo as cláusulas 7ª e 8ª do mesmo contrato como retribuição dos serviços prestados pelo atleta, o clube comprometeu-se a pagar-lhe, além dos prémios aí indicados, as seguintes contrapartidas líquidas:
- Época 2005/2006: € 44.100,00 em nove pagamentos mensais de € 4.900,00, consecutivos, a serem pagos o primeiro no dia 10 de Outubro e os restantes mesmo dia dos 8 meses seguintes;
- Época 2006/2007: € 44.100,00 em nove pagamentos mensais de € 4.900,00, consecutivos, a serem pagos o primeiro no dia 10 de Outubro e os restantes mesmo dia dos 8 meses seguintes.
4. Em 25.11.2005, o A. e a R. celebraram o aditamento ao contrato junto a fls. 9, nos termos do qual convencionaram o pagamento dos seguintes prémios adicionais:
A) Pela presença da equipa nos playoffs da época 2005/2006: € 5.000,00;
B) Pela presença da equipa na Final Eight da Taça de Portugal da época 2005/2006: € 5.000,00;
C) Pela presença da equipa na Taça da Liga da época 2005/2006: € 5.000,00.
5. A R. celebrou também com o A. o contrato de direitos de imagem inserto a fls. 10 e 11, nos termos do qual este último lhe cedeu a utilização dos seus direitos de imagem na participação em entrevistas escritas, radiofónicas ou televisivas e outras acções promocionais mediante o pagamento da quantia de € 9.900 por época, a pagar em nove partes de € 1.100,00, no dia dez de cada mês, com início no mês de Outubro, nas épocas desportivas de 2005/2006 e 2006/20007.
6. A equipa da R. na época de 2005/2006, com a participação do A., atingiu os três objectivos referidos em 4., tendo a R. pago ao A. apenas a quantia de € 7.500,00.
7. Em Setembro de 2006, a R. não inscreveu a sua equipa de basquetebol na Liga de Clubes de Basquetebol, ficando a mesma, em consequência, impedida de participar em quaisquer provas oficiais.
8. Tal situação impedia também o A. da prestação efectiva da sua actividade desportiva que se traduzia na realização de treinos e jogos da competição oficial de basquetebol na equipa da R. na época de 2006/2007 para a qual fora contratado.
9. Em 21.9.2006, o A. enviou à R. a carta inserta a fls. 12 e 13 dos autos, mediante a qual rescindiu o contrato de trabalho com a mesma celebrado pelos fundamentos aí mencionados, invocando a existência de justa causa.
10. E na mesma data através do documento junto a fls. 17 deu conhecimento de tal rescisão à Liga dos Clubes de Basquetebol.
11. A R. não pagou ao A. as nove mensalidades, cada qual no valor de € 4.900,00 relativas à época de 2006/2007, vencidas em 10.10.2006 e meses seguintes.
12. Também não lhe pagou as nove prestações de € 1.100,00 cada relativamente aos direitos de imagem referentes à época de 2006/2007.
13. Até Abril de 2006 a R. disponibilizou ao A. um apartamento para residir em Oliveira de Azeméis, suportando a mesma a respectiva renda. A partir dessa data, tendo o mesmo ido residir para casa própria, a R. não lhe pagou qualquer importância para habitação.
14. No final da época de 2005/2006, a Direcção da R. demitiu-se, seguindo-se uma crise directiva, que só foi resolvida em Agosto, com a eleição de uma nova Direcção.
15. A nova Direcção desenvolveu contactos para conseguir apoios financeiros que lhe permitissem inscrever a equipa de basquetebol na Liga de Clubes de Basquetebol e suportar o pagamento dos salários e demais custos inerentes à disputa do campeonato profissional de basquetebol na época de 2006/2007, mas não alcançou tais apoios e, em data não concretamente apurada, acabou por deliberar extinguir a equipa de basquetebol profissional onde o A. jogava.
16. A R. propôs ao A. que se não encontrasse um novo clube para jogar podia passar a desempenhar as funções de coordenador técnico dos escalões jovens do basquetebol da R.
17. Posteriormente à rescisão do contrato com a R., ainda na época de 2006/2007, A. exerceu a actividade de basquetebolista profissional sob a autoridade e direcção do Clube Queluz Sintra Património Mundial, mediante retribuição, tendo os jornais noticiado a sua contratação por este Clube.
18. Do contrato de direitos de imagem celebrado entre Autor e Ré constam as seguintes cláusulas:
Cláusula 1.ª – “O segundo outorgante é jogador profissional de basquetebol, tendo celebrado contrato de trabalho desportivo com o primeiro outorgante, para a época desportiva 2005/06 e 2006/07.”
(...)
Cláusula 3.ª – “O segundo outorgante aceita ceder os direitos de imagem que possui ao primeiro outorgante, sem quaisquer restrições, para exclusiva utilização desta e esta por sua vez aceita adquiri-los, pelo prazo da época desportiva de 2005/06 e 2006/07 e enquanto este tiver contrato desportivo com o primeiro outorgante.”
(…)
Cláusula 8.ª – “Pelo presente contrato o primeiro outorgante pagará ao segundo outorgante a quantia de 9900 euros por época, a pagar em nove partes de 1.100 euros, no dia dez de cada mês, com início no mês de Outubro, nas épocas desportivas 2005/06 e 2006/07.”
19. Da carta de rescisão que o Autor remeteu à Ré consta o seguinte:
(…) “Em 14 de Setembro do corrente, numa reunião com o representante deste Clube, foi-me comunicado terem os dirigentes deliberado, unilateralmente, pela não continuação da prática desportiva profissional de basquetebol. Esta situação impede a prestação efectiva da actividade desportiva para a época desportiva de 2006/07 para a qual fui contratado. A não continuação, por parte do Clube da prática desportiva de basquetebol impossibilita-­me, de facto, a qualquer participação desportiva para a época desportiva de 2006/07, violando este Clube o meu direito constitucional à ocupação efectiva. Além disso, nos termos do art. 12° da Lei 28/98, é dever da entidade empregadora desportiva – aqui BB – proporcionar aos participantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva. Esta situação, nos termos da a1.d), nº 1, do art.26° da Lei nº 28/98 e dos arts. 122° e 441º do Cód. do Trabalho, por remissão do art. 3° da Lei nº 28/98, constitui um comportamento ilícito e culposo, por parte da BB que, como tal, configura uma justa causa de rescisão do contrato de trabalho” (…).

Os factos referidos não foram objecto de impugnação e não sofrem dos vícios previstos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC. Há-de ser, portanto, com base naquela factualidade que as questões colocadas pelo recorrente terão de ser resolvidas.

3. O direito
Como decorre das conclusões formuladas pela recorrente, as questões por ela suscitadas, segundo a precedência lógica que entre elas intercede, são as seguintes:
- saber se a não inscrição da equipa de basquetebol da ré na Liga de Clubes de Basquetebol na época desportiva de 2006/2007 ocorreu por conduta culposa da ré;
- saber se o autor tinha de alegar os danos que eventualmente sofreu com a rescisão do contrato de trabalho;
- saber se o montante das retribuições que o autor auferiu, na época de 2006/2007, ao serviço do Clube Queluz Sintra Património Mundial, deve ser deduzido às retribuições que, nessa mesma época, ele teria auferido ao serviço da ré, se o contrato com esta celebrado tivesse cessado no seu termo.

3.1 Da culpa da ré
Como da factualidade dada como provada e dos documentos para que a mesma remete decorre, o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho desportivo, com início de execução em 25 de Agosto de 2005 e termo em 25 de Maio de 2007, nos termos do qual se obrigou a prestar à ré a sua actividade como jogador profissional de basquetebol, contrato esse que ele fez cessar por rescisão, com invocação de justa causa, através de carta que enviou à ré, em 21.9.2006.

O regime jurídico do contrato de trabalho desportivo consta da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, sendo-lhe, subsidiariamente, aplicáveis as regras do contrato de trabalho, ou seja, do Código do Trabalho (art.os 1.º e 3.º da referida Lei, a que pertencerão os normativos legais que daqui em diante vierem a ser referidos sem indicação em contrário), na medida em que não sejam incompatíveis com a especificidade daquele contrato (art.º 11.º do C.T./2003).

Nos termos do art.º 26.º, n.º 1, c) e d) do aludido regime, o despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva e a rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo são duas das formas de cessação do contrato de trabalho desportivo.

Por sua vez, segundo o preceituado no art.º 27.º, n.º 1, aquelas duas formas de cessação do contrato fazem incorrer a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente “em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.

Recorde-se que o limite estabelecido na parte final do n.º 1 do art.º 27.º não tem aplicação ao caso sub judice, face ao teor do acórdão do Tribunal Constitucional proferido a fls. 180-198 dos autos.

Como dos dois normativos legais que têm vindo a ser referidos decorre, a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do praticante desportivo só faz incorrer a entidade empregadora em responsabilidade civil pelos danos que o praticante tenha eventualmente sofrido por causa da rescisão, se tiver sido ela a dar causa à cessação, isto é, se tal tiver ocorrido por culpa da ré.

Como já referimos o despedimento com justa causa por iniciativa da entidade empregadora desportiva e a rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo são duas das formas de cessação do contrato de trabalho desportivo, mas a Lei n.º 28/98 é omissa acerca do conceito de justa causa e, sendo omissa, vale aqui, com as necessárias adaptações quando em causa esteja a rescisão por iniciativa do praticante desportivo, o conceito de justa causa de natureza subjectiva contido no art.º 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho (C.T.), aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor à data em que o autor rescindiu o contrato de trabalho desportivo.

E, segundo aquele conceito, a justa causa pressupõe necessariamente a existência de um comportamento culposo por parte da entidade empregadora, que se traduzirá na violação das suas obrigações contratuais, e pressupõe ainda que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Como já foi referido, na contestação, a ré alegou que a não inscrição da equipa de basquetebol na Liga de Clubes de Basquetebol não tinha resultado de culpa sua, mas sim do facto da sua Direcção não ter conseguido obter os apoios financeiros para suportar as despesas inerentes à disputa das provas oficiais. E mais alegou que, por essa razão, o autor não tinha direito a qualquer indemnização pelos danos eventualmente sofridos com a rescisão do contrato.

Também já vimos que o entendimento plasmado na sentença da 1.ª instância foi o de que a factualidade dada como provada não era suficiente para ilidir a presunção de culpa que sobre a ré recaía, nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil.

No recurso de apelação, a ré requereu a reapreciação daquela questão, mas a Relação não emitiu qualquer pronúncia sobre a mesma, já que a sua atenção se centrou apenas no montante da indemnização a arbitrar ao autor, sem ter levado em conta que o direito à indemnização só existia se provada estivesse a justa causa da rescisão, já que a apreciação da justa causa e, consequentemente, a apreciação da culpa por parte da ré precediam, logicamente, a análise da questão referente ao montante indemnizatório, o que significa que o conhecimento da questão referente à culpa da ré não ficou prejudicado pela solução dada à questão relativa ao montante da indemnização, prejudicialidade esta que a Relação também não declarou.

Verificou-se, pois, uma clara omissão de pronúncia por parte da Relação, relativamente à questão da culpa da ré, o que acarreta a nulidade do acórdão recorrido (artigos 668.º, n.º 1. al. d) e 716.º, n.º 1, do CPC, na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
Sucede, porém, que a referida nulidade não é de conhecimento oficioso, estando o conhecimento da mesma dependente de arguição das partes, arguição essa que deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, nos termos do art.º 77.º, n.º 1, do CPT, que, como este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado, também é aplicável aos acórdãos da Relação.

No caso em apreço, a ré não arguiu a nulidade do acórdão da Relação. Limitou-se a sustentar a tese de que não tinha agido com culpa, mas, não tendo essa questão sido apreciada pela Relação, o Supremo não pode dela conhecer, uma vez que os recursos visam o reexame das questões que foram objecto de apreciação na decisão recorrida e não a prolação de decisões ex novo.

Para conseguir a reapreciação daquela questão, a recorrente teria de arguir previamente a nulidade do acórdão e só depois desta declarada é que a reapreciação da questão teria lugar, uma vez que, nos termos do art.º 731.º, n.º 2, do CPC (redacção anterior ao DL n.º 303/2007), o Supremo teria de mandar baixar o processo à Relação, para que aí se procedesse à reforma do acórdão recorrido.

Face ao exposto, é óbvio que o Supremo não pode tomar conhecimento da questão agora em apreço.

3.2 Da não alegação dos factos referentes aos danos
No recurso de apelação, a ré invocou que o autor não tinha alegado nem provado os danos sofridos com a rescisão do contrato de trabalho, sendo que o dano constitui um dos pressupostos da responsabilidade civil.

A Relação também não se pronunciou sobre essa questão, mas deve entender-se que tal sucedeu por implicitamente ter considerado prejudicado o conhecimento dessa questão, uma vez que o entendimento por ela perfilhado foi no sentido de que o autor tinha direito à indemnização mínima prevista no n.º 3 do art.º 443.º do CT/2003.

Há que enfrentar, por isso, a referida questão, uma vez que, segundo a recorrente, ao caso concreto deve ser aplicado o disposto no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, apenas com a ressalva, resultante do acórdão do TC, de que não existe qualquer limite máximo à indemnização que for devida ao autor.

Na opinião da recorrente, o art.º 27.º consagra um regime diferente do regime jurídico--laboral comum, ao estipular, no seu n.º 1, que, nos casos de despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva e nos casos de rescisão com justa causa por iniciativa do praticantes desportivo, “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”, remetendo-nos, assim, para as disposições do direito civil, nomeadamente para os artigos 562.º e seguintes do Código Civil, dado que tais artigos contêm uma disciplina unitária para a responsabilidade civil contratual e extracontratual, o que vale por dizer que a obrigação de indemnizar por parte da ré só existirá se se verificarem todos os pressupostos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Na petição inicial, continua a recorrente, o autor não alegou que tenha sofrido qualquer dano com a rescisão do contrato de trabalho desportivo, limitando-se apenas a enunciar no art.º 25.º de tal articulado que a parte que deu causa à cessação incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato.

O autor não podia – prossegue a recorrente –, ficar pela enunciação da regra estabelecida no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, uma vez que lhe competia alegar quais os danos efectivamente sofridos com a rescisão do contrato e fazer a prova de tais danos, o que não fez.

E, em prol, da sua tese, a recorrente invoca o acórdão deste Supremo Tribunal, de 7.3.2007, proferido no processo n.º 1541/06, da 4.ª Secção, publicado na Col. Jur., ano XV, Tomo I, página 271 e seguintes, onde se afirmou que “…o praticante desportivo que, com justa causa, rescindir o contrato de trabalho, terá de alegar e provar os danos que efectivamente sofreu com a cessação antecipada do contrato, motivada por culpa da entidade empregadora, uma vez que a verificação desses danos constitui um facto constitutivo do direito à indemnização que ele peticiona com fundamento na aludida rescisão (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.). Se essa alegação e prova não for feita, é óbvio que o jogador não terá direito a qualquer indemnização, uma vez que a Lei n.º 28/98 não lhe atribui, por exemplo, o direito às retribuições que teria auferido até ao termo do contrato. Faz depender o direito à indemnização dos danos efectivamente sofridos.
É óbvio que as retribuições que deixou de auferir até ao termo do contrato estarão naturalmente na primeira linha dos eventuais danos causados pela rescisão, mas isso não o iliba de alegar que sofreu esse danos, uma vez que, apesar de não ter recebido as aludidas retribuições, bem pode acontecer que não tenha sofrido danos com a rescisão, nomeadamente por ter celebrado com outra entidade desportiva um contrato de trabalho mais vantajoso do que aquele que foi objecto de rescisão”.

O autor – continua a recorrente –, em vez de alegar e provar os eventuais danos que tenha sofrido com a rescisão, parece antes estruturar toda a sua petição inicial com vista ao cumprimento por parte da ré das obrigações pecuniárias que para esta resultavam do contrato de trabalho desportivo entre ambos celebrado, o que não poderia acontecer, uma vez que tal contrato cessou com a rescisão operado pelo autor. O autor, diz a ré, teria direito não a exigir o cumprimento do contrato, uma vez que o mesmo se extinguiu com a rescisão, mas sim ao pagamento da indemnização decorrente da rescisão do contrato, a qual teria de ser apurada nos termos das regras fixadas para a responsabilidade civil.

Vejamos se a argumentação da recorrente é de acolher.

A ré tem razão quando afirma que o art.º 27.º da Lei n.º 28/98 consagra um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, no que toca à indemnização por rescisão do contrato de trabalho desportivo com justa causa. E também tem razão quando diz que aquele normativo nos remete para as disposições civilísticas, designadamente para o art.º 562.º e seguintes do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização.

Na verdade, esse é o entendimento que claramente decorre do teor do n.º 1 do citado art.º 27.º, quando aí se preceitua que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato” (nesse sentido, vide Leal Amado, “Vinculação Versus Liberdade O Processo de Constituição e Extinção da Relação laboral do Praticante Desportivo”, p. 304 e 305, bem os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.2007, atrás referido, e de 20.5.2009, proferido no processo n.º 34345/08, da 4.ª Secção, ambos publicados na base de dados jurídico documentais do ITIJ).

E sendo assim, é óbvio que cabia ao autor alegar e provar os danos que a rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho desportivo que mantinha com a ré lhe tinha causado, uma vez que a existência de tais danos constitui um pressuposto do direito à indemnização por si peticionada.

A questão que a ré coloca é a de saber se o autor alegou e provou os danos que terá sofrido por causa da rescisão do contrato.

E, à primeira vista, poder-se-ia dizer que o autor não cumpriu aquele ónus alegatório, uma vez que, a esse respeito e relativamente ao contrato de trabalho desportivo, se limitou a alegar que a ré não lhe pagou as nove mensalidades, cada uma no montante de € 4.900, relativas à época de 2006/2007, vencidas em 10.10.2006 e meses seguintes, no total de € 44.100 (art.º 17.º da p. i.) e a alegar que, em caso de rescisão, a parte que der causa à cessação incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato (art.º 25.º da p. i.) e que, em consequência da cessação do aludido contrato, tinha direito a receber da ré as referidas quantias (art.º 29.º da p. i.).

Todavia, na perspectiva de um declaratário normal (art.º 236.º do C.C.), é de reconhecer que o autor pretendeu dar a tal alegação o sentido de que com a rescisão do contrato sofreu um dano de valor igual ao das retribuições que teria auferido da ré até ao termo do mesmo.

E sendo assim, como entendemos que é, improcedente se mostra o recurso, nesta parte.

3.3 Do montante da indemnização
Recordando o que já foi dito, na sentença da 1.ª instância entendeu-se que a indemnização devida ao autor devia ser calculada com base na teoria da diferença contida no art.º 566.º, n.º 2, do Código Civil, e que o valor do dano sofrido pelo autor correspondia ao montante das retribuições que ele teria auferido ao serviço da ré até ao termo do contrato (lucro cessante), deduzido do valor das retribuições que, na época desportiva de 2006/2007, auferiu ao serviço do Clube Queluz Sintra Património Mundial, a liquidar posteriormente.

Por sua vez, na Relação entendeu-se que a indemnização devia ser fixada de acordo com o estabelecido no art.º 443.º, n.º 3 do C.T./2003, nos termos do qual a indemnização devida ao trabalhador que rescinda o contrato de trabalho a termo com justa causa subjectiva “não pode ser inferior à quantia correspondente às retribuições vincendas”, uma vez que o disposto no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 viola o disposto no art.º 59.º da Constituição, ao não fixar um montante indemnizatório mínimo (anote-se que o TC só apreciou a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 27.º da Lei n.º 28/98, na vertente em que fixa um limite máximo para a indemnização, ou seja, «quando interpretada no sentido de que “a rescisão do contrato operada pelo praticante desportivo, com fundamento em justa causa, apenas confere uma indemnização que nunca pode ser superior às prestações a que ele tinha direito, se acaso o contrato de trabalho apenas terminasse no seu termo”» e que considerou desnecessário confrontar o art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, com o art.º 59.º da CRP).

Segundo a ré, ao montante das retribuições que o autor teria auferido até ao termo do contrato, se este não tivesse sido por ele rescindido com justa causa, há que deduzir o montante das retribuições que o autor auferiu na época de 2006/2007, ou seja, até ao termo do contrato que foi objecto de rescisão por parte do autor) ao serviço do “Queluz Sintra Património Mundial”, tal como fora decidido na 1.ª instância.

Face ao que já foi dito no ponto anterior, é patente que a decisão recorrida não pode ser mantida, uma vez que a indemnização devida ao autor tem de ser calculada nos termos do regime da responsabilidade civil previsto no Código Civil, para que, como já dissemos, o disposto no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 nos remete.

Ora, nos termos de tal regime, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566, n.º 2, do C.C.). Por outras palavras, a indemnização pecuniária a arbitrar ao lesado deve medir-se pela diferença entre a situação real em que o facto lesante deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria sem o dano sofrido (A. Varela, “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I., 10.ª edição, página 907).

Estando provado (facto n.º 11) que o autor deixou de auferir da ré as retribuições que dela teria auferido se o contrato tivesse cessado no termo nele previsto (final da época desportiva de 2006/2007) e estando provado que, posteriormente à rescisão do contrato com a ré, o autor exerceu, na época desportiva de 2006/2007, a actividade de basquetebolista profissional, sob a autoridade e direcção do Clube Queluz Sintra Património Mundial, mediante retribuição (facto n.º 17), torna-se evidente, nos termos da teoria da diferença consagrada no art.º 566.º, n.º 2, do C.C., que ele só tem direito, a título de indemnização pela rescisão do contrato, à diferença entre a quantia correspondente às retribuições que, por causa da rescisão, deixou de auferir ao serviço da ré e o montante das retribuições que, até ao final da referida época desportiva, auferiu ao serviço do Clube Queluz Sintra Património Mundial.

Não se tendo apurado nos autos qual o valor destas últimas retribuições, a indemnização eventualmente devida ao autor terá de ser relegada para liquidação posterior, ao abrigo do disposto no art.º 661.º, n.º 2, do CPC, como bem se decidiu na 1.ª instância.

4. Decisão
Nos termos expostos decide-se julgar parcialmente procedente o recurso, ficando, deste modo, a ré condenada a pagar ao autor:
a) a quantia de € 44.100, correspondente às retribuições que teria auferido da ré se o contrato de trabalho com ela celebrado tivesse cessado no seu termo, deduzida das retribuições que o autor auferiu do Clube Queluz Sintra Património Mundial, na época de 2006/2007, em montante a liquidar posteriormente;
b) a quantia de € 7.500, acrescida de juros de mora desde a citação, a título de parte do valor dos prémios devidos pela presença da equipa da ré nos playoffs, na final da Taça Eight da Taça de Portugal e na Taça da Liga, na época de 2005/2006.
Custas por autor e ré, na proporção do vencido, nas instâncias e no Supremo.
Lisboa, 5 de Maio de 2010

Sousa Peixoto (Relator)

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol
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