Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:094/18.2BELRS
Data do Acordão:05/29/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
IVA
INFRACÇÃO CONTINUADA
Sumário:Não incorre em erro de julgamento a decisão recorrida que, perante a multiplicidade de processos semelhantes em que figura como arguida a recorrente, determina que o serviço de finanças apure da possibilidade de se verificar “contra-ordenação continuada”, pois que nem a natureza do imposto não entregue (IVA), nem o disposto do art. 25.º do RGIT, in limine exclui tal possibilidade.
Nº Convencional:JSTA000P24602
Nº do Documento:SA220190529094/18
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 94/18.2BELRS


1 RELATÓRIO
1.1 O Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente) junto do Tribunal Tributário de Lisboa, invocando o disposto no art. 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que aquele Tribunal, julgando procedente o recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada (adiante Arguida e Recorrida), anulou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima e ordenou que o processo regressasse à autoridade administrativa, para que esta, em face da multiplicidade de processos contra-ordenacionais semelhantes e em que figura como arguida a Recorrida, apure da eventual verificação de um “contra-ordenação continuada”.

1.2 Apresentou para o efeito alegações, com o seguinte quadro conclusivo:

«A. Reportam-se as infracções sindicadas pela Recorrida à prática dos mesmos factos, a saber: falta de pagamento de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado, correspondente a IVA que por aquela foi apurado na decorrência da sua actividade comercial.
B. Tratando-se o IVA de imposto de obrigação única, é devido de cada vez que se realiza uma operação sujeita a tal imposto.
C. Assim sendo, a natureza do IVA, salvo o devido respeito por entendimento diverso, afigura-se incompatível com o carácter continuado que a douta sentença atribui à prática das infracções em causa.
D. Acresce que, para que se verifique uma contra-ordenação continuada necessário se torna que, entre outros pressupostos, ocorra persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
E. Ora, ao não prover pela entrega do imposto ao Estado, o qual se encontrava à sua guarda, tal significa que a infractora lhe deu indevidamente outro destino.
F. Deste modo, não se verificou, “in casu”, qualquer circunstância diminuidora da culpa da infractora pelo que, também por esta via, inexiste situação de contra-ordenação continuada.
G. Mesmo que assim não se entenda sempre se dirá que, perante o quadro estabelecido no art. 25.º do RGIT, que determina o cúmulo material das contra-ordenações em concurso, parece ser de afastar a punição por contra-ordenação continuada.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente».

1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 Não foram apresentadas contra-alegações e o processo foi remetido ao Supremo Tribunal Administrativo.
1.5 A Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

A douta decisão mostra-se correcta na apreciação jurídica que fez da questão “sub judice”.
De facto, está aqui em causa a aplicação administrativa de coima por não entrega de IVA, sendo que correm vários processos contra a arguida pelo mesmo motivo, o que se mostra assente nos autos.
Por isso, e tendo em conta o disposto no artigo 25.º do RGIT, há que aferir de eventual concurso de infracções, pois, “Neste art. 25.º, na redacção inicial e na introduzida pela Lei do Orçamento para 2011 estabelece-se o regime da punição do concurso de contra-ordenações, que se concretiza na aplicação de uma única coima, correspondente à soma das coimas aplicadas por cada uma das contra-ordenações parcelares que integram o concurso” – ver anot. ao citado artigo 25.º, in RGIT anotado, 4.ª ed. 2010, a pág. 290, por Jorge L. de Sousa e Manuel Simas Santos.
A douta decisão mostra-se bem fundamentada quanto ao direito e sustentada em pertinente jurisprudência e doutrina que cita e que nos abstemos de repetir, pelo que deve ser mantida».

1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a apreciar e decidir a de saber se a decisão judicial recorrida fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa de aplicação da coima e ao ordenar que o órgão administrativo, perante a comprovada existência de diversos processos contra-ordenacionais semelhantes e em que figura como arguida a Recorrida, pondere a eventualidade de verificação de contra-ordenação continuada.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
O julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
«a) No dia 05/09/2016, foi lavrado auto de notícia, imputando-se à arguida a não entrega, até 10/08/2016, do IVA no montante de € 1.914,11 respeitante ao período 2016/06 – cfr. fls. 2 dos autos;
b) Em 28/09/2016, foi proferida decisão de aplicação da coima pelo Chefe do Serviço de Finanças de Mafra, decisão administrativa que condenou a arguida na coima de € 645,15, pela prática da infracção prevista pelos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA (falta de pagamento do imposto) e punida pelos artigos 26.º, n.º 4 e 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) do CIVA, cuja ocorrência respeita ao seguinte período: 2016/06 – cfr. fls. 6 e 7 dos autos;
c) Contra a arguida correm neste tribunal vários processos de contra-ordenação todos eles pela prática da mesma infracção prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA (falta de pagamento do imposto) e punida pelos artigos 26.º, n.º 4 e 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) do CIVA – cfr. SITAF;
d) A arguida apresentou o presente recurso a 10/11/2016, tendo remetido por meio de carta registada a p.i. ao Serviço de Finanças de Mafra – cfr. fls. 10 a 16 dos autos».
*
2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
O Chefe do Serviço de Finanças de Mafra aplicou à Arguida e ora Recorrida uma coima, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista pelos arts. 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e punida pelos arts. 26.º, n.º 4 e 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a), do mesmo Código, por falta de entrega do imposto com a declaração respeitante ao mês de Junho de 2016.

A Arguida impugnou judicialmente essa decisão administrativa de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT, com diversos fundamentos e, entre eles, que a decisão administrativa de aplicação da coima incorreu em nulidade, pois «deve aplicar uma coima única quando tenha conhecimento da existência simultânea de diversos processos de contra-ordenação», sendo que, «nos termos do artigo 77.º do CP e 25.º do CPP tendo em vista o artigo 32.º e 41.º do RGCO» é «dever oficioso da Autoridade administrativa […] o cumprimento destes normativos», sob pena de «nulidade por violação do disposto no artigo 41.º n.º 2 do RGCO».

O Tribunal Tributário de Lisboa, dando como adquirido que contra a Arguida corriam termos por aquele tribunal vários processos de contra-ordenação, todos eles pela prática da mesma infracção prevista nos arts. 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e punida pelos arts. 26.º, n.º 4 e 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a), do mesmo Código, anulou a decisão administrativa de aplicação da coima, para efeitos de ponderação de uma pena única a determinar em função do regime de infracção continuada.

A Fazenda Pública insurgiu-se contra essa decisão e dela recorreu para este Supremo Tribunal. Sustenta, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter anulado a decisão administrativa de aplicação da coima e determinado a baixa dos autos ao serviço de finanças para que profira nova decisão que pondere a eventual prática de contra-ordenação continuada.

É essa a questão a apreciar e decidir.

2.2.2 DA PONDERAÇÃO DA INFRACÇÃO CONTINUADA
Em face da alegação da sociedade ora Recorrida – de que pendiam contra ela vários processos de contra-ordenação pela prática da mesma infracção –, a decisão judicial recorrida, concedendo provimento ao recurso, anulou a decisão administrativa de aplicação da coima e determinou a remessa dos autos à autoridade administrativa para que esta proceda à apreciação da conduta da ora recorrente, de modo integrado com os restantes processos contra-ordenacionais, levando em consideração a possibilidade da ocorrência de uma infracção continuada.

A Fazenda Pública discorda. Alega, em síntese e se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, que «a natureza do IVA […] afigura-se incompatível com o carácter continuado que a douta sentença atribui à prática das infracções em causa», uma vez que, porque se trata «de imposto de obrigação única, é devido de cada vez que se realiza uma operação sujeita a tal imposto» e também porque «para que se verifique uma contra-ordenação continuada necessário se torna que, entre outros pressupostos, ocorra persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente», sendo que «não se verificou, “in casu”, qualquer circunstância diminuidora da culpa da infractora pelo que, também por esta via, inexiste situação de contra-ordenação continuada», uma vez que, de cada vez que não entregou o IVA que «se encontrava à sua guarda, tal significa que a infractora lhe deu indevidamente outro destino».

Assim, na tese da Recorrente, não se verifica um dos pressupostos da infracção continuada, qual seja a manutenção de uma situação exterior ao infractor que facilita a resolução criminosa e diminui consideravelmente a sua culpa e também porque o art. 25.º do RGIT, ao determinar que as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material, se afigura incompatível com a punição por contra-ordenação continuada.
Cumpre realçar que na decisão recorrida nunca se afirma que se verificam, ou que não se verificam, os pressupostos legais da figura da continuação criminosa prevista no n.º 2 do art. 30.º do Código Penal. Como ficou dito em anterior acórdão deste Supremo Tribunal (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1302/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/87c24caef07e87b6802581330047b6d6.) sobre a mesma questão, na decisão recorrida «[a]penas se determina que o Serviço de Finanças, perante a multiplicidade de processos semelhantes em que figura como arguida a recorrente, apure dessa eventual possibilidade que, nem a natureza do imposto não entregue (IVA), nem o disposto do artigo 25.º do RGIT, in limine exclui».
Continuando a citar esse acórdão: «O artigo 25.º do RGIT trata da punição do concurso efectivo de contra-ordenações e a sua aplicação pressupõe, logicamente, que tenham sido efectivamente cometidas várias contra-ordenações. Ora, na infracção continuada, verificados os respectivos pressupostos, há uma unificação (legal) de uma pluralidade de condutas, que constituem uma só infracção, e não infracções em concurso. Para a punição do concurso efectivo de contra-ordenações, o RGIT prevê expressamente norma especial, que se afasta da que vigora do domínio do RGCO. Sobre a figura da infracção continuada nada diz, sendo esta aplicável por via da aplicação subsidiária do Código Penal, verificados que sejam, in casu, os respectivos pressupostos.
Também não surge evidente, nem a recorrente minimamente demonstra, que o facto de em causa estar o não pagamento atempado do IVA, um imposto de obrigação única, exclua em abstracto a possibilidade de se terem como preenchidos os pressupostos da “continuação criminosa”, a saber e concretamente a verificação de uma determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções e a existência de um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do agente. A verificação, ou não, de tais pressupostos terá de ser feita caso a caso, em concreto, e não em abstracto, fundada apenas do facto de em causa estar um imposto de determinada espécie.
Acresce finalmente que, como bem diz a decisão recorrida, citando jurisprudência deste STA, ninguém melhor que a AT se encontra em condições de verificar, prima facie, se estão ou não preenchidos os pressupostos legais da infracção continuada e daí retirar as necessárias consequências, sendo esse o caso, ou, não sendo, e verificando haver in casu um efectivo concurso de contra-ordenações, proceder à respectiva punição através da aplicação de uma coima única, resultante do cúmulo material das sanções aplicadas às várias contra-ordenações em concurso, como prescreve o artigo 25.º do RGIT».

É esta a posição quer da jurisprudência (Por mais recentes, para além do já citado, referimos os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Julho de 2017, proferido no processo n.º 1253/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/be3e0ff537761e368025815c002f070c;
- de 8 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 737/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b384a14d6497e2c2802581ef00519fdd.) quer da doutrina (Vide GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Lisboa, 2000, pág. 196.).

A decisão recorrida, que decidiu de acordo com a mesma, não merece censura.

2.2.4 CONCLUSÃO
Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do citado acórdão de 31 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1302/16:
Não incorre em erro de julgamento a decisão recorrida que, perante a multiplicidade de processos semelhantes em que figura como arguida a recorrente, determina que o serviço de finanças apure da possibilidade de se verificar “contra-ordenação continuada”, pois que nem a natureza do imposto não entregue (IVA), nem o disposto do art. 25.º do RGIT, in limine exclui tal possibilidade.
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3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 29 de Maio de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.

Segue acórdão de 11 de Setembro de 2019:

Pedido de reforma do acórdão quanto a custas no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 94/18.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 Inconformado com o acórdão proferido nestes autos, na parte em que condenou a Fazenda Pública nas custas, veio o Representante da Fazenda Pública junto deste Supremo Tribunal pedir a reforma daquele aresto.

1.2 Alegou, em síntese, que «a condenação em custas pela FP não se pode manter, porquanto, em processo de contra-ordenação tributária, afigura-se-nos líquido concluir pela inexistência de qualquer norma legal que preveja a condenação da FP, quer em custas quer no pagamento de taxas de justiça».

1.3 A Recorrida não respondeu.

1.4 Com dispensa de vistos, atenta a existência de jurisprudência consolidada sobre a questão, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Cumpre ter presente o seguinte circunstancialismo processual:

a) o Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, invocando o disposto no art. 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que aquele Tribunal, julgando procedente o recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada (adiante Arguida e Recorrida), anulou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima e ordenou que o processo regressasse à autoridade administrativa, para que esta, em face da multiplicidade de processos contra-ordenacionais semelhantes e em que figura como arguida a acima identificada Recorrida, apure da eventual verificação de um “contra-ordenação continuada”;
b) o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional e, quanto a custas, proferiu condenação nos seguintes termos: «Custas pela Recorrente».

2.2 DE DIREITO

Tem razão a Reclamante.
A questão por ela suscitada foi já apreciada, reiterada e uniformemente, por este Supremo Tribunal (Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Dezembro de 2017, proferido no processo n.º 703/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/97b88af0828e574f802581fb005b1f71;
- de 28 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 1151/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c219b31be5bca3680258247003a31a2;
- de 23 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 3044/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7485385f62a151fa8025839000393f92.) e só por se não ter atentado na natureza do processo foi proferida a condenação em custas de que ora reclama.
Acompanha-se a referida orientação jurisprudencial, por inexistirem motivos para dela divergir, pelo que vamos limitar-nos a reproduzir a fundamentação expendida num dos acórdãos anteriores (Acórdão de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 1106/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/af0a65421c08973e80258076005b3949.) no qual se escreveu o seguinte:

«Da responsabilidade da Fazenda Pública por custas nos processos de contra-ordenações tributárias.
Como é sabido, por força do disposto no art. 4.º, n.ºs 4 e 5, do citado Dec. Lei n.º 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101.º, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.º, n.º 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pág. 458.) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art. 97.º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118.º, n.º 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66.º do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4.º do DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido art. 66.º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.º a 94.º do RGCO (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.ª edição, pág. 458).
Ora nos termos do n.º 3 do art. 93.º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do n.º 3 do art. 94.º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (n.º 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas (Neste sentido se decidiu também no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário citado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto).
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos arts. 66.º do RGIT e 94.º, n.ºs 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contra-ordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública».
Cumpre, pois, deferir o pedido de reforma quanto a custas.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Conselheiros da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em deferir a requerida reforma quanto a custas e determinar que onde, no acórdão reformando, se escreveu «Custas pela Recorrente», se passe a ler «Sem custas, por não serem devidas pela Fazenda Pública».

Sem custas.


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Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.