Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01480/17
Data do Acordão:02/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário:I - Visando a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito, o n.º 5 do art. 280.º do CPC permite o recurso de sentença proferida em processo que, ainda que de valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários, perfilhe «solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência [de alteração] substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior».
II - A oposição de julgados requerida como pressuposto desse recurso exige uma identidade jurídica e factual, entendida como concretização da mesma “hipótese normativa”, a aferir pela análise das decisões em confronto.
III - As questões expressa e concretamente apreciadas nas decisões em confronto não são idênticas se convocaram, interpretaram e aplicaram previsões jurídicas diversas.
IV - Para averiguar da existência de oposição, o Supremo Tribunal Administrativo deve ater-se ao teor das decisões alegadamente contraditórias, sendo-lhe vedada qualquer apreciação da respectiva correcção jurídica, a qual já se situa num patamar posterior a que apenas pode aceder se verificada a oposição.
Nº Convencional:JSTA000P22897
Nº do Documento:SA22018020701480
Data de Entrada:12/21/2017
Recorrente:CONDOMÍNIO DO PRÉDIO URBANO DENOMINADO "A..........."
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 1006/17.6BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 O condomínio do prédio urbano denominado “A…………” (adiante Executado, Reclamante ou Recorrente), invocando o n.º 5 do art. 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que foi julgada improcedente a reclamação por ele deduzida, enquanto executado, ao abrigo do art. 276.º e segs. do mesmo Código, contra o despacho por que o Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, formulado em ordem a suspender o processo executivo após ter deduzido oposição.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1.º A redacção do n.º 4 do art. 52.º da LGT foi alterada, com efeitos contados a partir do dia 1 de Janeiro de 2017, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, tendo, a partir de então, deixado de ser requisito ou pressuposto da isenção da prestação de garantia que “a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do interessado.”

2.º O requisito impeditivo do direito do executado, criado pela Lei n.º 42/2016, de “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, é, nos termos do n.º 2 do art. 342.º do Cód. Civil, de alegação e prova da Administração Tributária.

3.º Não havendo, nos termos do art. 344.º do Cód. Civil, lugar a inversão do ónus de prova.

4.º É, nos termos do art. 9.º do Cód. Civil, contrário à letra e ao espírito da lei a interpretação do requisito “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, como significando “essa insuficiência ou inexistência de bens não seja imputável ao executado”.

Sem prescindir,

5.º O Executado, no requerimento inicial alegou que não possui bens e também não tem rendimentos que lhe permitissem garantir o pagamento da quantia exequenda e seus acrescimentos e, para sua prova, juntou documentos e requereu a produção de prova testemunhal, tendo, para o efeito, arrolado três testemunhas.

6.º Efectivamente, a prova de falta de bens e ou rendimentos não é feita exclusivamente por via documental, podendo ser feita através de testemunhas, como, aliás, o estabelecem os Acórdãos fundamento, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.10.2013, in Processo 06939/13 da Secção: CT - 2.º Juízo e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2013, in Processo 06372/13 da Secção: CT - 2.º Juízo.

7.º Não obstante, nos termos do art. 170.º, n.º 3, do C.P.P.T., o pedido de dispensa da prestação de garantia dever ser instruído com a prova documental necessária, mas esta exigência de instrução do pedido com prova documental não pode ter o alcance de restringir os meios de prova à documental.

8.º Desde logo, porque no procedimento e processo judicial tributário, quando se estabelecem limitações probatórias (as quais revestem carácter excepcional, como se infere do art. 72.º, da L.G.T., e dos arts. 50.º e 115.º, n.º 1, do C.P.P.T.), o legislador utiliza uma referência explícita nesse sentido (cfr. arts. 146.º B, n.º 3, 204.º, n.º 1, al. i), e 246.º, todos do C.P.P.T.), contrariamente ao que se verifica na norma em causa.

9.º Depois, em todo o caso, a entender-se que se pretendeu restringir aquela referência à exigência de prova documental como obstando à possibilidade de apresentação de outros meios de prova, essa restrição deve considerar-se materialmente inconstitucional, nos casos, como é a situação dos autos, em que outros meios probatórios se revelem imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo requerente da dispensa, visto que violadora do direito de acesso aos Tribunais e a um processo equitativo, consagrados no art. 20.º, da C. R. Portuguesa, tal como dos princípios da proporcionalidade e da tutela judicial efectiva (cfr. arts. 13.º e 18.º, do C. R. Portuguesa).

10.º De modo que, ao não ter sido ordenada a produção de prova testemunhal requerida no requerimento inicial de dispensa de prestação de garantia, foram, assim, também violados o regime previsto nos arts. 114.º, 115.º, n.º 1, e 170.º, n.º 3, do C.P.P.T., tal como o princípio da investigação vigente no processo judicial tributário consagrado nos arts. 99.º, da L.G.T., e 13.º, do C.P.P.T.

11.º Ao assim não ter sido entendido, a sentença recorrida violou, designadamente, as disposições legais citadas nesta alegação e conclusões.

12.º Deve, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por Douto Acórdão que admita a prova testemunhal e ordene a sua produção, com o consequente deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 O Município de Cascais apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«1.º De acordo com o disposto do n.º 2 do artigo 52.º da LGT, o legislador pretende acentuadamente colocar o foco nas violações do dever de lealdade, o que compreende dado o superior valor das condutas desviantes, que o consubstanciam, pois incumbe ao requerente a alegação e prova dos requisitos de insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável e a prova do mesmo, não nos parece que tenha sido retirado o ónus de prova ao requerente, aqui recorrente, pois quem alega um facto deve prová-lo (n.º 1 do artigo 74.º da LGT).

2.º No nosso entender, a sentença recorrida, materializou uma boa interpretação do disposto do n.º 2 do artigo 52.º da LGT, ora a título de exemplo, aceitar pedidos de isenção de garantia, por mera actuação negligente do executado, e não aceitá-los caso fossem estes de actuação dolosa, pois o executado sabe qual a sua responsabilidade e não respeitando as regras de boa gestão empresarial e deveres profissionais exigidos por lei, alegando insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável, não lhe garante automaticamente a respectiva isenção. Assim, a intenção do legislador, como se depreende do n.º 4 do artigo 52.º da LGT e artigo 13.º do CPPT, foi a de evitar uma situação de benefício do infractor.

3.º Aliás no âmbito da sentença, a Meritíssima Juíza [( Permitimo-nos salientar que quem proferiu a sentença foi um juiz, não uma juíza. )] [do Tribunal] a quo fez valer da jurisprudência existente, que não afecta, de maneira nenhuma, o espírito do legislador no sentido de impedir uma situação que beneficiasse infractores.

4.º A responsável pelo Serviço de Execuções Fiscais decidiu, por despacho em 11 de Maio de 2017, que o teor da reclamação do órgão de execução fiscal não contém matéria de facto passível de produção de prova testemunhal, porquanto o executado funda a respectiva pretensão em conclusões jurídicas decorrentes do regime jurídico da propriedade horizontal, acrescida com a “liberdade de, em cada caso concreto, decidir se tal meio de prova é ou não necessário à decisão do incidente, devendo fundamentar sempre a sua decisão.” - Acórdão do STA proferido no processo n.º 096/14, de 19 de Fevereiro de 2014.

5.º Igualmente, o recorrente não apresentou qualquer documento comprovativo dos rendimentos disponíveis, nem concretizou as razões que indiciam a probabilidade de a prestação de garantia acarretar para o executado um prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos.

6.º O executado não forneceu ao órgão da execução fiscal quaisquer elementos demonstrativos dos valores disponíveis para fazer face às despesas do condomínio. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque, sob pena de improcedência dos mesmos.

7.º No caso em apreço, trata-se de valores pecuniários e foi entendimento do órgão de execução fiscal que esses valores se provam com elementos contabilísticos.

8.º Apesar de a jurisprudência admitir que a prova de factos negativos terá de ser menos exigente, considerou-se que a prova testemunhal não é, por si, apta a alcançar o fim visado pelo executado, porquanto não existe matéria passível de prova por este meio – a matéria de facto alegada, por se prender directamente com a (in)capacidade financeira do executado, só poderá ser provada através de documentos.

9.º Relativamente aos Acórdãos invocados pelo recorrente, parece-nos pelo teor dos mesmos, que os meios de prova documentais não foram suficientes para o órgão de execução fiscal decidir sobre a isenção da garantia, ao contrário dos presentes autos, em que os factos alegados nada comprovam sobre a situação financeira para alegar a insuficiência de bens e/ou prejuízo irreparável, pois a mera prova testemunhal não é garantia da validade de isenção da prestação da garantia.

10.º No presente teor do recurso, o recorrente faz menção da existência do fundo comum de reserva, que até ao presente momento, nunca foi referido nos autos.

11.º Assim, parece-nos que o recorrente não revela todos os factos da sua situação financeira, tendo o mesmo omitido a sua existência no processo de reclamação ao órgão de execução fiscal, revelando actualmente neste recurso.

12.º Pelo que a douta decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, contradição, nem viola quaisquer disposições legais aplicáveis.

Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida, assim se fazendo a sempre acostumada Justiça».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a «solução adoptada não se encontra em contradição quanto ao que se invoca a propósito da alteração dada ao art. 52.º n.º 4 da LGT pela Lei n.º 42/2016, de 22 de Dezembro, razão pela qual é de julgar findo o recurso interposto, nos termos do art. 284.º n.º 3 do C.P.P.T.», com a seguinte fundamentação:

«Afigura-se que, pondo o recorrente, antes de mais, em causa o entendimento tido a propósito do n.º 4 do artigo 52.º da L.G.T., alterado pela Lei n.º 42/2016, de 22 de Dezembro, tal impede que se considere que a solução adoptada se encontra em oposição com os invocados acórdãos do T.C.A. Sul, com data anterior à referida alteração, nomeadamente, com o acórdão desse Tribunal invocado em 1.º lugar, proferido a 3-10-2013 no processo 06939/13.
Com efeito, apesar de ser discutível, em face da dita alteração, que tenha deixado de ser requisito do pedido de dispensa de garantia a falta de responsabilidade na inexistência de bens, certo é que o recorrente não invocou tal no pedido que apresentou, e na sentença continuou a entender-se ser tal requisito ainda aplicável, conforme melhor se constata de fls. 137, o que não foi apreciado no referido acórdão a considerar em fundamento.
De tal decorre não se justificar sequer que o efeito fixado ao recurso, devolutivo, seja alterado para suspensivo, com fundamento no art. 286.º n.º 2 do C.P.P.T. (conforme consta de parecer emitido no recurso n.º 1427/17, semelhante ao presente, e em que me tinha pronunciado no sentido da procedência do recurso quanto à segunda questão de se era possível indeferir a dispensa de garantia, restringindo a apreciação à prova documental).
Assim, é de julgar findo o recurso interposto, nos termos do art. 284.º n.º 3 do C.P.P.T.».

1.6 Notificado «para dizer qual dos dois acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul que invocou escolhe como acórdão fundamento para efeitos do n.º 5 do art. 280.º do CPPT», com a cominação de que «[n]ada dizendo, consideraremos o primeiro daqueles arestos, ou seja, o de 3 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 6939/13», o Recorrente manteve-se silente.

1.7 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. Em 9 de Março de 2017 foi instaurado, no Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais, o processo de execução fiscal n.º 57/2017, contra o Condomínio do Prédio Urbano denominado “A…………”, por falta de pagamento voluntário do montante de € 1.827,70, devido pela ocupação, a título precário, de parcela de terreno municipal, com a área de 2.611,00 m2, referente ao ano de 2017 (cfr. cópias autenticadas do PEF n.º 57/2017, da autuação e certidão de dívida a fls. 1 e 2 do processo apenso aos autos).

2. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 57/2017, foi elaborada a citação do executado, pelo Serviço de Execuções Fiscais, da Câmara Municipal de Cascais (cfr. cópia autenticada extraída do PEF, da citação, datada de 9 de Março de 2017, a fls. 12 do processo apenso aos autos).

3. Em 13 de Março de 2017, foi assinado o aviso de recepção a que se reporta a citação mencionada no ponto anterior (cfr. cópia autenticada extraída do PEF, do aviso de recepção, a fls. 13 do processo apenso aos autos).

4. Em 21 de Abril de 2017, foi apresentada oposição à execução, promovida através do processo de execução fiscal n.º 57/2017, pelo Reclamante (cfr. fotocópia autenticada da oposição extraída do PEF, de fls. 34 a 41-v do processo apenso aos autos).

5. Em 8 de Maio de 2017 foi apresentado pelo Reclamante, no Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais, requerimento no qual pediu a isenção da prestação de garantia por um ano, renovável por igual período, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual o requerente e ora Reclamante alegou, designadamente, que:
(i) “não é possível a penhora das partes comuns do prédio”;
(ii) O Condomínio “não possui bens nem rendimentos que lhe permitam garantir o pagamento da quantia exequenda e seus acréscimos”;
(iii) O Condomínio “também não possui bens penhoráveis”;
(iv) A Câmara Municipal de Cascais instaurou “mais 4 execuções, as respeitantes aos proc. de execução n.ºs 55/2017, 56/2017, 58/2017 e 68/2017, nos valores, respectivamente, de € 1.907,60, € 1.891,86, € 1.883,93 e € 1.876,22”;
(v) “Somam, assim, as 5 execuções o valor global de € 9.474,95”.

6. Foram arroladas três testemunhas, pelo Reclamante, no requerimento mencionado no número anterior, ao qual o Reclamante juntou fotocópias das citações dos processos de execução fiscal n.º 55/2017, 56/2017, 58/2017 e 68/2017, bem como fotocópias da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio urbano, sito no lugar da ………, nos limites do lugar da Torre, designado por lote 40, da Freguesia e Concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 1975; e da certidão da mencionada Conservatória, referente ao mesmo prédio urbano, descrito naquela conservatória sob o n.º 1975/19861107, da qual consta o averbamento da constituição da propriedade horizontal (cfr. cópias autenticadas do PEF, de fls. 45 a 56 do processo apenso aos autos).

7. Em 11 de Maio de 2017, foi proferido despacho pela Responsável pelo Serviço de execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais, do seguinte teor: “Considerando que:
1. O executado apresentou pedido de dispensa da prestação de garantia, destinada a suspender os termos do processo de execução fiscal na pendência da oposição à execução;
2. O executado afirma que não possui bens nem rendimentos que lhe permitam garantir o pagamento da dívida exequenda o que, a par do elevado valor da dívida, constitui fundamento para a dispensa da prestação de garantia;
3. Não foi apresentado qualquer documento comprovativo das consequências que a prestação de garantia acarretaria para o executado, designadamente, prejuízo irreparável e manifesta falta de meios económicos;
4. O artigo 170.º do CPPT visa regulamentar o procedimento de isenção de prestação de garantia previsto no n.º 4, do artigo 52.º, da LGT e prevê, no n.º 3, que o pedido de dispensa de prestação de garantia deve conter a indicação das razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e a prova documental necessária;
5. O executado não concretiza as razões que indiciam a probabilidade de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos e não apresenta qualquer prova documental que permita aferir da veracidade das suas afirmações;
6. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 74.º, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque. Indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia, por falta de verificação dos requisitos, nos termos do n.º 4, do artigo 52.º, n.º 1, do artigo 74.º, da LGT e do artigo 170.º, n.º 3, do CPPT. Notifique-se o executado do teor do presente despacho e, ainda, da possibilidade de, não concordando com o teor do mesmo, reclamar nos termos do disposto no artigo 276.º, do CPPT”. (cfr. cópia autenticada do referido despacho, extraída do PEF, a fls. 57 do processo apenso aos autos)”.

8. Foi dirigido ao mandatário do reclamante o ofício, com a Ref.ª E-2626/2017, datado de 15 de Maio de 2017, no qual consta o teor do despacho referido no ponto anterior (cfr. cópia autenticada do mencionado ofício, extraída do PEF, a fls. 59 do processo apenso aos autos).

9. Em 16 de Maio de 2017 foi assinado o aviso de recepção referente ao registo CTT n.º RD942097217PT (cfr. cópia autenticada do aviso de recepção, extraída do PEF, a fls. 61 do processo apenso aos autos).

10. A presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal foi registada, no Serviço de Expediente e Arquivo da Câmara Municipal de Cascais, em 30 de Maio de 2017 (cfr. carimbo de registo aposto sobre a reclamação, a fls. 4 dos autos)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Instaurada que foi pelo Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais de Finanças uma execução fiscal contra o condomínio do prédio denominado “A…………”, para cobrança de uma taxa por ocupação do domínio público, veio o Executado, após deduzir oposição, pedir ao órgão da execução fiscal a dispensa da prestação de garantia, pedido que foi indeferido.
O Executado reclamou judicialmente desse indeferimento, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT, e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a reclamação.
Inconformado com essa sentença de improcedência, o Executado dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo.
Porque o valor da acção é de € 2.997,99, não é admissível recurso nos termos do disposto no art. 4.º do art. 280.º do CPPT, que, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2015), dispõe: «Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância». Note-se que, de acordo com a redacção dada ao art. 105.º da LGT pela mesma Lei n.º 82-B/2014, «[a] alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância», ou seja, é, a partir de 1 de Janeiro de 2015, de € 5.000, uma vez que é esta a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância, como resulta do n.º 1 do art. 44.º Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
Por isso, o Recorrente lançou mão da faculdade prevista no n.º 5 do art. 280.º do CPPT, que estabelece: «A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica [((Leia-se ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica.)], com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior». Este n.º 5 do art. 280.º do CPPT, «veio dar concretização ao art. 105.º da LGT em que se estabelece que «a lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o STA, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito» e à alínea c) do n.º 1 do art. 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, em que o Governo se baseou para aprovar o CPPT, que estabelece que «a fixação de alçadas não prejudicará a possibilidade de recurso para o STA, em caso de aquele visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito»» ( JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 10 ao art. 280.º, pág. 419.).
Assim, antes do mais, cumpre apreciar e decidir se estão verificados os pressupostos para a admissão do recurso ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 280.º do CPPT, designadamente, em face da posição assumida pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, se a sentença recorrida perfilhou solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul invocado como fundamento, sendo inequívoco que este se situa, na organização hierárquica a que estão sujeitos os tribunais tributários, como tribunal de hierarquia superior ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [cfr. arts. 8.º e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)].
Tenha-se presente que em sede do recurso por oposição de julgados interposto ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT, contrariamente ao que sucede no recurso por oposição de acórdãos, previsto no art. 284.º do mesmo Código, «não haverá lugar a uma decisão autónoma sobre a questão preliminar da existência da oposição, que deve ser apreciada como mais um pressuposto do recurso, que acresce aos restantes pressupostos processuais (como, por exemplo, a legitimidade e a tempestividade que também devem ser apreciadas, expressa ou tacitamente, antes de se passar à apreciação do mérito do recurso)» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 11 ao art. 280.º, pág. 421.).
Vejamos, pois, se se verifica a oposição de julgados exigida como pressuposto processual da admissibilidade do recurso, uma vez que a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que admitiu o recurso, não vincula este Supremo Tribunal (cfr. art. 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

2.2.2 DA OPOSIÇÃO DE JULGADOS ENTRE A SENTENÇA E O ACÓRDÃO FUNDAMENTO

2.2.2.1 Para fundamentar o recurso, o Recorrente invocou a oposição de julgados entre a sentença recorrida e o acórdão ( Tenha-se presente o que deixámos consignado em 1.6.) do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 3 de Outubro de 2013, no processo n.º 6939/13 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/596e1d48bafc97a080257bfe00583ea7.).
«Os requisitos do recurso de decisões de 1.ª instância com fundamento em oposição de julgados são definidos usando as expressões “mesmo fundamento de direito”, “solução oposta” e “ausência substancial de regulamentação jurídica”, que são os mesmos que eram utilizados no ETAF de 1984 para os recursos com fundamento em oposição de julgados [arts. 22.º, alíneas a), a') e a"), 24.º, alíneas b) e b'), e 30.º, alíneas b) e b'), desse diploma], pelo que se deve concluir que se pretendeu adoptar os requisitos globais dos recursos com fundamento em oposição de julgados» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 11 c) ao art. 280.º, pág. 422.).
Recordemos, pois, esses requisitos, tal como a jurisprudência os tem vindo, reiterada e uniformemente, a elencar: a) identidade de situações fácticas, b) trânsito em julgado do acórdão fundamento, c) quadro legislativo substancialmente idêntico, d) decisões proferidas em processos diferentes, e) decisões opostas expressas (Entre muitos outros, por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 10 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 1258/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6f6737601b54171b80258124004ca192;
- de 21 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 1392/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c3392bc01712b84e8025814d003c7d97;
- de 20 de Dezembro de 2017, proferido no processo n.º 1135/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/edd2740dfc1df28a8025821000393bfa.). Como ficou dito no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 1957/13 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dfa169e6a225b78580257e3b004ecdb6.), a admissibilidade do recurso ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT «pressupõe, naturalmente, uma identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), pois que sem essa identidade não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, nem se poderá atingir o fim visado com este tipo de recurso, que é o de assegurar o valor da igualdade na aplicação do direito».
Dito isto, e a fim de verificarmos do preenchimento dos referidos requisitos e a invocada oposição de julgados, há que indagar o que decidiram a sentença recorrida e o acórdão fundamento.
Ainda antes, impõem-se alguns considerandos no sentido de estabelecer qual a questão de direito que o Recorrente entende aí ter sido decidida em sentido divergente, adiantando-se desde já que a tarefa se não afigura isenta de dificuldades. Na verdade, o Recorrente não identifica clara e inequivocamente qual seja essa questão e, muito menos, onde reside a divergência entre a sentença recorrida e o acórdão fundamento, o que, por si só, constituiria motivo para a não admissão do recurso (Note-se que «o recorrente deverá invocar e evidenciar a oposição de julgados no requerimento de interposição do recurso, com vista a vê-lo admitido ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT, sem o que o recurso não deverá ser admitido» (cfr. acórdão de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 275/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0eb0340f37d2b98380257d5600483657). ). No entanto, faremos um esforço exegético em ordem a retirar da alegação o conteúdo útil mais favorável ao Recorrente.
Nas quatro primeiras conclusões do recurso o Recorrente alude à modificação operada no n.º 4 do art. 52.º da LGT (Modificação essa que se refere ao ónus da prova de que a insuficiência ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado. Assim, após o trecho onde no n.º 4 do art. 52.º da LGT se afirma «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido», onde antes se dizia «desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado» após aquela alteração diz-se «desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado».) pelo art. 228.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, manifestando discordância com a sentença na medida em que nesta se teria feito aplicação da norma na sua versão anterior àquela alteração ou, pelo menos, se teria interpretado a norma com o mesmo sentido que lhe era conferido na anterior redacção.
Provavelmente, foi essa alusão que levou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo a considerar que a questão se referia à aplicabilidade da nova redacção do n.º 4 do art. 52.º da LGT e, por isso, que não ocorre a contradição de julgados que poderia justificar a admissão do recurso, uma vez que essa questão não se colocou (Nem poderia colocar-se, uma vez que o acórdão fundamento foi proferido em 3 de Outubro de 2013 e a referida alteração legal só foi introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017, nos termos do seu art. 276.º.) no acórdão fundamento (cfr. 1.5).
Afigura-se-nos, no entanto, que não terá sido essa a questão que o Recorrente pretendeu eleger como objecto da oposição de julgados.
Não obstante às primeiras quatro conclusões se seguir a expressão «sem prescindir», que poderia indiciar que naquelas se invocava um primeiro fundamento de recurso, a que se seguiria outro ou, eventualmente, outros, invocados a título subsidiário, a verdade é que, se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, a questão que o Recorrente considera ter sido decidida em sentido divergente na sentença recorrida e no acórdão fundamento não respeita à aplicação ou não ao caso sub judice do segmento final do n.º 4 do art. 52.º da LGT na sua nova redacção; respeita, isso sim, nos termos das conclusões 5.ª a 12.ª, à produção de prova testemunhal em sede de procedimento de dispensa da prestação de garantia. Na perspectiva do Recorrente, se bem a entendemos, a sentença proferida nos presentes autos considerou que o órgão da execução fiscal procedeu de acordo com a lei ao não ter produzido, por a ter dispensado, a prova testemunhal oferecida, enquanto no acórdão fundamento se teria concluído pela ilegalidade da decisão de não produção dessa prova.
Assim, o fundamento de direito relativamente ao qual o Recorrente entende que foram perfilhadas soluções opostas pela sentença recorrida e pelo acórdão fundamento será o da admissibilidade da prova testemunhal no procedimento da dispensa de prestação da garantia.
Estabelecida que ficou qual a questão essencial de direito que o Recorrente considera ter sido decidida em sentido divergente, e não podendo este Supremo Tribunal emitir juízo algum sobre questões que situem fora daquele perímetro, vejamos agora o que foi decidido na sentença e no acórdão em confronto, a fim de averiguar se ocorre essa divergência.

2.2.2.2 Começando pela sentença recorrida.
O Executado pediu ao órgão da execução fiscal a dispensa de prestação de garantia em ordem à suspensão do processo executivo na sequência da dedução de oposição à execução fiscal. No respectivo requerimento apresentou prova documental (cópias das citações que lhe foram efectuadas nos processos de execução fiscal n.º 55/2017, 56/2017, 58/2017 e 68/2017 do Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Cascais, cópias da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio urbano a que se refere o condomínio e certidão da inscrição do prédio na respectiva Conservatória do Registo Predial) e arrolou 3 testemunhas.
O órgão da execução fiscal indeferiu o pedido. Para tanto, em resumo, considerou que o Executado «não concretiza as razões» por que a prestação da garantia lhe causaria prejuízo irreparável ou porque não tem meios económicos para a sua prestação, bem como não apresenta prova documental da alegada falta de bens e rendimentos. Ou seja, a decisão administrativa de indeferimento assenta em dois fundamentos: não foi invocada a factualidade pertinente para o preenchimento de todos os requisitos da dispensa de prestação de garantia e não foi apresentada prova documental da insuficiência económica invocada.
O Executado reclamou dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou a reclamação improcedente pela sentença ora sob recurso. Em resumo, entendeu o Juiz daquele Tribunal que competia ao Executado a alegação dos factos que integram os pressupostos para o isentar da prestação de garantia, o que este não fez, pois, quanto à falta de bens, os «argumentos não foram densificados em factos concretos»; ademais que, na falta de prova dos factos alegados, a questão teria ser, como foi, decidida contra ele (ónus da prova a cargo do requerente); que o Executado não apresentou qualquer prova documental (designadamente bancária ou contabilística) da sua falta de capacidade financeira para prestar garantia, motivo por que bem andou o órgão da execução fiscal em indeferir o pedido; que a requerida inquirição de testemunhas, não podendo considerar-se vedada como meio de prova, sob pena de violação do princípio constitucional do acesso ao direito, não pode considerar-se adequada à demonstração da realidade dos factos porque no caso, como considerou o órgão da execução fiscal, a factualidade alegada e relevante respeita à situação bancária, patrimonial e contabilística do Executado, que deveria ser provada por documentos.
Em síntese, e nas palavras da própria sentença, nesta entendeu-se que «o órgão da execução fiscal considerou que o executado não tinha concretizado as razões que indiciam a probabilidade de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios e não apresentou prova documental que permita aferir da veracidade das suas afirmações» e, se é certo que «para o órgão da execução fiscal essa prova não era suprível pela realização da prova testemunhal» – asserção que a sentença não acompanha, antes seguindo a posição assumida por este Supremo Tribunal no acórdão de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 96/14 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c5c2d1fc3915fb680257c8b003ef871.) –, «mesmo que esse órgão tivesse ouvido as testemunhas arroladas pelo Reclamante, não poderia, face a esse prova», dar como provados factos que este não alegou e que integravam um requisito essencial para a dispensa da prestação da garantia.
Ou seja, na sentença considerou-se que bem andou o órgão da execução fiscal ao indeferir a requerida dispensa de prestação de garantia, uma vez que o Executado não alegou factualidade susceptível de preencher todos os três requisitos de dispensa de prestação de garantia (de verificação cumulativa, ainda que dois deles comportem alternativas), o que determina a improcedência do pedido, não fazendo assim sentido impor ao órgão administrativo a inquirição das testemunhas que, não sendo vedada, se revelaria inútil; dito de outro modo, não há impossibilidade de produção de prova testemunhal, mas inutilidade da mesma em face da falta de alegação da matéria de facto imprescindível para que se pudessem preencher todos os requisitos da dispensa da prestação da garantia.

2.2.2.3 Passando ao acórdão fundamento.
Na situação aí tratada, o executado pediu dispensa da prestação de garantia em ordem a obter a suspensão do processo na sequência da oposição à execução fiscal que deduziu. Nesse requerimento arrolou três testemunhas.
Esse pedido foi-lhe indeferido pelo órgão da execução fiscal. Na informação que foi apropriada por essa decisão, considerou-se, para além do mais, que, no que respeita ao pressuposto da manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia, contrariamente ao alegado pelo executado, os elementos documentais na posse da AT permitiam concluir que este tinha bens susceptíveis de penhora que podiam responder pela dívida exequenda; na mesma informação, considerou-se que o requerente não alegou factualidade suficiente para integrar o prejuízo irreparável que afirmou lhe resultaria da prestação da garantia. O órgão da execução fiscal não inquiriu as testemunhas oferecidas pelo executado no requerimento da dispensa da prestação de garantia, nada tendo dito a esse respeito.
O executado reclamou judicialmente dessa decisão. Com a petição inicial arrolou 3 testemunhas.
O tribunal de 1.ª instância dispensou a inquirição das testemunhas com a seguinte fundamentação: «Analisado o teor da petição inicial, inclusive os artigos da petição indicados, e atendendo aos documentos juntos aos autos, julgo desnecessária a inquirição de testemunhas, para a decisão da questão controvertida, objecto dos presentes autos, o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia. Os factos alegados na petição, por exemplo os artigos 43 a 81, destinados a provar que o reclamante não exercia a gerência de facto da sociedade devedora originária, não constituem matéria a provar nos presentes autos, mas sim em sede de oposição judicial, designadamente, no processo 1228/11.3BELRS, a correr termos neste Tribunal»
Desse despacho foi interposto recurso pelo reclamante, que foi admitido para subir com o recurso interposto da decisão final.
Os autos prosseguiram, com a prolação de sentença que indeferiu a reclamação judicial e o executado interpôs recurso dessa sentença.
O Tribunal Central Administrativo Sul considerou que o conhecimento daquele primeiro recurso, do despacho que dispensou a produção da prova testemunhal, lograva prioridade sobre o recurso da sentença. Apreciando o mesmo, concedeu-lhe provimento, por considerar que o referido despacho padece do vício de erro de julgamento de direito por violação do regime previsto nos arts. 114.º, 115.º, n.º 1, e 170.º, n.º 3, do CPPT, motivo por que considerou prejudicado o conhecimento do recurso da decisão final.
Assim, a única questão decidida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão fundamento foi a de saber se o tribunal de 1.ª instância tinha ou não efectuado correcto julgamento ao ter dispensado a produção de prova no âmbito do processo de reclamação judicial, tendo concluído que não podia o tribunal a quo ter decidido, como decidiu, sem previamente ouvir as testemunhas.

2.2.2.4 Cotejando a sentença recorrida com o acórdão fundamento, verificamos que em ambas as decisões judiciais é abordada a temática da possibilidade da produção da prova testemunhal no âmbito do procedimento de dispensa da prestação da garantia. No entanto não existe, a esse propósito, divergência alguma de entendimentos entre a sentença recorrida e o acórdão fundamento e, muito menos, divergência que tenha dado lugar a decisões de sentido oposto.
Na verdade, só a sentença recorrida decidiu essa questão, considerando que, apesar de no procedimento para dispensa da prestação de garantia inexistir qualquer proibição ou restrição de meios de prova, que exclua a possibilidade de produção de prova testemunhal (Aliás, em consonância com a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta dos seguintes acórdãos:
- de 21 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1162/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7224ed73b6699c4e80257ac600370e24;
- de 19 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 1298/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34bdcc5217e9cc7f80257aed005505ed;
- de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 96/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c5c2d1fc3915fb680257c8b003ef871.), no caso sub judice essa foi dispensada, e bem, por inutilidade.
Já no acórdão recorrido, pese embora os considerandos tecidos em torno da mesma questão, a mesma não foi objecto de decisão alguma: a falta da inquirição de testemunhas que determinou a procedência do recurso foi a ocorrida em sede judicial.
Nem se diga que a prova a efectuar na reclamação judicial seria a mesma que não foi feita no órgão da execução fiscal, pois, como é sabido, «[a] apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação, não sendo possível, com base em prova – produzida em Tribunal – a que a Administração Tributária não teve acesso, considerar que aquela decisão padece de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto» (Cfr. o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 918/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e203bfccd2f152b280257d7900526bbd.).
Assim, não cumpre apreciar se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento quando decidiu que o órgão da execução fiscal actuou dentro da legalidade ao dispensar a prova testemunhal, uma vez que essa apreciação se situa já no âmbito do mérito do recurso e este, pelos motivos expostos, não passou o limiar da apreciação dos pressupostos processuais da sua admissibilidade.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Visando a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito, o n.º 5 do art. 280.º do CPC permite o recurso de sentença proferida em processo que, ainda que de valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários, perfilhe «solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência [de alteração] substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior».
II - A oposição de julgados requerida como pressuposto desse recurso exige uma identidade jurídica e factual, entendida como concretização da mesma “hipótese normativa”, a aferir pela análise das decisões em confronto.
III - As questões expressa e concretamente apreciadas nas decisões em confronto não são idênticas se convocaram, interpretaram e aplicaram previsões jurídicas diversas.
IV - Para averiguar da existência de oposição, o Supremo Tribunal Administrativo deve ater-se ao teor das decisões alegadamente contraditórias, sendo-lhe vedada qualquer apreciação da respectiva correcção jurídica, a qual já se situa num patamar posterior a que apenas pode aceder se verificada a oposição.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pelo Recorrente.

*
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.