Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0662/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
PRAZO ORDENADOR
PRAZO DISCIPLINAR
FALTA DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
COMPETENCIA DO ORGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que, se o pedido formulado em juízo pelo executado é de que seja extinta a execução fiscal e, em alternativa, que seja suspensa a execução fiscal, é adequado o meio processual de oposição à execução fiscal.
II - O prazo fixado no art. 188.º, n.º 1, do CPPT, tem natureza ordenadora ou disciplinar, pelo que da sua violação não resulta qualquer efeito sobre a obrigação exequenda.
III - A norma ínsita nesse mesmo artigo, que atribui competência ao órgão de execução fiscal para ordenar a citação, não é inconstitucional pois não atribui aos órgãos da administração competências que a Constituição da República Portuguesa reserva aos tribunais.
IV - Pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, o desrespeito pela suspensão da execução fiscal na pendência de impugnação judicial, desde que tenha sido prestada ou constituída garantia, ou que o executado tenha sido dispensado de prestá-la, ou ainda que existam bens penhorados que garantam o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
V - Não tendo a decisão recorrida fixado a factualidade pertinente a estabelecer essas condições, não pode o Supremo Tribunal Administrativo conhecer em substituição desse fundamento de oposição à execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00067240
Nº do Documento:SA2201111160662
Data de Entrada:07/05/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART98 N4 ART204 N1
CPC96 ART288 B ART494 B ART715 N2
LGT98 ART97 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC547/10 DE 2010/07/14 IN AD-DR DE 2011/04/01 PAG1212
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG104 PAG105
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG51 PAG360 PAG499 PAG502
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A…….” (adiante Executada, Oponente ou Recorrente) deduziu oposição a uma execução fiscal que contra ela foi instaurada.
1.2 O Executado deduziu oposição, invocando a alínea i) do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu a extinção da execução fiscal ou a suspensão da mesma com os seguintes fundamentos:
· a inconstitucionalidade orgânica e material das normas do CPPT que determinam a prática de funções jurisdicionais pelo Serviço de Finanças no âmbito da execução fiscal, em especial o n.º 1 do artigo 188.º do CPPT, o que o que acarreta a nulidade do mandado de citação emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças e, consequentemente, da citação efectuada;
· a citação do executado foi ordenada findo já o prazo estipulado no aludido n.º 1 do artigo 188.º do CPPT;
· a pendência de processo contencioso com efeito suspensivo da execução fiscal.
1.3 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, após o despacho liminar e a apresentação da contestação, proferiu despacho em cuja parte decisória deixou escrito: «na procedência da excepção de erro na forma de processo, absolve-se a Fazenda Pública da instância de oposição à execução» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.)).
1.4 A Oponente não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.5 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução, por erro na forma de processo, uma vez que, alegadamente, não foi invocado nenhum dos fundamentos elencados no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
B. A oposição em processo de execução fiscal só pode ter como fundamento, em geral, a ilegalidade abstracta da dívida exequenda, não a apreciação da ilegalidade concreta da dívida, nos termos da enumeração taxativa do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
C. O legislador consagrou, na última dessas alíneas, um fundamento de carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações que, não correspondendo a nenhum dos fundamentos elencados nas alíneas que o antecedem, não envolvam, pois, a apreciação da legalidade da dívida exequenda, sendo provados apenas por documento.
D. Os vícios apontados pela A…… na sua petição de oposição – a saber: (i) a inconstitucionalidade orgânica e material das normas do CPPT que determinam a prática de funções jurisdicionais pelo Serviço de Finanças no âmbito da execução fiscal, em especial, o n.º 1 do artigo 188.º do CPPT; (ii) a citação da executada fora do prazo estipulado no aludido n.º 1 do artigo 188.º do CPPT; (iii) a pendência de processo contencioso com efeito suspensivo –, são enquadráveis na última alínea do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
E. Tanto a inconstitucionalidade invocada, como o desrespeito do prazo previsto no n.º 1 do artigo 188.º do CPPT, consubstanciam fundamentos que, desde logo, não envolvem a apreciação da legalidade da liquidação da quantia exequenda, nem representam interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título, sendo provados, simplesmente, a partir de documentos – in casu, pelo documento de citação da A……. para a execução fiscal, sendo certo que afectam a eficácia do acto de citação e consequente exigibilidade da dívida exequenda.
F. No que respeita à pendência de processo contencioso com efeito suspensivo, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender que, nas situações em que a exigibilidade da dívida seja afectada por qualquer motivo não definitivo, mas meramente temporário, esse motivo possa ser invocado em sede de oposição à execução, que terá por objecto, então, a suspensão da execução – vide, LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Anotado, 5ª Edição, 2007, Vislis Editores, pág. 371; CARLOS PAIVA, in O Processo de Execução Fiscal, 1.ª Edição, 2008, Almedina, pág. 117; Ac. STA, de 13/12/2000, proc, n.º 25610; Ac. TCA Sul, proc. n.º 6016/01.
G. Tanto a doutrina, como a jurisprudência, enquadram tal fundamento, precisamente, na disposição residual da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
H. A pendência de processo contencioso com efeito suspensivo invocada na petição inicial constitui, igualmente, fundamento legal e legítimo de oposição à execução, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
I. Não se verifica, in casu, a excepção de erro na forma de processo, devendo, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e ser conhecido, pelo Tribunal a quo, do mérito dos fundamentos alegados na petição de oposição.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida».
1.6 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, se bem que a decisão recorrida deva ser substituída por acórdão que julgue improcedente a oposição à execução fiscal. Isto, com a seguinte fundamentação:
«1. Inconstitucionalidade orgânica e material do art. 188º nº 1 do CPPT
Configura fundamento abstracto de oposição à execução fiscal, na medida em que seria inexigível a dívida cuja cobrança coerciva fosse prosseguida mediante instauração de execução fiscal com suporte jurídico em norma inquinada de inconstitucionalidade.
Porém, merece a nossa adesão o discurso jurídico da sentença onde se sustenta a inexistência da alegada inconstitucionalidade, com citação de jurisprudência convincente (acórdãos STA-SCT 27.09.2000 processo nº 24 634; 16.06.2004 processo nº 367/04)
2. Violação do prazo previsto no art. 188º nº1 CPPT
O prazo estabelecido na norma para citação do executado é meramente disciplinar.
Inscrevendo-se a violação do prazo no domínio da legalidade do acto de citação, a sua nulidade deveria ser arguida perante o órgão da execução fiscal, sendo eventual decisão desfavorável passível de reclamação para o tribunal tributário (art. 276º CPPT)
3. Pendência de processo contencioso com efeito suspensivo
Os recorrentes anunciaram que iriam deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação de onde emerge a dívida exequenda (petição art. 27º); a efectiva dedução de impugnação judicial sem constituição ou prestação de garantia ou de penhora não determina a suspensão da execução fiscal e a inexigibilidade da dívida exequenda (art. 169º nº1 CPPT)
Apenas a reclamação graciosa tendo como objecto actos tributários e não a reclamação contra actos praticados pelo órgão da execução fiscal pode constituir fundamento de suspensão da execução fiscal (arts. 68º nº1 e 169º nº1 CPPT; art. 276º CPPT)
4. Os fundamentos de oposição invocados na petição foram apreciados pelo tribunal, o qual afirmou explicitamente a improcedência da oposição (fls.141); nesta medida é contraditória a decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, com fundamento em erro na forma de processo (art. 288º nº1 al. b) CPC)».
1.8 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.9 A questão que cumpre apreciar e decidir, como procuraremos demonstrar, é apenas a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando absolveu a Fazenda Pública da instância com fundamento em erro na forma do processo.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto de forma destacada (É certo que a lei, impondo que o julgamento da matéria de facto seja feito na sentença, designadamente impondo que «[o] juiz discriminará […] a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT), designadamente, tomando «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que […] deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer» (art. 659.º, n.º 3, do CPC), não exige que o mesmo seja feito de forma autonomizada. No entanto, a praxis levou a que se considere de boa técnica que o julgamento de facto seja feito numa parte perfeitamente delimitada da sentença, a seguir ao relatório (cfr. art. 659.º, n.º 2, do CPC). Estes considerandos, feitos relativamente à sentença, valem para todas as decisões judiciais que exijam a produção de prova sobre os fundamentos do pedido).), o que se compreende face à natureza dessa decisão: absolvição da Fazenda Pública da instância por erro na forma do processo, que impede o juiz, não só de proferir sentença sobre o mérito da causa, «mas também de entrar na apreciação e discussão da matéria que interessa à decisão de fundo, sustando, nomeadamente a produção de prova sobre os fundamentos do pedido» (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 104/105.).
2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, perante uma petição de oposição à execução fiscal, que foi admitida liminarmente, proferiu uma decisão em cuja parte decisória declarou a absolvição da Fazenda Pública da instância por ter julgado verificada a nulidade por erro na forma do processo (e inadmissível a convolação para a forma processual que seria adequada, ponderação que efectuou relativamente à impugnação judicial).
Note-se que, quando da ponderação da possibilidade de convolação, o Juiz deixou escrito: «é manifesto que estes [os fundamentos invocados pela Executada na petição inicial] não constituem fundamento de impugnação judicial, pois nela não são invocados vícios que afectem a validade do acto de liquidação mas sim a exigibilidade da dívida, daí que a possibilidade de convolação não seja admissível, aliás sempre se dirá que impugnação já foi deduzida».
Note-se ainda que o Juiz se pronunciou sobre os fundamentos invocados na petição inicial para considerar que «a oponente não alega nenhum dos fundamentos elencados no nº 1, do artº 204º, do CPPT, como tal, a forma de processo adequada ao caso concreto não pode ser a oposição».
A Oponente recorreu dessa decisão. Põe em causa o julgamento efectuado, quer relativamente à nulidade por erro na forma do processo (cfr. conclusões A. e I.), quer quanto à insusceptibilidade dos fundamentos invocados constituírem fundamento válido de oposição (cfr. conclusões B. a H.).
Prioritariamente, deve notar-se que, perante a verificação do erro na forma do processo e da impossibilidade de convolação para a forma processual tida por adequada, com a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância, ao Juiz nada mais cumpria decidir. Não cumpria, designadamente, tecer quaisquer considerandos em torno da admissibilidade dos fundamentos invocados na petição inicial como fundamentos de oposição à execução fiscal e, muito menos, sobre o mérito dos mesmos. Na verdade, a absolvição da instância constitui precisamente a recusa de julgamento do fundo ou mérito da causa, a abstenção de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por se verificar alguma das irregularidades enunciadas na lei, algum dos pressupostos essenciais para o efeito, pelo que se absolve desde logo o réu.
Nessa circunstância, todos os considerandos aduzidos na decisão recorrida a esse propósito devem considerar-se como um obiter dictum, «uma excrescência em relação ao silogismo judiciário que motivou e estruturou a decisão» (Neste sentido, por mais recente, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Julho de 2010, proferido no processo com o n.º 547/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1212 a 1220, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/40dd928dcd02c56b8025776f004f8646?OpenDocument.), proferida no sentido do erro na forma do processo.
Na verdade, perante o erro na forma do processo, tem o juiz obrigatoriamente que averiguar da possibilidade de convolação para forma de processo adequada. Assim o impõem as normas do art. 97.º, n.º 3, da LGT, e do art. 98.º, n.º 4, do CPPT. Se tal convolação não for possível, deve o juiz declarar a nulidade de todo o processo, que conduz à absolvição da instância da Fazenda Pública, em conformidade com o disposto nos arts. 288.º, alínea b), e 494.º, alínea b), do CPC, ficando prejudicado o conhecimento do mérito da acção.
Assim, a este Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à sindicância da decisão recorrida, não cumpre senão sindicar o julgamento relativamente ao erro na forma do processo. Isto, sem prejuízo de, caso venha a revogar a decisão recorrida, que absolveu a Fazenda Pública da instância, haver de ponderar a possibilidade de conhecer em substituição, atento o disposto no art. 715.º, n.º 2, do CPC, aplicável ao recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, por força do disposto nos arts. 749.º e 762.º, n.º 1, bem como no art. 726.º, todos do mesmo Código.
2.2.2 DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Quanto ao erro na forma do processo, o Juiz, não só o definiu correctamente – «O erro na forma de processo ocorre sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza ou valor da acção e constitui nulidade, de conhecimento oficioso: art. 199º e 202º do Código de Processo Civil» –, como também indicou bem o critério operativo por que o mesmo se afere – «O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à acção» –, sem sequer olvidar a noção legal de pedido imprescindível ao funcionamento daquele critério – «O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: art. 498º n.º 3 do CPC».
Porém, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, ao invés de aplicar a doutrina que tinha correctamente exposto e extrair a pertinente conclusão – que não podia ser senão a de que o meio processual escolhido era o próprio, pois a Executada formulou os pedidos de extinção e, em alternativa, de suspensão da execução fiscal, pedidos para os quais a forma processual escolhida pela Executada é, inequivocamente, a ajustada (Note-se que a oposição, em regra, visa a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, mas pode também ter por objecto a suspensão da execução. É o caso em que a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, como, v.g., concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de falência ou de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos.) –, passou a conhecer dos fundamentos invocados, para concluir, de modo pouco feliz, que «a oponente não alega nenhum dos fundamentos elencados no nº 1, do artº 204º, do CPPT, como tal, a forma de processo adequada ao caso concreto não pode ser a oposição».
Significa isto, sem necessidade de outros considerandos, que o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar verificado o erro na forma do processo, motivo por que a decisão recorrida deve ser revogada, como decidiremos a final.
2.2.3 DO CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
Revogada essa decisão, cumpre agora verificar da possibilidade de conhecer em substituição, nos termos do art. 715.º, n.º 2, do CPPT, norma que é aplicável ao recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal Administrativo por força do disposto nos artigos 749.º e 762.º, nº 1 e do preceituado no artigo 726.º, todos do CPC, desde que não esteja em causa matéria de facto, já que, nesse caso, seria de dar cumprimento ao disposto nos arts. 729.º e 730.º do CPC.
Note-se que não é de cumprir o disposto no n.º 3 do mesmo art. 715.º do CPC uma vez que nas alegações de recurso a Oponente se pronunciou sobre o mérito dos fundamentos invocados na presente oposição à execução fiscal em suporte dos pedidos aí formulados, de extinção ou suspensão da execução fiscal.
Recordemos esses fundamentos, que são:
· a inconstitucionalidade orgânica e material das normas do CPPT que determinam a prática de funções jurisdicionais pelo Serviço de Finanças no âmbito da execução fiscal, em especial o n.º 1 do artigo 188.º do CPPT, na medida em que confere ao chefe do órgão de execução fiscal o poder de mandar citar o executado;
· o desrespeito pelo prazo estipulado no aludido n.º 1 do artigo 188.º do CPPT;
· a pendência de processo contencioso com efeito suspensivo da execução fiscal.
Desde logo, podemos afirmar que o segundo nunca poderia erigir-se em fundamento válido de oposição à execução fiscal. Na verdade, o desrespeito pelo prazo estipulado no art. 188.º, n.º 1, do CPPT – que dispõe que o órgão de execução fiscal ordenará a citação do executado no prazo de 24 horas a contar do recebimento do título executivo – não constitui fundamento subsumível a qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Como bem salientaram o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo no seu parecer e o Juiz nos considerandos que a esse propósito expendeu, tal prazo é meramente disciplinar. Na verdade, tal prazo tem natureza ordenadora e disciplinar (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol cit., anotação 4 ao art. 188.º, pág. 360, salienta que do não cumprimento desse prazo «se feito deliberadamente com o intuito de atrasar o processo de execução fiscal, poderá fazer incorrer os responsáveis pelo mesmo em responsabilidade subsidiária, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 161.º do CPPT».) e a sua ultrapassagem, por si só, não tem qualquer efeito sobre a dívida, não implicando, nomeadamente, a sua extinção. A fixação daquele prazo tem exclusivamente a ver com a celeridade que se pretende para a execução fiscal (Celeridade que decorre da natureza das dívidas em cobrança na execução fiscal, …onde avulta a finalidade de arrecadação dos dinheiros públicos provenientes do sistema fiscal, destinados à satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e à repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º, n.º 1, da Constituição) e não assume relevância nem como causa de extinção, nem sequer de suspensão, da execução fiscal. O que significa que nunca o desrespeito por esse prazo poderia erigir-se em fundamento de oposição à execução fiscal.
A Oponente sustenta tese contrária, de que a violação desse prazo constitui fundamento de oposição à execução fiscal subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Manifestamente, não é assim. Pese embora o carácter residual desta alínea, à sobra da mesma só podem acolher-se situações que de algum modo se repercutam sobre a obrigação exequenda, extinguindo-a ou modificando-a o afectando a sua exigibilidade, o que, como vimos, não é o caso.
Assim, porque nunca a oposição à execução fiscal poderia proceder tal fundamento na violação do prazo fixado no art. 188º, n.º 1, do CPPT, o referido fundamento improcede, como decidiremos a final.
Já quanto aos primeiro e terceiro fundamentos invocados pela Oponente, os mesmos, em abstracto, podem subsumir-se ao elenco do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, nomeadamente à alínea i) desse preceito legal. Na verdade, a dívida cuja cobrança coerciva fosse prosseguida mediante execução fiscal que fosse instaurada e tramitada com suporte em normas legais que enfermassem de inconstitucionalidade não seria exigível, como também não o seria, ainda que transitoriamente, a dívida que estivesse a ser cobrada na pendência de processo contencioso com efeito suspensivo (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol cit., anotação 38 b) ao art. 204.º, pág. 499.).
Quanto ao primeiro, o da inconstitucionalidade do art. 188.º do CPPT na medida em que permite que sejam os órgãos da administração tributária a ordenar a citação do executado, trata-se de questão já amplamente debatida na jurisprudência, com resposta unânime em sentido contrário, pelo que nos limitaremos aqui a traçar as linhas gerais da respectiva argumentação.
O processo de execução fiscal tem natureza de processo judicial, sem prejuízo de se admitir que nele participem os órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional (cfr. art. 103.º da LGT).
A lei enuncia os actos que têm essa natureza jurisdicional e que, por isso, exigem a intervenção de um juiz e cuja prática está vedada à administração tributária: os incidentes, os embargos, a oposição (cfr. art. 151.º do CPPT); a esses há ainda que juntar a anulação da venda, nos casos em que ela não é mera consequência de decisão judicial prévia (cfr. arts. 257.º, n.º 1 e 279.º, n.º 1, alínea b), do CPPT).
Mas a lei prevê também expressamente que a prática de outros actos, de natureza não jurisdicional, entre os quais ora nos interessa considerar a instauração da execução fiscal e a citação, é da competência do órgão de execução fiscal (cfr. art. 188.º do CPPT), se bem que estejam sempre sujeitos ao controlo judicial, designadamente através da denominada reclamação prevista no art. 276.º do CPPT.
A atribuição desta competência ao órgão de execução fiscal não encerra inconstitucionalidade alguma, na medida em que o acto de citação não pode considerar-se como acto jurisdicional, atendendo a que a função jurisdicional se caracteriza «pela resolução de um conflito de interesses, tendo como fim específico a realização do direito e da justiça e destinando-se a dar satisfação ao interesse público da composição dos conflitos, não sendo o órgão competente par decidir interessado no conflito, estando perante o mesmo numa situação de indiferença e de neutralidade» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol cit., anotação 3 ao art. 151.º, pág. 51.).
Esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se, desde há muito, unânime e uniformemente no sentido da constitucionalidade das normas que atribuem competência ao órgão de execução fiscal para a prática neste processo de actos de natureza não jurisdicional, designadamente a citação. A título meramente exemplificativo, vide os acórdãos:
˗ de 2 de Maio de 2001, proferido no processo n.º 25.027, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Julho de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2001/32220.pdf), págs. 1049 a 1053, com sumário também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00bbe14edf38ec9a80256a7e00490dd2?OpenDocument;
˗ de 16 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 367/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Dezembro de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32220.pdf), págs. 927 a 930, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/64c128d52e36df3880256ec5003db469?OpenDocument;
˗ de 20 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 999/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32210.pdf), págs. 273 a 276, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e253bcdc6c289ebc802573fc0059c5f9?OpenDocument.
Também o Tribunal Constitucional se tem vindo a pronunciar no sentido da constitucionalidade dessas normas. Vide, entre outros, os acórdãos:
˗ n.º 152/02, de 17 de Abril de 2002, processo n.º 498/01, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Maio de 2002 (http://dre.pt/pdfgratis2s/2002/05/2S125A0000S00.pdf), págs. 10338 a 10341, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acórdãos/20020152.html;
˗ n.º 263/02, de 18 de Junho de 2002, processo n.º 542/01, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Novembro de 2002 (http://dre.pt/pdfgratis2s/2002/11/2S262A0000S00.pdf), págs. 18786 a 18789, também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acórdãos/20020263.html.
Atenta a jurisprudência uniforme, que também subscrevemos, improcede também este fundamento da oposição à execução fiscal, como decidiremos a final.
Resta-nos agora apreciar o terceiro fundamento de oposição à execução fiscal invocado na petição inicial, ou seja, a pendência de processo contencioso com efeito suspensivo.
Como ficou já dito, esse fundamento, em abstracto, é subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Por outro lado, não há dúvida que, nos termos do n.º 1 do art. 169.º do CPPT, pode ocorrer a suspensão da execução fiscal se for deduzida impugnação judicial contra a liquidação que deu origem, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195.º ou prestada nos termos do art. 199.º, ou se tiverem tenham sido penhorados bens que garantam a totalidade da dívida exequenda. De igual modo, a execução fiscal deve ser suspensa se o executado for dispensado da prestação da garantia nos termos dos arts. 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT.
Ora, na decisão recorrida não foi fixada a matéria de facto pertinente à apreciação deste fundamento da oposição à execução fiscal, tanto mais que, como dissemos, em face do julgamento efectuado em 1.ª instância, no sentido da absolvição da Fazenda Pública da instância, não foi fixada qualquer factualidade.
Assim, face aos factos alegados na petição inicial e na ausência de qualquer julgamento sobre os mesmos, estamos impedidos de conhecer deste fundamento em substituição.
Há, pois, atento o disposto nos arts. 729.º e 730.º do CPC, que ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí, após julgamento da matéria de facto pertinente, se conhecer da eventual causa de suspensão da execução fiscal como fundamento de oposição à execução fiscal, como decidiremos a final.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, pelo que, se o pedido formulado em juízo pelo executado é de que seja extinta a execução fiscal e, em alternativa, que seja suspensa a execução fiscal, é adequado o meio processual de oposição à execução fiscal.
II - O prazo fixado no art. 188.º, n.º 1, do CPPT, tem natureza ordenadora ou disciplinar, pelo que da sua violação não resulta qualquer efeito sobre a obrigação exequenda.
III - A norma ínsita nesse mesmo artigo, que atribui competência ao órgão de execução fiscal para ordenar a citação, não é inconstitucional pois não atribui aos órgãos da administração competências que a Constituição da República Portuguesa reserva aos tribunais.
IV - Pode constituir fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, o desrespeito pela suspensão da execução fiscal na pendência de impugnação judicial, desde que tenha sido prestada ou constituída garantia, ou que o executado tenha sido dispensado de prestá-la, ou ainda que existam bens penhorados que garantam o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
V - Não tendo a decisão recorrida fixado a factualidade pertinente a estabelecer essas condições, não pode o Supremo Tribunal Administrativo conhecer em substituição desse fundamento de oposição à execução fiscal.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, julgar a oposição à execução fiscal improcedente quanto aos primeiro e segundo fundamentos invocados e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí, após a pertinente fixação da matéria de facto, se conhecer do mérito do terceiro fundamento invocada na petição inicial.
*
Sem custas neste Supremo Tribunal Administrativo.
*
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – António Calhau.