Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0383/13
Data do Acordão:04/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONDIÇÃO
IMPUGNABILIDADE
PEDIDO
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Nos termos do disposto no n.º 5 do art. 86.º da LGT e no n.º 1 do art. 117.º do CPPT, a impugnação do acto de avaliação indirecta com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos ou no erro na quantificação só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão de matéria tributável) de acordo com o disposto nos arts. 91.º a 94.º da LGT.
II - Isto, sem prejuízo de poderem ser conhecidos na impugnação outros vícios que não estejam sujeitos àquela condição de impugnabilidade judicial.
III - À decisão de absolvição da instância não pode ser assacada nulidade por omissão de pronúncia relativamente a uma questão respeitante ao mérito da causa.
Nº Convencional:JSTA000P15666
Nº do Documento:SA2201304300383
Data de Entrada:03/07/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 365/05.8BEPNF

1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A…….., Lda.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) impugnou judicialmente a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada relativamente ao ano de 2001 e na sequência de correcções à matéria tributável declarada efectuadas com recurso a métodos indirectos.
Pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a anulação dessa liquidação, invocando como fundamento a ilegalidade do recurso aos métodos indirectos, uma vez que, a seu ver, a presunção de veracidade da sua escrita e o valor probatório das escrituras de compra e venda não permitiam que a Administração tributária (AT) considerasse outros valores para as compras e vendas de imóveis senão os declarados nessas escrituras, a menos que demonstrasse e provasse, o que só poderia fazer mediante documento com força probatória equivalente à da escritura, que os preços realmente praticados foram outros. Ou seja, considerou a Impugnante que não se verificam os pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgando verificada a excepção dilatória da inadmissibilidade legal da impugnação, absolveu a Fazenda Pública da instância. Para tanto, considerou que o único fundamento da impugnação judicial é o erro nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, motivo por que se impunha que a Impugnante, previamente, tivesse requerido a revisão da matéria tributável e, porque não a requereu, não podia impugnar a liquidação com aquele fundamento.
1.3 A Impugnante não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«1.º- A douta sentença recorrida não levou à matéria dos factos dados como provados, o facto alegado pela Agravante no articulado da Impugnação Judicial de falta de fundamentação da decisão que determinou a liquidação adicional por recurso à avaliação indirecta.
2.º- Só é requisito da Impugnação Judicial, a verificação do prévio pedido de revisão da matéria tributável, quando não sejam alegados outros vícios que inquinam o acto tributário.
3.º- A douta sentença recorrida não tomou conhecimento do vício de falta de fundamentação alegado pela Impugnante, que por essa razão inquina a decisão que determinou a liquidação adicional.
4.º- Não podem subsistir dúvidas que a Agravante atacou a decisão que determinou a liquidação adicional, invocando a falta de fundamentação em que tal decisão se baseou para aplicar as correcções tributárias através dos métodos indirectos.
5.º- E se dúvidas pudessem existir, deveria ter-se convidado a Impugnante a aperfeiçoar o seu articulado como disposto no art. 508.º, al. b) do C.P.C., aplicável ex-vi do art. 2.º do CPPT.
6.º- A douta sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento, ao considerar que o fundamento da impugnação foi única exclusivamente, o erro nos pressupostos da determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, conclusão possível por,
7.º- Não ter tomado conhecimento de matéria, da qual deveria apreciar;
8.º- A falta de fundamentação alegada pela Impugnante, constitui a nulidade prevista no art. 84.º, n.º 3 da LGT.
9.º- A invocar falta de fundamentação e, consistindo esta na omissão de uma formalidade prevista na Lei – art. 84.º, n.º 3 da LGT, a douta sentença recorrida deveria dela ter tomado conhecimento.
10.º- Mostram-se assim violadas as disposições legais previstas nos arts. 84.º, n.º 3 e 86.º, n.º 4, ambos da LGT e o art. 99.º, al. c) do CPPT.
11.º- Há igualmente nulidade de sentença, invocável nos termos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT, porquanto a douta sentença recorrida não conheceu da matéria que deveria apreciar.
Nestes termos,
Deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, […]».
1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a requerimento da Recorrente.
1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, com a seguinte fundamentação:
«A recorrente assaca à sentença recorrida vício formal de omissão de pronúncia.
Existe omissão de pronúncia quando se verifica violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre c1ue existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito 1 [1 Acordão do STA, de 29 de Abril de 2008, recurso n.º 18150, AP-DR, de 2011.11.30, página 1311].
Nos termos do disposto no artigo 660.º/1 a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sendo certo que nos termos do número 2 o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, como resulta da causa de pedir e pedido plasmados na PI de fls. 2/4, parece-nos certo e seguro que a recorrente submeteu à apreciação do tribunal recorrida, apenas, a questão da falta de verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos e não, também, a falta de fundamentação formal da decisão que mandou proceder à determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
De facto, da simples leitura do pedido (fls. 4) se chega a essa conclusão.
Quando a recorrente nos artigos 21.º e 24.º alega que a AT não fundamenta nem demonstra que houve simulação do preço declarado nas escrituras e que a contabilidade não está organizada de acordo com a lei comercial e fiscal, que lhe faltam elementos para a sua contabilização ou que existindo não deveria, constar por serem falsos não se reporta à falta de fundamentação formal mas sim à falta de fundamentação substancial, necessariamente reconduzível à falta de verificação dos pressupostos para o recurso aos métodos indirectos.
Assim sendo, não ocorre a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A sentença recorrida julgou bem ao considerar que a recorrente apenas alegou como fundamento da sua pretensão a falta de verificação dos pressupostos para determinação da matéria tributável por métodos indirectos, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
Efectivamente, como resulta do probatório, a recorrente não apresentou, atempadamente, reclamação para a comissão de revisão, nos termos do disposto no artigo 91.º da LGT.
A apresentação dessa reclamação constitui pressuposto de impugnabilidade da liquidação com fundamento na falta de verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, nos termos do disposto nos artigos 86.º/5 da LGT e 117.º/3 do CPPT 2 [2 Sobre o tema ver Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, página 272, volume II, Juiz conselheiro Jorge Lopes de Sousa].
Assim sendo a sentença recorrida não poderia deixar de julgar não verificado esse pressuposto de impugnabilidade e absolver a Fazenda Pública da instância, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões.
A sentença recorrida não merece, pois, censura» (As notas de rodapé foram transcritas no próprio texto, usando-se um tamanho de letra menor.).
1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida
(i) enferma de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não conheceu da questão da falta de fundamentação que a Recorrente sustenta ter invocado na petição inicial (cfr. conclusões 3, 4, 7, 9 e 11), e
(ii) fez correcto julgamento quando julgou verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade por falta de prévia reclamação contra o acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se, como considerou o Juiz do Tribunal a quo, a impugnação judicial tinha como único fundamento o erro nos pressupostos da utilização destes métodos ou se, como sustenta a Recorrente, foi também invocada na petição inicial a falta de fundamentação da decisão de determinar a matéria tributável por métodos indirectos (cfr. conclusões 1, 2, 4 a 6, 8 e 10).
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«Com relevância para a decisão da questão prévia, o tribunal julga provado:
A) A impugnante “A………, Lda.”, pessoa colectiva n.º …….., é uma sociedade comercial por quotas que tinha como actividade a compra e venda de bens imobiliários, com o CAE 70120, com domicílio fiscal na Rua ……, em ……, Lousada, área do Serviço de Finanças de Lousada (fls. 22).
B) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto, em cumprimento da ordem de serviço/despacho n.º 45561 para uma acção inspectiva parcial em IRC, IVA e outro, consulta, recolha e cruzamento de elementos, dos exercícios de 2000 e 2001 (fls. 22).
C) A acção inspectiva concluiu, com recurso a métodos indirectos que havia a fazer correcções à matéria tributável, em IRC, no exercício de 2000, no valor de 247.844,23 €, e no exercício de 2001, no valor de 257.175,53€ (fls. 23).
D) A impugnante foi notificada do projecto de conclusões do relatório da inspecção e para exercer o direito de audição, no prazo de 10 dias, por escrito ou oralmente, por carta registada datada de 15/04/2004 (fls. 38 e 39).
E) A impugnante foi pessoalmente notificada do resultado da inspecção tributária em 06/05/2004, constando na notificação, entre o mais, que (fls. 19 a 21 e seguintes):
«ASSUNTO: Notificação do Resultado de Inspecção Tributária.
(Artigos 77.º da LGT e 61.º do RCPIT)
Fica V. Exa. notificado nos termos dos artigos 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Regime Complementar do Procedimento e Inspecção Tributária (RCPIT), do Relatório de Inspecção Tributária e do teor dos inerentes despachos, que se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente às situações abaixo assinaladas com x (valores em euros):
x Foi proposta a fixação por métodos indirectos: x da matéria tributável de IRC, nos termos previstos nos artigos 87.º a 90.º da LGT, por remissão do artigo 52.º do CIRC, nos seguintes exercícios:


ExercíciosRendimentos / Matéria Tributável
2000247844,23
2001257175,53

F) Em consequência destas correcções foi fixada à impugnante, em IRC, a matéria tributável de 391.332.55 €, no ano de 2000, e de 288.931,45 €, no ano de 2001, tendo a respectiva fixação sido notificada à impugnante em 09/06/2004 por carta registada com aviso de recepção (fls. 17 e 18).
G) Desta notificação constava, entre o mais (fls. 17):
«Da matéria tributável, base do imposto, poderá, reclamar, querendo, no prazo de trinta dias a contar da assinatura do aviso de recepção através de requerimento, devidamente fundamentado, dirigido ao Director de Finanças do Porto, nos termos do art. 91.º da Lei Geral Tributária (LGT)
Em caso de erro de quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação Judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos ora notificados (art. 86.º da LGT)». –
H) Estas correcções deram origem a uma liquidação adicional de IRC, do ano de 2001, no valor de 106.174,07 € (fls. 2, 11, 14).
I) A impugnante não apresentou nenhum pedido de revisão da matéria tributável em IRC, fixada por métodos indirectos para os exercícios de 2000 e 2001, referidas em C), das quais veio a resultar a liquidação adicional indicada em G) (fls. 32 a 34 do apenso).
J) O impugnante não apresentou qualquer outro meio de impugnação graciosa da liquidação impugnada (de todo processo).
K) A impugnação judicial foi deduzida em 18/07/2005 (fls. 2)».

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
A Recorrente invocou a nulidade da sentença com o fundamento de que esta não se pronunciou sobre a questão da falta de fundamentação da decisão de determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa por conhecer alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT, e arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC).
A propósito dessa nulidade, diz JORGE LOPES DE SOUSA:
«A nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando existe uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar.
Na falta de norma do CPPT sobre os deveres de cognição do tribunal, há que recorrer à norma do art. 660.º, n.º 2, do CPC, em conformidade com o disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT.
Nesta disposição impõe-se ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Se o tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Esta só ocorrerá nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela» (Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 a) ao art. 125.º, pág. 363.).
No caso sub judice, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que faltava um pressuposto processual ou condição de procedibilidade para que pudesse pronunciar-se sobre o mérito da causa. Concretamente, considerou que o único fundamento de impugnação judicial invocado na petição inicial era o erro nos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, motivo por que se impunha que a Impugnante, previamente, tivesse deduzido reclamação do acto de fixação da matéria tributável e, porque não o fez, o acto de liquidação não é impugnável com aquele fundamento.
Em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância, abstendo-se do conhecimento do mérito da impugnação judicial [cfr. arts. 288.º, n.º 1 O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: […] e) Quando julgue procedente alguma outra excepção dilatória».), e 493.º, n.º 2 As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal».), do Código de Processo Civil (CPC)].
Ora, em face da decisão proferida, é manifesto que não se impunha ao Juiz do Tribunal a quo prosseguir na apreciação do mérito da impugnação judicial.
Acresce que, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 1, do CPC Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 288.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica».), a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância. Havendo lugar à absolvição da instância, não há que prosseguir com a apreciação de questão alguma relativa ao mérito da causa, pelo que não pode assacar-se à sentença nulidade por omissão de pronúncia.
Por outro lado, como também salientou o Procurador-Geral Adjunto, a omissão de pronúncia só poderá verificar-se relativamente a questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal.
Ora, como melhor veremos no ponto seguinte, a Impugnante apenas submeteu à apreciação do Tribunal a quo a questão da falta de verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos e já não, também e contrariamente ao que afirma em sede de recurso, a falta de fundamentação formal da decisão que mandou proceder à determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
Por tudo o que ficou dito, não se verifica a invocada nulidade da sentença.

2.2.2 DA RECLAMAÇÃO PRÉVIA NECESSÁRIA
Como deixámos já dito, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel absolveu a Fazenda Pública da instância, abstendo-se do conhecimento do mérito da impugnação judicial, porque considerou que o único fundamento de impugnação judicial invocado na petição inicial era o erro nos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, motivo por que se impunha que a Impugnante, previamente, tivesse deduzido reclamação do acto de fixação da matéria tributável.
A Recorrente não discute a interpretação das normas efectuada pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel. Na verdade, a lei – art. 86.º, n.º 5, da LGT Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei».) e art. 117.º, n.º 1, do CPPT Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.».) – fixa uma condição para a impugnação com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável: a prévia reclamação, nos termos dos arts. 91.º a 94.º da LGT. Esta prévia reclamação constitui um mecanismo tendente a evitar que a discussão passe logo para sede contenciosa e judicial, quando ainda há uma hipótese de, em sede administrativa, haver acordo entre a AT e o sujeito passivo acerca da matéria tributável. Na verdade, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, «que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respectivos pressupostos de facto» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746.), como decorre do n.º 14 do art. 91.º da LGT As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo».); o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia claramente o art. 117.º, n.º 1, do CPPT. Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em «erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos» depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos.
A discordância da Recorrente com a sentença circunscreve-se aos fundamentos da impugnação judicial: enquanto a sentença considerou que o único fundamento de impugnação judicial invocado na petição inicial era o erro nos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, a Recorrente entende que invocou também como fundamento da impugnação judicial a falta de fundamentação da decisão de recorrer aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
Pretende a Recorrente que, relativamente a este último fundamento, não lhe está vedada por falta da prévia reclamação do acto de fixação da matéria tributável a impugnação judicial.
É certo que, como ficou dito no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2012 (Proferido no processo com o n.º 165/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/637bd1565ea92a6180257a2b00528dc6?OpenDocument.), «[s]e a falta do pressuposto processual inominado previsto naquelas normas [art. 86.º, n.º 5, da LGT e art. 117.º, n.º 1, do CPPT] implica que o tribunal não possa conhecer a invalidade do acto tributário fundada em “erro na quantificação da matéria colectável” e “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos”, então não está vedado que conheça da invalidade fundada em ilegalidades de espécie diferente. É que, na estrutura do acto tributário, aqueles são momentos autónomos que abstractamente se podem separar dos demais. O acto tributário, como qualquer outro acto administrativo, pode decompor-se em vários “elementos” ou “momentos”, sem que a lesão de uns possa afectar ou influir na perfeição dos outros, embora suficiente para o invalidar. Apesar de consolidada a aplicação de métodos indirectos e a quantificação da matéria tributável, ainda que seja por falta de revisão, isso não significa que o acto esteja impecável quanto aos demais momentos em que se abstractamente se pode decompor. A ilegalidade pode impor-se em virtude da afectação de elementos subjectivos, objectivos ou formais, que nada tenham a ver com os pressupostos que determinaram a avaliação indirecta ou com a quantificação da matéria colectável».
É esta a tese que tem vindo a ser sustentada na doutrina (Diz JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 5 b) ao art. 117.º, pág. 273: «Naturalmente que, se o contribuinte, sem ter previamente pedido a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, vier deduzir impugnação invocando, para além de erro na quantificação ou nos pressupostos da utilização desses métodos, outros vícios do acto de liquidação, que não tenham a ver com as matérias que têm de ser objecto de revisão, não há obstáculo a que o tribunal conheça desses outros vícios, relativamente aos quais não se verifica a falta do pressuposto processual que constitui o prévio pedido de revisão».) e na jurisprudência (Vide, entre os mais recentes, para além do referido na nota 9, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 406/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1365 a 1368, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ce8bdca80c8e28b7802577a500358c23?OpenDocument;
- de 2 de Março de 2011, proferido no processo n.º 49/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 327 a 333, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/247bcd945cbdcc068025784e0050fa15?OpenDocument;
- de 18 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 262/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 772 a 776, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/db2a06f13e4802608025789a004e3e40?OpenDocument.).

Regressando ao caso sub judice:
A Recorrente alega que invocou também como fundamento da impugnação judicial a falta de fundamentação da decisão de recorrer aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar. Compulsada a petição inicial, não encontramos referência alguma ao vício de falta de fundamentação, quer reportado ao acto de fixação da matéria tributável, quer reportado ao acto de liquidação. Toda a alegação da Impugnante se refere exclusivamente à falta de verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indirectos.
É certo que no artigo 21.º da petição inicial encontramos uma referência a que a AT não fundamentou, mas com o sentido de falta de demonstração das simulações de preço declarado nas escrituras. Ou seja, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto, no domínio da fundamentação material do acto e não no da sua fundamentação formal.
Na verdade, a Impugnante não questiona realmente a dimensão formal da fundamentação, mas antes a sua dimensão substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).
Ora, a Impugnante não alegou dificuldade alguma em compreender os motivos por que a AT entendeu lançar mão dos métodos indirectos na determinação da matéria tributável, deles revelando, aliás, perfeito conhecimento; alegou, sim, que os mesmos não legitimam aquela decisão.
Na verdade, o que a Impugnante sustentou foi que a AT não conseguiu ilidir a presunção de veracidade da sua escrita e que o valor probatório das escrituras de compra e venda não permitiam que considerasse, como considerou, outros valores para as compras e vendas de imóveis senão os declarados nessas escrituras; que essa presunção só poderia ser ilidida se a AT demonstrasse e provasse, o que só poderia fazer mediante documento com força probatória equivalente à da escritura, que os preços realmente praticados foram outros. Ou seja, considerou a Impugnante que não se verificam os pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos. Foi essa a única causa de pedir invocada como suporte do pedido de anulação da liquidação.
Concluímos, pois, que bem andou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ao considerar que o único fundamento da impugnação judicial é o erro nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos e, assim, porque não foi previamente requerida a revisão da matéria tributável, se verificava um obstáculo ao prosseguimento do processo.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do disposto no n.º 5 do art. 86.º da LGT e no n.º 1 do art. 117.º do CPPT, a impugnação do acto de avaliação indirecta com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos ou no erro na quantificação só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão de matéria tributável) de acordo com o disposto nos arts. 91.º a 94.º da LGT.
II - Isto, sem prejuízo de poderem ser conhecidos na impugnação outros vícios que não estejam sujeitos àquela condição de impugnabilidade judicial.
III - À decisão de absolvição da instância não pode ser assacada nulidade por omissão de pronúncia relativamente a uma questão respeitante ao mérito da causa.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
*
Lisboa, 30 de Abril de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.