Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0399/18.2BESNT
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCIPIO DA ESPECIFICAÇÃO
INSCRIÇÃO ORÇAMENTAL DAS RECEITAS
Sumário:I - É de considerar dispensada a audiência prévia à liquidação da TSAM, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT, quando esta é efectuada com base nos elementos comunicados pelo sujeito passivo à DGAV ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho.
II - Com referência ao ano de 2017, não se verifica a falta de autorização de cobrança da TSAM, pois o que a lei impede é a cobrança dos tributos que não estejam autorizados ou devidamente inscritos e aquela contribuição – que, exclusivamente para os fins aqui considerados, deve ser considerada como um imposto – está inscrita na Lei do Orçamento do Estado para 2017 e aí foi adequadamente classificada de acordo com a classificação económica a que a lei sujeita as receitas (receitas de capital v. receitas correntes) e desdobrada bem para além do mínimo, ou seja, por capítulo, grupo e (até ao nível do) artigo denominado «Impostos directos diversos», com o código 01.02.99, tudo como, relativamente ao imperativo de especificação das receitas, prescreve a LEO no n.º 2 do seu art. 3.º.
III - Para efeitos de determinação da invocada ilegalidade abstracta não releva a inscrição em bloco das receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2017, daí não resultando qualquer violação da alínea a) do n.º 1 do art. 105.º da CRP ou do art. 17.º da LEO, pois as receitas dos fundos autónomos podem ser apenas globalmente especificadas.
Nº Convencional:JSTA000P31962
Nº do Documento:SA2202402280399/18
Recorrente:A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) que lhe foi liquidada pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) relativamente ao ano de 2017, tendo apresentado a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso é interposto contra a Sentença proferida no dia 15 de Julho de 2022, no âmbito dos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto da Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 399/18.2BESNT, que julgou improcedente a pretensão da ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica do acto tributário impugnado, atinente à TSAM do ano de 2017.

B. Ora, não pode a RECORRENTE conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

C. Conforme melhor demonstrado na Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, não tendo a ora RECORRENTE sido notificada, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º, da LGT, em momento anterior ao da liquidação aqui em causa, para exercer o seu direito de audição sobre a mesma, verificou-se a violação do citado preceito legal, que, por si só, implica a anulação do acto de liquidação em causa, por preterição de formalidade legal essencial.

D. Perante a matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo entende que “(…) é possível verificar que em 2017, e para liquidação da TSAM, foi remetida declaração da impugnante, à DGV, onde declarou a área dos estabelecimentos, sendo também possível verificar, dos factos provados, que foi com base nesta declaração que foi emitida a liquidação”, para, de seguida, “(…) concluir que não ocorreu a omissão, ilegal, da notificação da impugnante para participar no procedimento administrativo tendente à liquidação, ora impugnada, pois aquela participação ocorreu na chamada da impugnante àquele procedimento, através do ofício de 21/02/2017, ao qual a impugnante respondeu”, concluindo pela improcedência do mencionado vício de preterição de formalidade essencial por omissão para o exercício do direito de audição prévia.

E. Não pode, no entanto, a RECORRENTE aceitar tal argumentação, por a mesma ser contrária à lei e, bem assim, contrária à actuação, desde 2020, da própria DGAV, entidade responsável pela liquidação e cobrança da taxa, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, como, de seguida, se demonstrará.

F. Antes de mais, refira-se que o n.º 4 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, impõe a obrigação declarativa aos sujeitos passivos da TSAM de comunicar à DGAV os elementos elencados no n.º 2 do mesmo artigo atinentes aos respectivos estabelecimentos comerciais, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do início da actividade ou de qualquer alteração que se verifique em relação aos elementos comunicados anteriormente.

G. Por seu turno, a liquidação da TSAM é efectuada, oficiosamente, pela DGAV e notificada aos sujeitos passivos, por via electrónica, para a caixa postal electrónica ou por carta registada, até ao final do mês de Março de cada ano, contendo a indicação do montante de taxa a pagar por cada sujeito passivo, atendendo à situação e às características dos respectivos estabelecimentos, verificadas a 31 de Dezembro do ano precedente (cfr. artigo 5.º, n.ºs 1 e 3 da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho).

H. Na verdade, o direito de audição previsto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, é, assim, uma concretização do princípio do contraditório, consagrado no artigo 45.º do CPPT, que estabelece que “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão”, decorrendo, também, da consagração constitucional do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito (cfr. artigo 267.º, n.º 5 da CRP).

I. Assim, a consequência para a preterição de tais formalidades legais, que conduz ao vício de forma e à anulação do acto tributário, não pode deixar de ser a ilegalidade do próprio acto de liquidação, porquanto estamos perante a preterição de formalidades anteriores à prática do acto, essenciais à sua formação e descoberta da verdade material.

J. Com efeito, para que se dê integral e pleno cumprimento ao princípio do contraditório ínsito no artigo 45.º do CPPT, ao contribuinte tem que ser concedida a possibilidade de se pronunciar sobre todos os aspectos relevantes, razão pela qual, caso a DGAV pretenda promover a liquidação da TSAM, está obrigada a, em momento prévio a essa mesma liquidação, ouvir o contribuinte sobre os pressupostos da mesma.

K. Ora, de acordo com o referido na petição inicial, no caso vertente, a DGAV emitiu o acto de liquidação impugnado, sem que, em momento anterior, fosse concedida à RECORRENTE qualquer oportunidade de se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do mesmo.

L. Por esta razão, deveria a RECORRENTE ter sido notificada para se pronunciar sobre a liquidação em causa no momento previsto na alínea a) do n.º 1 do citado artigo 60.º da LGT, ou seja, antes da liquidação.

M. E não se diga, como se pode ler na Sentença objecto de recurso, que a DGAV se encontrava dispensada, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, de notificar a RECORRENTE em momento prévio à liquidação, por a mesma ter sido efectuada com base na declaração do contribuinte.

N. Com efeito, lendo-se o Ofício acima reproduzido, constante do ponto a) da matéria de facto dada como provada, constata-se que o mesmo foi enviado para a aqui RECORRENTE pelo facto de a “(…) lista elaborada pela DGAV, até ao dia ../../.... de cada ano, a partir dos elementos disponibilizados, entre outros pelas autoridades competentes”, na sequência de protocolo celebrado entre a DGAV e a Direcção-Geral das Actividades Económicas, “(…) apresenta algumas insuficiências com reflexos directos na liquidação, causando constrangimentos vários que nos obrigam, de forma reiterada a proceder à anulação da liquidação e emissão da respectiva nota de crédito.” (sublinhado e negrito da RECORRENTE).

O. Conclui, então, a DGAV, no sobredito Ofício, que “Apresentando-se esta metodologia de apuramento dos dados mais vantajosa para todos, esperamos o bom acolhimento de V. Exa(s), aguardando-se que nos enviem, até ao próximo dia 3 de Março, as informações em apreço (…), de modo a que estas possam ser consideradas para efeitos da liquidação da TSAM de 2017.

P. Nessa sequência, a 3 de Março de 2017, veio a RECORRENTE, “(…) em resposta ao V/ Ofício supra referenciado, dando cumprimento à obrigação declarativa que resulta do disposto das disposições conjugadas da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e da Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio (…)”, remeter à DGAV a lista dos seus estabelecimentos em funcionamento a 31 de Dezembro de 2016 (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada).

Q. Assim, entende a RECORRENTE que o mero envio de uma lista, a pedido da DGAV e ao abrigo do princípio da colaboração, não pode ser entendido como um acto que conduz à dispensa, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, da audição do contribuinte antes da emissão da liquidação, uma vez que, por um lado, os elementos patentes na lista enviada pelo contribuinte podem não ser, pelas mais diversas razões, aceites pela DGAV e, por outro, porque só com base na referida lista, o contribuinte não consegue saber, à partida, qual o valor da TSAM que terá que pagar nesse ano em particular.

R. Ademais, no caso concreto, aquando do envio da lista solicitada pela DGAV, que ocorreu a 3 de Março de 2017 (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada), nem tão-pouco se sabia qual o valor da taxa que, nesse ano, seria fixada para o metro quadrado, e a partir da qual seria liquidada a TSAM, pois a Portaria através da qual esta é fixada só foi publicada no Diário da República de 14 de Março de 2017, in casu a Portaria n.º 107-A/2017, de 14 de Março, que fixou a taxa, para o ano de 2017, em € 7 por metro quadrado.

S. E tanto assim é que, desde 2020, a DGAV sempre notificou a RECORRENTE para se pronunciar sobre o projecto de liquidação da TSAM, mesmo após já ter recebido uma lista idêntica à que a RECORRENTE enviou para a DGAV, em 3 de Março de 2017, para efeito de cálculo da liquidação da TSAM de 2017.

T. Com efeito, desde 2020 até hoje, o procedimento seguido pela DGAV para proceder à emissão anual da liquidação da TSAM inicia-se com o envio pela RECORRENTE para a DGAV da lista com os elementos actualizados dos seus estabelecimentos em funcionamento a 31 de Dezembro do ano anterior.

U. Subsequentemente, e não obstante o envio da sobredita lista para a DGAV, no cumprimento da obrigação declarativa que resulta do n.º 4 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, a RECORRENTE é sempre notificada do projecto de liquidação da TSAM e, bem assim, para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, relativamente à liquidação da referida taxa.

V. Notificada do projecto de liquidação, a RECORRENTE exerce, normalmente, o seu direito de audição, vindo a ser posteriormente notificada da liquidação definitiva da TSAM.

W. Perante tal actuação consolidada e reiterada da entidade administrativa responsável pela liquidação e cobrança da TSAM, não pode a RECORRENTE considerar que a mesma não deriva da preocupação da DGAV em agir de acordo com a lei, em particular no que respeita às normas que definem o exercício do direito de audição dos sujeitos passivos da TSAM, para assim evitar decisões desfavoráveis no âmbito dos litígios que tenham por objecto as liquidações da TSAM por si emitidas.

X. Por fim, em abono da posição defendida pela aqui RECORRENTE, cumpre, ainda, aludir ao facto de a própria DGAV, por Despacho notificado através do Ofício n.º ...83, de 9 de Outubro de 2020, ter reconhecido, no âmbito da Reclamação Graciosa que a aqui RECORRENTE deduziu contra a liquidação da TSAM do ano de 2016, que, ao não notificar a RECORRENTE para se pronunciar em momento prévio à liquidação, violou o direito de audição prévia da RECORRENTE e decidiu, em consequência, deferir a Reclamação Graciosa apresentada pela RECORRENTE e anular o respectivo acto de liquidação da TSAM de 2016, com base em tal fundamento.

Y. Em face do exposto, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT e artigo 2.º, alínea d), do CPPT, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por uma Sentença que determine a anulação da liquidação controvertida, com as necessárias consequências legais.

Z. Por outro lado, e conforme melhor demonstrado na Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, a RECORRENTE defende que o acto de liquidação controvertido se encontra inquinado dos vícios de ilegalidade abstracta e de inconstitucionalidade (indirecta), na medida em que constitui a concretização de normas violadoras da regra da discriminação orçamental, corolário do princípio da especificação orçamental, decorrente do disposto no artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto – e nos artigos 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, aplicável a partir de 2015 – e, ainda, do disposto no artigo 105.º, n.º 1, da CRP.

AA. Pelo que não pode a RECORRENTE conformar-se, também nesta sede, com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida quanto ao vício da não discriminação orçamental das receitas da TSAM, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

BB. Designadamente, concluiu o Tribunal a quo que, com base “(…) nos fundamentos elencados no Acórdão supra, a que aderimos na íntegra, não se afigura que fosse exigível maior especificação orçamental, nem a impugnante o consegue demonstrar. Por fim, releva recordar que nos termos do artigo 1.º, n.º 2 Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, se prevê, quanto às receitas, que o Governo é autorizado a cobrar as contribuições e os impostos constantes dos códigos e demais legislação tributária em vigor e de acordo com as alterações previstas na presente lei.”, julgando improcedente o vício apontado atinente à falta de discriminação orçamental da TSAM.

CC. Com efeito, entende a RECORRENTE que a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, ao dispor que a receita da TSAM é consignada ao FSSAM, encontra-se inquinada de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, e de inconstitucionalidade, por violação de norma constitucional, pois que a receita da TSAM não se encontra devidamente especificada, como se impunha, na Lei do Orçamento do Estado para 2017, ano da liquidação da TSAM objecto da presente Impugnação Judicial.

DD. Veja-se que, decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, que a receita obtida com a cobrança deste tributo devia encontrar-se reflectida, e suficientemente discriminada, no Mapa V, que integra as “receitas dos serviços e fundos autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo”, ou, pelo menos, no Mapa VI, que integra as receitas dos serviços e fundos autónomos por classificação económica.

EE. Da mesma forma, a norma constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, padece dos mesmos vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade ao criar um tributo que viola, desde o momento da sua criação, a regra da discriminação orçamental.

FF. Conforme acima referido, o princípio, e regra orçamental, da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo, também, expressamente, da própria CRP a imposição de uma “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos” (cfr. artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP).

GG. A LEO goza, como é sabido, de valor reforçado, prevalecendo sobre todas as normas que estabeleçam regimes particulares que a contrariem (cfr. artigo 4.º do supra citado diploma).

HH. Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação, a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação.

II. Ora, de acordo com a regra orçamental da especificação, o orçamento deve individualizar suficientemente as receitas, sendo que esta regra orçamental integra duas proibições expressas: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas; e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.

JJ. Refiram-se a este título, as palavras de J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quando, ao pronunciarem-se acerca da função constitucional do orçamento, ensinam que esta deverá “(…) funcionar como plano financeiro do Estado aprovado pela AR, exigindo, pois, a especificação não só de cada uma das fontes de receita mas também das despesas, suficientemente desagregadas para permitir que a decisão da AR e o controlo público sejam eficazes.” (cfr. GOMES CANOTILHO, J. e VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, p. 1109).

KK. Neste sentido, também, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 206/87, de 17 de Junho de 1987, e 624/97, de 21 de Outubro de 1997, referem-se, a este propósito, que “o processo democrático de determinação das opções financeiras, ao nível do orçamento, impõe que as receitas e as despesas autorizadas sejam minimamente desdobradas. Só assim, o Parlamento, dando expressão à vontade popular, pode realmente autorizar as «entradas» e «saídas» que em conjunto, numa óptica técnico-contabilística das finanças públicas, constituem o Orçamento”.

LL. Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO, quer na versão de 2001, quer na versão de 2015, prevêem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.

MM. Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, estabelece o artigo 17.º da LEO de 2015, que “As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento” (cfr. também artigo 8.º da LEO de 2001).

NN. Como sustenta ANTÓNIO SOUSA FRANCO, as classificações a que obedece a especificação de receitas encontram-se vinculadas “a um princípio de tipicidade legal, cuja violação determina inconstitucionalidade no caso das classificações funcionais e orgânicas – in genere, e ilegalidade, no caso das mesmas classificações in specie e da classificação económica (receitas e despesas correntes e de capital e suas espécies)” (cfr. SOUSA FRANCO, A. L. – Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353).

OO. Sucede, porém, que a TSAM – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada, de acordo com a regra da especificação anunciada, em qualquer um dos Orçamentos de Estado aprovados já após a sua criação, conforme melhor demonstrado acima.

PP. Essencial neste quadro será, pois, perceber qual o grau mínimo de especificação exigido pelo acto orçamental (cf. neste sentido, A. L. Sousa Franco – Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, página 353).

QQ. De facto, considerando os valores arrecadados com a TSAM – aproximadamente € 35.350.000 (trinta e cinco milhões, trezentos e cinquenta mil euros) no período compreendido de 2012 a 2016, segundo dados (não oficiais) do Ministério da Agricultura – a mesma deveria ser objecto de adequada e suficiente especificação – o que não se verifica.

RR. Com efeito, no ano de 2017 – a que diz respeito a liquidação da TSAM objecto dos presentes autos –, se verifica a omissão à receita previsível de TSAM nos mapas e desenvolvimentos orçamentais da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

SS. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2017, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê, tão-só, a arrecadação pelo FSSAM do montante global de € 21.900.000 (vinte e um milhões e novecentos mil euros), e que a referida receita está consignada nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, não especificando, porém, quais os montantes que se autoriza arrecadar, em concreto, com a TSAM, que, assim, não é discriminada, nem especificada, em clara violação da Constituição (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 17.º).

TT. Neste contexto, cumpre ainda referir que o Mapa I da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017, referente às Receitas dos Serviços Integrados por classificação económica, vem especificar o montante de outro tipo taxas que assumem igual ou menor relevância do ponto de vista orçamental do que a TSAM – mas, aqui, também não encontramos nenhuma referência a esta.

UU. Com efeito, a título de exemplo, as receitas referentes à taxa sobre comercialização e abate de gado e, bem assim, a taxa sobre fiscalização de actividades comerciais e industriais – mesmo assumindo, ou não, a natureza de impostos ou de contribuições para efeitos orçamentais – encontram-se, devidamente, especificadas no âmbito do Mapa I da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017 – o que não sucede com a TSAM.

VV. Se é certo que, do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, resulta que constitui receita do FSSAM, designadamente, o produto da TSAM, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras.

WW. O certo é que, no aludido Mapa V, as receitas do FSSAM não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se especifica quais os montantes, a título de TSAM, que, afinal, se autoriza que sejam cobradas durante o ano em causa e consignados ao FSSAM, em clara violação da CRP (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,º da LEO de 2001 e 17.º da LEO de 2015).

XX. Ora, só com o cumprimento efectivo da necessidade de individualização, completa, adequada e suficiente da receita, decorrente do princípio da discriminação, na sua modalidade de especificação orçamental, poderá a Assembleia da República autorizar a cobrança da receita tributária em causa e promover o seu controlo, político e orçamental, devido e exigido pela CRP e pela LEO, razão pela qual existe esse princípio.

YY. Nesta medida, esta receita da TSAM escapa, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, da mesma na Lei do Orçamento equivalerá, em termos práticos, à sua não inscrição – e à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado.

ZZ. Por outro lado, esta, no mínimo, deficiente inscrição orçamental das receitas da TSAM, atenta, não apenas contra o princípio da legalidade, por violação da regra orçamental da especificação das receitas, mas gera, também, o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente os princípios da transparência, da unidade e da universalidade.

AAA. Razão pela qual, a omissão da referência à TSAM nos Orçamentos do Estado para 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 corresponde a uma manifesta violação da regra orçamental da especificação orçamental prevista no artigo 8.º da LEO de 2001 (aplicável aos Orçamentos de 2013 a 2015) e do artigo 17.º da LEO de 2015 (aplicável aos Orçamentos de 2016 a 2017) e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n.º 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.º da CRP.

BBB. Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise outros princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como seja o da proibição de consignação e de compensação.

CCC. Com efeito, ainda que se admita que a receita da TSAM é consignada, a excepção ao subprincípio da não consignação obrigaria a uma maior exigência na sua orçamentação, com vista ao seu controlo parlamentar.

DDD. Da mesma forma, a omissão da receita da TSAM nos vários Orçamentos do Estado de 2013 a 2017, viola a regra orçamental da proibição de compensação, que se traduz na obrigação de inscrição das receitas de forma bruta e não líquida, porquanto, ao fazer-se prever a receita da TSAM numa categoria residual, sem especificação do montante previsto arrecadar, impede a verificação da sua correcta contabilização.

EEE. Pelas mesmas razões, em crise estão também o princípio da publicidade do Orçamento ou da transparência orçamental (artigo 13.º da LEO de 2001 e artigo 19.º da LEO de 2015).

FFF. Finalmente, cumpre fazer notar que a LEO é uma lei de valor reforçado, pelo que a sua violação resulta numa ilegalidade qualificada ou inconstitucionalidade indirecta, “Não porque ofenda uma norma constitucional de fundo, de competência ou de forma, mas porque agride uma norma interposta constitucionalmente garantida” (cfr. JORGE MIRANDA - Manual de Direito Constitucional, tomo V, p. 357 e GUILHERME D'OLIVEIRA MARTINS - Lições sobre a Constituição Económica Portuguesa (vol. II) - A Constituição Financeira. Lisboa: AAFDL, 1984-85, p. 299).

GGG. Sendo uma lei de valor reforçado, o seu controlo pode ser feito pelo Tribunal Constitucional, tanto em sede de fiscalização concreta, quanto em sede de fiscalização abstracta (v.g. artigos 280.º e 281.º da CRP).

HHH. Por este motivo, o acto de liquidação da TSAM aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstracta, porquanto a sua liquidação e cobrança não foram devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO.

III. No que respeita ao desvalor jurídico dos actos de liquidação em crise, em resultado da violação das regras orçamentais acima descritas, deverá este conduzir à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)”, conforme prevêem o artigo 8.º, n.º 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.º, n.º 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da TSAM nunca tivesse sido prevista.

JJJ. Neste sentido, merecem acolhimento as considerações do Senhor Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, segundo o qual, “(…) A falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo (…)” (cf. LOPES DE SOUSA, JORGE – Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª Edição, 2011 pág. 451).

KKK. Com efeito, a ilegalidade, in casu, é abstracta pelo facto de a mesma não residir directamente no acto que faz a aplicação da lei ao caso concreto – rectius, acto de liquidação –, mas na lei cuja aplicação é feita (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado , Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 443).

LLL. Com a entrada em vigor do CPA, publicado em 7 de Janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no actual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os actos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

MMM. Assim, de acordo com esta norma, são nulos quaisquer actos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei – com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade –, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal.

NNN. Como explicam FAUSTO DE QUADROS, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, RUI CHANCERELLE DE MACHETE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ANTÓNIO POLÍBIO HENRIQUES e JOSÉ MIGUEL SARDINHA, dá-se assim “expressão e merecido relevo a uma regra constitucional, nos termos da qual os actos de imposição pela Administração de uma obrigação pecuniária aos particulares, designadamente a liquidação de um tributo (imposto, taxa ou outra contribuição), têm como pressuposto necessário a respectiva base legal impositiva” (cf. Comentários à Revisão do Código de Procedimentos Administrativo, Coimbra: Almedina, 2016, pág. 324).

OOO. Ora, se um dos fundamentos legais da realização da receita da TSAM é o Orçamento de Estado, então não devem gerar-se obrigações pecuniárias por meio de acto administrativo quando um tributo não foi adequadamente orçamentado.

PPP. Em face do exposto e atenta a desconformidade do tributo em questão com o disposto no artigo 17.º da LEO e com a norma constante do artigo 105.º da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indirectamente que seja) o acto de liquidação ora impugnado, devendo ser declarado inexistente, ou nulo, e sempre ilegal, com todas as consequências daí advenientes.

QQQ. Conforme resulta do Parecer elaborado pelo Senhor Professor Doutor JOSÉ CASALTA NABAIS, com o título “Violação ou não violação do princípio da especificação das receitas públicas decorrentes, designadamente da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da Constituição e constante do 17.º, n.º 2, da Lei de Enquadramento Orçamental, na medida em que o mesmo se aplica à Taxa de Segurança Alimentar Mais” (junto aos autos através de Requerimento apresentado em 18 de Outubro de 2018), estas ideias, defendidas pela RECORRENTE, de que a TSAM não se encontra devidamente orçamentada, de acordo com a regra da especificação, prevista no artigo 17.º da LEO e, bem assim, que a especificação e o desdobramento orçamental da receita decorrente da TSAM – embora se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado –, não respeitam o disposto na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Enquadramento Orçamental, são corroboradas pelo Senhor Professor Doutor JOSÉ CASALTA NABAIS.

RRR. Neste sentido, confira-se o entendimento do Professor JOSÉ CASALTA NABAIS, no douto Parecer ora junto, no qual conclui que: “Em suma, por quanto vimos de dizer, parece resultar claro que a falta de previsão da TSAM no Orçamento do Estado para 2017 e, por conseguinte, a total ausência de qualquer especificação das receitas por ela proporcionadas viola o princípio da legalidade pelo qual, por exigência da Constituição e da Lei de Enquadramento Orçamental, se rege a elaboração, aprovação e execução do orçamento.” (cfr. cit. página 16 do Parecer).

SSS. Por outro lado, o douto Parecer atesta, ainda, em conformidade com a conclusão já enunciada pela RECORRENTE, que o acto de liquidação de TSAM enfermará de um vício gerador de ilegalidade abstracta, uma vez que a sua liquidação e cobrança não foram devidamente autorizados, em conformidade com o disposto na Constituição e na Lei de Enquadramento Orçamental.

TTT. Neste sentido, ensina o Professor JOSÉ CASALTA NABAIS que “Uma realidade que tem como consequência estarmos perante tributos que se não são inexistentes são equiparáveis a tributos inexistentes.(…) Pelo que esta ilegalidade abstracta derivada da falta de previsão e de especificação das receitas proporcionadas pela TSAM tem como inequívoca consequência que os actos de liquidação e cobrança a respeitantes a este tributo se encontrem afectados de uma ilegalidade grave que, a nosso ver, se não concretiza numa nulidade típica ou integral, há de pelo menos materializar-se numa invalidade que não pode reconduzir-se à mera anulabilidade.

UUU. Concluindo: “Estamos assim perante uma actuação que, atento o sentido e alcance das normas constitucionais e legais relativas à elaboração, aprovação e execução do orçamento do Estado, se revela particularmente grave, não sendo, por conseguinte, aceitável que a invalidade que efectivamente a atinge seja de qualificar como uma mera anulabilidade, impondo-se antes qualificá-la como nulidade ainda que porventura possa ser discutível se esta forma mais grave de invalidade é de aplicar integralmente em toda a sua pureza ou porventura em termos ou pouco menos rígidos, designadamente em termos de uma nulidade atípica ou de uma invalidade mista.” (cfr. cit. páginas 18 a 20 do Parecer).

VVV. Em face do exposto, reitere-se que, atenta a desconformidade do tributo em questão com o disposto no artigo 17.º da LEO e com a norma constante do artigo 105.º da CRP, o acto de liquidação objecto de impugnação é manifestamente ilegal e inconstitucional (ainda que de forma indirecta).

WWW. Por tudo, verifica-se a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2013 a 2017, foi efectuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de TSAM, o que é passível de permitir a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei – o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina, quer na redacção de 2001, quer na de 2015, a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique).

XXX. Ora, a violação do princípio da especificação orçamental localiza-se, por referência à TSAM, no momento fundamental da sua criação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, designadamente a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e a norma patente no artigo 9.º, ambos do diploma em apreço.

YYY. Assim, a violação do princípio da especificação orçamental apresenta-se como uma doença congénita que contamina, em rigor, todas as normas que instituem e regulam a TSAM.

ZZZ. Concluindo, suscita-se, expressamente e desde já, e nos termos que antecedem, a (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que cria a TSAM, i.e. da norma resultante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho; e (ii) da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, ao dispor que a receita da TSAM é consignada ao FSSAM.

Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se, em consequência, a revogação da sentença recorrida nos termos supra melhor explanados e a substituição por outra que aprecie e julgue procedente os argumentos invocados pela ora recorrente, determinando a anulação do acto de liquidação de taxa de segurança alimentar mais, relativo ao ano de 2017, no valor de € 858.137,68 (oitocentos e cinquenta e oito mil, cento e trinta e sete euros e sessenta e oito cêntimos) e a anulação do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa, deduzida pela ora recorrente, tudo com as necessárias consequências legais.

Mais se requer que seja determinada, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade da causa e a conduta processual adequada das partes».

1.3 A Recorrida contra-alegou, com conclusões do seguinte teor:

«I. A douta sentença manteve na ordem jurídica o acto de liquidação da TSAM, referente à segunda prestação do ano de 2017, no valor de € 858.137,68.

II. A liquidação foi efectuada com base nas declarações do contribuinte, sendo também possível verificar, dos factos provados, que foi com base nesta declaração que foi emitida a liquidação.

III. De acordo, com o disposto no artigo 60.º, n.º 2 da LGT, não ocorreu a omissão, ilegal, da notificação da impugnante para participar no procedimento administrativo tendente à liquidação, ora impugnada, pois aquela participação ocorreu na chamada da impugnante àquele procedimento, através do ofício n.º ...81 de 21.02.2017, ao qual a impugnante respondeu.

IV. Pelo que, improcede a ilegalidade por falta de audição prévia.

V. A inscrição das receitas constantes do orçamento do FSSAM (classificação orgânica), e da receita da TSAM (classificação económica), é efectuada nos Mapas V e VI do Orçamento do Estado para 2017, respectivamente, significando que a sua correcta inscrição respeita as regras prescritas pela contabilidade pública, e,

VI. Por conseguinte, o integral cumprimento da regra da especificação e do princípio da tipicidade legal permite “… assegurar a conformidade da execução com as autorizações orçamentais, concedidas pela Assembleia da República”.

VII. Por maioria de razão, foram, igualmente cumpridas, nos termos do artigo 105.º da CRP e do artigo 9.º da LEO, a regras da unidade e universalidade orçamental.

VIII. Porquanto, tal como ficou exposto e provado supra, o efectivo cumprimento dos princípios da legalidade e da tipicidade legal na inscrição da receita da TSAM no Orçamento do Estado do 2017, permitiu o escrutínio “da racionalidade e transparência [na] afectação dos recursos e … sua obtenção”, no momento da aprovação do Orçamento do Estado de 2017, pela Assembleia da República.

IX. Sendo, o mesmo raciocínio, válido para a efectiva aplicação da regra da transparência orçamental, nos termos do artigo 19.º da LEO.

X. Também, quanto a este aspecto deverá a pretensão da Recorrente ser considerada totalmente improcedente.

XI. Pelo que se nos afigura que a douta sentença recorrida não é passível de qualquer censura, devendo manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e no mais de direito, doutamente suprido por V. Exas., deve o presente recurso ser indeferido, mantendo-se o decidido na sentença recorrida fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação:

«A Taxa de Segurança Alimentar Mais foi criada pelo DL n.º 119/2012, de 15 de Junho, no seu artigo 9.º, como receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, igualmente foi criado pelo mesmo diploma, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, como património autónomo, sem personalidade jurídica, mas dotado de autonomia administrativa e financeira, cuja gestão compete à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).
É uma taxa anual devida, como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados e destina-se a suportar as despesas inerentes àquelas acções que constituem as garantias de segurança e qualidade alimentar.
Estamos perante uma contribuição financeira anual, constituindo receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, como é reconhecido pela jurisprudência constitucional (v. neste sentido v. o Ac. do Plenário do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 539/2105, de 20/10/2015, proferido no processo n.º 27/15, o recente Ac. 681/2022, de 20/10/2022, proferido no processo n.º 1235/21 e a Decisão Sumária n.º 34/2022, de 12/1/2022, proferida no processo n.º 1205/2021, entre outros).
As questões a dirimir são, essencialmente, tal como as formulou a recorrente, interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais mencionadas nas conclusões.
A Mm.ª Juiz já delas conheceu e se pronunciou fundadamente, com o respaldo jurisprudencial aí mencionado, no sentido que a TSAM não padece das ilegalidades que lhe são assacadas, bem como, não se verifica a omissão de preterição de formalidade essencial, por omissão de audição prévia, tudo conforme consta da sentença, ora sindicada, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
Falecem assim as premissas da recorrente, no tocante ao eventual erro de julgamento em matéria de direito, sendo nosso parecer que se deve confirmar a bondade da decisão, negando-se provimento ao recurso».

1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo as questões a dirimir as de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a liquidação

- não enferma de vício de forma invalidante por omissão do dever de audiência prévia à liquidação da taxa, consagrado no art. 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária (LGT) [cfr. conclusões C) a Y)] e

- não padece de ilegalidade abstracta e de inconstitucionalidade (indirecta), na medida em que deu concretização a normas violadoras da regra da discriminação orçamental, corolário do princípio da especificação orçamental, decorrente do disposto no art. 8.º da Lei de Execução Orçamental (LEO), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto – e nos arts. 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, aplicável a partir de 2015 – e, ainda, do disposto no art. 105.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) [cfr. conclusões Z) a ZZZ).

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«a) A 21/02/2017, foi emitido ofício dirigido à impugnante, onde se lê (cfr. documento de fls. 42 do PAT incorporado no SITAF):
« [Imagem]
Como é do v/conhecimento, a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais, de ora em diante designada por TSAM, é realizada, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, a partir de uma lista elaborada pela DGAV, até ao dia ../../.... de cada ano, a partir dos elementos disponibilizados, entre outros, pelas autoridades competentes.
Como tal, dando cumprimento ao n.º 2 do artigo 9.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, foi celebrado protocolo entre a DGAV e a Direcção-Geral das Actividades Económicas.
Temos todavia vindo a consultar a lista que nos tem sido disponibilizada, no âmbito do protocolo supramencionado, apresenta algumas insuficiências com reflexos directos na liquidação, causando constrangimentos vários que nos obrigam, de forma reiterada a proceder à anulação da liquidação e emissão da respectiva nota de crédito.
Atento o exposto, tendo em vista criar a lista a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º da Portaria supra citada e obviar a existência de incorreções na liquidação, solicitamos os bons ofícios de V. Exa(s) no sentido de nos disponibilizarem as seguintes informações:
[Imagem]
Apresentando-se esta metodologia de apuramento dos dados mais vantajosa para todos, esperamos o bom acolhimento de V. Exa(s), aguardando-se que nos enviem, até ao próximo dia 3 de Março, as informações em apreço, sob a forma de tabela, através de correio electrónico, para o endereço fssam.dgav@dgav.pt, de modo a que estas possam ser consideradas para efeitos da liquidação da TSAM de 2017.
Antecipadamente gratos pela colaboração.
Com os melhores cumprimentos,
O Director do Fundo de Segurança Alimentar Mais».

b) A 03/03/2017, a impugnante remeteu missiva dirigida ao Fundo de Segurança Alimentar Mais, onde se lê (cfr. documento de fls. 44 do PAT incorporado no SITAF):
«Exmo. Sr. Director Geral,
A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., titular do número único de pessoa colectiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa ……………., com sede na Rua ………………, n.º …, ……………., ……, união de freguesias ... e ..., ... e ..., concelho ..., entidade que se dedica à exploração dos estabelecimentos de supermercado com as insígnias “...” e “...”, vem, em resposta ao V/Ofício supra referenciado, dando cumprimento à obrigação declarativa que resulta do disposto das disposições conjugadas da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e da Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio, e tendo por referência os estabelecimentos em funcionamento à data de 31 de Dezembro de 2016, comunicar a V. Exas. o seguinte:
A área de venda com o coeficiente ponderado dos estabelecimentos da ora Requerente nos termos definidos no artigo 1, n.º 1, alínea i) da Portaria 200/2013, corresponde a 122.591,10 m2, conforme se encontra melhor especificado (individualizado por estabelecimento) na listagem que se remete em anexo.
Mantemo-nos à disposição de V. Exas. para qualquer esclarecimento que entendam necessário ou conveniente.
Com os nossos melhores cumprimentos,
A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA».

c) A missiva a que respeita a alínea anterior, encontra-se anexo que se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento de fls. 44 e ss. do incorporado no SITAF);

d) A 27/04/2017, foi emitida a factura n.º ...66, onde se lê (cfr. documento de fls. 56 do PAT incorporado no SITAF):

[Imagem]

e) A 27/04/2017, foi emitida a factura n.º ...67, onde se lê (cfr. documento de fls. 57 do PAT incorporado no SITAF):

[Imagem]

f) A 27/04/2017, foi remetido ofício, dirigido à impugnante, onde se lê (cfr. documento de fls. 54 do PAT incorporado no SITAF):
«Como é do conhecimento de V.Ex.a. o Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.º 1 do artigo 9.º do mencionado diploma.
Nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direcção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Tendo aquela taxa sido fixada em 7 €, através da Portaria n.º 107-A/2017, de 14 de Março, importa, agora proceder à respectiva liquidação. Para proceder à liquidação, implica em primeiro lugar determinar a área do estabelecimento. Para o efeito, esta Direcção Geral, solicitou aos operadores económicos as informações(¹) necessárias, pelo que a presente liquidação suporta-se nos dados que nos foram remetidos por V. Exa.
Assim, fica V.Ex.ª notificado(a) que, o montante devido pela TSAM do ano de 2017 é de € 858.137,68 (oitocentos e cinquenta e oito mil, cento e trinta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), dividido em duas prestações, conforme facturas n.º ...66... e ...67... em anexo, sendo este o resultado da aplicação daquela taxa fixada no artigo 1.º da Portaria n.º 107- A/2017, de 14 de Março, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio, sendo os cálculos para a determinação do valor da liquidação da TSAM os seguintes:
Somatório da Área Bruta de 136.212,33 estabelecimentos X Coeficiente de ponderação aplicado a cada uma das áreas dos 305 estabelecimentos (n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 200/2013 de 31 de Maio) = Somatório da Área Ponderada de 122.591,10 estabelecimentos (n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 200/2013 de 31 de Maio).
e
Somatório da Área Ponderada de 122.591,10 estabelecimentos (n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 200/2013 de 31 de Maio) X Valor da TSAM para 2017 (art. 1.º da Portaria n.º 107-A/2017 de 14 de Março - 7€) = Montante da TSAM para o ano de 2017.
O pagamento da taxa respeitante a 2017, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no n.º 1 do artigo 6.º, poderá ser efetuado, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo aquele ser realizado no prazo de 60 dias úteis, para a 1.ª prestação a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 5.º e n.º 2 do artigo 6.º do mesmo diploma, sendo o pagamento da 2.ª prestação até ../../2017.
Alerta-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da referida Portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento.
Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objecto de impugnação nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respectivo pagamento.
Com os melhores cumprimentos.

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa».
*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa nos autos a liquidação de TSAM efectuada à ora Recorrente com referência ao ano de 2017 e que esta impugnou. Atentos os termos em que vem configurado o recurso, interessa-nos considerar, de entre os fundamentos invocados na impugnação judicial, os seguintes: i) violação do disposto no art. 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT, por não ter sido facultado à Impugnante o exercício do direito de audiência prévia à liquidação e ii) ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação judicial improcedente e a Impugnante recorre da sentença, mantendo que se verificam aqueles vícios, motivo por que a sentença fez errado julgamento quanto os julgou improcedentes.
Daí termos enunciado as questões a dirimir no presente recurso como sendo as de saber se a sentença enferma de erro de julgamento quando decidiu no sentido de que a liquidação impugnada não enferma de vício de forma invalidante por omissão do dever de audiência prévia à liquidação da taxa, consagrado no art. 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT e quando decidiu que o mesmo acto tributário não padece de ilegalidade abstracta e de inconstitucionalidade (indirecta), na medida em que deu concretização a normas violadoras da regra da discriminação orçamental, corolário do princípio da especificação orçamental, decorrente do disposto no art. 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto – e nos arts. 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, aplicável a partir de 2015 – e, ainda, do disposto no art. 105.º, n.º 1, da CRP.

2.2.2 DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA – SUA EVENTUAL OMISSÃO E CONSEQUÊNCIAS

Quanto à invocada preterição do direito de audiência prévia, ficou dito na sentença recorrida:
«Invoca a impugnante que não foi notificada em momento prévio à liquidação, pelo que é ilegal a liquidação impugnada.
A FP defende que, em face do que dispõe o n.º 2 do artigo 60.º da LGT, estava dispensada a audição da impugnante, em face da liquidação ter-se fundado nos dados declarados pela impugnante.
Dos factos provados é possível verificar que em 2017, e para liquidação da TSAM, foi remetida declaração da impugnante, à DGV, onde declarou a área dos estabelecimentos, sendo também possível verificar, dos factos provados, que foi com base nesta declaração que foi emitida a liquidação.
Deste modo, e tendo presente o disposto no artigo 60.º, n.º 2 da LGT, temos de concluir que não ocorreu a omissão, ilegal, da notificação da impugnante para participar no procedimento administrativo tendente à liquidação, ora impugnada, pois aquela participação ocorreu com a chamada da impugnante àquele procedimento, através do ofício de 21/02/2017, ao qual a impugnante respondeu.
Improcede assim o invocado vício de preterição de formalidade essencial».
Ou seja, se bem interpretamos a sentença recorrida, nela considerou-se que a resposta dada pela ora Recorrente à chamada ao procedimento administrativo de liquidação, formalizada pelo ofício n.º ...81 de 21 de Fevereiro de 2017, que lhe foi remetido pela DVAG, dispensava esta, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT, de lhe conceder a faculdade de exercer o direito de audiência antes da liquidação, uma vez que esta foi efectuada com base nos dados declarados pelo sujeito passivo.
A Recorrente discorda de que possa considerar-se que o cumprimento da obrigação declarativa que o n.º 4 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, impõe aos sujeitos passivos da TSAM, constitua motivo que dispense a DGAV de conceder ao sujeito passivo a faculdade de exercer o direito de audiência prévia à liquidação, em ordem a permitir que este tenha a possibilidade de se pronunciar sobre todos os aspectos que possam relevar para a prática do acto de liquidação, designadamente a verificação dos respectivos pressupostos. Por isso, mantém a tese de que deveria ter sido notificada para se pronunciar sobre a liquidação impugnada antes de esta ser efectuada, como o impõe o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT.
Sustenta a Recorrente que, contrariamente ao que entendeu a sentença recorrida, não pode considerar-se que a DVAG estava dispensada dessa notificação, nos termos do n.º 2 do art. 60.º da LGT, por a liquidação ter sido efectuada com base na declaração do contribuinte. Isto porque «entende a RECORRENTE que o mero envio de uma lista, a pedido da DGAV e ao abrigo do princípio da colaboração, não pode ser entendido como um acto que conduz à dispensa, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, da audição do contribuinte antes da emissão da liquidação, uma vez que, por um lado, os elementos patentes na lista enviada pelo contribuinte podem não ser, pelas mais diversas razões, aceites pela DGAV e, por outro, porque só com base na referida lista, o contribuinte não consegue saber, à partida, qual o valor da TSAM que terá que pagar nesse ano em particular» e, ademais, porque «no caso concreto, aquando do envio da lista solicitada pela DGAV, que ocorreu a 3 de Março de 2017 (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada), nem tão-pouco se sabia qual o valor da taxa que, nesse ano, seria fixada para o metro quadrado, e a partir da qual seria liquidada a TSAM, pois a Portaria através da qual esta é fixada só foi publicada no Diário da República de 14 de Março de 2017, in casu a Portaria n.º 107-A/2017, de 14 de Março, que fixou a taxa, para o ano de 2017, em € 7 por metro quadrado».
Cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento quando decidiu no sentido de que a liquidação impugnada não enferma de vício de forma invalidante por omissão do dever de audiência prévia à liquidação da taxa, o que faremos seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal ( Com interesse para a questão da preterição de formalidade legal por violação do direito de audiência, em sede da TSAM, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Maio de 2017, proferido no processo com o n.º 216/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b87192f1e4e8ab98802581320043eb80;
- de 5 de Julho de 2017, proferido no processo com o n.º 270/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/92143f8ab32e14d9802581590056c3fe;
- de 5 de Julho de 2017, proferido no processo com o n.º 273/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/62b1565a53de6bba8025815a003a013c;
- de 19 de Setembro de 2018, proferido no processo com o n.º 754/17, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c0b978a424dd583580258314003ed569;
- de 3 de Outubro de 2018, proferido no processo com o n.º 2950/14.8BEBRG (456/18), disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/18262c6d40c035b3802583270036feda;
- de 17 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 141/13.4BEMDL, disponível em
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/db76846e03b86a508025858f0045741c.).
O Decreto-Lei n.º 119/12, de 15 de Junho, no seu art. 1.º, criou, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, bem como a taxa de segurança alimentar mais (TSAM), que constitui receita desse Fundo e que foi especificada no n.º 1 do art. 9.º daquele decreto-lei.
Compete à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária assegurar a liquidação e cobrança da TSAM, como resulta do art. 9.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, que veio regulamentar a TSAM.
No art. 5.º dessa Portaria definem-se as regras da liquidação e cobrança do tributo nos termos seguintes:
«1- Para efeitos de aplicação da taxa, é considerada a situação dos estabelecimentos comerciais à data de 31 de Dezembro do ano anterior ao que respeita a liquidação.
2- A Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) elabora, até ao dia ../../.... de cada ano, uma lista actualizada dos estabelecimentos abrangidos, e da qual constam, designadamente, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social;
b) NIF;
c) Morada do estabelecimento;
d) Área de venda do estabelecimento.
3- A liquidação da taxa é notificada ao sujeito passivo, por via electrónica para a caixa postal electrónica a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária ou por carta registada, até ao final do mês de Março de cada ano, com a indicação do montante da taxa a pagar.
4- Os sujeitos passivos devem comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da actividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respectivos estabelecimentos comerciais.
5- Em caso de omissão ou inexactidão dos elementos comunicados, a liquidação é efectuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º».
Assim, a liquidação é efectuada, em regra, com base em declaração do contribuinte anteriormente apresentada e só no caso de tais elementos não serem fornecidos pelo sujeito passivo, ou de haver inexactidão nos elementos comunicados, é que a DGAV opera a liquidação com base em elementos de que disponha (cfr. n.º 5 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012).
Se os elementos referidos no n.º 2 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012 não forem comunicados pelo sujeito passivo, impõe-se a audição deste antes da liquidação, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT, dado que não se verificam as condições em que é dispensada tal audição (n.º 2 do mesmo artigo) e uma vez que não estamos perante elementos objectivos previstos na lei: é que apesar de a Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio, ter introduzido elementos de ponderação na determinação da área relevante – “área de comércio alimentar” – que podem ser utilizados pela DGAV nos casos em que tais elementos não são comunicados pelo sujeito passivo, certo é que esse “mecanismo substitutivo” não determina imediato afastamento do contribuinte em termos de dispensar o direito de audição prévia deste.
Assim, como tem vindo a afirmar a jurisprudência deste Supremo Tribunal – que enumerámos na nota (1) supra –, se, por falta de oportuno cumprimento pelo sujeito passivo da obrigação declarativa imposta pelo n.º 2 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012, o tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a DVAG, impõe-se que esta, antes da liquidação, permita ao sujeito passivo o exercício do direito de audiência, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT.
Mas, como se retira da argumentação aduzida nessa jurisprudência, nos casos em que o sujeito passivo deu cumprimento à obrigação declarativa, a DGAV fica dispensada de o notificar antes da liquidação para o exercício do direito de audiência, uma vez que estamos perante uma situação subsumível à previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT.
Esgrime a Recorrente, em ordem a afastar a aplicabilidade da referida dispensa do direito de audiência, que só com base nos elementos por ela comunicados à DGAV, «o contribuinte não consegue saber, à partida, qual o valor da TSAM que terá que pagar nesse ano em particular», tanto mais que, «no caso concreto, aquando do envio da lista solicitada pela DGAV, que ocorreu a 3 de Março de 2017 (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada), nem tão-pouco se sabia qual o valor da taxa que, nesse ano, seria fixada para o metro quadrado, e a partir da qual seria liquidada a TSAM, pois a Portaria através da qual esta é fixada só foi publicada no Diário da República de 14 de Março de 2017, in casu a Portaria n.º 107-A/2017, de 14 de Março, que fixou a taxa, para o ano de 2017, em € 7 por metro quadrado».
Mas, salvo o devido respeito, relativamente à dispensa do direito de audiência antes da liquidação, «a fórmula «com base na declaração do contribuinte» deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico» ( Cfr. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, anotação 7 ao art. 60.º, pág. 508.). Ou seja, essa dispensa não fica condicionada pelo conhecimento prévio do montante a liquidar, mas antes pela ausência de controvérsia factual e/ou jurídica em torno da liquidação a praticar.
Ora não há divergência alguma, ou, pelo menos, a Recorrente dela não nos dá conta: a liquidação foi efectuada com base nos elementos de facto por ela comunicados à DGAV e o quadro jurídico aplicável não suscitou dúvida alguma.
Ademais, o Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, estabelece que o valor da taxa a aplicar em cada ano é fixado todos os anos entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, através de Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Agricultura, pelo que os sujeitos passivos sabem como será fixado e qual irá ser o valor da taxa para cada ano.
Finalmente, o facto de eventualmente a DGAV ter notificado a ora Recorrente para o exercício do direito de audiência relativamente a outros anos, apesar de esta ter efectuado a comunicação prevista no n.º 2 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012, não significa, obviamente, que tal notificação seja legalmente imposta, nem sequer que a DGAV assim o considere; poderá significar, apenas, que a DGAV pretende tentar obviar à conflitualidade que tem como fundamento a falta dessa notificação.
Por tudo o que deixámos dito, entendemos que o recurso não pode ser provido com fundamento no invocado erro de julgamento relativamente à falta de notificação para o exercício do direito de audiência prévia.

2.2.3 TSAM – A EVENTUAL VIOLAÇÃO DA REGRA DA DISCRIMINAÇÃO ORÇAMENTAL

A Recorrente mantém que a liquidação padece de ilegalidade abstracta e de inconstitucionalidade (indirecta), na medida em que deu concretização a normas violadoras da regra da discriminação orçamental, corolário do princípio da especificação orçamental, decorrente do disposto no art. 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto – e nos arts. 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, aplicável a partir de 2015 – e, ainda, do disposto no art. 105.º, n.º 1, da CRP.
A sentença julgou improcedente o vício decorrente da alegada não discriminação orçamental das receitas com base no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 2 de Fevereiro de 2022 no processo com o n.º 810/18.2BESNT ( Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c5408a3fa79c492a802587df003a423b.), se bem que, como a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra reconheceu, o acórdão se refira a “diferente contribuição”, ou seja, à contribuição especial sobre o sector eléctrico.
No entanto, a questão, que este Supremo Tribunal já anteriormente tinha tratado relativamente à contribuição especial criada nos termos do Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, em 26 de Setembro de 2012, no processo com o n.º 1159/11 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2b1b38581fd0125e80257a8d003e5341.), veio depois a ser tratada por este Supremo Tribunal, especificamente quanto à TSAM, designadamente nos acórdãos proferidos em 12 de Abril de 2023, no processo com o n.º 371/21.5BESNT ( Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/442c7d1b6c1b0e878025899100367151.), em 31 de Maio de 2023, no processo com o n.º 759/19.1BESNT ( Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/27a1221b252cf3c0802589c2003067e1.) e em 29 de Novembro de 2023, proferido no processo com o n.º 149/20.3BESNT Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/493b96ded8c9abad80258a77004205d2.).
Assim, atento o disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC) e a faculdade concedida pela 2.ª parte do n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, vamos limitar-nos a remeter, com as pertinentes alterações, para a fundamentação aduzida no primeiro dos referidos acórdãos (proferido em 12 de Abril de 2023, no processo com o n.º 371/21.5BESNT), dispensando a sua junção aos autos, uma vez que indicamos o sítio onde pode ser livremente acedido.
Em consequência, o recurso também não pode ser provido com fundamento no invocado erro de julgamento relativamente à violação da regra da discriminação orçamental.

2.2.4 DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

O valor do processo excede € 275.000. Assim, e também porque a Recorrente o requereu, cumpre averiguar da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), que dispõe: «Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o acórdão é essencialmente remissivo, quanto às duas questões que nele foram tratadas, o que integra a menor complexidade da causa para os efeitos previstos no n.º 7 do art. 6.º do RCP, a determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, dispensa a que não obsta o comportamento processual das partes.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - É de considerar dispensada a audiência prévia à liquidação da TSAM, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT, quando esta é efectuada com base nos elementos comunicados pelo sujeito passivo à DGAV ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 5.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho.

II - Com referência ao ano de 2017, não se verifica a falta de autorização de cobrança da TSAM, pois o que a lei impede é a cobrança dos tributos que não estejam autorizados ou devidamente inscritos e aquela contribuição – que, exclusivamente para os fins aqui considerados, deve ser considerada como um imposto – está inscrita na Lei do Orçamento do Estado para 2017 e aí foi adequadamente classificada de acordo com a classificação económica a que a lei sujeita as receitas (receitas de capital v. receitas correntes) e desdobrada bem para além do mínimo, ou seja, por capítulo, grupo e (até ao nível do) artigo denominado «Impostos directos diversos», com o código 01.02.99, tudo como, relativamente ao imperativo de especificação das receitas, prescreve a LEO no n.º 2 do seu art. 3.º.

III - Para efeitos de determinação da invocada ilegalidade abstracta não releva a inscrição em bloco das receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2017, daí não resultando qualquer violação da alínea a) do n.º 1 do art. 105.º da CRP ou do art. 17.º da LEO, pois as receitas dos fundos autónomos podem ser apenas globalmente especificadas.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Conselheiros desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, decidem negar provimento ao recurso.

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Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT), com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do RCP (cfr. 2.2.4).

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Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Gustavo André Simões Lopes Courinha.