Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
781/20.5GAPRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
SANAÇÃO DO VÍCIO VIA ARTIGO 431.º/1/A) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP20250514781/20.5GAPRD.P1
Data do Acordão: 05/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A matéria de facto relativa às condições pessoais do agente, sua situação económica, e registado passado criminal, é desde logo relevante para as próprias opções decisórias, quer em sede de determinação das consequências penais dos factos (cfr. alíneas d), e) e f) do art. 71º/2 do Cód. Penal), quer, num caso como o presente, da definição dos valores indemnizatórios a fixar para ressarcimento de peticionados danos não patrimoniais decorrentes dos mesmos factos (cfr. art. 494º do Cód. Civil, aplicável ex vi art. 496º/3 do mesmo diploma).
II - Donde, a falta da menção de tais elementos em sede de descrição da matéria de facto assente constitui, à partida, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal, de que o Tribunal da Relação pode conhecer oficiosamente.
III - No caso dos autos, e atenta a existência nos autos de elementos bastantes para o efeito, tal insuficiência é susceptível de sanação por esta instância de recurso ao abrigo da possibilidade que, nesse sentido, lhe é desde logo conferida pelos arts. 431º/1/a) do Cód. de Processo Penal – donde, e nos termos e para os efeitos do art. 426º/1 a contrario do Cód. de Processo Penal, se considera que a verificação do vício em causa não inviabiliza a decisão sobre o objecto da causa, não se mostrando, assim, necessário o respectivo reenvio para novo julgamento, sequer parcial.
IV - Quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 781/20.5GAPRD.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal ...

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 781/20.5GAPRD que corre termos no Juízo Local Criminal ..., em 17/01/2025 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:

« VII – Decisão

Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide:

1. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 al. a) do Código Penal na pessoa da assistente BB na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão,

2. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e) e nº 2 al. a) do Código Penal na pessoa da assistente CC na pena de 2(dois) anos e 6 (seis) meses de prisão,

3. Condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão,

4. Suspender a pena de prisão que lhe vai aplicada, pelo período de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses, com regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2, 52.º, n.º 2 e 53.º e 54.º do Código Penal mediante a imposição dos seguintes deveres::

a) frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica dinamizado pela Direcção-Geral de Reinserção Social.

b) à proibição de contactos com a vítima, sua ex-esposa, incluindo e a proibição de aceder ou de aproximar-se da sua residência ou do seu local de trabalho.

5. Condeno o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de 2 (anos) anos, incluindo proibição de aproximação à área de residência da vítima BB.

6. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelas demandantes condenando o demandado a pagar-lhe a quantia de 9.772,51€ a título de danos patrimoniais sofridos até 23.11.2023 e não patrimoniais.

7. Condenar o arguido a pagar ás demandantes a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos futuros sofridos após 23.11.2023 com consultas pela demandante BB com o Dr. DD ou outro medico psicólogo até dois anos após o trânsito em julgado desta sentença e consultas de pedopsiquiatria da menor CC pelo período de 10 anos até Novembro de 2033 (artº 564º, nº 2 do CC e 609 nº 2 do CPC do Código Civil).


*

Mais se condena o arguido no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC, e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa.

As custas dos pedidos de indemnização civil ficam a cargo do demandado e dos demandantes na proporção dos respectivos decaimentos. »

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 15/02/2025, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

(…)

b) Com o mui devido respeito, discorda o recorrente da condenação, pelo que interpõe o presente Recurso, que incindirá sobre a matéria de Direito. Nessa medida, o presente recurso incidirá, especificadamente, sobre os seguintes pontos:

1. Da nulidade da sentença uma vez que não contém todas as menções referidas no nº 1 alínea d) e no nº 2 do artigo 374.º do CPP;

2. Do incorreto enquadramento jurídico da matéria de facto dada por provada - impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito relativa ao crime de violação (errada subsunção dos factos ao Direito)

3. Violação do princípio "in dubio pro reo";

4. Da errada aplicação normativo-legal e suas consequências em termos de pena;

5. As penas aplicadas violam os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso decorrentes do n.º 2, do artigo 78.º da Constituição da República Portuguesa;

6. Do Pedido de Indemnização Civil.

e) Dada a extensão dos factos provados e não provados, damos aqui por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, a Fundamentação de Facto, constante da sentença recorrida.

d) A respeito da nulidade da sentença uma vez que não contém todas as menções referidas no nº 1 alínea d) e nº 2 do artigo 374.º do CPP. sempre se dirá o seguinte: Dispõe o artigo 374.º nº 1 alínea d) do CPP o seguinte:

"1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

(...) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada."

e) Nos presentes autos o recorrente apresentou Contestação, à qual foi atribuída a referência CITIUS: 9634463. Nela o recorrente nega a prática dos factos, referindo que este processo existe devido a uma denúncia calculada e inventada, com a intenção de apropriação patrimonial indevida. O recorrente arrolou testemunhas. Sucede que a sentença recorrida apenas refere quanto à contestação o seguinte: "O arguido ofereceu contestação", ou seja, a sentença recorrida não retirou quaisquer conclusões contidas da contestação apresentada pelo recorrente.

f) Ademais, existem factos alegados na contestação e sobre os quais o Tribunal "a quo" não se pronunciou. Dito de outro modo, a versão dos factos apresentada pelo recorrente na Contestação e durante o decurso da audiência de discussão e julgamento foi totalmente ignorada pelo Tribunal "a quo".

g) Destarte, tendo por base o supra explanado e bem assim o disposto no artigo 374.º nº 1 alínea d) do CPP devem ser retiradas todas as consequências legais, o que desde já se requer.

h) Por outro lado, dispõe o artigo 374.º nº 2 do CPP o seguinte:

"Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal."

i) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida carece igualmente de fundamentação adequada, desde logo por não apresentar uma exposição detalhada dos motivos que sustentaram a decisão do Tribunal "a quo" ao considerar provados os factos, assim como não realiza um exame crítico das provas que foram utilizadas para formar a sua convicção nesse sentido.

j) Isto posto, a sentença recorrida não contém todas as menções referidas no nº 2 do artigo 374.º do CPP. Concretamente, a sentença recorrida não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal "a quo".

k) De facto, grosso modo, na fundamentação da sentença, o Tribunal "a quo" limitou-se apenas e tão só, a indicar os factos provados e não provados da acusação pública / decisão instrutória, e bem assim, a indicar as provas que foram produzidas na Audiência de Discussão e Julgamento.

l) Refere o Tribunal "a quo" na sentença recorrida que a valoração de grande parte da prova resultou da análise critica à prova produzida em sede de audiência de julgamento e prova documental junta aos autos, às declarações para memória futura das assistentes CC, prestadas em 27 de Abril de 2021, em 10 de Maio de 2022, e em 17 de Janeiro de 2023 e BB, prestadas em 10 de Maio de 2022, de fls.183 a 184,269 a 350 e que corroboram a matéria vertida na acusação acrescido do facto de serem circunstanciadas cronologicamente com uma narração coerente e espontânea da vivência que tiveram com o arguido.

m) Conclui o recorrente que nada se apurou quanto ao crime de violação, pois não existe qualquer outra prova que corrobore às alegadas agressões sexuais contra a assistente BB, mormente exames / perícias médico–legais.

n) Ora, salvo o devido respeito, uma fundamentação assim não cumpre a norma do nº 2, do artigo 374.º do C.P.P., pois esta exige, não só a indicação dos meios de prova utilizados concretamente, mas também a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal (sendo que interpretação contrária é inconstitucional, tal como já decidiu o TC no Acórdão nº 680/98, de 02/12/1998, publicado no DR, 2ª Série, de 05/03/1999).

o) Nestes termos se compreende que o dever de fundamentar a sentença exige também a indicação dos motivos de credibilidade dos meios concretos de prova, designadamente das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas, bem como a concretização dos motivos pelos quais não foram atendidas as provas em sentido contrário.

p) Tendo por base o supra exposto, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação.

q) Relativamente ao incorrecto enquadramento jurídico da matéria de facto dada por provada - impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito relativa ao crime de violação (errada subsunção dos factos ao Direito) sempre se dirá o seguinte;

r) Pode ler-se na sentença o seguinte:

"Assim e considerando a referida matéria dada como provada em 30. a 31, temos que o arguido contra a vontade da ofendida BB, empurrou-a e agarrou- a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas, e ato continuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando conseguiu despir da cinta para baixo a assistente, introduziu-lhe o seu pénis ereto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular."

s) Podendo ler-se adiante que "Dúvidas não há, pois, que tais factos preenchem os elementos típicos do crime de Violação a que alude o artigo 764°, nº 7 al. a), do Código Penal" e assim "deverá, deste modo, o Arguido ser condenado pela prática do crime de Violência Doméstica de que vem acusado, previsto e punível pelo artigo 152º, nº 1, al. b) e nº 2, com a pena aplicável ao crime de Violação, previsto e punível pelo artigo 164º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal."

t) Salvo o devido respeito, não pode o recorrente concordar com esta conclusão, desde logo, porque a mesma não tem respaldo na prova produzida. Note-se que o Tribunal "a quo" deu como provado que a assistente BB, ex-cônjuge do recorrente, foi vítima de ofensas sexuais/violação por parte do mesmo, supostamente ocorridas entre os anos de 2016 e 2020, e melhor descritas na acusação.

u) Assim, as alegadas ofensas sexuais/violação foram dadas como provadas nos seguintes pontos da sentença: pontos 4 a 10, 18 a 21, 24 a 26, 30 a 31. Ora, tais factos reportam-se a períodos temporais distintos, supostamente compreendidos entre os anos 2016 e 2020.

Vejamos,

v) A primeira agressão sexual alegadamente ocorreu, segundo a assistente BB, em data não concretamente apurada de maio de 2016 (factos provados 6 a 10).

w) Segundo a mesma, a segunda agressão sexual alegadamente ocorreu em data não concretamente apurada de setembro de 2017 (factos provados 18 a 21).

x) A terceira agressão sexual alegadamente ocorreu em data não concretamente apurada de setembro e dezembro de 2017 (factos provados 24 a 26).

y) A última agressão sexual alegadamente ocorreu em data não concretamente apurada de julho de 2020 (factos provados 30 e 31).

z) Analisando o acervo documental junto aos autos, constatamos que a assistente não exerceu o seu direito de queixa, relativamente ao crime de violação até novembro de 2020, sendo certo que o mesmo reveste natureza semi-pública, em face do artigo 778.º do Código Penal.

aa) Deste modo, salvo o devido respeito o Ministério Público não podia ter acusado o arguido por factos que não suscitaram o exercício tempestivo do direito de queixa por parte da assistente BB.

bb) Recorde-se que a assistente só apresenta a queixa em novembro de 2020 e, curiosamente ou não, em agosto ou setembro desse mesmo ano pede o divórcio ao recorrente, situação que está longe de ser natural, como bem refere a sentença recorrida.

cc) Acresce que, compulsados os autos constamos que os mesmos não contêm uma única perícia médico-legal, um único exame médico, que venha confirmar do ponto de vista técnico e científico, com a certeza e o rigor legalmente exigidos, que as supostas agressões sexuais que a assistente BB reportou tenham por um lado, existido e, por outro, que a terem existido o aqui recorrente seja o seu autor.

dd) Aqui chegados, uma conclusão se impõe: o Tribunal "a quo" deu como provado o crime de violação com base nas declarações da assistente BB (parte interessada na ação) e no depoimento indireto das testemunhas EE (seu sócio e amigo), FF (seu pai), DD (seu psicólogo).

ee) Ora estas testemunhas nada presenciaram com relevância para o objeto do processo... limitaram-se a relatar ao tribunal "a quo" aquilo que a assistente lhes disse.

ff) A ser verdade que a assistente BB, foi vítima de abuso sexual por parte do aqui recorrente, é legítimo questionar porque não se dirigiu a mesma a uma unidade hospitalar a fim de ser recolhida prova?

gg) A assistente BB, preferiu em vez disso dirigir-se à APAV...

hh) Como bem referiu o Meritíssimo Juiz de Instrução, em sede de Decisão lnstrutória, "é a palavra de um contra a do outro", pois não existe qualquer outra prova que corrobore as alegadas agressões sexuais contra a assistente BB.

ii) Assim, é legítimo questionar igualmente se pode o Tribunal "a quo" dar como provados factos quando não foi apresentada queixa tempestiva para o efeito?

jj) É legítimo questionar também, como pode o Tribunal "a quo" dar como provados factos sem que para tal tenha havido uma apreciação científica dos mesmos, por via da realização da perícia médico-legal?

kk) E por último, como pode o Tribunal "a quo" atribuir a autoria ao recorrente dessas supostas agressões sexuais à ofendida BB, sem que para tal tenha uma única prova?

li) Em suma: como é que o Tribunal "quo", pode dar como provado um crime tão hediondo como o crime de violação, sem ter a certeza de que essa violação efetivamente aconteceu? E a ter acontecido, quem foi o seu autor?

mm) Relativamente à violação do princípio do in dubio pro reo, sempre se dirá o seguinte:

nn) Ora, tendo por base o supra enunciado, resulta de forma cristalina que o Tribunal "a quo" não teve em consideração quaisquer Relatórios Médicos, quaisquer exames periciais do INML, quaisquer fotografias, enfim, quaisquer elementos probatórios que demonstrem as agressões sexuais alegadamente perpetradas pelo recorrente.

oo) E não o fez, não só em virtude de o recorrente não ter praticado o crime de violação, mas também porque nenhuma prova, seja documental ou pericial, foi carreada para os autos. Ademais, as declarações da assistente são suportadas, apenas e só por prova indirecta, conforme já referimos "ad nauseam", pelo que esta prova é claramente insuficiente para que haja um juízo de certeza (com o rigor legalmente exigido) quanto à prática do crime de violação pelo qual o recorrente vem acusado.

pp) Na ausência deste juízo de certeza, deverá prevalecer o princípio da presunção de inocência, nos termos do artigo 32.º nº 2 da CRP, de que é corolário o princípio do "in dubio pro reo".

qq) Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagra estes mesmo princípio no artigo 6.º nº 2 e o mesmo se diga a respeito do artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

rr) Estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio do "in dubio pro reo", segundo o qual o juiz deve decidir "sobre toda a matéria que não se veja afetada pela dívida, de forma que," quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório" (Cristina Líbano Monteiro "Perigosidade de inimputáveis e "in dubio pro reo"', Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pág.54.)

ss) O desrespeito pelo princípio do "in dubio pro reo" teve consequências na fixação do "quantum" da pena como infra se explanará.

tt) Sobre a errada aplicação normativo-legal e suas consequências em termos de pena, sempre se dirá o seguinte:

uu) O Tribunal "a quo" considerou que tendo o recorrente praticado o crime de violação deveria ser aplicado o artigo 152.º, nº l do Código Penal na parte em que expressamente prevê que "pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal".

vv) Tendo por base o preceituado no artigo 164º, nº l do CP constata-se que o crime de violação é punido com pena de prisão de l a 6 anos. Ora, tendo sido dados como provados os factos do ponto 30. e 31. o Tribunal "a quo" não teve dúvidas que se encontravam preenchidos os elementos típicos desta disposição normativa.

ww) Nesta sequência, concluiu o Tribunal "a quo" que o recorrente deve ser condenado pela prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º nº l b) e nº 2, com a pena aplicável ao crime de violação p. e p. no artigo 164.º nº 1 a) ambos do Código Penal.

xx) Sucede que, salvo o devido respeito, esta norma não pode ser aplicada atento o facto de inexistir prova que confirme com rigor e segurança legalmente exigidos, a prática deste crime por parte do recorrente.

yy) Ora, inexistindo a prática deste crime, a pena concreta a aplicar não pode ser a prevista no artigo 164.º nº l a) do Código Penal.

zz) Pelo que, mal andou o Tribunal "a quo" quando condenou o recorrente pelo crime de violência doméstica com a pena aplicável ao crime de violação.

aaa) Aqui chegados, considera o recorrente que existe um manifesto erro da subsunção dos factos ao Direito, com repercussões na pena que lhe foi concretamente aplicada.

bbb) A respeito das penas aplicadas violam os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso decorrentes do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, importa salientar o seguinte:

ccc) Deste modo e sem delongas, a haver alguma condenação a mesma não pode ser pelo crime de violação e, nessa medida, impõe-se reduzir as penas parcelares e, naturalmente, a pena única fixada em cúmulo jurídico.

ddd) Como vimos supra, o Tribunal "a quo" considerou erradamente que o recorrente praticou um crime de violação aplicando por via disso a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de violência doméstica, p. e. p, pelo artigo 152.º nº l alínea a) e nº 2 alínea a) do Código Penal, na pessoa da assistente BB.

eee) Condenou o recorrente pela prática do mesmo crime, p. e. p, pelo artigo 152.º nº 1 alínea e) e nº 2 alínea a) do mesmo código, na pessoa da assistente CC, na pena de 2 anos e 6 meses· de prisão.

fff) Realizado o cúmulo, decidiu o Tribunal "a quo" condenar o recorrente na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, a qual foi suspensa por igual período com regime de prova. Salvo melhor entendimento, tais penas afiguram-se desmesuradas e atentatórias dos princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso decorrentes do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Isto porque, o Tribunal "a quo" fixou as penas com base numa qualificação jurídica errada, assente na incorreta subsunção dos factos ao Direito, nos termos supra expostos.

ggg) Nessa medida, impõe-se corrigir tal qualificação e, naturalmente, aplicar ao recorrente a pena que se encontra legalmente prevista para o crime de violência doméstica.

hhh) O crime de violência doméstica é punível com uma pena de dois a cinco anos de prisão.

iii) Encontrada essa moldura, a pena concreta será fixada dentro dos seus limites, atendendo ao grau de culpa consubstanciado nos factos e às exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se mostrem relevantes, tomando em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido/ recorrente.

ili) Nesta sequência, deverá ser tido em consideração o facto de o recorrente ser primário, não ter processos criminais pendentes, estar social, familiar e laboralmente integrado, ser pessoa respeitada e respeitadora e ainda, o facto de ter apresentado ao tribunal a sua versão dos acontecimentos, prestando declarações em todas as fases processuais.

kkk) Neste seguimento, a pena adequada deverá ser fixada muito próxima do mínimo legal, o que desde já se requer.

lll) Por último e a respeito do Pedido de Indemnização Civil, cumpre referir o seguinte: o Tribunal julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelas assistentes/demandantes e condenou o recorrente a pagar-lhes a quantia de 9.772,57€ a título de danos patrimoniais sofridos até 23.77.2023 e não patrimoniais e condenou ainda o recorrente a pagar às mesmas a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos futuros sofridos após 23.11.2023 com consultas pela assistente/ demandante BB com o Dr. DD ou outro medico psicólogo até dois anos após o trânsito em julgado desta sentença e consultas de pedopsiquiatria da assistente/ demandante CC pelo período de 10 anos até Novembro de 2033 (artº 564 nº2 do CC e 609 nº 2 do CPC do Código Civil).

mmm) Salvo devido respeito, os montantes indemnizatórios afiguram-se inflacionados tendo por base o supra enunciado, pelo que impõe reduzir as quantias peticionadas pelas assistentes/demandantes no pedido de indemnização juntos a fls. dos autos.

nnn) Com efeito, o art. 496°, l do CCivil estatui que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".

ooo) São, assim, elementos de incontornável valor heurístico a gravidade do dano, dado que só aqueles de natureza dos graves merecem tutela do direito.

ppp) Sendo certo que o montante da reparação deve ser proporcional à dimensão do dano, devendo apelar-se a critérios de bom senso, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação e equilíbrio das realidades da vida.

qqq) De facto, a reparação terá de obedecer a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso (remissão feita pelo art. 496°, 3 para o art. 494°, ambos do CCivil).

rrr) Isto é, no cálculo desta tipologia de danos, há que atender, pois, ao disposto no nº 3 do já citado art. 496°, segundo o qual o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal e tendo-se em consideração a culpa do agente, a sua situação económica e a do lesado, bem como quaisquer outras circunstâncias que no caso se justifiquem.

sss) É, por outro lado, indiscutível que o ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial é marcadamente compensatório, ao invés de indemnizatório.

ttt) As consequências das condutas perpetradas pelo recorrente adquirem gravidade e merecerem a tutela do direito, nomeadamente a título de danos não patrimoniais.

uuu) No entanto, já não se adere à fixação dos montantes indemnizatórios determinados pelo Tribunal "a quo". Segundo se crê, a melhor hermenêutica a exercer sobre os preceitos legais convocados - maxime aqueles dimanados do Código Civil - aconselhará a que os valores encontrados pelo Tribunal sejam diminuídos.

vvv) Na verdade, os montantes eleitos pelo Tribunal a quo afiguram-se inflacionados face à legalidade aplicável e ao comum sentido de equidade. Pelo que os mesmos devem ser fixados em patamares substancialmente mitigados, deixando-se a respetiva fixação ao prudente critério do Tribunal ad quem.

www) A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os artigos 374.º; 379.º; 127.º; 129.º; 410.º nº 2, todos do C.P.P., violou os artigos 14.º; 40.º nº 2; 70.º; 71.º; 77.º; 72.º; todos do C.P., violou também, os princípios do ln dubio pro reo / presunção de inocência do arguido (artigo 32.º nº 2 da C.RP.}, violou os princípios consignados no artigo 32.º nº l e 5 e artigo 205.º da C.RP., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando pela respectiva improcedência – sem elaborar conclusões «por entender que não são exigíveis».

A este recurso respondeu também a assistente BB, igualmente pugnando pela respectiva improcedência, e apresentando as seguintes conclusões:

1 - Refere o Arguido ter ocorrido nulidade da sentença uma vez que não contém todas as menções referidas no n° 1 alínea d) e n° 2 do artigo 374.° do CPP, entendemos não assistir qualquer razão ao Recorrente, porquanto inexiste qualquer omissão que viole o dever de fundamentação previsto no art. 205º da Constituição da República Portuguesa e no art. 374º nº 2 do Código de Processo Penal.

2 – O Arguido na contestação apenas impugnou de forma genérica os crimes de que vinha acusado, referindo que tinha apoio familiar e trabalho certo, que oferecia o merecimento do que se viesse a apurar em audiência de julgamento, bem como as atenuantes que ao caso couberem e a atenuação especial da pena pelo tempo decorrido, tendo mantido bom comportamento, sem apresentar fundamentos específicos ou provas contrárias às acusações.

3 - A alínea d) do nº 1 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença contenha "a enumeração dos factos provados e não provados, com indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal".

4 - O nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal estabelece que "na enumeração dos factos provados e não provados, o tribunal deve especificar, com suficiente pormenor, os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção".

A sentença apresentada cumpre este requisito, pois inclui uma detalhada enumeração dos factos provados e não provados, bem como a motivação da decisão de facto, onde são indicados os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal. Portanto, a sentença está em conformidade com o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 374º do Código de Processo Penal.

Mais,

5 - A sentença especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do tribunal, incluindo analise critica à prova produzida em sede de audiência de julgamento e prova documental junta aos autos;

6 - O facto de não terem sido acolhidas todas as alegações do recorrente não configura nulidade da sentença, mas sim uma valoração das provas desfavorável ao arguido, nos termos do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP).

II - DA CORRETA SUBSUNÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS AO DIREITO

7 - O recorrente impugna a qualificação jurídica dos factos, argumentando que a decisão proferida sobre a matéria de direito relativa ao crime de violação é errada. No entanto, os factos dados como provados pelo Tribunal a quo enquadram-se inequivocamente no crime de violência doméstica, agravado pela prática de agressões físicas, psicológicas e sexuais.

8 - A decisão recorrida demonstrou, através da análise crítica das provas, que o arguido, no âmbito da relação conjugal, praticou reiteradamente atos de violência física e psicológica sobre as assistentes, incluindo agressões sexuais. O crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º do Código Penal, abrange não apenas a violência física, mas também a violência psicológica e sexual, tal como demonstrado nos autos.

9 - A argumentação do recorrente sobre a ausência de exame médico-legal não é suficiente para afastar a prática do crime, pois, conforme a jurisprudência dominante, a palavra da vítima pode ter valor probatório relevante quando sustentada por outros meios de prova, como depoimentos de testemunhas e peritos. O Tribunal a quo, ao valorar os testemunhos das assistentes e das testemunhas indiretas, formou a sua convicção com base em elementos probatórios suficientes.

10 - A explicitação do processo de formação da convicção do tribunal no crime de violação, no direito português, refere-se ao dever do juiz de fundamentar a sua decisão, explicando como chegou à conclusão sobre os factos provados e não provados.

11 - No Código de Processo Penal Português, o artigo 127.º estabelece o princípio da livre apreciação da prova, ou seja, o tribunal decide segundo a sua convicção, mas essa convicção deve ser fundamentada em critérios racionais e objetivos. Além disso, o artigo 374.º, n.º 2, determina que a sentença deve conter uma exposição fundamentada da convicção do tribunal, indicando quais os elementos de prova considerados e de que modo contribuíram para a decisão.

12 - O ofendida BB, ex-cônjuge do arguido, declarou que foi vítima de ofensas sexuais/violação por parte do arguido, ocorridas entre os anos de 2016 e 2020, e descritas na acusação, o depoimento da Assistente BB, mereceu a credibilidade do Tribunal e foi ainda corroborado pelos depoimentos dos pais da ofendida, que, entre o mais, disseram que a filha recorreu várias vezes à casa de ambos derivado do comportamento do arguido, pese embora desconhecessem nessa altura que a filha fosse vítima de ofensas sexuais, o que bem se compreende atenta a natureza e sensibilidade dos factos. O depoimento da Assistente foi ainda reforçado pelo depoimento da testemunha Dr. DD, psicólogo e psicoterapeuta que acompanhou a assistente em consultas, o qual referiu que ela relatou tais episódios e pelo “tremor das mãos, pelo choro”, pela sua experiência profissional reputa-as como verdadeiras”, pelo contacto que a assistente no ano de 2017, havia tido com a APAV como resulta de prova documental nesse sentido (cf. fls. 948 do 4.º volume), e fotografias com lesões no corpo da ofendida (fls. 18,19 e 21 do volume 1, apenso A), ao que se somou a depressão que a vitimou e que a mesma ficou a padecer, desde 2017, a qual se encontra documentada nos autos (descrito pela testemunha profissional que acompanhou a assistente), explica no entender da mesma o porquê de ter apresentado queixa dos factos ocorridos desde 2016 somente em novembro de 2020, sendo que em Agosto ou Setembro deste mesmo ano pediu o divórcio ao arguido, situação que apesar de não ser natural e dada a complexidade emocional em que se traduzem as vivências desta natureza, em consequência das ofensas sexuais, físicas e psicológicas do arguido, se compreendeu pois a ofendida acabou por perdoar o arguido e retomou o relacionamento.

13 - Aliás como referiu a testemunha Dr. DD, psicólogo, a ofendida nas suas consultas revelava frustração pela falha do projecto família e como por vezes é a própria vitima que se sente culpada, esta acaba por dar outra oportunidade ao agressor, o que terá sucedido in casu.

14 - Foram ainda valorados pelo tribunal a quo, os esclarecimentos adicionais prestados pela ofendida BB em sede de julgamento quando questionada sobre a data em que ocorreu o último episodio de violação face à duvida da real data em que ocorreram os factos, face à duvida com que ficamos da leitura e audição das declarações para memória futura (e que visava apurar o eventual caducidade do direito de queixa de 6 meses).

15 - Nesta sede a ofendida esclareceu recordar-se bem dessas duas datas da violação pois a primeira foi em Maio de 2016 na altura de entregar o IRS e como foi difícil para ela trabalhar e em julho do ano em que decidiu divorciar-se, pois foi quando após a violação decidiu pôr um ponto final e começar a tratar dos papeis do divórcio, como fez!

16 – Também relevante neste âmbito foi o testemunho do seu psicólogo o qual referiu que a sua paciente não evidenciava ter iniciado qualquer novo relacionamento (até Julho de 2024) e apresentava um quadro de vaginismo compatível com ocorrência de episódios sem o seu consentimento (que foram as violações, as quais apenas viria a relatar apenas mais tarde e que então sugeriu o acompanhamento pela Drª GG dado a sua figura masculina e que poderia ser entrave à terapia dada a possibilidade de projeção no terapeuta da figura masculina do abusador)!

17 - No direito penal português, a possibilidade de condenação pelo crime de violação com base nas declarações da vítima é reconhecida, especialmente devido à natureza frequentemente clandestina desses crimes. A jurisprudência e a doutrina têm atribuído especial relevância ao depoimento da vítima, desde que este seja coerente, credível e corroborado por outros elementos de prova.

CFR. O Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 06/07/2023 (Processo n.º 793/21.1JALRA.C1), enfatizou que, em crimes de natureza sexual, as declarações da vítima assumem particular importância, especialmente quando são consistentes e encontram suporte em outros meios de prova.

18 - Estudos jurídicos ressaltam que, nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância, especialmente quando não há outras provas disponíveis, desde que seu depoimento seja coerente e verossímil.

19– Também Figueiredo Dias destaca que, em crimes sexuais, a palavra da vítima assume uma importância particular devido à natureza dos factos, que geralmente ocorrem sem testemunhas presenciais. No entanto, alerta para a necessidade de uma análise cuidadosa e crítica dessas declarações, considerando possíveis fatores que possam afetar a sua credibilidade.

20 - Considerando a referida matéria dada como provada em 30. a 31, o arguido contra a vontade da ofendida BB, empurrou-a e agarrou- a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas, e acto contínuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando conseguiu despir da cinta para baixo a assistente, introduziu–lhe o seu pénis erecto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular.

21 - Dúvidas não há, pois, que tais factos preenchem os elementos típicos do crime de violação a que alude o artigo 164°, n° 1 al. a), do Código Penal.

22 – Embora exames periciais possam reforçar a prova, eles não são indispensáveis. O princípio da livre apreciação da prova permite que o tribunal forme a sua convicção com base em diferentes elementos, desde que haja prova suficiente para além de dúvida razoável.

23 - Tendo por base o supra exposto, inexiste qualquer falta de fundamentação na sentença.

III – Da Não Violação do Princípio “In dúbio pro reo”

24 - Sobre a alegada violação do princípio in dubio pro reo esclarece-se que esta só ocorre quando do texto da decisão recorrida decorrer que o tribunal ficou na dúvida em relação a um qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

25 - O princípio in dubio pro reo, enquanto corolário da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória consagrada no artº 32, nº2 da Constituição da República Portuguesa pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor do arguido.

26 - No caso dos autos, a fundamentação da sentença recorrida não revela minimamente qualquer estado de dúvida quanto aos factos que o tribunal deu como provados e que são integradores dos crimes de violação e dos crimes de violência doméstica.

IV – Da Correta aplicação normativo-legal e suas consequências em termos de pena:

27 – Entendemos pois que, a pena aplicada ao arguido foi a correta, porquanto resultou inequivocamente provado o crime de violação, e em conformidade a pena concreta a aplicar é a prevista no artigo 164.° n° 1 a) do Código Penal.

V – Da Não Violação dos Princípios Constitucionais da Necessidade, Proporcionalidade e Proibição do Excesso decorrentes do nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa

28 - A aplicação da norma penal deve sempre respeitar os princípios constitucionais, nomeadamente os da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso, conforme disposto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

29 - No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019 reforça que a aplicação da pena deve observar a necessidade da sanção penal e sua adequação à gravidade do ilícito, evitando punições que possam ser consideradas desproporcionais.

30- A pena aplicada ao Arguido foi determinada com base na gravidade dos crimes cometidos, considerando o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, as consequências dos atos, e as circunstâncias pessoais do arguido. A pena de prisão de 4 anos e 10 meses foi considerada adequada e proporcional para refletir a gravidade dos crimes de violência doméstica e violação.

31 – A douta sentença evitou a aplicação de penas excessivas, optando por uma pena única que combina os crimes cometidos, e estabelecendo condições para a suspensão da pena que são diretamente relacionadas à proteção da vítima e à reabilitação do arguido. Além disso, a aplicação de penas acessórias e a condenação ao pagamento de indemnizações foram proporcionais aos danos causados, em obediência ao princípio da proibição do excesso.

32 - A sentença foi equilibrada e adequada, respeitando os princípios mencionados, atendendo à personalidade do arguido caraterizada como fria, calculista, controladora e obsessiva, tendo demonstrado um comportamento agressivo e possessivo, especialmente em relação à sua ex-esposa, BB, e à sua filha, CC; cfr. Pág 42 e 25 da sentença, porquanto se deu, igualmente como provado que as características supra-referidas revelam uma personalidade que não respeita os direitos e a dignidade dos outros, agindo de forma violenta e manipuladora para manter controle e poder sobre as vítimas.

VI – Do Pedido de Indemnização Civil

33 – As Assistentes/Recorridas vieram deduzir pedido de indemnização civil contra o Arguido/Recorrente, pedindo que este seja condenado pagar-lhe €56.128,79€ (Cinquenta e Seis Mil Cento e Vinte e Oito Euros e Setenta e Nove Cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros.

“De acordo com o artigo 129º do Código Penal, “a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”, pelo que há que atender ao estatuído nos artigos 483º e seguintes do Código Civil. Nos termos do artigo 483º, nº 1, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São, deste modo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, e da consequente obrigação de indemnizar: o facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto (podendo tal ilicitude traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na infracção de um direito subjectivo, ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios); o nexo de imputação do facto ao agente (ou seja, a culpa, significando agir com culpa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito); o dano (com efeito, o facto ilícito culposo deve ter causado um prejuízo a alguém) ; e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que, como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 17/05/93 (proferido no processo nº 9310102, disponível na Internet via www.dgsi.pt.), “um facto não é causa adequada de um dano desde que seja irrelevante para a sua produção, segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias concretas, conhecidas do agente ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática do facto”).”

34 – “Quanto à obrigação de indemnização de danos patrimoniais preceitua o artigo 563º do Código Civil que ela só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam sido sofridos se não fosse a lesão e o artigo 562º que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Estabelece-se, assim, nesta última norma, “(…) como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural).” Sempre, todavia, que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, medindo-se o seu montante pela diferença entre a situação (real) em que o credor se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (cfr. o artigo 566º).”

35 – “No que tange aos danos não patrimoniais, o nº 1 do artigo 496º do Código Civil determina que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

…No caso dos autos, face aos factos dados como provados, verificam-se todos os pressupostos vertidos no artigo 483º, nº 1 do Código Civil, sendo certo, por outro lado, que os danos não patrimoniais sofridos apresentam a dignidade necessária para que sejam tutelados pela ordem jurídica.

36 - Assim sendo, e por todo o exposto, o arguido/demandado constituiu-se na obrigação de indemnizar o demandante pelos danos patrimoniais por elas sofridos já sofridos até à data do pedido no valor de 1775,98 € (BB e 496,53€ (CC),o que perfaz o valor global de 2272,51 € até à data do pedido a 20.11.2023.”

37 – “Quanto aos danos futuros que quer a demandante BB terá de suportar com consultas com o Psicólogo Dr. DD ou com a Drª GG ou outros, quer da sua filha CC com consultas de pedopsiquiatria a existência do danos não oferecem dúvida ao Tribunal mas como se desconhece o respectivo quantum a condenação do demandado na obrigação de os indemnizar será relegada para momento posterior (artº 564º, nº 2 do CC e 609 nº 2 do CPC do Código Civil).

38 - No respeitante aos danos não patrimoniais, e em conformidade com o artigo 494º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 496º do mesmo diploma, a indemnização é fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e às demais circunstâncias do caso. Devendo, além disso, e nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil anotado”, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 501), “(…) ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

39 – “Tudo ponderado, nomeadamente a gravidade da conduta do demandado e os transtornos e sofrimentos concretamente causados aos demandantes, julgamos equilibrada e adequada à situação económica daquele uma indemnização de € 4.500 para a demandante BB e 3.000,00 €para a menor CC.”

40 - No que concerne aos pedos de indemnização civil atendeu o Tribunal aos 58 documentos juntos com o pedido das demandantes civis que demonstram, quer as despesas que já suportaram as demandantes em consultas e deslocações, quer demonstram o período de previsibilidade que a menor CC terá necessidade de consultas até terminar o período de resolução do quadro que a menor apresenta de aproximadamente 10 (dez) anos de psicoterapia e um a dois anos (após termos destes autos) para a Demandante BB - cfr. doc. nº 58 e 21 respetivamente juntos com o PIC.

41 - O Tribunal atendeu às declarações para memória futura das ofendidas CC, prestadas em 27 de Abril de 2021, em 10 de Maio de 2022, e em 17 de Janeiro de 2023 e BB, prestadas em 10 de Maio de 2022 de fls. 183 a 184, 269 a 350 e que corroboram a matéria vertida na acusação acrescido do facto de serem circunstanciadas cronologicamente com uma narração coerente e espontânea da vivencia que tiveram com o arguido.

42- O tribunal julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelas demandantes condenando o demandado a pagar-lhe a quantia de 9.772,51 € a título de danos patrimoniais sofridos até 23.11.2023 e não patrimoniais.

43 - Condenar o arguido a pagar às demandantes a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos futuros sofridos após 23.11.2023 com consultas pela demandante BB com o Dr. DD ou outro medico psicólogo até dois anos após o trânsito em julgado desta sentença e consultas de pedopsiquiatria da menor CC pelo período de 10 anos até Novembro de 2033 (artº 564º, nº 2 do CC e 609 nº 2 do CPC do Código Civil).

44 - E contrariamente ao alegado pelo Arguido/Recorrente, os montantes a que o arguido foi condenado não estão inflacionados.

45 - O tribunal determinou que o arguido deve pagar um total de 9.772,51 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos até 23.11.2023.

46 - Além disso, o arguido foi condenado a pagar as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença quanto aos danos futuros sofridos após 23.11.2023 com consultas pela demandante BB e pela menor CC.

47 - Aliás, se verificarmos, constatamos que o montante da condenação do Arguido seria bem maior, atenta toda a prova documental junta, porquanto para além de considerar as consultas da menor, na área de pedopsiquiatria e psiquiatria, deveriam ter sido consideradas as despesas na área da psicologia, que foram dadas como provadas, (e que as Recorridas se abstiveram de recorrer relativamente a tal), o que faria elevar substancialmente o cálculo da indemnização a liquidar em execução de sentença.

48- Não existe qualquer quantia pecuniária cabaz de debelar ou compensar a dor de quem é violado e vitima de violência doméstica, em qualquer uma das respetivas vertentes, como resultou provado à saciedade.

49 - E nem a Recorrida BB, nem a filha desta e do Arguido /Recorrente, CC, conseguirão apagar das suas respetivas memórias os tristes episódios que sofreram às mãos do Arguido, e nem que ele tivesse sido condenado a pagar–lhes uma quantia mais consentânea e proporcional atendendo ao grau elevado de culpa do Arguido e a situação económica do Arguido e das Assistentes, à intensidade dos danos, à dor física e psicologica, sufoco, angústia, vergonha, humilhação, sofridas!

50 - E se há algum reparo a fazer relativamente ao montante fixado pelo tribunal a quo, é de que o mesmo foi reduzido atenta a extensão e gravidade dos danos, a sua perpetuação no tempo e as consequências dos mesmos na saúde e vida das Assistentes.

Cfr. Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0410254 Relator: MANUEL BRAZ Sessão: 10 Março 2004 Número: RP200403100410254 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REC PENAL. Decisão: ALTERADA A DECISÃO.

51 - O crime de violência doméstica de que vem acusado o Arguido prevê: “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” Refere o nº 2 do mesmo dispositivo: “No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto (…), na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos”.

52 – O tipo legal do crime de violência doméstica visa acima de tudo, proteger a dignidade humana, tutelando, não só, a integridade física da pessoa individual, mas também a integridade psíquica, protegendo a saúde do agente passivo, tomada no seu sentido mais amplo de ambiente propício a um salutar e digno modo de vida.

53 - Na génese da incriminação da conduta supra descrita, está, assim, não tanto uma preocupação de preservação da comunidade, familiar ou conjugal, mas sim, e decisivamente, de tutela da pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade.

54 – De acordo com o disposto no artº 26 da Constituição da República Portuguesa a todos os cidadãos é reconhecido o direito à respetiva integridade pessoal, tanto num plano físico como numa dimensão moral. Trata-se da tutela constitucional de um direito organicamente ligado à defesa da pessoa individualmente considerada, cuja proclamação faz resultar para cada um de nós a legítima expectativa de, ao conformar-se e dispor de si mesmo nas múltiplas formas de interação social, não vir a ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, pág. 177).

55 – É por demais evidente a reprovação quaisquer atos, omissões ou condutas que sirvam para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meio de enganos, ameaças, coação ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, tendo por objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la, humilhála ou simplesmente mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental ou moral ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais [Conceito de violência contra as mulheres, segundo a definição proporcionada por um grupo de peritos do Conselho da Europa, transcrita no preâmbulo do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, aprovado pela resolução do Conselho de Ministros nº557)), e publicado no DR, I-Série-B, de 15 de Junho de 1999.].

56 - Neste jaez, tendo em conta a factualidade dada como provada, sem mais explanações, é nosso entendimento que foi feita prova de que com a sua conduta o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime de que vem acusado, pelo que bem andou o Tribunal a quo a condenar o arguido pelos mesmos.

57 - No entanto, caso o tribunal “ad quem” assim não entenda e decida apreciar o presente recurso, convém tecer algumas considerações acerca de um dos princípios basilares da prova em processo penal.

58 - Após uma leitura atenta dos factos dados como provados, não se constata que a sentença padeça de qualquer erro ou vício, bem como que a matéria de facto dada como provada esteja incorretamente julgada, designadamente nos pontos evidenciados pelo arguido.

59- O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no referido artigo 127º.

Ora,

De acordo com o disposto no artigo 127º do CPP a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. “O artigo 127º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar ; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.

60 - A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, processo nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88). Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pgs. 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros.

61 – A livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos. Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» - Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II, pág.30 .

62 - Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "...uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros."-

Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.”

63 - O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355º do CPP. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova. Só o julgador, atento a todos esses sinais, consegue captar e interiorizar toda a carga informativa que qualquer depoimento ou declaração comportam. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva "...a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". - Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.

64 - O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto. Também o Prof. Figueiredo Dias, no que respeita aos princípios da oralidade e imediação refere: «Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234.

65 – Temos assim, que, para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no Acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (C.J., ano XXV|II, 20, página 44 ) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".

66 – Se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo Recorrente.

67 - O Mmº Juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.

68 - O Recorrente com a sua argumentação apenas pretende extrair dos elementos analisados uma diferente convicção, faz o seu próprio julgamento pretendendo, impor o seu próprio raciocínio.

69 - A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, sendo que, lendo-se a motivação claramente expressa na sentença, só uma conclusão se impõe: não demonstra qualquer avaliação arbitrária feita pelo julgador, não tratou de forma imprecisa os depoimentos prestados, não é seletiva, nem cirúrgica e não enferma de qualquer erro ou contradição.

70 - Assim, ponderadas as razões alegadas pelo recorrente e a sentença recorrida, sufragamos a opinião de que, também neste ponto, não deverá ser dado provimento ao presente recurso.

71 – No que concerne à medida da pena, temos que o critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos artigos 70º e 71º do CP.

72 - De todo o exposto na sentença, verifica-se que a pena fixada mostra-se justa, equilibrada e proporcional.

73 – Pelo que, também por esta via o presente recurso se revela manifestamente improcedente. Não foram violadas quaisquer normas jurídicas. Não se verifica qualquer nulidade da sentença. Não foi violado qualquer princípio constitucional.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso, referenciando que “Também a signatária considera que o recurso interposto não merece provimento, não sendo de aceitar nenhuma das circunstancias que o arguido considera alicerçarem a revogação da decisão. Acompanha-se, pois, as respostas ao recurso elaboradas pelo I. Colega na 1ª instância e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.”.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal.

Na sequência, veio o arguido/recorrente aos autos declarar reiterar o vertido nas conclusões de recurso.


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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.


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II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:

1. a correcção de lapsos de escrita na Sentença recorrida ;

2. saber se o Ministério Público carecia de legitimidade para desencadear o procedimento penal relativamente a parte da matéria de facto imputada ao arguido por falta de atempado exercício do direito de queixa ;

3. saber se a sentença proferida padece de alguma nulidade decorrente dos termos das disposições conjugadas dos arts. 374º/1/d)2 e 379º/1 do Cód. de Processo Penal ;

4. a verificação no Acórdão recorrido do vício decisório prevenidos na alínea a) do art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal – e respectiva sanação ;

5. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e se foi violado o princípio do in dubio pro reo ;

6. saber se a Sentença procede a um correcto enquadramento jurídico–penal da matéria de facto provada ;

7. saber se deve ser determinada a alteração das consequências penais determinadas na Sentença, no que respeita à medida quer das penas parcelares concretas, quer da pena única de prisão ;

8. saber se os valores das indemnizações em que o arguido foi condenado são excessivos.


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Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:

« II – Fundamentação de facto:

2.1 – Matéria de facto provada:

Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, os seguintes factos:

1. O arguido AA casou com a assistente BB, em 15 de Setembro de 2007;

2. Fixaram domicílio em Travessa ..., ..., ....

3. Do matrimónio de ambos, nasceu em ../../2011, CC;

4. Desde o início da relação entre a vítima, BB, e o arguido, AA, e até ao seu término, este tratou-a de modo agressivo, controlando o quotidiano daquela, insultando-a e agredindo-a física e sexualmente.

5. Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2016, na residência do casal, o arguido agarrou num braço da assistente, tendo a mesma ficado com marcas nos braços e sofrido directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

6. Em data não concretamente apurada, mas em Maio de 2016, na residência do casal, o arguido dirigiu-se à assistente, BB, e disse-lhe: “estás a arranjar-te para os teus clientes ou para o teu patrão? Eu já não te satisfaço?”

7. Em data não concretamente apurada, mas em Maio de 2016, na residência do casal, ao final do dia, a assistente estava deitada na cama do seu quarto, quando o arguido aí entrou e disse-lhe que pretendia ter consigo relações sexuais: “apetece-me agora. Tu és minha mulher, tens de me satisfazer;”

8. Tendo a assistente referido que não pretendia, o arguido empurrou-a e agarrou-a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas,

9. Acto contínuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando conseguiu despir da cinta para baixo a assistente, introduziu-lhe o seu pénis erecto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular.

10. Em tais circunstâncias, e durante o acto da penetração a assistente chorava.

11. Quando o arguido findou a satisfação dos seus intentos libidinosos, a assistente disse-lhe: “eu não vou ficar aqui, eu quero sair de casa”, tendo o arguido, de forma a impedi-la de tal, fechado as portas de casa e escondido as chaves.

12. Consequência da conduta do arguido descrita em 7. a 9., a assistente ficou com marcas nos braços e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

13. Nas circunstâncias mencionadas em 7, a 11, a assistente dizia ao arguido que ia apresentar queixa, ao que o arguido respondia: “pensa bem, ficas sem a tua filha, se me destruíres olha que ficas bem pior.

14. Perante tais factos, a assistente, no dia seguinte, saiu de casa, juntamente com a sua filha e foi viver para casa dos seus pais.

15. O arguido contactou a vítima, e convenceu-a a voltar, prometendo que melhoraria o seu comportamento, o que a mesma acreditou, e após cerca de 4 (quatro) semanas, a assistente regressou à casa de ambos, com a filha.

16. Em data não concretamente apurada, mas algum tempo após os factos supra narrados, o arguido, estando ambos na sua residência, remexeu na carteira da assistente e acedeu ao conteúdo do seu telemóvel e ao registo de chamadas e mensagens, sem o consentimento desta.

17. Em datas não concretamente apuradas, mas no ano de 2017, estando ambos na residência do casal, o arguido, em número não apurado de vezes, disse à assistente: “ estás a pôr-te bonita para os outros, eu já não te satisfaço, tu não andas bem, tu não vales nada, estas a ficar gorda, já olhaste bem para ti, és uma ignorante, tu não sabes o que dizes, és uma desequilibrada, estás a chorar porquê?”

18. Em data não concretamente apurada, mas em finais de Agosto e inícios de Setembro de 2017, estando ambos na residência do casal, à noite, a assistente encontrava-se no quarto deitada, e o arguido entrou, e disse-lhe que queria ter relações sexuais consigo, o que a mesma recusou pois não lhe apetecia e estava menstruada.

19. Perante tal o arguido disse-lhe: “tu não queres, tu és minha mulher” e agarrou-a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas, e abrir-lhe as pernas, tentando a assistente fechar,

20. Acto contínuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando conseguiu despir da cinta para baixo a assistente, introduziu-lhe o seu pénis erecto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular.

21. Em tais circunstâncias, e durante o acto da penetração a assistente chorava.

22. Nas circunstâncias descritas em 7, 8, 9, 16, 17 a 20, e perante a recusa em aceder à vontade do arguido, este desferiu pancadas, de forma não concretamente apurada, à assistente e dizia-lhe, em tom sério, que ficaria sem a filha de ambos.

23. Nas circunstâncias mencionadas em 18 a 20, a assistente dizia ao arguido que ia apresentar queixa, ao que o arguido respondia: “pensa bem, ficas sem a tua filha, se me destruíres olha que ficas bem pior”.

24. Em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos cinco vezes de Setembro a Dezembro do ano de 2017, estando ambos na residência do casal, no quarto, o arguido perante a recusa da assistente em ter relações sexuais consigo, empurrou-a e agarrou-a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas,

25. Acto contínuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando a conseguiu despir da cinta para baixo, introduziu-lhe o seu pénis erecto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular.

26. Em tais circunstâncias, e durante o acto da penetração a assistente chorava.

27. Nas circunstâncias descritas em 24. e 25., e perante a recusa em aceder à vontade do arguido, este desferiu pancadas, de forma não concretamente apurada, à assistente e dizia-lhe, em tom sério, que ficaria sem a filha de ambos.

28. Consequência da conduta do arguido descrita em 24. e 25., a assistente ficou com marcas nos braços e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

29. Nas circunstâncias mencionadas em 24 e 25, a assistente dizia ao arguido que ia apresentar queixa, ao que o arguido respondia: “pensa bem, ficas sem a tua filha, se me destruíres olha que ficas bem pior.”

30. Em data não concretamente apurada mas em Julho de 2020, estando ambos na residência do casal, no quarto, o arguido perante a recusa da assistente em ter relações sexuais consigo, empurrou-a e agarrou- a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas,

31. Acto contínuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando conseguiu despir da cinta para baixo a assistente, introduziu-lhe o seu pénis erecto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular.

32. Em tais circunstâncias, e durante o acto da penetração a assistente chorava.

33. Nas circunstâncias descritas em 30. e 31, e perante a recusa em aceder à vontade do arguido, este desferiu pancadas, de forma não concretamente apurada, à assistente e dizia-lhe, em tom sério, que ficaria sem a filha de ambos.

34. Consequência da conduta do arguido descrita em 30. e 31, a assistente ficou com marcas nos braços e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

35. Nas circunstâncias mencionadas em 30. e 31., a assistente dizia ao arguido que ia apresentar queixa, ao que o arguido respondia: “pensa bem, ficas sem a tua filha, se me destruíres olha que ficas bem pior.

36. Na sequência dos factos supra mencionados, a assistente contactou em 7 de Setembro de 2017 a APAV, e em 14 de Setembro de 2017 deslocou-se para atendimento presencial na mesma instituição, do que o arguido teve conhecimento.

37. Em data não concretamente apurada, mas em 2017, após a assistente ir à APAV, o arguido, na casa do casal, disse-lhe: “tu estás uma desequilibrada, tu pensas que alguém acredita em ti? Tu andas uma desequilibrada, olha para ti, olha para ti.”

38. Em datas não concretamente apuradas, por diversas vezes, mas entre 2017 e 2018, quando a assistente se encontrava no seu local de trabalho e o arguido lhe telefonava, se a mesma não atendesse, quando retribuía mais tarde a chamada, o arguido dizia-lhe: “mas não atendeste a chamada, o que é que estavas a fazer? Estavas com quem?”

39. Em consequência dos factos supra descritos a assistente sofreu uma depressão e teve de ser acompanhada em psiquiatria, de 29/11/2017 a 01/06/2018, com toma de medicação e apoio especializado.

40. Durante essa altura, na casa do casal, o arguido dirigia-se à assistente, e em virtude dos medicamentos que a mesma tomava para a depressão, dizia-lhe: “ burra, gorda, olha bem para ti achas que alguém te quer? Tas uma gorda.”

41. No dia 18/08/2020, em hora não concretamente apurada, estando ambos na residência do casal, o arguido agarrou os braços da assistente causando-lhe dores e hematomas, enquanto lhe dizia:“ tu não vales nada, és uma ignorante, és uma desequilibrada.”

42. Por força dessa conduta a assistente sofreu dores e lesões nas zonas atingidas.

43. Em data não concretamente apurada, mas durante o tempo em que estiveram casados, e na residência do casal, quando a assistente se maquilhava de manhã para sair, o arguido dizia-lhe: “olha para ti, pareces uma puta.”

44. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 30/11/2020, o arguido e a assistente combinaram que iam fazer vidas separadas, mas viveriam na mesma casa como até então, e cada um ficaria com a filha do casal uma semana.

45. No dia 30/11/2020 por volta das 19:20h, estando ambos na residência do casal, e por força de um desentendimento quanto à filha de ambos, quando a assistente se encontrava no quarto, o arguido dirigiu-se a esse compartimento e disse-lhe: “sua filha da puta. Tu desta casa hás-de sair, se não for de uma maneira é de outra.”

46. Após tal, o arguido agarrou os braços da assistente e levantou-a no ar, e depois empurrou-a contra a parede e deitou-lhe as duas mãos ao pescoço, apertando-o, tentando sufocá-la, ao mesmo tempo que dizia, “filha da puta”.

47. O arguido apenas parou e atirou a assistente para cima da cama, quando se apercebeu que a sua filha criança chamava pela mãe e dirigia-se a esse compartimento.

48. Por força da conduta do arguido a assistente sofreu directa e necessariamente as seguintes lesões:

a. no pescoço: em face lateral esquerda – terço superior, médio e inferior – presença de 7 (sete) escoriações em fase de cicatrização (crosta) com comprimentos de 1 cm (a criança) e 2,2cm 8 (a maior) todas com equimose violácea subjacente; em face lateral direita – inferior, médio e superior – presença de 4 (quatro) escoriações em fase de cicatrização (crosta) com comprimentos de 1,5 cm (a criança) e 2 cm (a maior) todas com equimose violácea subjacente

b. No membro superior direito: equimose violácea localizada em transição de terço superior para terço médio em face Antero medial de braço – composta por 3 áreas aproximadamente circulares e confluentes) ocupando área total com 6 cm (eixo horizontal) por 3 cm (eixo vertical); sem limitação de mobilidade articular em membros superiores;

c. Membro superior esquerdo: equimose violácea localizada em transição de terço superior para terço médio em face Antero medial de braço – composta por 2 áreas aproximadamente circulares e confluentes) ocupando área total com 4 cm (eixo horizontal) por 3 cm (eixo vertical); sem limitação de mobilidade articular em membros superiores.

49. Na sequência dos factos descritos em 45 a 48, a assistente saiu de casa com a sua filha em 30 de Novembro de 2020.

50. O divórcio entre o arguido e a assistente foi decretado por sentença datada de 13/04/2021, processo este que correu termos sob o número ......, no ... do Tribunal de Paredes;

51. Em datas não concretamente apuradas, mas anterior a 23.06.2020, o arguido, na casa onde residiam, desferiu pancadas no corpo da sua filha,

52. Numa dessas vezes, pelo menos uma vez, como reacção quando a mesma, por brincadeira, lhe escondeu as chaves do carro.

53. Noutra vez, tinha a criança sete anos, e encontravam-se todos em casa, o arguido desferiu-lhe na perna e nas nádegas, pelo menos uma vez, pancadas, quando esta entornou água e sumo por cima da roupa.

54. Ainda, na sala da habitação onde todos residiam, a criança foi ter com o pai, deitando-se no sofá ao seu lado e o arguido deu lhe uma palmada na coxa.

55. Por força das condutas do arguido, a criança ficou com marcas no corpo e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

56. No dia 23.06.2020, véspera de S. João, ao jantar, em casa dos sogros do arguido, tinha a filha CC 9 (nove) anos de idade, em jeito de brincadeira escondeu os óculos de sol do arguido, e este, quando se apercebeu que os mesmos estavam escondidos atrás das costas da sua filha, referiu-lhe que se não os entregasse de imediato lhe bateria.

57. Uma vez que a criança continuou a brincar com os mesmos, o arguido, com a mão aberta, bateu-lhe na cara, nas nádegas e nas costas, mais que uma vez.

58. A criança começou a chorar e refugiou-se num canto da cozinha, sendo que a assistente foi ter com ela e levou-a para outro compartimento da habitação, todavia o arguido deslocou-se aí e desferiu a CC uma bofetada na cara, ficando marcada a sua mão, o que causou dores na vítima.

59. Por força da conduta do arguido descrita em 56, 57 e 58, a criança sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras, sentiu-se assustada e ansiosa, começou a chorar e a tremer incessantemente.

60. Em data não concretamente apurada, mas no mês de Outubro de 2020, na habitação onde todos residiam, o arguido bateu na criança e arranhou-lhe a cara.

61. Por força da conduta do arguido descrita em 60., a criança sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

62. No dia 5 de Novembro de 2020, a criança estava a brincar com as chaves do arguido e, como o mesmo se encontrava fechado no seu quarto, quando CC aí foi bater à porta, o arguido, começou a correr atrás da sua filha, para lhe bater.

63. A criança correu em direcção à casa de banho onde estava a mãe, para fugir, e tropeçou e caíu no chão, sendo que, nesse momento o arguido desferiu-lhe um número não concretizado de palmadas, com a mão aberta, nas costas, e no nádegas, causando-lhe dor no corpo, em especial no pé, que o arguido calçou enquanto lhe batia.

64. Por força da conduta do arguido consequência dos factos descritos, a criança ficou vermelha e com dores.

65. No dia 09/11/2020, no interior do domicílio comum, o arguido de forma não concretamente apurada, desferiu pancadas na sua filha.

66. Por força da conduta do arguido descrita em 65., a criança sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras na zona lombar.

67. Em datas não concretamente apuradas mas entre 2020 e anteriores a 15 de Agosto de 2021, sempre que a criança trata o arguido pelo seu primeiro nome, AA, e não por pai, o mesmo bate-lhe, de forma não concretamente apurada, e em número não concretamente apurado de vezes.

68. Consequência das condutas do arguido descritas em 67., a criança sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

69. No dia 15 de agosto de 2021, em hora não concretamente apurada, mas entre as 11:00h e as 21:05h, na residência do arguido, após o almoço com várias pessoas da família, o arguido, quando a criança se encontrava no exterior com a sua cadela, pegou no animal e levantou-o para cima e para baixo, o que fez com que o canídeo ganisse, e tendo a criança pedido para o arguido parar,

70. O arguido, como reacção aos pedidos da sua filha, atingiu-a com pelo menos dez palmadas no braço, apertou-lhe o antebraço com a ponta dos dedos, sendo que as unhas do arguido estavam grandes e enfiou as mesmas no braço, tendo a criança começado a sangrar.

71. Por força da conduta do arguido, em consequência de tal, a criança começou a chorar e teve dores, e sofreu no membro superior direito 3 (três) escoriações lineares, paralelas, longitudinais de 1cm a 3 cm na face externa do antebraço e equimose de 8x7 cm na face externa do braço.

72. Tais lesões demandaram-lhe um período de dois dias de doença.

73. Em data não concretamente apurada, mas numa 4.ª feira do mês de Agosto de 2021, quando se encontravam no restaurante “Quinta ...”, o arguido dirigiu-se à criança e disse-lhe: “ou me chamas pai ou levanto-me e bato-te.”

74. Em data não concretamente apurada, entre 2020 e 2021, quando estava o arguido e a criança no parque, o mesmo disse-lhe: “Ó CC tu estás gorda”,

75. No dia seguinte, quando se encontravam numa pastelaria em ..., tendo a criança pedido um bolo ao arguido, este disse-lhe: “não devias comer bolos porque estás gorda”.

76. No dia 26 de Janeiro de 2022, após deslocação ao tribunal, em sede de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, deduzido pela assistente, o arguido foi buscar a criança às 19:35h, a casa dos avós maternos e após, deslocaram-se a um restaurante em ..., ..., e durante a refeição, o mesmo disse à criança que se estava a portar mal, e a continuar assim, iria metê-la num colégio interno e que durante a semana não iria ver a mãe.

77. No fim da refeição, o arguido levantou-se, foi pagar a conta e saiu do restaurante, deixando a criança, sentada na mesa, sozinha, sendo que esta, preocupada pelo facto de não ver o pai, começou a procurá-lo, e, como não o encontrou, saíu do restaurante e verificou que o mesmo se encontrava no exterior.

78. Após tal, o arguido entrou no carro e arrancou de imediato, não esperando que a criança colocasse o seu cinto de segurança, e, nesse instante, o arguido fez uma travagem brusca, fazendo com que CC batesse com a cabeça no banco.

79. Como consequência da conduta do arguido a haste esquerda dos óculos ficou partida, o que originou que a criança ficasse impossibilitada de os utilizar, e que no dia seguinte tivesse de ir para a escola sem os mesmos, bem como sofreu dores e lesões nas zonas atingidas, e deitou sangue pelo nariz.

80. Após o dia 26 de Janeiro de 2022, num fim-de-semana em que a criança se encontrava na residência do pai, na casa do mesmo, na varanda, o arguido deu palmadas à criança, na zona das nádegas e das costas, ao que a mesma começou a chorar.

81. Por força da conduta do arguido a criança ficou com marcas nas nádegas e nas costas e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nessas zonas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

82. No dia 09 de Fevereiro de 2022, pelas 20:30 horas, quando a criança foi a casa do pai, em virtude da mesma não lhe ter dado uma fita-cola, o arguido deu-lhe um puxão de orelhas, bem como lhe agarrou o cabelo,

83. Por força da conduta do arguido a criança ficou com marcas no corpo e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nessas zonas, e chorou.

84. No dia 13 de Fevereiro de 2022, pelas 20:30 horas, quando a criança foi a casa do pai, o arguido bateu-lhe com várias palmadas nas nádegas, e não lhe deu almoço nem lanche, ficando a mesma triste e rouca de tanto chorar.

85. Consequência da conduta do arguido descrita em 84. a criança ficou com marcas nas nádegas e sofreu directa e necessariamente dores e lesões nas zonas atingidas, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

86. No dia 16 de Março de 2022, quando a criança foi a casa do pai, entre as 19:30h e as 20:30h o arguido bateu à criança no rosto e na sobrancelha esquerda, com umas fitas que têm um componente de arame e plástico, fitas essas que se encontravam na porta de entrada de casa do arguido, a qual dá acesso à cozinha, e que se destinavam a evitar que entrem insetos em casa.

87. Em consequência da conduta do arguido a criança teve dores e lesões, nomeadamente equimose avermelhada na face lateral da região supraciliar à esquerda;

88. Tais lesões demandaram-lhe um período de 8 (oito) dias de doença.

89. Em data não concretamente apurada, após 30 de Novembro de 2020, quando o arguido e a assistente estavam separados, mais que uma vez, a criança ia no banco de trás, no carro com o arguido, e este deu-lhe sapatadas na perna.

90. Por força da conduta do arguido a criança ficou com marcas na perna e sofreu directa e necessariamente dores e lesões na zona atingida, nomeadamente hematomas ou pisaduras.

91. Em data não concretamente apurada, após 30 de Novembro de 2020, quando o arguido e a assistente estavam separados, e o arguido estava sozinho no carro com a sua filha, e tinha acabado de a ir buscar a casa dos avós maternos, disse à criança: “Ó CC, quando alguém te perguntar se tu…. O que é que o teu pai era, tu vais responder assim, o meu pai é maravilhoso, fantástico, super divertido…”

92. No dia 17 de Março de 2022, na casa dos avós maternos, onde residia, a criança, sita na Rua ..., em ..., ..., sabendo que se estava a aproximar o sábado, dia de ir ver o pai, CC começou a chorar e a revirar e torcer os olhos.

93. Na noite de 15 de Março de 2022, na casa dos avós maternos, onde residia a criança, esta urinou na cama por se aproximar o dia de ir para o pai;

94. Na noite de 16 de Março de 2022, na casa dos avós maternos, onde residia a criança, esta urinou na cama por se aproximar o dia de ir para o pai;

95. Na noite de 17 de Março de 2022, na casa dos avós maternos, onde residia a criança, esta urinou na cama por se aproximar o dia de ir para o pai;

96. No dia 23 de Março de 2022, quando o arguido foi buscar a sua filha a casa da mãe para consigo jantar, por volta das 19:20h, e já dentro do carro, o arguido referiu à criança que a mesma cheirava mal e que a casa dos avós maternos, onde a mesma actualmente reside, cheirava mal e era uma merda.

97. Mais lhe referiu o arguido que a mãe, o Dr. DD e os avós maternos não valiam nada e eram uma merda.

98. Consequência da conduta do arguido descrita em 96. e 97, a criança sentiu-se triste e chorou.

99. Ainda no dia 23 de Março de 2022, no interior do veículo, o arguido questionou a criança se a mesma tinha lavado os dentes e, ao responder que não, o arguido disse-lhe que iam ao médico para ver a sua língua, a boca e os olhos, visto que os andava a utilizar para mentir pois tinha dito à Directora de Turma que o arguido lhe bateu com as fitas na cara e nos olhos, e que tal era mentira.

100. Enquanto proferia tais palavras, o arguido levou a criança com o carro para um sítio ermo, e a mesma começou a chorar e teve medo.

101. Após o arguido continuou a andar com o carro e a travar a pé fundo, voltando a andar e a travar novamente, e depois olhou para trás para ver a cara da criança e disse-lhe que queria ver os olhos da mesma, sendo que a criança chorava continuamente.

102. Após tal, o arguido dirigiu-se com a criança a um restaurante e, quando parou o carro, agarrou o braço e puxou o casaco da mesma.

103. No dia 13 de Julho de 2022 a criança foi jantar com o pai, a casa deste, e antes das 20:30h o arguido chamou-a para jantar pois esta encontrava-se no exterior da habitação a brincar e, uma vez que não foi de imediato para dentro, o arguido foi ter com a criança e calcou-a, mais que uma vez, puxou-a pelos braços, e arrastou-a pelo chão, e ainda lhe bateu no braço com uma toalha molhada enrolada.

104. A criança, a chorar, pediu para o arguido parar, mas o mesmo não parou.

105. Após, o arguido puxou e arrastou a criança para dentro de casa, pelos paralelos aí existentes, e, como a mesma se encontrava de chinelos estes saíram, e o pé raspou no chão.

106. A criança chorou e o arguido largou-a, mas imediatamente após calcou-a no seu pé.

107. Como a criança chorava cada vez mais, o arguido disse-lhe: “ estás a chorar só por causa de mimo, pára de chorar”.

108. Por força da conduta do arguido a criança sofreu dores e ferimentos, nomeadamente traumatismo do membro inferior direito com cicatriz ténue, nacarada, com 1cm por 0,5cm na face anterior do tornozelo e membros superiores e teve de se deslocar ao hospital.

109. Tais lesões demandaram-lhe um período de 9 (nove) dias de doença.

110. Em consequência dos factos supra descritos praticados pelo arguido, a criança tem receio do pai, não quer estabelecer qualquer tipo de visitas ao mesmo, nem estabelecer quaisquer contactos.

111. Consequência dos factos supra descritos praticados pelo arguido, a criança careceu de acompanhamento por um pedopsiquiatra, e teve necessidade de fazer medicação, pelo menos enquanto vigoraram os convívios com o progenitor.

112. Em virtude dos factos supra mencionados praticados pelo arguido, a criança apresenta desde 2017 episódios de enurese nocturna, os quais sucedem nas vésperas de ir para casa do pai e imediatamente a seguir às visitas;

113. Desde 05/04/2022 a enurese nocturna da criança passou de uma situação com alguma regularidade semanal para diária.

114. Em consequência dos episódios descritos supra, referentes ao ano de 2022, a criança passou a ter medo extremo, vómitos, febre, níveis de ansiedade mais elevados, manifestação de comportamentos fóbico.

115. Na sequência do episódio descrito em 103 a 107, a criança não mais quer ir às visitas com o pai, e começou a revirou os olhos, a enrolar as mãos, ficando alguns instantes sem falar, sendo que por tais manifestações, o pedopsiquiatra da mesma receitou-lhe “xanax”.

116. Em consequência dos factos descritos em 103 a 107 a criança apresenta um quadro frequente de diarreia, cefaleias e tonturas, que se agravaram, e descontrolo da ansiedade, bem como, agravamento da enurese nocturna, não obstante a medicação que lhe é administrada para esse efeito.

117. A médica de família que segue a criança, em face do seu quadro clínico, aconselhou a suspensão temporária de visitas ao arguido;

118. Assim é que, em 27 de Julho 2022, no processo de promoção e protecção n.º ... a correr termos no Juízo de Família e Crianças de Paredes ..., foi determinada a suspensão do regime de visitas ao arguido, e fixou-se um regime de visitas supervisionado a decorrer no espaço família.

119. A primeira visita no espaço família, ocorreu no dia 29 de Agosto de 2022, das 17:30h às 17:50h sendo que a criança, urinou-se nesse espaço de tempo, tendo a técnica telefonado à mãe da criança para ir buscá-la pois estava desconfortável e nervosa com a presença do arguido.

120. No dia 09 de Setembro de 2022 deu-se a segunda visita, e a criança entrou bem, mas saíu da mesma com os olhos lacrimejantes, face do rosto vermelha e toda urinada, bem como com dores de barriga;

121. No dia seguinte, 10 de Setembro de 2022, a criança teve de se deslocar ao hospital por estar com incontinência urinaria e vulvovaginite.

122. Desde que se iniciaram as visitas ao arguido no espaço família os episódios de incontinência urinária da criança pioraram, e quando está com o pai nas visitas as dores de barriga e de cabeça agravaram-se, sendo a mesma medicada com Alprazolam / xanax, previamente às referidas visitas.

123. A criança sempre se manifestou contra todas as visitas ao pai, sendo que, em quatro vezes no espaço família, recusou-se mesmo a entrar na sala onde o arguido se encontrava e ficou no corredor, e desde o dia 09/09/2022 que recusa estar com o pai;

124. No dia 11/11/2022 pelas 18:37h, a criança teve de se deslocar ao hospital pois estava com dor abdominal e recusa em falar, falando apenas com gestos, e quando a médica a questionou, se a causa de estar bloqueada é o facto de a obrigarem a fazer as visitas ao pai, a mesma acenou que sim com a cabeça.

125. A criança foi diagnosticada com perturbação e ansiedade, motivada pela conduta do arguido;

126. No dia 2/12/2022 pelas 19:01h a criança foi novamente ao Hospital com cefaleia e dor abdominal, e com outro episódio em que revirava os olhos e enrolava as mãos, tendo-lhe sido efectuado o diagnostico de estado de ansiedade.

127. Tudo isto sucede sempre que é obrigada a estar com o arguido, e nos dias que antecedem essas visitas, e nos imediatamente a seguir.

128. Quando a criança compareceu no Espaço Família, nos dias 29/08/2022 e 09/09/2022, a mesma chegou bem-disposta mas, com o aproximar-se do arguido começou a apresentar sinais de ansiedade e nervosismo, e durante os convívios recusou o contacto ocular aproximação e contacto físico com o progenitor bem como qualquer tipo de diálogo com o mesmo.

129. Nesses momentos a criança posicionou-se sempre de costas ou de lado com o arguido, a contorcer as mãos, a revirar os olhos e sempre a perguntar as horas aos técnicos, e quando terminavam as visitas, a criança saía da sala sem se despedir do arguido.

130. Em todas as visitas que tiveram lugar no espaço família a criança teve episódios de enurese;

131. Por decisão judicial proferida em 09/01/2023, suspenderam-se os convívios da criança com o progenitor.

132. Desde que foram suspensas as visitas e contactos ao arguido a criança nunca mais sofreu nenhum episódio de enurese.

133. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente com o propósito concretizado de maltratar física e psicologicamente a assistente BB, sua mulher, causando-lhe dores e sofrimento, medo e inquietação e lesando-a e limitando-a na sua liberdade e na sua dignidade pessoal e honorabilidade,

134. Bem sabendo que atenta a especial relação que mantiveram a devia tratar com respeito e consideração e não agredi-la psicologicamente ou menosprezá-la como fez.

135. O arguido não se inibiu de praticar os factos supra descritos no interior do domicílio comum do casal contra a sua esposa, bem sabendo que tal ampliava o sentimento de receio da mesma, visto violar o espaço reservado da sua vida privada, bem sabendo, aliás, que ao praticar os factos na residência, na ausência de outras pessoas, impunha a superioridade física e o ascendente que detinha sobre a vítima com maior premência, ao privá-la do recurso do auxílio de terceiros.

136. Sabia que as expressões que lhe dirigiu eram idóneas a lesá-la no seu bom nome e consideração e, ainda, eram aptas a constrangê-la na sua liberdade e tranquilidade, o que quis.

137. Revelou, outrossim, desprezo e desconsideração pela ofendida, o que quis que a mesma sentisse, fazendo-a sentir-se inferiorizada em relação a si, controlando-a.

138. O arguido sabia que a sua conduta era apta a molestar o corpo de BB e, não obstante, quis agir da forma por que o fez, com o propósito de alcançar tal resultado, o que conseguiu, bem sabendo que a sua conduta era apta a causar-lhe dores e as lesões supra descritas, bem como medo, receio e inquietação, como efectivamente causou, fazendo crer a BB que está disposto a atingir a sua vida e integridade física, resultado que representou e quis.

139. Com as condutas adoptadas, quis o arguido causar inquietação à assistente BB, pretendendo que a mesma se sentisse humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu.

140. Com a conduta do arguido, BB sentiu vergonha e humilhação, e ainda medo e ansiedade de que AA pudesse e possa atentar contra a sua integridade física e vida e de terceiros, vivendo constrangida na sua liberdade.

141. Com o facto descrito em 16. o arguido quis como conseguiu invadir a esfera de privacidade da assistente.

142. Ao proferir as palavras que proferiu a BB, o arguido quis e conseguiu provocar danos na integridade psicológica e emocional da mesma, e tinha noção de que lhe dirigia expressões que a humilhavam e diminuíam na sua dignidade pessoal, o que quis e conseguiu.

143. O arguido, ameaçando BB pela forma supra mencionada, dado o teor e a forma como aqueles anúncios foram proferidos, e o contexto em que os proferiu, fez com que aquela sentisse um profundo e justificado receio pela sua vida e integridade física, receando que o arguido concretizasse os males que expressamente lhe anunciou e que ficasse sem a sua filha.

144. Logrou, com todas estas condutas subjugar BB, coisificá-la, intimidá-la, e vexá-la, diminuindo-a e afectando a sua dignidade enquanto pessoa.

145. Com as condutas supra o arguido agiu com o propósito concretizado de manter relações sexuais de cópula vaginal com a assistente, bem sabendo que o fazia contra a vontade desta, ofendendo-a sexualmente, e de que violava o direito de BB à sua liberdade sexual.

146. A assistente sofreu os actos sexuais atrás descritos contra a sua vontade, porquanto o arguido usou da sua força física, colocando-a na impossibilidade de oferecer resistência.

147. Por força da conduta sofreu, directa e necessariamente, dores e lesões nas zonas afectadas.

148. O arguido pretendeu, como consegui, obrigar a assistente a permanecer na residência do casal após tais actos, fechando no interior, e causando tal medo na assistente que este não tomou qualquer atitude que lhe permitisse sair de casa ou contar a alguém o que lhe estava a acontecer, sendo que foi contra a sua vontade que aí permaneceu até ao dia seguinte.

149. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o intuito de privar da liberdade a assistente bem sabendo que actuava contra a vontade da assistente, agindo com o intuito de submeter a mesma às suas vontades, mediante ameaça à vida e integridade física da assistente e da sua filha, bem como ameaçando-a de que ficava sem a sua filha.

150. O arguido praticou as condutas supra descritas com o propósito concretizado de perturbar a ofendida na sua liberdade de ação e decisão, o que logrou, bem sabendo que a sua conduta era apta a restringir os seus movimentos e a causar-lhe sentimentos de medo e inquietação.

151. O arguido agiu, igualmente, de forma livre, voluntária e consciente com o propósito concretizado de maltratar física e psicologicamente CC, sua filha, criança de idade, causando-lhe dores e sofrimento, medo e inquietação e lesando-a e limitando-a na sua liberdade e na sua dignidade pessoal e honorabilidade.

152. O arguido não se inibiu de praticar os factos supra descritos no interior do domicílio comum, contra a sua filha, bem sabendo que tal ampliava o sentimento de receio da mesma, visto violar o espaço reservado da sua vida privada, e bem sabendo que, como pai devia proteger a criança, agindo a cobro de um sentimento de impunidade, usando como justificação perante a criança o poder de educação que a relação de parentesco lhe proporcionava, aproveitando-se desse seu ascendente sobre a criança, o que ampliava também o sentimento de receio da mesma, exercendo sobre esta um sentimento de medo, inquietação, insegurança, lesando a sua integridade física e psicológica, o que quis e conseguiu.

153. Tudo com o objectivo de manter CC sob o seu domínio, na medida em que, num contexto de tensão e violência iminente, esta acabou por viver submergidas pela ansiedade e pelo medo.

154. Bem sabia o arguido que devia particular respeito e consideração a CC enquanto sua filha, violando o dever de guardá-la e cuidá-la e antes se tendo, como o pretendeu, constituído como uma fonte de medo e doença mental sobre a criança.

155. O arguido sabia que a sua conduta era apta a molestar o corpo de CC e, não obstante, quis agir da forma por que o fez, com o propósito de alcançar tal resultado, o que conseguiu, bem sabendo que a sua conduta era apta a causar-lhe dores e as lesões supra descritas, bem como medo, receio e inquietação, como efectivamente causou, fazendo crer a CC que está disposto a atingir a sua vida e integridade física, resultado que representou e quis.

156. Com as condutas adoptadas, quis o arguido causar inquietação a CC, pretendendo que a mesma se sentisse humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem-estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu.

157. Com a conduta do arguido, CC sentiu vergonha e humilhação, e ainda medo e ansiedade de que AA pudesse e possa atentar contra a sua integridade física e vida e de terceiros, vivendo constrangida na sua liberdade.

158. Ao proferir as palavras que proferiu a CC, o arguido quis e conseguiu provocar danos na integridade psicológica e emocional da mesma, e tinha noção de que lhe dirigia expressões que a humilhavam e diminuíam na sua dignidade pessoal, o que quis e conseguiu.

159. O arguido, ameaçando CC pela forma supra mencionada, dado o teor e a forma como aqueles anúncios foram proferidos, e o contexto em que os proferiu, fez com que aquela sentisse um profundo e justificado receio pela sua vida e integridade física, receando que o arguido concretizasse os males que expressamente lhe anunciou e que ficasse sem a sua mãe.

160. As condutas supra descritas do arguido acarretaram danos físicos e psicológicos a CC, provocando-lhe estados de nervos constante, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes, e sentimentos de sujeição aos humores do arguido, e necessidade de toma de medicação, e ainda incontinência urinária, dores de barriga e cabeça, recusa em falar, perturbação e ansiedade, enurese.

161. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

162 Em consequência dos factos descritos em 24 a 26 a Demandante BB sofreu uma depressão e passou a ser acompanhada em psiquiatria no Hospital ..., no período de 29.11.2017 a 01.06.2018, bem como passou a ter de tomar medicação e ainda a ser seguida com apoio especializado.

Do PIC

163. Na sequência dos factos supra-descritos a Demandante teve necessidade de se socorrer de consultas da especialidade de psicologia, nos seguintes dias:

11.01.2021 e na qual despendeu o montante de 75,00€

18.01.2021 e na qual despendeu i montante de 75,00€

03.02.201 e na qual despendeu o montante de 75,00€

16.02.2021 e na qual despendeu o montante de 75,00€;

02.03.2021 e na qual despendeu o montante de 75,00€

02.07.2021 e na qual despendeu o montante de 100,00€

21.09.2021 e na qual despendeu o montante de 85,00€

29.09.2021 e na qual despendeu o montante de 80,00€

21.10.2021 e na qual despendeu o montante de 80,00€

28.10.2021 e na qual despendeu o montante de 80,00€

07.02.2022 na qual despendeu o montante de 80,00€

31.03.2022 na qual despendeu o montante de 80,00€;

03.05.2022 na qual despendeu o montante de 80,00€

22.03.2023, na qual despendeu 40,00€

05.04.2023, na qual despendeu 35,00€

26.04.2023, na qual despendeu 35,00€

18.05.2023, na qual despendeu 35,00€

14.06.2023, na qual despendeu 35,00€

19.07.2023 na qual despendeu 35,00€

164. Despendeu com as respetivas deslocações, de sua casa para o local das consultas, em ..., e destas para casa, num montante de 24,82€, correspondente a cada ida e volta, e no total de 322,66€;

165. As consultas que a Demandante teve na Faculdade de Psicologia da Universidade... foram-no por imposição judicial no processo de promoção e proteção que ainda corre termos sob o Processo nº ..., no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Família e Menores ....

166. Ao abrigo do Estatuto de Vítima a Demandante já havia agendado consulta com o Psicólogo Dr. DD, o qual a acompanha, sendo que no início as consultas tinham uma periodicidade quinzenal, tendo passado posteriormente a ter uma periodicidade mensal, sendo previsível que a alta clínica venha a ocorrer até um ano após o encerramento do presente processo crime, conforme se extrai de relatório emitido pelo supra- identificado psicólogo clínico e datado de 20.11.2023.

167. Neste âmbito a Demandante teve consulta com o Dr. DD nos dias 08.06.2022, 23.06.2022, 04.07.2022, 26.07.2022, 16.08.2022 e 06.09.2022

168. Na deslocação para estas consultas a Demandante despendeu o valor unitário de 8.17€ por cada ida, e 8,17€ por cada volta, num total de 16,34€ por cada consulta e em todas o montante de 98,04€

169. A Demandante começou a frequentar consultas na Faculdade de Psicologia da Universidade..., no âmbito do Processo nº ..., no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Família e Menores ....

170. Findas estas, irá a demandante retomar as consultas com o Dr. DD, com regularidade mensal, sendo expectável que as mesmas perdurem durante um ano após o termo do presente processo crime.

171. Na sequência da depressão que a vitimou, causada pelos episódios de violência doméstica de que foi vitima a Assistente teve necessidade de ser medicada e despender dinheiro com a aquisição dos medicamentos

a) tendo despendido em 07 de maio de 2022 a quantia de 2,78€

b) Em 20.12.2021 despendeu a quantia de 14,15€ com medicação para dormir.

c) Em junho de 2022 despendeu a quantia de 15,55€ com aquisição de medicação para dormir.

d) Em 28 de fevereiro de 2021 despendeu a quantia de 36,51€ com a aquisição de antidepressivos.

e) Em 15 de outubro de 2021 despendeu a quantia de 14,15€ com a aquisição de medicação para dormir

f) Em 21 de fevereiro de 2022 despendeu a quantia de 12,80€ com a aquisição de medicação para dormir.

g) Em 01 de setembro de 2021 despendeu a quantia de 0,86€ com antidepressivos.

h) Em 31.12.2020 em anti depressivos e ansiolíticos despendeu a quantia de3,48€.

172. A Demandante despendeu a quantia de 100,28€, até à presente data em medicação para a ansiedade e depressão, bem como para dormir.

173. Ao longo dos anos a Demandante sempre que era vitima de violência doméstica, bem como violada, para além das dores físicas, a mesma sentia-se usada, humilhada, vexada, diminuída, envergonhada, frustrada, com medo, triste, desesperada.

175. Porquanto não tinha forças para se queixar, e por outro lado, tinha medo das consequências de apresentar a respetiva queixa crime.

175. A vida da Demandante resumia-se a trabalhar, cuidar da filha e dormir,

176. Sem que houvesse qualquer outra motivação externa que a trouxesse à vida e a motivasse para viver;

177. Os dias iam-se somando e a vida da Demandante ia-se esvaziando de interesse.

178. Enquanto, os episódios de violência doméstica se somavam e consequentemente repetiam a Demandante BB sofreu prejuízo patrimonial consubstanciado na aquisição de medicação e no pagamento de consultas médicas e de psicologia e em deslocações para as mesmas.

179. A Demandante era uma pessoa alegre, bem disposta, sociável e com espirito de iniciativa, fortemente motivada para os resultados e proativa,

180. Gostava de se arranjar e tinha uma vida profissional e social ativa

181. Na sequência dos episódios de violência doméstica, a Demandante ficou deprimida, passou a isolar-se, passou a ter noites em claro, passou a não ter vontade de viver e deixou de ter interesse em arranjar-se, e começou a desleixar a sua imagem.

182. Porquanto não sentia vontade de continuar a viver;

183. Em virtude disso perdeu o ânimo, o orgulho e o preenchimento intelectual e emocional, sentindo-se discriminada e envergonhada

184. O Demandado só cessou a sua conduta em relação à Demandante BB, após esta ter sido obrigada a sair daquela que também era a sua casa de família, juntamente com a filha de ambos

185. Em consequência dos episódios descritos supra em 113 e 144, referentes ao ano de 2022, a Demandante CC passou a ter medo extremo, vómitos, febre, níveis de ansiedade mais elevados, manifestação de comportamentos fóbicos.

186. Na consequência do episódio descrito, relativos à enurese ter passado a ser diária, a criança não mais quer ir às visitas com o pai, e começou a revirar os olhos, a enrolar as mãos, ficando alguns instantes sem falar, sendo que por tais manifestações, o pedopsiquiatra da mesma receitou-lhe “xanax”.

187. O designado por genérico “Alprazolam”, o qual pertence à classe das benzodiazepinas e que a mesma teve que tomar para estar presente, com menos desconforto, aquando das visitas ao Pai, aqui Demandado, e que não obstante a respetiva toma, não evitava que a mesma “se urinasse na presença do pai”.

188. Na sequência, e como consequência dos factos supra descritos a criança apresenta um quadro frequente de diarreia, cafaleias e tonturas, que se agravavam sempre que via o Demandado, com consequente descontrolo da ansiedade, bem como, agravamento da enurese noturna, não obstante a medicação que lhe era administrada para esse efeito

189. Atendendo ao comportamento do Demandado a menor CC viu-se obrigada a ter acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

190. Tendo para o efeito, passado a ser acompanhada em pedopsiquiatria no Hospital ..., aonde se deslocou e deslocará com a aqui sua mãe e Demandante BB, sempre que as consultas forem marcadas.

191. Neste seguimento, foram efetuadas as seguintes consultas na especialidade de pedopsiquatria:

1 - 05-04-2022

2 – 28.06.2022

3 – 06.09.2022

4 – 14.12.2022

5 – 06.03.2023

6 – 30.05.2023

7 – 15.07.2022

8 – 07.09.2023

9 – 18.11.2022

10 – 23.12.2022

11 – 02.06.2023

192. Em cada uma das deslocações a Braga a Demandante BB despendeu em combustível e gasóleo o montante de 21,18€ de casa ao Hospital e outro tanto do Hospital para casa, o que perfaz em cada vez ao hospital o montante de 42,36€, montante que multiplicado por 11 idas e 11 regressos, totaliza o montante de 465,96€

193. A menor CC vai continuar a ser acompanhada no referido hospital nas especialidades de pedopsiquiatria e ainda na especialidade de pediatria, encontrando-se agendadas já duas consultas para o ano de 2024.

194. Acrescem ainda as despesas medicamentosas da CC pagas pela Demandante BB, e por esta suportadas na proporção da respetiva metade, a saber:

1 – fatura 08.09.2021 – montante correspondente a ½ do Valdispert – 11,40€/2= 5,70€

2 - fatura de 22.09.2021 – montante correspondente a ½ de 0,34€ = 0,17€

3 – fatura de 29.09.2021 – montante correspondente a ½ de 1,13€ - 0,565€

4 – fatura de 13.02.2022 – montante correspondente a ½ de 10,37€ - 5,19€;

5 – fatura de 25.03.2022 – montante correspondente a 7,81€ (Alprazolam 0,5mg+e zoloft) a ½ – 3,90€

6 – fatura de 04.06.2022 – montante correspondente a ½ de 4,00€ - 2,00€;

7 – fatura de 19.07.2022 – montante correspondente a ½ de 3,75€ - 1,88€;

8 – fatura de 07.10.2022 – montante correspondente a ½ de 6,97€ - 3,48€;

9 – fatura de 05.11.2022 – montante correspondente a ½ de 4,85€ - 2,42€;

10 – fatura de 28.12.2022 – montante correspondente a ½ de 10,52€ - 5,26€

num total de 30,57€

195. Na decorrência dos episódios de enurese a criança teve que ser medicada com Minerin, o qual não importou qualquer custo, uma vez que foi comparticipado a 100%

196. Como consequência direta, adequada e necessária da conduta do Demandado a Demandante CC sentiu-se triste, assustada, confusa, angustiada, com medo e humilhada, com dores e doente, tendo-lhe a conduta do Demandado provocado um forte abalo físico e psíquico.

197. A Resolução do quadro que esta apresente irá demorar aproximadamente 10 (dez) anos de psicoterapia.

2.2 – Matéria de facto não provada:

1. A Demandante BB teve consulta com o Dr. DD nos dias 08.06.2022, 23.06.2022, 04.07.2022, 26.07.2022, 16.08.2022 e 06.09.2022 sendo o custo com as referidas consultas a suportar pela Demandante corresponde a 60,00€/consulta, num total de 360,00€. »

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«2.3 – Motivação da decisão de facto:

O Tribunal fundou a sua convicção através da analise critica à prova produzida em sede de audiência de julgamento e prova documental junta aos autos sendo os relatórios da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, fls. 68 a 70 do apenso B e fls. 136 a 139 verso, do volume II, relatórios da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, fls.321 a 322 verso, relatórios da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, fls. 864 a 866 e 1104 e 1106, relatório de perícia médico-legal de psiquiatria da infância e da adolescência de fls. 171 a 175 verso e 220 a 224 e 385 a 392, relatório de avaliação psicologia forense fls. 399 a 419 volume III;, relatório de perícia médico-legal de psicologia de fls. 582 a 598 verso; - relatório de perícia médico-legal de psicologia de fls 699 a 710, Auto de notícia de fls. 3 e 4, 77 a 79 do apenso B, Auto de notícia de fls. 3 a 6 e aditamento de fls. 57 verso a 59 e 87 a 89 do volume II, Relatório fotográfico de fls. 15 e 15 verso do apenso B, e fls. 13 frente e verso do volume II, Assento de nascimento de fls. 20 e 21, 22 e 23, 24 e 25 do apenso B e fls. 27 a 36 do volume, fotografias de fls. 38 e 39 do apenso B e de fls. 1045 e 1048 do volume V, transcrição das declarações para memória futura da criança CC, fls. 233 informação do processo n.º 2368/20.3T8PRD-B, fls. 374 a 382, 420 a 424 e 426 a 428, do volume III, fotografias de fls. 512 a 521, 552, emails de fls. 522 e 526, atestado de doença de fls. 528 e 529, 553, 716, 722, 724, 725, 728, 729, 1068, 1151, atestado médico de fls. 727, 730, declaração de assistência à família fls. 733, recibos de farmácia fls. 530 e 531, 533, 535 a 537, 539 e 540, 542 a 544, 719, 721, 722, 723, 726, 730 verso, 731, 827 a 828, 837, prescrições médicas de fls. 532, 534, 538, 541, 545, 547, 554 a 557 716 verso, 720 verso, 725 verso, 830, 834, fls. 1047, declaração médica de fls. 546, 732 verso, 734, agendamento de consulta de fls. 551, relatório de informação clínica de fls. 558 a 561, nota de alta fls. 717 a 718, 823 e 824, 878, 879, acórdão de fls. 797 a 815 e 1001 a 1038, acta de audição com acordo de promoção e protecção fls. 852 a 856, acta de audição processo de promoção e protecção fls. 1177, carta de fls. 816, informação de acompanhamento psicológico de fls. 817, diário clínico fls. 1046, 1144, informação hospitalar de fls. 1148 a 1149.

No que concerne aos pedos de indemnização civil atendeu o Tribunal aos 58 documentos juntos com o pedido das demandantes civis que demonstram quer as despesas que já suportaram as demandantes em consultas e deslocações, quer demonstram o período de previsibiliade que a menor CC terá necessidade de consultas até terminar o período de resolução do quadro que a menor apresenta de aproximadamente 10 (dez) anos de psicoterapia e um a dois ano (após termos destes autos) para a Demandante BB-cfr. doc. nº 58 e 21 respetivamente juntos com o PIC.

O Tribunal atendeu ás declarações para memória futura das ofendidas CC, prestadas em 27 de Abril de 2021, em 10 de Maio de 2022, e em 17 de Janeiro de 2023 e BB, prestadas em 10 de Maio de 2022 de fls. 183 a 184, 269 a 350 e que corroboram a matéria vertida na acusação acrescido do facto de serem circunstanciadas cronologicamente com uma narração coerente e espontânea da vivencia que tiveram com o arguido .

A ofendida BB, ex-conjuge do arguido, declarou que foi vítima de ofensas sexuais/violação por parte do arguido, ocorridas entre os anos de 2016 e 2020, e descritas na acusação.

Esta declarou que durante a execução de tais ofensas pelo arguido, verbalizou várias vezes que este a estava a magoar, que lhe causava dor, mas o mesmo sempre se mostrou indiferente a tal, concretizando os seus intentos.

A ofendida declarou que quanto mais resistia, mais se sentia magoada fisicamente considerando a força que o arguido exercia no seu corpo.

Declarou que chorava durante a execução de tais ofensas e que na primeira vez em que foi vítima de tais ofensas, decidiu sair de casa, mas foi impedida pelo arguido, que com vista a obstar a que a ofendida saísse de casa escondeu as chaves, logrando concretizar os seus intentos.

Declarou que no dia seguinte, foi para casa dos pais onde esteve cerca de 3 a 4 semanas, e levou consigo a filha de ambos.

Não duvidamos que o tenha feito não só pela credibilidade que concedemos a tais declarações mas também pelos depoimentos dos pais da ofendida, que, entre o mais, disseram que a filha recorreu várias vezes à casa de ambos derivado do comportamento do arguido, pese embora desconhecessem nessa altura que a filha fosse vítima de ofensas sexuais, o que bem se compreende atenta a natureza dos factos.

Acresce que também a testemunha Dr. DD, psicólogo e psicoterapeuta que acompanhou a assistente em consultas disse que ela relatou tais episódios e pelo “tremor das mãos, pelo choro”, pela sua experiência profissional reputa-as como verdadeiras ou então teria de ser muito boa actriz a assistente.

A assistente declarou que no ano de 2017, após outro episódio de ofensas sexuais, nos mesmos termos já descritos, contactou a APAV como resulta de prova documental nesse sentido (cf. fls. 948 do 4.º volume), e fotografias com lesões no corpo da ofendida (fls. 18,19 e 21 do volume 1, apenso A).

Declarou que chegou a dizer ao arguido que ia apresentar queixa contra o mesmo, e que este a ameaçava, dizendo que a destruía, que ela era uma desequilibrada e que ninguém ia acreditar nela.

Estas circunstâncias a jusante da depressão que a mesma vivia nessa altura, a qual se terá iniciado no ano de 2017, estado de saúde que se encontra documentado nos autos, que foi descrito pela testemunha profissional que acompanhou a assistente), explica no entender da mesma o porquê de ter apresentado queixa dos factos ocorridos desde 2016 somente em novembro de 2020, sendo que em Agosto ou Setembro deste mesmo ano pediu o divórcio ao arguido, situação que apesar de não ser natural e dada a complexidade emocional em que se traduzem as vivências desta natureza, em consequência das ofensas sexuais, físicas e psicológicas do arguido, se compreendeu pois a ofendida acabou por perdoar o arguido e retomou o relacionamento.

Aliás como referiu a testemunha Dr. DD, psicólogo, a ofendida nas suas consultas revelava frustação pela falha do projecto família e como por vezes é a própria vitima que se sente culpada, esta acaba por dar outra oportunidade ao agressor, o que cremos que terá sucedido in casu.

Quanto às ofensas físicas referenciadas pelas ofendida estas ocorriam maioritariamente na decorrência das ofensas sexuais descritas na acusação, cujas marcas nos braços foram vistas em diferentes datas, pelos pais da assistente e por colegas de trabalho da assistente, entre os quais a testemunha da acusação EE.

A assistente descreveu o episodio em que o arguido a encostou a uma das paredes do domicílio comum, a agarrou no pescoço, e nestas circunstâncias a levantou no ar pela força que exercia no pescoço da assistente, situação que deixou marcas visíveis no corpo e que aqui foram descritas pelos pais da ofendida, comos sendo vermelhas e com os dedos marcados de ambos os lados do pescoço.

Nos autos o relatório fotográfico elaborado pela testemunha HH, pais da assistente BB, documentam o estado da vitima no qual são visíveis as marcas de agressões no pescoço, ocorridas em 30.11.2020, no domicílio comum, dia em que a assistente saiu de casa.

Quanto às ofensas psicológicas as mesmas concretizavam-se essencialmente quando o arguido apodava a ofendida de desequilibrada, ignorante, que ela estava gorda, burra, puta, vaca e que parecia uma puta, mas também quando mexia no seu telefone e carteira sem autorização da ofendida, quando a controlava no trabalho (se a ofendida não atendesse o telefone ao arguido, este perguntava o motivo pelo qual ela não atendeu, com quem ela estava), e quando não a deixava ir aos aniversários dos filhos das amigas.

Relativamente à vítima CC, a assistente BB declarou que viu o arguido ser agressivo com a mesma, referiu a situação em que a filha de ambos caiu no interior do domicílio comum do então casal, o arguido calcou-lhe o pé, ferindo-a, e que resulta de fls. 515 dos autos, referiu o episódio dos óculos ocorrido na casa dos pais da ofendida no São João, e presenciada pelos pais da ofendida (situação sobre a qual, de forma credível e naturalmente emotiva, depôs o pai da assistente a testemunha HH), o episódio em que o arguido se tranca num dos quartos do domicílio comum, deixando a filha sozinha nas restantes divisões da casa e que motivou com que esta com vista a estar com o pai impossibilitasse a abertura da fechadura.

Que a sua filha após a separação de facto chegava a casa com marcas no corpo e começava a chorar, salientou o episódio relacionado com a cadela da menor, situação ocorrida em 15.08.2021, e que foi descrita minuciosamente pela menor durante as declarações para memória futura, tendo o arguido agredido a filha no braço, marcando-a, fazendo-a sangrar, chorar, lesões documentadas a fls. 512 a 514 dos autos, confirmadas pela menor no decorrer das declarações que prestou.

É indiscutível que em 15.8.2021, a menor apresentava marcas no braço e antebraço (relatório fotográfico elaborado em 15.8.2021, fls. 15, 31, 38 e 39 do volume 1 apenso B). Perícia de 16.8.2021, fls. 68 a 70 volume 1 B, com lesões no membro superior direito e face externa do braço.

Mais é segura a ocorrência do episódio em que o arguido fez com a menor estragasse os óculos quando se encontrava no interior do veículo deste, devido à travagem brusca do arguido sem que a menor estivesse com o cinto de segurança colocado, e que fez com que esta batesse com a cabeça no banco do pendura e magoasse o nariz, acabando por sangrar.

Esta ocorrência foi relatada pela menor nas suas declarações para memória futura, que se referiu à situação como sendo a do restaurante em que o arguido deixa a filha sozinha no interior do restaurante, que saiu sozinha do restaurante e que viu o pai aqui arguido já no exterior, em que a mesma refere não ter colocado ainda o cinto quando o arguido arranca, que o mesmo aumentou a velocidade, travou bruscamente, bateu com a cabeça no banco da frente, o que fez com que abrisse a haste dos óculos, sangrasse do nariz e teve dores.

Durante as Declarações para memória futura a menor declarou de forma natural uma situação ocorrida no ano de 2021, em que o arguido, na casa deste, lhe bate com muita força em zona do corpo localizada acima dos glúteos, e que este comportamento do arguido foi apenas motivada pelo facto de a menor não se ter deslocado para junto dele quando a chamou para o piso de baixo (fls. 515). Mais descreveu a situação das fitas da porta de entrada da casa do arguido, em que este, agarrando um punhado das referidas fitas, bateu com as mesmas na cara da menor fotografia original de Fls 552, bem como quando o arguido disse à menor que ela cheirava mal, que a casa dos avós maternos cheirava mal, que a mãe, os avós e o DD eram uma merda, dizendo isto enquanto conduzia, parava e arrancava propositadamente, fazendo com que a menor chorasse e ficasse com medo que o arguido lhe batesse nas pernas enquanto conduzia pois já o tinha feito.

Referiu ainda a menor que o arguido dizia que ela estava gorda e chamou-a de gorda.

Relativamente aos factos praticados pelo arguido na pessoa da menor, é de salientar ainda a gravação sonora ouvida em sede de audiência, junta a fls. 991 dos autos (IV volume), durante a qual é percetível a menor a chorar incessantemente sem que o pai lograsse acalmá-la, confortá-la. Além da prova documental, as fotografias originais de fls. 512 a 521, 622 a 624 e 628 a 630 do volume 3 com referência à data de 30.11.2020, data em que a ofendida sai definitivamente de casa, fls. 1045, 1046 e 1048 do quarto volume, fls. 1736 do sexto volume, na qual se aflora que os convívios com o pai após a separação de facto eram negativos para a menor, fls. 378 do volume 2, com referência ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor e à data de 17.12.2020, da qual resulta que não deverão ocorrer pernoitas da menor com o pai a não ser que a menor o solicite.

Mais valoramos ainda os esclarecimentos adicionais prestadas pela ofendida BB em sede de julgamento quando questionada sobre a data em que ocorreu o ultimo episodio de violação face à duvida da real data em que ocorreram os factos face à duvida com que ficamos da leitura e audição das declarações para memória futura (e que visava apurar o eventual caducidade do direito de queixa de 6 meses).

Nesta sede a ofendida ainda esclareceu se recorda bem essas duas datas da violação pois a primeira foi em Maio de 2016 na altura de entregar o IRS e como foi difícil para ela trabalhar e em 2021 foi em julho pois foi quando após a violação decidiu pôr um ponto final e começar a tratar dos papeis do divórcio, como fez com a sua advogada.

A assistente BB teve um depoimento absolutamente isento e desinteressado e convincente e questionada se tinha algum relacionamento amoroso com a testemunha EE por serem essas as suspeitas do arguido a mesma esclareceu que não poderia ser dada a orientação sexual da testemunha EE que é homossexual e como tal são infundadas as motivações do arguido.

Mais esclareceu a assistente o seu percurso na sociedade A.... SA e como a sociedade foi constituída entre a familia do EE e a sua família que foi investidora e que a nosso ver estará na origem dos ciúmes do arguido que o arguido sentia e que estará na origem de um plano que o arguido imagina como tendo sido elaborado para o prejudicar, o que a nosso ver é fantasioso e que revela a personalidade obsessiva do arguido sem nunca aceitar que o problema esteja na sua pessoa, como se nos figura estar, e não noutros como o arguido invoca infundadamente.

Com efeito o arguido nunca aceitou a decisão do Tribunal de família que suspendeu as visitas à menor e culpa a assistente quando foi o Tribunal de família e menores que chegou a essa conclusão e ainda assim o arguido não a aceita.

O arguido revelou uma personalidade fria, calculista e controladora só falando em função dos seus interesses e quando entende ser conveniente, o que motivou que o Tribunal não tivesse valorado as suas declarações nem tao pouco a documentação desconexa junta pelo arguido que não sustenta minimamente a sua teoria de que a assistente seja ela a manipuladora e que o fez com intenção de obter enriquecimento ou prejudicar o seu relacionamento com a sua filha.

Cremos que o arguido apenas do seu comportamento se pode lamentar pois a rejeição da sua filha, se nos afigura que se deve ao comportamento que manteve com aquela bem como com a mãe desta que motivaram a repulsa da menor e mesmo o receio que a menor sentia e sente, e que é compreensivo face aos relatos que menor fez

O arguido pelo facto de ter agredido a menor várias vezes criou nesta um sentimento de receio, sendo que o comportamento do arguido não é normal de acordo com os padrões de educação e revela sim uma personalidade agressiva e controladora.

Terá sido essa personalidade agressiva e controladora que revelando um sentimento de “posse” sobre a assistente BB terá motivado os episódios de agressão sexual contra a vontade daquela, com o intuito de único de satisfazer a sua libido sexual.

Os depoimentos das assistentes foram confirmados pelas testemunhas desde logo pelos militares da GNR HH e II que se deslocaram à casa da assistente em Novembro de 2020 já quando o casal estava em processo de divórcio e relataram como o arguido ficou preso numa divisão da casa (por causa da menor que terá colocado um plástico na fechadura) e já nessa altura o arguido disse que achava que a menor estava ser manipulada pela mãe.

Os militares viram à noite quando a assistente apareceu no Posto as marcas no pescoço “vermelho vivo”, e que a assistente disse eu iria ficar em casa dos pais a partir dessa noite, ou seja, foi a noite da separação do casal.

Também a testemunha FF e JJ, pais da assistente que relataram varios episódios que presenciaram que corroboram as declarações das assistentes.

Disse o pai da assistente que a sua filha lhe confidenciou que foi forçada a ter relações sexuais contra a sua vontade o que revela a veracidade dos factos pois uma filha vê sempre nos pais o ultimo abrigo e é nele que revela os seus receios e as verdades e este caso é mais um que vem confirmar a regra dos pais serem os portos de abrigo dos filhos (que como qualquer regra sempre tem excepção, o que não é o caso).

A testemunha KK, técnica do ISS que supervisionou a visitas do arguido com a menor e relatou como esta ocorreu de forma negativa e como a menor começou a ter alterações comportamentos como enurese e que a menor teve necessidade de tomar medicação e que culminou com a suspensão das visitas.

Que a menor verbalizava que o “pai é mau, lhe batia e a magoou num pé etc…” e sempre dizia que não gostava do pai, o que é consentâneo com os factos que menor relatou para memória futura, bem como da sua mãe a assistente BB.

Também a testemunha EE com quem a assistente começou a trabalhar como contabilista e viria a ser convidada para constituir sociedade A... SA onde hoje trabalha, disse que viu hematomas nos braços e pescoço após 2020 mas também já antes viu marcas principalmente quando trazia roupas mais curtas, três vezes ou mais, e mesmo em 2017 acompanhou-a à APAV e nessa altura ela confidenciou-lhe que ele (arguido) a obrigou a ter ralações sexuais, o que revela que a assistente via naquele que viria a ser seu sócio uma proximidade e confiança de que o arguido se apercebeu e criou a conviçcão que eles teriam relação amorosa quando na realidade assim não sucede dado ser a testemunha Homossexual.

Também esta testemunha relatou que assistiu a dois episódios de agressividade com a menor CC sendo uma numa sua festa dos 40 anos onde viu o arguido trazer a menor por um braço a puxá-la até à mesa contrariada. Também relatou o episódio da ferida no pé de fls. 1045.

A testemunha LL, amiga de trabalho da assistente BB relatou como começou a trabalhar com esta em 2017 e como esta começou a ficar mais em “baixo” e uma vez viu uma marca num braço,

Depois ela foi-se abrindo e acabou por dizer que era vitima de violência domestica. Ela contou em 2018 que ela chegou a sair de casa mas voltou porque ele prometeu que não voltava a acontecer. Mais disse que não apresentou queixa pois ele ameaçava que ficaria com a menina.

Também esta testemunha viu as marcas da agressão de 2021 no pescoço.

A testemunha Dr DD, relatou que estava dispensado do sigilo profissional pela assistente e relatou como nas várias consultas trabalho com a ofendida BB estratégias para fomentou as visitas da filha CC com o arguido, e que a menor chegou mesmo a revoltar-se contra a mãe por csua das visitas, o que revela o empenho da assistente, tanto mais que as assistente chegaram verbalizar que a menor poderia ser retirada a ambos os progenitores, o que lhe causou receio e inquietação.

Mais disse que a sua paciente não evidenciava ter iniciado qualquer novo relacionamento (até Julho de 2024) e apresentava um quadro de vaginismo compatível com ocorrência de episódios sem o seu consentimento (que foram as violações, as quais apenas viria a relatar apenas mais tarde e que então sugeriu o acompanhamento pela Drª GG dado a sua figura masculina e que poderia ser entreve à terapia dada a possibilidade de projecção no terapeuta da figura masculina do abusador)

As testemunhas MM e NN, de relevo nada disseram.

Assim, e dada os relatórios periciais e fotografias juntas conjugados com os depoimentos das testemunhas que viram as lesões que a demandante e ofendida BB apresentava no dia em que saiu de casa em 2021 o Tribunal não ficou com duvida das lesões.

Quanto aos danos patrimoniais sofridos pela demandante BB atendemos aos doc.s 1 a 19 facturas das consultas no montante de 1.255,00€ ao qual acresce o que despendeu com as respetivas deslocações, de sua casa para o local das consultas, em ..., e destas para casa, num montante de 24,82€, correspondente a cada ida e volta, e no total de 322,66€ e ainda o valos das deslocações com as consultas com o Dr. DD no valor de de 98,04€e despesas com medicação no valor de 100,28€,o que perfaz o valor total de danos patrimoniais sofridos de 1775,98 €.

O factos não provados de que a demandante suportou 60,00€ em cada consulta com o Dr. DD resulta do facto de esta ter o estatuto de vitima e as consultas serem gratuitas como aquela testemunha referiu enquanto tiver este estatuto como resulta da declaração do médico no doc 21 da contestação, sendo que os danos patrimoniais futuros quando cessar tal estatuto serão a liquidar em execução de sentença.

Com efeito, no que concerne aos danos futuros quer da demandante BB quer da sua filha CC a existência do danos não oferecem dúvida ao Tribunal mas como se desconhece o respectivo quantum a condenação do demandado na obrigação de os indemnizar será relegada para momento posterior (artº 564º, nº 2 do CC e 609 nº 2 do CPC do Código Civil).

As declarações do arguido não se valoraram pois este revelou não aceitar a decisão do Tribunal de Familia nunca aceitando que o problema esteja nele mas sim na assistente, ou seja, o arguido tem uma visão unilateral e distorcida dos factos e sem capacidade de aceitar a decisão dos outros mesmo a de um Tribunal.

Por tal motivo dada a conjugação dos vários depoimentos das testemunhas que acabam por se complementar uns aos outros, acabamos por formar convicção segura dos factos relatados na acusação e que este assim acorreram, não se tendo valorado as declarações do arguido porque inconsistentes (v.g. nega as agressões mas não deu qualquer explicação para as lesões que as várias testemunhas presenciaram e que sem duvida a assistente BB sofreu).

Por tal razão, e dada a abundância da prova, demos por provados tais factos vertidos na acusação. »

c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«III – Enquadramento jurídico-penal

Do crime de Violência Doméstica

Apurados os factos, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.

Dispõe o art.º 152.º do CP na redacção introduzida pela Lei n.º 57/2021 de 16/08 que:

Artigo 152.º

Violência doméstica

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Inserido este preceito legal no capítulo III “Dos crimes contra a integridade física”, no âmbito dos crimes contra as pessoas, o bem jurídico que com ele se visa proteger não é apenas a integridade física, pois o próprio artigo alude a que é punido quem «infligir maus tratos» físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.

Pode configurar-se como maus tratos psicológicos, as ofensas verbais ou os insultos, mas também a indiferença constante, a desconsideração pessoal, o vexame, sendo que, todas estas acções ou omissões, têm de ser particularmente graves, quer porque constantes ou reiteradas, traduzindo um padrão comportamental, quer porque particularmente intensas ou desvaliosas, prescindindo-se neste caso dessa reiteração.

O tipo legal constante do artigo 152º do Código Penal, que cobre ações típicas semelhantes àquelas que se acham já prevenidas noutros tipos legais (artigos 143º - ofensas à integridade física, 183º injúrias, 163º coação sexual), não pode ser visto como reconduzindo-se à punição de um qualquer somatório de comportamentos deste tipo ocorridos entre pessoas que, a ligá-las, tenham, ou tenham tido, uma qualquer relação de proximidade familiar ou afetiva; o seu fundamento deve ser encontrado na proteção de quem, no âmbito de uma concreta relação interpessoal - conjugal ou não – vê a sua integridade pessoal, liberdade e segurança ameaçadas com tais condutas.

Assim, o bem jurídico tutelado pela incriminação, é plural e complexo, visando essencialmente a defesa da integridade pessoal (física e psicológica) e a proteção da dignidade humana no âmbito de uma particular relação interpessoal.

Quanto ao elemento de índole subjectiva, dir-se-á que, o dolo consiste na intenção do agente em praticar actos configuráveis como maus tractos físicos ou psíquicos, agindo o agente com conhecimento e vontade de praticar o facto típico.

Aplicando tais conceitos jurídico – doutrinários, importa agora apurar se com a sua conduta o arguido cometeu os crimes que lhe são imputados.

Tal como resultou provado o arguido por diversas vezes contra a vontade da assistente manteve com esta relação sexual e a atingiu na sua integridade física causando-lhe hematomas tendo estas situações ocorrido na residência comum do casal.

Mais se provou que com a sua conduta o arguido sujeitou a ofendida a um grande sofrimento psíquico, provocando-lhe medo e inquietação e ofendendo a sua honra e consideração.

O arguido agiu com intenção de provocar as condutas descritas, objectivo que conseguiu, apesar de saber que devia respeito à sua esposa, tendo ainda conhecimento que as suas condutas eram, e são, censuradas por lei penal.

Mais se apurou que o arguido actuou na residência comum do casal.

Por seu turno, não emerge da factualidade considerada provada qualquer facto que sirva de causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Em síntese, o arguido desferiu reiteradamente maus tratos físicos e psíquicos à sua esposa durante pelo menos 3 anos (de 2017 a 2020).

Deste modo, os elementos dados como provados permitem concluir, sem margem para dúvida, que o arguido cometeu o crime agravado de violência doméstica por que vinha acusado, previsto no art.º 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 alínea a) do Código Penal.

Vejamos agora se o arguido praticou o crime de que vem acusado de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, al. a) do Código Penal na pessoa da ofendida CC.

Ora, como resulta da matéria de facto a menor é sua filha e a maior parte dos factos ocorreram no interior da residência comum, pelo que temos por verificada a aliena e) do nº 1 e a) do nº 2 do artº 152 do Código Processo Civil.

Do Crime de Violação

Encontra-se também o Arguido acusado da prática de um crime de Violação, previsto e punível pelo artigo 164º, nº 1, al. a) do Código Penal, cumprindo aferir de os factos dados como provados em 30. e 31. se incluem nas “ofensas sexuais” integradoras do crime de Violência Doméstica ou se se autonomizam deste crime.

Estatui o artigo 164º, nº 1, al. a) que “Quem constranger outra pessoa a praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de um a seis anos.”.

O bem jurídico protegido com a referida incriminação é o da liberdade de determinação sexual.

A liberdade sexual tem como limites, não apenas o respeito pelo exercício da liberdade sexual alheia, mas também o costume social, ou seja, o conjunto de regras que os costumes sociais impõem ao comportamento sexual e que são recebidos pelo direito positivo, variando de uma sociedade para a outra e, na mesma sociedade, ao longo do tempo – neste sentido José Mouraz, in Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal, p. 20.

Por seu turno, o Prof. Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 467 explica que “também a pessoa (nomeadamente a mulher) casada tem um direito intacto à liberdade de determinação sexual, nos termos gerais.”. Ou seja, mesmo no contexto de uma relação entre duas pessoas casadas, ou que vivem como tal, cada pessoa mantém a sua liberdade de determinação sexual, devendo ser respeitado na sua individualidade a sua decisão.

Assim e considerando a referida matéria dada como provada em 30. a 31, temos que o arguido contra a vontade da ofendida BB, empurrou-a e agarrou- a pelos braços, forçando-a, puxando a sua roupa para cima, e segurando-lhe os braços porque a mesma se tentava levantar, conseguindo o arguido retirar-lhe as suas calças e cuecas, e acto contínuo, devido à sua superioridade física e, de imediato, quando conseguiu despir da cinta para baixo a assistente, introduziu-lhe o seu pénis erecto na vagina da assistente, ali o friccionando, durante vários minutos até ejacular.

Dúvidas não há, pois, que tais factos preenchem os elementos típicos do crime de Violação a que alude o artigo 164°, n° 1 al. a), do Código Penal.


*

Porém, a este respeito, escreve-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.12.2016 (disponível da Internet, in www.dgsi.pt) que

« (…) o crime de violência doméstica pode ser decomposto em vários tipos de crimes comuns, uma vez que é suficientemente abrangente e capaz de contemplar inúmeros comportamentos que, individualmente considerados, são reconduzíveis a outras incriminações. Fala-se, a título de exemplo, da prática de um crime de ofensa à integridade física, homicídio, injúrias, difamação, coacção ou contra a autodeterminação sexual. O n.º 1 do artigo 152º do Código Penal, ao terminar com a expressão “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”, consagra a regra da subsidiariedade, significando que a punição por este crime apenas terá lugar quando ao crime geral a que corresponde a ofensa não seja aplicada uma pena mais grave, como acontece com os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, ameaças, coacção, sequestro, coacção sexual, violação, importunação sexual, abuso sexual de menores dependentes ou crimes contra a honra.

A tese do concurso efectivo pressuporia uma autonomização dos factos que preenchem o tipo de ilícito de violação (artigo 164.°, n.° 1, do Código Penal), no pressuposto de que este tipo de crime não si incluiria no conceito de "ofensas sexuais" para efeitos de preenchimento do tipo de ilicito de violência doméstica, o qual consiste em "infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais" (n.° 1 do artigo 152.°, proémio).

O que deixaria em aberto a questão de saber que "ofensas sexuais" (criminalmente relevantes) deveriam ser consideradas no âmbito da previsão da norma. Para Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Portuguesa Editora, Lisboa, 2008. 34), este concurso é aparente, dado que a regra da subsidiariedade dita qual o artigo a aplicar. Já Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, par. 26-29 das notas ao artigo 1521), considera que a relação aqui assumida é de consumpção, uma vez que o crime de violência doméstica abrange todas as incriminações acima referidas, consumindo-as na totalidade – entre o crime de violência doméstica e outros crimes susceptíveis de constituir "castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais" podem estabelecer-se relações de consunção — em que a gravidade do ilícito de violência doméstica consome ou absorve outros ilícitos puníveis com penas menos graves que a do crime de violência doméstica (artigo 152.°) — ou de subsidiariedade expressa — em que a gravidade desses outros crimes absorve o crime de violência doméstica, sendo, em consequência, o agente punido com a pena correspondente ao crime mais grave (o crime de violência doméstica "é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena Processo: 781/20.5GAPRD mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal" — artigo 152.°, n.° 1, in fine). Inclui-se na previsão deste preceito a ofensa sexual que preenche o tipo de violação, punível com prisão de 3 a 10 anos — artigo 164.°, n.° 1, do Código Penal (loc. cit. pag.27).

Entendemos, tal como a decisão recorrida, e seguindo a jurisprudência que apoia a qualificação como concurso aparente – marcado por uma relação de subsidiariedade que o crime de violência doméstica apresenta perante os restantes tipos de crime – que inexiste, no caso sub judice, fundamento para autonomizar os dois crimes em questão, punindo o arguido pela sua prática, em concurso real, devendo o mesmo ser punido, embora pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 al. b) e n.° 2 (porquanto tais factos preenchem, outrossim, o conceito de maus-tratos físicos e psicológicos a que alude aquele normativo), com a pena aplicável ao crime de violação, p. e p. pela al. a) do art. 164°, n.° 1. Os factos praticados deixam de ter uma relevância jurídico-penal enquanto eventos separados, sendo sim valorados conjunta e harmoniosamente no crime familiar – cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.05.2010, proc. nº 1379/07.9PBGMR.G1 e de 21.10.2013, proc. nº 353/11.5GDGMR.G1, ambos in www.dgsi.pt».

Ora, entendemos nós que a unicidade normativo-social implicada pelas condutas (mais ou menos constantes e reiteradas) previstas no artigo 152º, do Código Penal pode vir a cindir-se quando algum dos actos isolados permita a verificação de tipo de crime mais grave e desde que seja possível afirmar a existência de mais do que um juízo de censura, reflectindo uma pluralidade de processos resolutivos.

Contudo, no caso em apreço, atendendo aos comportamentos do Arguido apurados nos autos, apreciados na sua globalidade, verifica-se uma linha de continuidade de toda a sua actuação, dominada por um único sentido de desvalor jurídico-social.

Assim e não sendo possível concluir por uma resolução autónoma perfeitamente cindível das reiteradas resoluções presentes nos demais comportamentos, entende-se que inexiste, no caso sub judice, fundamento para autonomizar os dois crimes em questão (punindo o Arguido pela sua prática, em concurso real), verificando-se, ao invés, um concurso aparente entre os mesmos.

Deverá, deste modo, o Arguido ser condenado pela prática do crime de Violência Doméstica de que vem acusado, previsto e punível pelo artigo 152°, n° 1, al. b) e n° 2, com a pena aplicável ao crime de Violação, previsto e punível pelo artigo 164°, n° 1, al. a), ambos do Código Penal.»

d. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso:

« V – Determinação da pena

Importa, a este passo, determinar a natureza e medida da pena que, em concreto, e relativamente aos crimes praticados, se adequa ao comportamento do arguido.

Em termos gerais e de jeito sintético temos que referir que todas as operações a realizar têm por base o disposto nos artigos 40º, 70 e 71º do Código Penal, cabendo ao Juiz, dentro do quadro oferecido pelo legislador, determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados comos provados no processo e, dentro desta moldura penal, encontrar o quantum concreto de pena em que o arguido deve ser condenado, tendo em atenção que a culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado e que até ao máximo consentido pela culpa é a prevenção geral positiva ou de integração que vai determinar a medida da pena, criando uma moldura de prevenção dentro da qual actuarão as finalidades de prevenção especial. Terá que atender-se, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena” (cfr. o nº 2 do artigo 71º do Código Penal).

Pois bem.

O crime de violência doméstica previsto no artigo 152º, nº 1, als. a) e d) e nº 2 do Código Penal é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

Não se verificam, in casu, quaisquer circunstâncias modificativas da moldura penal abstracta.

Assim, na determinação da medida concreta da pena há-se seguir-se, como se disse, o critério geral do artigo 71º, nº 1 - a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes – bem como as circunstâncias referidas no nº 2 do mesmo artigo.

Desta forma:

• as exigências de prevenção geral são significativas, atendendo ao elevado número de crimes desta natureza praticados e à necessidade de desincentivar o seu cometimento;

• o grau de ilicitude, reflectido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica, situa-se acima da mediania em ambos os crimes, sendo ligeiramente mais elevado no crime de violência doméstica praticado contra a Ofendida, considerando a diversidade de meios que o arguido escolhia para praticar o ilícito (ofensas à integridade física – humilhações-violação) mas também o período temporal durante o qual manteve tal comportamento (durante cerca de 3 anos);

• o dolo é directo em ambos os crimes, porquanto o arguido representou claramente o facto criminoso e actuou com intenção de o realizar, tendo tal facto constituído o objectivo primeiro e final da sua conduta;

Por outro lado:

• o arguido não tem antecedentes criminais;

• está socialmente integrado.

Nesta conformidade, entendemos ser justo e adequado aplicar ao arguido a pena:

- 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de Violência Doméstica na pessoa de BB (punível com a pena aplicável ao crime de Violação de 3 a 10 anos de prisão-artº 164 nº 2 al. a)); e

- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de Violência Doméstica na pessoa da menor CC.

Tendo o arguido praticado dois crimes, haverá, no entanto, que determinar a pena única, como estabelece o artigo 77º do Código Penal. De facto, decorre da citada norma que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, sendo considerados em conjunto, na medida da pena, os factos e a personalidade do agente; do nº 2 do artigo 77º, por seu lado, decorre que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa”, e como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Assim sendo, dentro dos limites fixados pela lei, e tendo em atenção, em obediência ao nº 1 do artigo 77º, quer os factos descritos, quer a personalidade do arguido (personalidade que já denota algum afastamento do dever-ser jurídico penal), consideramos equitativa a pena única de 4 anos e 10 meses de prisão.

Todavia, nos termos do artigo 50º, n.º 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”; dispondo o nº 5 do mesmo artigo que “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é que esta não seja superior a cinco anos.

Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da pena, acompanhadas ou não da imposição de deveres e/ou regras de conduta e/ou regime de prova, são suficientes para realizar as finalidades da punição. Para a realização de tal juízo o tribunal atenderá à personalidade do agente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior aos factos.

Apesar de as condutas do arguido serem graves, tendo presente que este é primário – pelo que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de novos crimes (desta natureza) -, o Tribunal entende suspender a execução da pena de 4 anos e 19 meses de prisão aplicada ao arguido por um período de 4 anos e 10 meses, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal.

O artigo 34º-B da Lei nº 112/2009, de 16.09 estatui que “a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.

Atenta a gravidade dos factos aqui em causa e a falta de consciência crítica por parte do arguido, consideramos (essencial para a reintegração do arguido) que a suspensão da execução da pena seja sujeita à obrigação de o arguido:

– frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica dinamizado pela D.G.R.S. e cujo objectivo é promover no arguido a consciência da responsabilidade do seu comportamento violento e a aquisição de estratégias alternativas, com vista à diminuição da reincidência (o qual não poderá ultrapassar a duração de 4 anos e 10 meses).

– à proibição de contactos com a vítima, sua ex – esposa, incluindo e a proibição de aceder ou de aproximar-se da sua residência, ou do seu local de trabalho

V – Da pena acessória

Ao arguido vem imputada a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, 5 e 6 do Código Penal.

Nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do citado normativo legal, podem ser aplicadas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, as quais devem incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho e o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

Mais estabelece o artigo 34.º-B da Lei 112/2009 relativa à aplicação de regras de conduta em caso de suspensão da execução da pena de prisão aplicada em crime de violência doméstica que: “1 - A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.

O n.º 1 do art.º 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das vitimas), determina que “O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.”

Deste modo a aplicação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do Código Penal deve ser articulado com a previsão normativa do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009, quanto à aplicação de regras de conduta em caso de suspensão da execução da pena de prisão aplicada por crimes de violência doméstica.

No caso dos autos foi aplicada ao arguido a proibição de contactos com a vitima como condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

Não obstante, na senda do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Janeiro de 2021, processo n.24/20.1GDCNT.C1, disponível em www.dgsi.pt, entendemos, tal como referido no Acórdão que: “que a lei responde de forma direta à objeção levantada pelo arguido, de a proibição de contactos não poder ser simultaneamente pena acessória e condição de suspensão”. Ou seja, por força do art. 34º-B, nº 1, da Lei 112/2009, de 16/9, a suspensão da execução da pena de prisão do condenado por violência doméstica tem sempre que ser condicionada a regras de conduta de proteção da vítima. E a regra de conduta dirigida especificamente à proteção da vítima que surge imediatamente na mente de todos é a obrigação de o agente do crime se afastar da vítima do crime, o art. 152º, nº 4 e 5, do Código Penal prevê a aplicação ao condenado por violência doméstica de penas acessórias, onde se inclui a pena de proibição de contacto com a vítima.

Sendo verdade que esta pena acessória se pode aplicar ao condenado em prisão efetiva, para prevenir a aproximação à vítima quando ocorram saída pontuais do estabelecimento prisional, o seu relevo primordial verifica-se nos casos em que o condenado fica em liberdade.

É nesta situação que urge garantir a segurança da vítima, de modo a que esta possa viver o seu dia-a-dia com a maior normalidade e tranquilidade possíveis, sem o medo de novos ataques e represálias por parte do condenado ou, pelo menos, sem o constrangimento e sobressalto de temer perseguições por parte deste.

Portanto, nos termos da lei, é possível aplicar ao condenado por violência doméstica uma pena de prisão com execução suspensa, suspensão esta obrigatoriamente condicionada a regras de conduta de proteção da vítima, e uma pena acessória de proibição de contactos com a vítima. Sendo o foco do legislador a proteção da vítima, é compreensível esta opção do legislador. Desta forma a proteção é acrescida.

Para além de ser legal, esta opção não viola princípios gerais do direito, pois não se afigura que tal represente um excesso de consequências retirados do mesmo comportamento. Como todos sabemos, um mesmo comportamento tem, muitas vezes, consequências várias em termos legais. Além disso é, em tese, mais favorável ao agente, porque não multiplica obrigações que este tenha que observar. Depois, o único dever do condenado, de não se aproximar da vítima, depende exclusivamente de si próprio, da sua vontade, não carecendo de intervenção de terceiros ou do Estado. É sempre, e só, o livre arbítrio do condenado que determina o cumprimento ou a violação (sublinhado nosso).

Poder-se-á dizer que estabelecendo como condição da suspensão da execução da pena a obrigação de afastamento do arguido da vítima a aplicação da pena acessória de proibição de contactos será inútil.

Pode ser inútil, mas não é ilegal.

Finalmente, quanto às consequências derivadas da violação da condição imposta à suspensão da execução da pena e da pena acessória, nem a revogação da suspensão da execução da pena de prisão decorre automaticamente da violação dos deveres ou regras de conduta a que aquela seja subordinada, nem a verificação do crime de violação de imposições, proibições ou interdições decorre automaticamente da violação das penas acessórias aplicadas. Uma e outra dependem do juízo culposo feito pelo tribunal acerca do comportamento do condenado. Neste sentido veja-se, precisamente, o acórdão desta relação proferido em 28-1-2015 no processo 112/09.5GASJP-A.C1, que o arguido invoca no seu recurso.”

Face ao exposto, entende o Tribunal que nada obsta a que o arguido seja condenado simultaneamente numa pena acessória de proibição de contactos e na proibição de contactos como condição da suspensão da pena de prisão aplicada, desde logo por estarem dependentes de pressupostos de aplicação distintos, sendo igualmente distintas as consequências em caso de violação da condição imposta à suspensão da execução da pena, por um lado, e por outro de violação da pena acessória.

Na aplicação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71° do Código Penal, dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e socialização do arguido de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei.

No caso em apreço resulta da prova produzida que o arguido pratica os factos em apreciação nos presentes autos sobretudo por razões de ciúmes.

Mais se apurou que a vítima ainda tem receio do arguido.

Entende-se assim ser ainda adequada a aplicação de proibição de contactos com a vitima, pelo menos durante o período de tempo necessário.

Entende assim o Tribunal como necessária a aplicação, pelo período de 4 anos e 10 meses, da pena acessória de proibição de contactos com a vitima, incluindo a proibição de frequentar a área de residência desta, ou do seu local de trabalho. »

e. É como segue a apreciação do pedido de indemnização civil que vem efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«VI – Pedido de indemnização civil

Vieram as demandantes deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, pedindo que este seja condenado pagar-lhe € 56.128,79€ (Cinquenta e Seis Mil Cento e Vinte e Oito Euros e Setenta e Nove Cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros.

Pois bem.

De acordo com o artigo 129º do Código Penal, “a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”, pelo que há que atender ao estatuído nos artigos 483º e seguintes do Código Civil.

Nos termos do artigo 483º, nº 1, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São, deste modo, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, e da consequente obrigação de indemnizar: o facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto (podendo tal ilicitude traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na infracção de um direito subjectivo, ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios); o nexo de imputação do facto ao agente (ou seja, a culpa, significando agir com culpa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito); o dano (com efeito, o facto ilícito culposo deve ter causado um prejuízo a alguém); e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que, como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 17/05/93 (proferido no processo nº 9310102, disponível na Internet via www.dgsi.pt.), “um facto não é causa adequada de um dano desde que seja irrelevante para a sua produção, segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias concretas, conhecidas do agente ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática do facto”).

Quanto à obrigação de indemnização de danos patrimoniais preceitua o artigo 563º do Código Civil que ela só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam sido sofridos se não fosse a lesão e o artigo 562º que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Estabelece-se, assim, nesta última norma, “(…) como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural).” Sempre, todavia, que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, medindo-se o seu montante pela diferença entre a situação (real) em que o credor se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (cfr. o artigo 566º).

No que toca aos danos não patrimoniais, o nº 1 do artigo 496º do Código Civil determina que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Posto isto, vejamos.

No caso dos autos, face aos factos dados como provados, verificam-se todos os pressupostos vertidos no artigo 483º, nº 1 do Código Civil, sendo certo, por outro lado, que os danos não patrimoniais sofridos apresentam a dignidade necessária para que sejam tutelados pela ordem jurídica.

Assim sendo, e por todo o exposto, o arguido/demandado constituiu-se na obrigação de indemnizar o demandante pelos danos patrimoniais por elas sofridos já sofridos até à data do pedido no valor de 1775,98 € (BB e 496,53€ (CC),o que perfaz o valor global de 2272,51 € até à data do pedido a 20.11.2023.

Quanto aos danos futuros que quer a demandante BB terá de suportar com consultas com o Psicólogo Dr. DD ou com a Drª GG ou outros, quer da sua filha CC com consultas de pedopsiquiatria a existência do danos não oferecem dúvida ao Tribunal mas como se desconhece o respectivo quantum a condenação do demandado na obrigação de os indemnizar será relegada para momento posterior (artº 564º, nº 2 do CC e 609 nº 2 do CPC do Código Civil).

No respeitante aos danos não patrimoniais, e em conformidade com o artigo 494º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 496º do mesmo diploma, a indemnização é fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e às demais circunstâncias do caso. Devendo, além disso, e nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil anotado”, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 501), “(…) ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

Tudo ponderado, nomeadamente a gravidade da conduta do demandado e os transtornos e sofrimentos concretamente causados aos demandantes, julgamos equilibrada e adequada à situação económica daquele uma indemnização de € 4.500 para a demandante BB e 3.000,00 € para a menor CC . »

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.

1. Da correcção de lapsos de escrita na Sentença recorrida.

Antes ainda de nos debruçarmos sobre as questões suscitadas no recurso, cumpre proceder à rectificação de lapsos de escrita de que padece o acórdão recorrido.

Assim, constata–se que, em alguns passos da Sentença, sempre no segmento relativo à qualificação jurídico–criminal dos factos assentes – parte ali designada como «III – Enquadramento jurídico-penal» –, e, nesta, nomeadamente nas páginas 50 a 56 da Sentença, o tribunal recorrido, quando se reporta ao crime de violação que vinha imputado ao arguido em sede de pronúncia, e cujos pressupostos típicos considera ter o mesmo preenchido, alude ao art. 164º, nº1, alínea a) do Cód. Penal.

Ora, a referência neste segmento ao aludido nº1 do citado art. 164º do Cód. Penal deve-se a mero lapso de escrita, pois que na verdade a disposição em causa é a do nº2 do mesmo artigo.

Na verdade, quer em sede de acusação, quer depois em sede de pronúncia, é um crime de violação tal como tipicamente previsto no art. 164º/2/a) do Cód. Penal que é imputado ao arguido ; e depois, é com referência a tal previsão e estatuição típicas que o tribunal a quo vem a considerar o arguido incluso nos respectivos pressupostos punitivos, condenando–o (no que ao crime de violência doméstica perpetrado contra a ofendida BB) em conformidade com a moldura penal – de entre 3 a 10 anos de prisão – nela consignada.

A evidência de tal lapso decorre de forma clarividente do próprio restante teor do acórdão, que reiteradamente consigna que é esta última a estatuição típica a considerar, e que vem, ademais, a merecer acolhimento material na decisão recorrida – é o que precisamente resulta claro nos segmentos da Sentença relativos ao relatório, e à determinação das consequências penais dos factos (parte «V – Determinação da pena»), onde ajustadamente se referencia sempre a estatuição típica do nº2 do art. 164º do Cód. Penal.

Por via da respectiva evidência, estamos perante mero lapsos de escrita em que incorreu o tribunal recorrido, e não perante qualquer nulidade processual ou outro vício de lógica atinente à concepção da sentença.

Do que aqui se trata, manifestamente, é de circunstâncias que configuram uma disfunção digital na comunicação expressa na sentença, facilmente explicáveis e compreensíveis, susceptíveis de correcção oficiosa, e que, além do mais – e é isso que mais importa relevar – não tiveram nem têm qualquer influência ou repercussão no sentido decisório da Sentença recorrida. Ou seja, estamos perante lapsos objectivamente inconsequentes do ponto de vista da avaliação do mérito e que não contaminam minimamente o sentido decisório, revelando-se estruturalmente inócuos.

Assim como, adianta–se, em nada prejudicam o pleno exercício dos direitos de defesa do arguido, sendo perfeitamente apreensível o correcto sentido e conteúdo da decisão recorrida nos segmentos em que os aludidos lapsos se verificam.

Nos termos do disposto no art. 380º/1/b) do Cód. de Processo Penal, o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando esta contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial, especificando o nº2 da mesma disposição legal, sempre em execução dos princípios de economia e de celeridade processuais, que se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

É tudo quanto se passa na presente situação.

Assim, face aos evidentes lapsos de escrita acima identificados, ao abrigo do disposto no art. 380º/1/b)/2 do Cód. de Processo Penal corrigem-se agora os mesmos lapsos, nos termos seguintes:

– no segmento da Sentença relativo à qualificação jurídico–criminal dos factos assentes – parte ali designada como «III – Enquadramento jurídico-penal» –, e, nesta, nomeadamente nas páginas 50 a 56 da Sentença, as referências efectuadas ao art. 164º, nº1, alínea a) do Cód. Penal, devem entender–se como referidas ao artigo 164º nº2, alínea a) do mesmo Cód. Penal.

2. De saber se o Ministério Público carecia de legitimidade para desencadear o procedimento penal relativamente a parte da matéria de facto imputada ao arguido por falta de atempado exercício do direito de queixa.

A questão de que liminarmente importará conhecer, e suscitada a determinado passo do requerimento recursório dos autos – situando–a o arguido/recorrente no âmbito da impugnação do «incorrecto enquadramento jurídico da matéria de facto dada por provada - impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito relativa ao crime de violação» –, é a que se relaciona com saber se ao Ministério Público falecia legitimidade para promover o processo penal, vindo a deduzir acusação pública, como fez, no que tange a determinados factos imputados ao arguido.

Assim, alega o recorrente que as «ofensas sexuais/violação» dadas como assentes se reportam a datas não concretamente apuradas situadas em períodos temporais compreendidos entre os anos 2016 e 2020 – a primeira agressão sexual em Maio de 2016 (pontos 6. a 10. da matéria de facto provada), a segunda em Setembro de 2017 (pontos 18. a 21. da matéria de facto provada), a terceira em Setembro e Dezembro de 2017 (pontos 24. a 26. da matéria de facto provada), e a última em Julho de 2020 (pontos 30. e 31. da matéria de facto provada).

Ora, prossegue, constatando–se que a ofendida/assistente BB não exerceu o seu direito de queixa, «relativamente ao crime de violação», até Novembro de 2020, sendo certo que o mesmo reveste natureza semi-pública, em face do art. 178.º do Cód. Penal, então o Ministério Público não podia ter acusado o arguido por factos que não suscitaram esse exercício tempestivo do direito de queixa.

Vejamos.

Cumpre, em sede de configuração in abstracto da questão assim suscitada, referir que efectivamente o art. 48º do Cód. Penal, sob a epígrafe «Legitimidade», estabelece que «O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º».

Estabelece–se aqui o designado princípio da oficialidade do processo, segundo o qual, e por regra, a promoção processual de natureza criminal é tarefa estadual, a realizar oficiosamente e, portanto, em completa independência da vontade e da actuação dos interesses eminentemente particulares, concretizando-se – aliás, logo por imperativo constitucional, cfr. art. 219º/1 da Constituição da República Portuguesa – na atribuição ao Ministério Público dessa iniciativa e prossecução processuais.

Assim, o procedimento penal inicia-se com a aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público (cfr. art. 241º do Cód. de Processo Penal), aquisição essa que pode surgir por várias vias: conhecimento próprio, auto de notícia do órgão de polícia criminal ou outra entidade policial (cfr. art. 243º), ou denúncia, quer obrigatória (cf. art. 242º), quer facultativa (cf. art. 244º). A notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito, ressalvadas as excepções previstas nomeadamente no art. 262º/2 do Cód. de Processo Penal.

Contudo, o princípio da oficialidade da promoção processual sofre as limitações e excepções decorrentes da existência dos crimes semipúblicos e dos crimes particulares, como vimos já no citado art, 48º do Cód. Penal anunciado, quando ali se ressalvam da legitimidade do Ministério Público as restrições constantes dos arts. 49º a 52º do Cód. Penal, as quais conformam, justamente, as excepções a que o nº2 do artigo 262º do Cód. de Processo Penal se refere.

Assim, e na parte que aqui agora em especial releva, nos crimes semipúblicos o Ministério Público só pode iniciar a investigação após a apresentação de queixa, como prescreve o art. 49º/1, do Cód. Proc. Penal: «Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo».

Em tais casos – leia–se, em tais tipos de crime –, entende o legislador político-criminal aconselhável que o procedimento penal respectivo só tenha lugar se e quando tal corresponder ao interesse e à vontade do titular do direito de queixa, visando evitar que o processo penal, prosseguido sem ou contra a vontade do ofendido, possa representar uma inconveniente intromissão na esfera das relações pessoais que entre ele e os outros participantes processuais intercedem, perspectivada a mesma, inclusive, no respeito pela específica protecção dos interesses da vítima (ofendido) do crime.

Neste contexto, estipula o art. 113º do Cód. Penal, sob a epígrafe «Titulares do direito de queixa» que «Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação».

Donde resulta claro que o legislador teve em vista, em tais situações, precisamente a tutela primeira do portador do bem jurídico.

Porque, todavia, relevam também aqui os princípios da segurança e estabilidade jurídico–penal, a lei justapõe à necessidade – que é do mesmo passo uma possibilidade – de apresentação de queixa por determinados factos cuja prossecução criminal não tem por primordial, excluindo–os assim da regra da oficiosidade de início assinalada, um limite temporal decorrido o qual considera precludido o exercício do direito em causa.

Assim, prevê–se no art. 115º/1 do Cód. Penal a regra geral – e salvo, portanto, casos particulares reportados à natureza dos factos em causa ou às características pessoais do ofendido – segundo a qual «O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz, exceto no caso do direito de queixa previsto no n.º 1 do artigo 178.º, que se extingue no prazo de um ano».

Ou seja, nestes casos de crime semipúblico, entende o legislador que, a permitir–se que o ofendido, depois de conhecedor dos factos correspondentes, dispusesse de um prazo indefinido para apresentar a respectiva queixa, se estaria a alargar de modo desproporcional aos interesses em presença o prazo da queixa, com grave prejuízo para o arguido e para os interesses comunitários de estabilidade e segurança jurídicas.

Decorrido, pois, esse prazo – e salvas pontuais excepções especificamente salvaguardadas na lei –, deixará o Ministério Público de ter legitimidade para instaurar e prosseguir procedimento criminal relativamente aos factos em causa.

Revertendo ao caso da alegação recursória dos autos, crê–se manifesto não assistir razão ao arguido/recorrente.

Desde logo, cumpre realçar que é verdade que ao arguido vinha imputada também a prática autónoma de um crime de violação, previsto no art. 164º/2/a) do Cód. Penal, e por reporte aos factos ora descritos nos pontos 30. e 31. da matéria de facto provada – sucedendo que em sede de Sentença foi entendido que tal actuação típica não deveria revestir autonomia criminal, decidindo–se outrossim reportar aos factos em causa de molde a punir agravadamente com a pena aplicável ao crime de violação, nos termos da parte final do nº1 do art. 152º do Cód. Penal, o crime de violência doméstica que vinha também imputado ao arguido, pelo qual vem condenado, e praticado contra a ofendida/assistente BB.

Ora, e como vem de se dizer, aquele crime de violação autonomamente imputado em sede de acusação do Ministério Público reportava–se apenas à actuação do arguido descrita nos pontos 30. e 31. da matéria de facto provada, e ocorridos, portanto em Julho de 2020.

Donde, muito claramente, a ofendida BB exerceu tempestivamente o seu direito de queixa, ao apresentar a mesma em Novembro de 2020 – como, aliás, o próprio recorrente deixa consignado nas conclusões z) e bb) do seu recurso –, isto é, cerca de apenas quatro meses depois dos concretos factos em causa.

Tal, só por si, determina a falta de fundamento desta pretensão recursória.

Mais se dirá, já agora, e ainda no que tange ainda e sempre à ofendida/assistente BB, que, no mais, ao arguido foi imputada pelo Ministério Público uma actuação que se prolongou no tempo entre pelo menos Maio de 2016 e Novembro de 2020, e que na sua globalidade se caracteriza tipicamente como crime de violência doméstica.

Ora, os demais actos que traduzem agressões de natureza sexual efectivamente descritos em sede de acusação do Ministério Público por referência a Maio de 2016, Setembro de 2017 e Dezembro de 2017 – e ora assentes nos concretos pontos da matéria de facto provada aludidos pelo recorrente – integravam, nos termos da mesma acusação, a tal actuação global e reiterada de maus tratos que, assim, incorporava aquela tipicidade própria do crime de violência doméstica praticado contra a ofendida BB.

Donde, naturalmente, quanto aos mesmos não se coloca sequer qualquer questão atinente à ponderação da tempestividade de uma putativa necessária queixa – que aqui não se exige, pois estamos, consabidamente, perante um crime (violência doméstica) de natureza pública.

Em conclusão, improcede integralmente esta primeira parte do recurso interposto pelo arguido.

3. De saber se a sentença proferida padece de alguma nulidade decorrente dos termos das disposições conjugadas dos arts. 374º/1/d)2 e 379º/1 do Cód. de Processo Penal.

O subsequente tema decisório sobre que cumpre pronunciar–mo–nos, tem a ver com as nulidades da Sentença recorrida que vêm invocadas pelo arguido/recorrente numa (multifacetada) primeira parte do seu recurso.

Como é consabido, a lei processual penal consagrou em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – cfr. nºs 1 e 2 do art. 118° do Cód. de Processo Penal.

As questões suscitadas pelo recorrente nesta parte reportam, pois, à alegada nulidade da Sentença em especial, e todas relacionadas com suscitadas insuficiências ou deficiências (aqui em sentido amplo) quer na respectiva construção material, quer no respectivo exercício de fundamentação de facto – mas sempre nos termos alegadamente previstos no art. 379º/1 do Cód. de Processo Penal.

Analisemos, pois, esta parte do recurso, reportando às várias vertentes em que se recorta a alegação do recorrente.

Começa o recorrente por alegar que a Sentença recorrida não contém todas as menções referidas na alínea d) do nº1 do art. 374º do Cód. de Processo Penal, de onde resulta que «1 - A sentença começa por um relatório, que contém (...) d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada».

Refere o recorrente que apresentou contestação nos autos, na qual nega a prática dos factos, referindo que este processo existe devido a uma denúncia calculada e inventada, com a intenção de apropriação patrimonial indevida, e arrolando testemunhas, sucedendo que a Sentença apenas menciona quanto à contestação que «O arguido ofereceu contestação», ou seja, a sentença recorrida não retirou quaisquer conclusões contidas da contestação apresentada pelo recorrente – o que, propugna, consubstancia nulidade da mesma Sentença.

Não lhe assiste, manifestamente, razão.

Na verdade, entre as causas de nulidade da Sentença expressamente previstas no art. 379º/1 do Cód. de Processo Penal não se mostra elencada a omissão das referências elencadas no nº1 do art. 374º do Cód. de Processo Penal e atinentes à elaboração do relatório de tal peça decisória – como liminarmente se conclui de na alínea a) daquela disposição se cominar como nula a Sentença «Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º».

Donde, a alegada omissão aqui em causa apenas poderia consubstanciar, no limite, uma irregularidade processual.

Que, todavia, nem isso traduz, sequer.

Na verdade, sendo (como é) o teor da contestação apresentada tão só e apenas aquele aqui agora recordado pelo recorrente, não se antevê quais as conclusões, de facto ou de Direito, com relevo para a decisão sobre o objecto dos autos, que a mesma consubstancie e que cumprisse fazer constar do relatório da Sentença.

O que nos conduz directamente à segunda equação recursória suscitada pelo recorrente nesta parte, e que tem a ver com a alegação de que existem factos alegados na contestação e sobre os quais o Tribunal "a quo" não se pronunciou, situação traduzida – procura o recorrente esclarecer – em que a versão dos factos apresentada pelo recorrente na contestação e durante o decurso da audiência de discussão e julgamento foi totalmente ignorada pelo tribunal a quo.

Apreciando se dirá que, pese embora não a configurando em tais termos, esta alegação do recorrente, reportando a uma omissão de pronúncia, em sede de fundamentação sobre todos os factos alegados em sede de contestação pelo arguido, poderia configurar falta de fundamentação de facto nos termos exigidos no art. 474º/2, e de consequente nulidade à luz do art. 379º/1/a), ambos do Cód. de Processo Penal.

Na verdade, em face do disposto no art. 368º/2 do Cód. de Processo Penal, a enumeração dos factos provados e dos factos não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa – resultando do nº 4 do art. 339º do Cód. de Processo Penal que a discussão da causa tem exactamente por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

Quanto ao critério de acordo com o qual deve aferir–se se determinado facto é ou não relevante para a decisão da causa, temos desde logo o vislumbre do mesmo no art. 124º/1 do Cód. de Processo Penal, onde se prevê que «Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» – complementando o nº2 que «Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil».

Pois bem, no presente caso, e em face de tal enquadramento, claramente não assiste razão na alegação do recorrente.

Repete–se que o teor da contestação apresentada é tão apenas aquele que o próprio recorrente agora recorda: na mesma o arguido nega a prática dos factos, e refere que este processo existe devido a uma denúncia calculada e inventada, com a intenção de apropriação patrimonial indevida.

Ora, facilmente se constata que não existe, neste conteúdo, um único facto – muito menos uma «versão dos factos» – cuja apreciação se impusesse ao tribunal de julgamento.

A mera negação dos factos ou a manifestação de um estado de alma meramente subjectivo quanto à convicção sobre os motivos da instauração do processo criminal, não configuram qualquer matéria de facto, muito menos que revista relevo para a decisão sobre o objecto da causa.

Inexiste, assim, omissão de decisão quanto a matéria de facto que haja sido alegada pelo arguido em sede de contestação, e, em conformidade, não se verifica também por tal via qualquer nulidade da Sentença recorrida.

Finalmente, vem ainda o recorrente alegar que a Sentença recorrida carece de fundamentação adequada, por não apresentar uma exposição detalhada dos motivos que sustentaram a decisão do tribunal a quo ao considerar provados os factos, assim como não realiza um exame crítico das provas que foram utilizadas para formar a sua convicção nesse sentido.

Assim, alega–se, na fundamentação da sentença o tribunal recorrido limitou-se a indicar os factos provados e não provados da acusação pública/decisão instrutória, e bem assim, a indicar as provas que foram produzidas na audiência de discussão e julgamento, exercício de fundamentação que não cumpre a norma do nº 2 do art. 374º do Cód. de Processo Penal, pois esta exige também a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal.

Donde, conclui, a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação.

Vejamos.

Sucintamente se dirá que logo o artigo 205º/1 da Constituição da República Portuguesa consagra que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sublinhando-se que a necessidade de fundamentar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, na medida em que se traduz num elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.

O dever constitucional de fundamentação vem plasmado desde logo no art. 97º/4 do Cód. de Processo Penal, onde se estipula que «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», e encontra concretização reforçada no que tange às sentenças penais nos termos do disposto no art. 379º do Cód. de Processo Penal – de que decorrem em especial os motivos pelos quais a sentença penal pode ser afectada de nulidade por indevida fundamentação.

Assim, e por um lado, desde logo a alínea a) do nº1 do citado art. 379º do Cód. de Processo Penal, comina de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º/2/3/b), do mesmo código ; e o art. 374º do Cód. de Processo Penal, versando sobre os requisitos da sentença, estipula no seu referido nº2 o chamado dever de fundamentação da sentença, determinando que em tal sede «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Como escreve o Conselheiro Oliveira Mendes (em “Código de Processo Penal Comentado”, 5ª edição, pág. 1168), essa fundamentação reforçada «visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, nº1, da Constituição da República».

É na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador, do mesmo passo se viabilizando a possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.

O dever de fundamentação da Sentença deverá, assim, ter–se por satisfeito mediante uma exposição que, ainda que sintética, expresse suficientemente o exercício de exame crítico sobre as distintas fontes de prova, e permita percepcionar os motivos da opção do tribunal pelo resultado de tal exercício que vem a consagrar na decisão da matéria de facto – e (repete–se), em bom rigor, só na falta de tais menções se pode concluir pela nulidade da decisão nos termos do já transcrito art. 374º/2 do Cód. de Processo Penal.

O que tal imperativo legal determina, portanto, é que a decisão do julgador permita aos destinatários da mesma compreender qual a razão do tribunal ter decidido num determinado sentido e não noutro, isto é, que torne possível acompanhar o processo lógico-valorativo da formação da convicção do Tribunal, verificar da legalidade da decisão face às regras de apreciação da prova (como o princípio in dubio pro reo, as regras da experiência comum, as proibições de prova, o valor da prova pericial, o grau de convicção exigível e a presunção de inocência).

Como, por todos, referencia o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2015 (proc. 9/14.7T3ILH.P1)[[3]], «O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. (…) A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.».

Pois bem, revertendo à alegação do recorrente neste segmento e ao concreto âmbito da Sentença ora recorrida, julga–se que esta última é clara não apenas no elenco da matéria de facto considerada para a decisão a jusante, como também patenteia o exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, permitindo a leitura da motivação da mesma decisão reconduzir racionalmente as razões probatórias que determinaram que o tribunal a quo formasse a sua convicção e percepcionar as conclusões jurídicas a que chegou.

Dali resultam inequívocos os elementos probatórios em que a convicção do tribunal a quo assentou muito em especial a sua convicção positiva quanto aos pressupostos da responsabilidade criminal do arguido, ora recorrente, e da respectiva concretização punitiva, que ali se estabelecem de forma cuja apreensão não suscita qualquer dificuldade.

Assim, se numa fase liminar, a Sentença recorrida enuncia, elencando–os, os elementos de prova a que atendeu, de todo se bastou com a mera enumeração indicativa destes elementos, antes levando a cabo um enunciado do teor daquilo que de relevante extraiu dos mesmos com interesse para a decisão da matéria de facto, o que faz de forma que torna perfeitamente apreensível a convicção que extrai de cada um desses elementos quanto aos vários segmentos da mesma matéria de facto – não deixando de, invariavelmente, consignar a que parte da matéria de facto em concreto cada um desses elementos se reporta em especial.

Ou seja, da motivação da decisão sobre a matéria de facto resulta, de forma que se reputa suficiente, a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal a quo, e que se reconduz, no essencial, à conjugação dos diversos meios de prova que lhe era legítimo avaliar, e que o tribunal enumera circunstanciada e detalhadamente, exercício do qual resulta, no seu entender, a demonstração de todos os factos que constam da matéria de facto provada, mais se expressando os motivos pelos quais os vários elementos probatórios se entenderam como credíveis ou não.

Também se dirá que não se verifica na aludida fundamentação qualquer carência de análise crítica de elementos de prova que pudessem contrariar a versão dos factos que entende resultar demonstrada a partir dos meios probatórios por si valorados positivamente – aludindo designadamente às declarações prestadas pelo arguido e bem assim aos elementos probatórios juntos pelo mesmo, elementos que se constata haverem sido desvalorizados probatoriamente pelo tribunal a quo, é um facto, mas, porém, explicitando os motivos pelos quais assim decidiu.

Ou seja, é possível constatar que, em sede de exercício de motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal de primeira instância percorreu todos os elementos de prova que teve por relevantes para a formação da sua convicção – não deixando de se assinalar que o recorrente não invoca qualquer elemento probatório que tenha ficado por apreciar (sendo que o facto de o recorrente discordar da respectiva avaliação, não é, de todo, a mesma coisa que tal elemento não haver sido objecto de ponderação pelo tribunal) –, e ponderou–os de per si e, mais relevantemente, integrados numa análise global da prova, que se revela perfeitamente lógica e perceptível para todos quantos analisem a mesma decisão, por isso também (e principalmente) aos sujeitos processuais directamente interessados.

Em suma, lida a fundamentação em causa, não se crê que se suscitem dúvidas de que o tribunal elenca e justifica os motivos em que sustenta, na sua convicção, a demonstração de toda a matéria de facto provada, e a não demonstração da não provada – e, nesta medida, fica muito aquém da fronteira que delimita a existência da falta de motivação probatória e de exame crítico da prova.

Se esse exercício se mostra adequadamente efectuado, e se as conclusões probatórias a que chega o tribunal recorrido são passíveis de censura, essa é uma questão diversa, e que se situa a jusante da deficiente explicitação dos motivos pelos quais se chegou àquelas. Ou seja, a nulidade que aqui vem suscitada ocorrerá quanto se verificar ausência de exame crítico das provas produzidas, e não quando o exame efectuado pelo tribunal seja desadequado materialmente e do mesmo se discorde.

Concluindo, cita–se quanto se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2014 (proc. 853/98.0JAPRT.P1.S1)[[4]]: «A decisão recorrida deu por provada uma sequência fáctica, em si verosímil, e a motivação explica porque é que a convicção dos julgadores se formou num certo sentido, não padecendo de nulidade por falta de fundamentação. O grau de profundidade ou pormenor exigível, ao nível do exame crítico das provas, tem só que ser o suficiente, para que a decisão possa ser aceite, afastando-se a partir daí a ocorrência de falta de fundamentação, e consequente nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP.».

Sob tal perspectiva, que aquela aqui prevalente, considera–se que através da análise que efectuou, o tribunal a quo faz, de forma adequada e suficiente, a descrição exigida pelo art. 374º/2 do Cód. de Processo Penal do percurso lógico seguido na decisão que tomou e das razões da sua convicção, não merecendo tal decisão a consideração do vício de nulidade por falta de motivação probatória ou de exame crítico da prova invocado pelo arguido e recorrente.

Em face de tudo o exposto, é de julgar integralmente improcedente esta parte do recurso.

4. Da verificação no Acórdão recorrido do vício decisório prevenidos na alínea a) do art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal – e respectiva sanação.

Aqui chegados, e antes de prosseguir com as demais questões suscitadas pelo recorrente, impõe–se verificar e apreciar da existência de uma situação configurável enquanto um dos vícios da decisão da matéria de facto prevenidos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal, nos termos que se passam a expor.

Como decorre do disposto no art. 428º do Cód. de Processo Penal, as Relações, em sede de recurso, conhecem de facto e de Direito.

No que tange à decisão na parte relativa à matéria de facto que é adoptada em primeira instância, a mesma pode ser sindicada em sede de recurso por duas vias alternativas:

– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal,

– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, que aqui nos ocupa, estamos perante a ponderação dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

Estabelece, assim, este art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ;

b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ;

c) o erro notório na apreciação da prova.

Serão, pois, falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detectáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão.

Para aquilo que aqui concretamente releva, salienta–se em especial que a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito ou quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova.

Como se consigna no Acórdão do S.T.J. de 6/10/2011 (proc. 88/09.9PESNT.L1.S1)[[5]], «A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP) (…) é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados».

Pois bem, tendo presentes estas consabidas considerações, cumpre assinalar que, percorrida a fundamentação de facto da decisão recorrida, se constata que, em sede de matéria de facto provada, nada se mostra elencado quer quanto às circunstâncias da vida familiar (para lá de quanto decorre do relacionamento com as ofendidas), profissional, social e económica do arguido, quer também quanto ao seu passado criminal.

Ora, essa matéria – sobre as condições pessoais do agente, sua situação económica e registado passado criminal – é desde logo relevante para as próprias opções decisórias, quer em sede de determinação das consequências penais dos factos (cfr. alíneas d), e) e f) do art. 71º/2 do Cód. Penal), quer, num caso como o presente, da definição dos valores indemnizatórios a fixar para ressarcimento de peticionados danos não patrimoniais decorrentes dos mesmos factos (cfr. art. 494º do Cód. Civil, aplicável ex vi art. 496º/3 do mesmo diploma).

Significa isto que a decisão se mostra amputada, em sede de descrição da matéria de facto assente, de aspectos relevantes para a ponderação sobre tais questões que fazem parte integrante e necessária do objecto da decisão a proferir em sede jurídico-penal e indemnizatória.

A falta de tal descrição fáctica constitui, pois, e à partida, o aludido vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal.

Vício de que este Tribunal da Relação pode conhecer oficiosamente, mas que, todavia, se julga poder ser nesta instância suprido atenta a existência nos autos de elementos bastantes para o efeito.

Ou seja, que no presente caso considera–se que tal insuficiência é susceptível de tranquila sanação por esta instância de recurso ao abrigo da possibilidade que, nesse sentido, lhe é desde logo conferida pelos arts. 431º/1/a) do Cód. de Processo Penal – donde, e nos termos e para os efeitos do art. 426º/1 a contrario do Cód. de Processo Penal, se considera que a verificação do vício em causa não inviabiliza a decisão sobre o objecto da causa, não se mostrando, assim, necessário o respectivo reenvio para novo julgamento, sequer parcial.

Na verdade, quase se dirá afigurar–se que, nesta parte, estamos em bom rigor perante mero lapso de escrita por parte do tribunal a quo, que, em sede de matéria de facto provada não terá plasmado aquelas expressões por mero olvido, a que não será alheia a consignação da extensa matéria de facto articulada em sede de acusação e de pedido de indemnização civil.

Na verdade, tão evidente como a insuficiência material aqui em causa, é a circunstância de claramente se constatar que o tribunal procedeu à oportuna indagação necessária à determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, e bem assim dos respectivos antecedentes criminais – determinando a elaboração de adequado relatório social pelos serviços da DGRSP, e fazendo juntar aos autos certificado de registo criminal do arguido, tudo em momento prévio á realização da audiência de julgamento, e devidamente notificado aos sujeitos processuais.

Mais: constata–se inclusive que, em sede de determinação quer das consequências penais no caso, quer do montante indemnizatório pelo demandado ressarcimento de danos não patrimoniais, o tribunal a quo vem a aludir à inserção social e situação económica do arguido, e à sua falta de antecedentes criminais, o que nitidamente denota ter tido presente quanto resulta de tais elementos processuais, e ter ponderado sobre o respectivo conteúdo informativo.

Ou seja, e retomando a caracterização inicial do vício aqui em causa, estamos perante uma situação de mera ausência de elencação de factos, e não sequer perante qualquer omissão pelo Tribunal de primeira instância da devida indagação probatória da factualidade relevante para a determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, e do seu percurso de vida criminal.

Assim, e como se anunciou, no presente caso concreto mostra–se viável a apreciação e decisão por parte desta instância, por forma a sanar o apontado vício.

Na verdade, decorre do aludido art. 431º/a) do Cód. de Processo Penal que, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada designadamente «se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base».

Nesta conformidade, e tomando em consideração o teor do relatório social elaborado pela DGRSP e junto aos autos em 01/10/2024, e bem assim o conteúdo do certificado de registo criminal junto aos autos datado de 22/10/2024 e junto aos autos também nesta data, procede–se à modificação da matéria de facto que se mostra dada como assente, aditando–se à mesma os seguintes pontos, com a seguinte redacção:

198. O arguido é licenciado em Gestão de Empresas e Contabilidade, exercendo funções de gestor de empresas no Banco 1..., onde ainda permanece na actualidade, e no qual se mantém há já 25 anos. Aufere uma remuneração na ordem dos €1.900,00 mensais, gerindo os seus tempos livres em convívio familiar, com destaque para a sua família de origem – pais e as duas irmãs mais velhas, residentes nas imediações – com quem sempre cultivou um vínculo afectivo coeso, com especial destaque para os progenitores, pelo processo de desenvolvimento estável e gratificante que estes lhe proporcionaram, apesar da modéstia dos recursos económicos.

Em Novembro de 2020, após a separação conjugal, foi inicialmente definida a guarda partilhada da filha de ambos, à data com 9 anos de idade.

Em Dezembro de 2020, após ter sido constituído arguido no âmbito dos presentes autos, o regime de visitas foi alterado, sendo exigido que o convívio do arguido com a filha ocorresse em local supervisionado.

O ano de 2021 ficaria negativamente marcado pelo diagnóstico de doença oncológica do pai do arguido, que viria a falecer, em Junho de 2022, circunstância motivou o arguido, numa lógica de dever filial, a pernoitar na habitação dos pais, com vista a acompanhá-los em todas as suas necessidades, situação que mantém na actualidade. A residência dos progenitores situa-se na mesma freguesia, nas imediações da moradia do próprio.

As visitas à filha foram suspensas em Agosto de 2022, sendo que, desde então, o arguido não mais teve contacto com a filha, actualmente com 13 anos de idade.

Presentemente, o arguido continua a pernoitar junto da mãe, viúva, organizando o seu quotidiano em torno das suas responsabilidades laborais, as quais privilegia, convivendo, esporadicamente, com elementos do grupo de pares que foi mantendo ao longo da vida, formado por conterrâneos e colegas de curso/profissão.

Em termos económicos, atravessa período de menor conforto financeiro,

decorrente das diversas obrigações bancárias, nomeadamente, a pensão de alimentos e a mensalidade do estabelecimento de ensino da filha, que totalizam os €500,00 mensais, a prestação do crédito à habitação, um crédito pessoal, diversos seguros pessoais e multirriscos, a facturação doméstica, entre outros, que excedem, em alguns meses, a sua remuneração mensal média e que o mesmo compensa com poupanças pessoais.

No seu meio comunitário, goza de uma reputação favorável, associada à cordialidade, hábitos de trabalho à dedicação que sempre demonstrou aos progenitores.

199. O arguido não regista qualquer outra condenação pela prática de ilícitos criminais.

Em face de quanto assim vai decidido e determinado, e mostrando–se adequadamente suprido o vício decisório apontado, cumpre, pois, prosseguir na apreciação das demais questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido.

5. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e se foi violado o princípio do in dubio pro reo.

Vem entretanto o arguido/recorrente suscitar a questão de que os elementos de prova produzidos nos autos serão insuficientes para a demonstração, assente em sede de decisão recorrida, da factualidade relativa aos abusos sexuais imputados em sede de pronúncia.

Pese embora não configurando a questão enquanto tal, patenteia a leitura da alegação e conclusões recursórias nesta parte que o recorrente suscita, na verdade, uma situação de impugnação ampla da matéria de facto aqui em causa, nos termos permitidos no artigo 412º/3/4/6 do Cód. de Processo Penal.

Assim, apreciar–se–á a questão assim suscitada em sede de recurso em conformidade com a sua materialidade – e independentemente, portanto, da qualificação formal da mesma que vem efectuada.

Assim, refere o recorrente que o tribunal a quo deu como provado «o crime de violação» com base nas declarações da assistente BB (parte interessada na acção) e no depoimento indirecto das testemunhas EE (seu sócio e amigo), FF (seu pai), e DD (seu psicólogo), testemunhas estas que nada presenciaram com relevância para o objecto do processo, limitando–se a relatar aquilo que a assistente lhes disse.

Ademais, prossegue, não existe qualquer outra prova que corrobore as alegadas agressões sexuais contra a assistente BB – designadamente não contêm os autos uma única perícia médico-legal, um único exame médico, que venha confirmar do ponto de vista técnico e científico, com a certeza e o rigor legalmente exigidos, que as supostas agressões sexuais que a assistente BB reportou tenham por um lado, existido e, por outro, que a terem existido o aqui recorrente seja o seu autor.

Vejamos.

Sucintamente, começa por se fazer presente que o erro de julgamento, consagrado no artigo 412º/3 do Cód. de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,

c) as provas que devem ser renovadas (quando seja o caso).

A assim exigida especificação traduz-se, portanto, na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo ademais tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende. Ou seja, o tribunal de recurso vai apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, sendo absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo, sem esquecer que, nesta especificação, serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão.

Já com relação às duas últimas especificações, recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: sendo invocada prova que haja sido objecto de gravação, tais especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo indicar–se concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação – é o que resulta do nº4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal, que exactamente exige que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação ».

Em suma se dirá que, para que a impugnação possa proceder, as provas que o recorrente invoque, e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, em confronto com as valoradas pelo tribunal a quo ou com a valoração que esse tribunal efectuou, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como também devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.

Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas.

O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal.

Isto dito, e adentrando na alegação do recorrente, liminarmente se dirá que a argumentação expendida pelo arguido, quer nas motivações, quer nas conclusões do recurso, não é de todo eficiente para produzir qualquer alteração da matéria de facto.

E não o é desde logo porque, quer no que diz respeito à indicação concretizada quer dos pontos da matéria de facto a que reporta a sua impugnação, quer na adequada especificação das específicas passagens das provas gravadas invocadas – salientando–se reportar o recorrente às declarações da assistente e aos depoimentos de várias testemunhas –, exercício que se exige ao recorrente nos já citados termos do art. 412º/3/a)b)/4 do Cód. de Processo Penal, crê–se manifestamente não adequada a respectiva execução.

Na verdade, o recorrente limita–se a aludir às «agressões sexuais», ao «abuso sexual» ou ao «crime de violação» indistinta e genericamente, sem que especifique a que pontos concretos da fundamentação de facto se refere ; por outro lado, apenas alude em termos absolutamente vagos ao sentido daquelas declarações e depoimentos, sendo certo que, por estarmos em presença da invocação de elementos de prova objecto de gravação, o arguido não transcreve nem indica quais as concretas passagens dos mesmos que suscitam a sua invectiva.

Assim, não se mostra desde logo dado pelo recorrente adequado cumprimento do dever de especificação aqui imposto.

Nesta parte, o recorrente apenas enuncia a sua pretensão quanto a um determinado resultado final, alegando (como vimos) que a prova produzida é insuficiente para a demonstração de determinada factualidade genericamente invocada.

Tenhamos presente, neste sentido, o Acórdão do S.T.J. de 24/10/2002 (proc. 02P2124)[[6]], em que pode ser lido o seguinte: «o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.)».

Não deixa de se aditar, e para que dúvidas se não suscitem, que no essencial a alegação do recorrente assenta na falta de credibilidade que, no seu entendimento, suscitam as declarações da assistente BB, discordando da diversa avaliação do tribunal a quo quanto à mesma., e na falta de corroboração das mesmas por elementos de prova que, esses sim, no seu (do recorrente) entender, seriam adequados a demonstrar os factos aqui em causa – embora, repete–se, sem que jamais especifique a que factos em concreto está a aludir.

Pois bem, é certo que todo o julgador deve ter presente que, por mais honesta e por mais prudente que seja uma pessoa, pode ser induzida numa errada percepção sobre determinado tema – pelo que, tendo em conta a extrema relatividade que tem a prova por declarações pessoais, particularmente estando em causa um objecto processual com a natureza daquele dos presentes autos, há que ter muita ponderação na sua apreciação.

Porém, nada obsta a que um depoimento ou testemunho que seja possa ser suficiente para convencer o juiz, tudo se resumindo à credibilidade que merecem para o julgador aqueles que surgem à sua frente, e desde que o caminho de convicção trilhado pelo tribunal no âmbito da utilização das ferramentas da imediação e da oralidade de que dispõe, não ofenda patentemente as regras da experiência comum, antes resultando fundamentados racionalmente os factos dados como provados com base nas respectivas declarações, muito em especial quando confirmadas por outros elementos probatórios, derivados de provas directas ou indirectas, devidamente conjugadas entre si.

Dito de outro modo, quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

Como expressivamente se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/02/2023 (proc. 446/19.0T9CTB.C1)[[7]], «I - O único limite que o princípio da livre apreciação da prova impõe à discricionariedade de apreciação da prova oral por parte do julgador resulta das regras da experiência comum e da lógica supostas pela ordem jurídica. II - A livre apreciação da prova oral é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, porque é a 1ª instância que vê e ouve a arguida e testemunhas, que aprecia os seus gestos, hesitações, espontaneidade ou a falta dela, em suma, os seus comportamentos não verbais, é a 1ª instância que formula as perguntas que entende pertinentes, que encaminha o interrogatório e/ou a inquirição da forma que considera ser a mais conveniente, tudo faculdades de que o tribunal da relação não pode lançar mão e que impõem severas limitações à reapreciação da prova».

Pois bem, desde já se adianta que foi exactamente aquilo que o tribunal a quo fez, tendo levado a cabo um exercício de indagação incidente sobre os vários elementos probatórios produzidos, traduzido num exame crítico e conjugado dos mesmos – remetendo–se nesta parte desde já quanto se expressa em sede de motivação da decisão da matéria de facto.

In casu, o tribunal a quo explicou por referência às razões de ciência, ao grau de verosimilhança, ao conteúdo e consistência intrínseca dos depoimentos, explicando porque atribuiu mais credibilidade a determinados relatos que a outro.

Resulta também claro da análise da motivação da decisão da matéria de facto que para o tribunal a quo a imagem global dos factos resultou da correlação e conjugação entre vários elementos de prova, e não numa análise fragmentada e descontextualizada dos mesmos.

Também constatamos, nesta ordem de ideias, que o julgador não emitiu nenhum dado de raciocínio que pudesse sugerir arbitrariedade ou preconceito na decisão, nem tão pouco subverteu, ocultou ou extrapolou o significado de nenhum dado probatório.

A explicação do tribunal a quo é lógica, assenta em critérios de senso comum, está respaldada nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal.

E terá assim de prevalecer, sobre a divergente convicção do arguido acerca do sentido global da prova.

Ainda nesta imediata sequência, vem o recorrente – reiterando que o tribunal a quo não teve em consideração quaisquer Relatórios Médicos, quaisquer exames periciais do INML, quaisquer fotografias, enfim, quaisquer elementos probatórios que demonstrem as agressões sexuais alegadamente perpetradas pelo recorrente, atendendo tão só às declarações desta última são suportadas, apenas e só por prova indirecta – alegar mostrar–se verificada a ausência de um juízo de certeza no caso, pelo que deverá prevalecer o princípio da presunção de inocência nos termos do artigo 32º/2 da Constituição da República Portuguesa, de que é corolário o princípio do in dubio pro reo.

Vejamos.

Como é consabido, a condenação de uma pessoa pela prática de qualquer crime exige que a convicção positiva do julgador assente numa certeza que - alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante - afaste as dúvidas sobre essa mesma convicção. As exigências de segurança probatória em sede de julgamento criminal exigem um pouco mais do que uma mera indiciação de que o arguido alvo do mesmo estaria envolvido na prática material dos factos consubstanciadores do objecto processual em causa.

Donde, a ter-se por afectada a absoluta e rigorosa certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento - quando, por via das circunstâncias ligadas à produção de prova nos autos se tenha por inquinado o processo de formação da convicção do Tribunal na correspondente parte – não será de assacar ao arguido a actuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em benefício do arguido (in dubio pro reu).

O princípio em causa é, pois, violado quando o tribunal decide contra alguém tendo dúvidas consistentes nesse sentido e em relação à fiabilidade da prova.

Porém, “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 (proc. 12/14.7GBSRT.C1)[[8]].

Ora, em sede de recurso, a eventual violação desta manifestação do princípio da presunção de inocência plasmado no art. 32º/2 da Constituição da República Portuguesa, deve resultar seja do texto da decisão recorrida (de forma directa e imediata, decorrendo, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto), seja porque o tribunal considerou assentes factos duvidosos desfavoráveis ao arguido mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça (isto é, quando do confronto com a prova produzida se conclui que se impunha um estado de dúvida).

Seja como for, tudo está em que se possa constatar que o tribunal decidiu contra o arguido apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante.

Realça–se que o princípio in dubio pro reo não significa dar relevância às dúvidas que os sujeitos processuais encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos – é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2014 (proc. 155/13.4PBLMG.C1)[[9]], «a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que o Julgador não logrou ultrapassar».

Ora, no presente caso, e analisando a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, constata-se que a mesma enuncia os meios de prova produzidos e dá conta dos critérios adoptados permitindo compreender a razão pela qual os factos plasmados na decisão foram dados como provados. Essa apreciação da prova revela-se criteriosa, tendo criticamente avaliado a prova produzida, segundo critérios 1ógicos e objectivos e em obediência as regras de experiência comum, segundo o princípio da livre (mas vinculada) apreciação da prova consagrado no artigo 127° do Cód. de Processo Penal, usando correctamente dos princípios da imediação e da oralidade, conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para dúvidas, a inevitável fixação daquela matéria de facto.

Não se detecta, pois, qualquer estado de dúvida na explanação efectuada na sobredita motivação, antes nela se manifesta uma convicção segura baseada na indicada prova.

Pelo que, e em conclusão, não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas da recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ela efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo.

Poderá não agradar ao recorrente a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação feita da prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Contudo, em momento algum a sua própria apreciação permite contrapor a decisão que foi adoptada pelo tribunal e os alicerces da mesma, inexistindo qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.

Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

E, por esta forma, improcede também esta parte do recurso do recorrente em sede de decisão sobre a matéria de facto.

6. De saber se a Sentença procede a um correcto enquadramento jurídico–penal da matéria de facto provada.

No segmento recursório que reporta à «errada aplicação normativo-legal e suas consequências em termos de pena», vem o arguido impugnar, em sede de matéria de Direito, a decisão recorrida, considerando que existe um manifesto erro da subsunção jurídico–penal dos factos.

Assim, recorda, o tribunal a quo considerou que, tendo o arguido/recorrente preenchido os elementos típicos do crime de violação, e deveria ser aplicada a parte final do art. 152º/l do Cód. Penal, na parte em que expressamente prevê que a punição própria da violência doméstica será aplicada «se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal».

Ora, alega, esta norma não pode ser aplicada atento o facto de inexistir prova que confirme com rigor e segurança legalmente exigidos, a prática do aludido crime de violação por parte do recorrente – donde, a pena concreta a aplicar não pode ser a prevista no art. 164º/2/a) do Código Penal.

Apreciando, sucintamente se dirá que quanto vem de se analisar no ponto anterior já determina a inviabilidade de proceder também esta parte da impugnação.

Na verdade, esta pretensão recursória assim formulada assentava em pressupostos que não se verificam (como resulta da análise já acima efectuada), e que passavam pela integral procedência de alterações pelas quais se pugnava em sede de fundamentação de facto e seu enquadramento jurídico–criminal.

Era, pois, a inversão do sentido positivo de acordo com o qual o tribunal a quo decidiu verificados os pressupostos típicos do crime de violação, que sustentaria o não preenchimento pelo arguido dos pressupostos de especial agravação penal prevista na parte final do nº1 do art. 152º do Cód. Penal e pelos quais vem condenado.

Ora, já vimos não merecer censura a sentença recorrida na aludida questão.

Donde, e em conclusão, nos termos (que aqui se ratificam) decididos pelo tribunal a quo, mostrarem–se ainda e sempre preenchidos pelo arguido os pressupostos típicos do crime de violação, e, assim, da aludida agravação punitiva determinada – improcedendo esta subsequente parte do seu recurso.

7. De saber se deve ser determinada a alteração das consequências penais determinadas na Sentença, no que respeita à medida quer das penas parcelares concretas, quer da pena única de prisão.

Vem subsequentemente o arguido/recorrente dirigir a sua impugnação ao exercício de determinação das consequências penais aplicadas aos ilícitos pelos quais vem condenado – o que faz por reporte quer à medida concreta das penas parcelares aplicadas, mormente aquela cominada ao crime de violência doméstica que tem por ofendida BB, quer à medida da pena única de prisão fixada em cúmulo.

Vejamos quanto a cada um desses momentos

7.1. Da medida concreta das penas parcelares aplicadas.

Começa por se recordar que vem o arguido/recorrente condenado pela prática dos seguintes crimes, nas seguintes penas:

– pela prática de um crime de violência doméstica perpetrado contra a pessoa da assistente BB, previsto pelo artigo 152º/1/a)/2/a) do Cód. Penal e punido, de acordo com a moldura penal de 3 a 10 anos de prisão correspondente ao crime de violação prevista no art. 164º/2/a) do Cód. Penal, na pena concreta de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão,

– e pela prática de um crime de violência doméstica perpetrado contra a pessoa da assistente CC, previsto e punido pelo art. 152º/1/e)/2/a) do Cód. Penal com a moldura penal de 2 a 5 anos de prisão, na pena concreta de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Propugna o arguido dever ser alterada a medida concreta destas penas parcelares em que vem condenado, assentando tal invectiva em duas vertentes, que passam a analisar–se de seguida.

Assim, e por um lado, desde logo na decorrência de quanto vinha de propugnar anteriormente, reitera o recorrente que o tribunal a quo considerou erradamente que o recorrente preencheu os pressupostos do crime de violação que lhe vinha imputado, e por via disso é consequentemente errada a aplicação ao crime de violência doméstica praticado sobre a pessoa da assistente BB, da moldura penal mais grave prevista para aquele crime de violação – pelo que necessariamente se impõe reduzir a pena parcelar (de 3 anos e 6 meses de prisão) concretamente aplicada à luz daquela moldura.

Manifestamente não pode ter acolhimento esta sua pretensão.

Efectivamente, e tal como acima já ficou decidido, ratifica–se nesta sede o entendimento da primeira instância de acordo com o qual o arguido preencheu efectivamente os pressupostos do aludido crime de violação, pelo qual vinha pronunciado, e consubstanciado numa sua actuação típica, ilícita e culposa dirigida contra a ofendida BB.

Pelo que se mostra também correcto o apelo, e correspondente concretização, que a Sentença efectua à moldura pena aplicável ao mesmo crime prevista no art. 164º/2/a) do Cód. Penal, conforme expressamente se prevê na parte final do nº 1 do art. 152º do Cód. Penal – não se impondo, pois, qualquer alteração da pena concretamente determinada por via da devida consideração de uma mais restrita moldura penal decorrente de diversa estatuição punitiva.

Improcede, pois, esta primeira vertente impugnatória.

No mais, considera o recorrente que sempre as penas concretas aplicadas se devem considerar desmesuradas e atentatórias dos princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso, devendo ter–se em consideração que o arguido é delinquente primário, está social, familiar e laboralmente integrado, ser pessoa respeitada e respeitadora «e ainda, o facto de ter apresentado ao tribunal a sua versão dos acontecimentos, prestando declarações em todas as fases processuais».

Também nesta parte, e não menos manifestamente, carece de qualquer razão a alegação recursória.

Muito sucintamente se recorda que, de acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.

Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.

A primeira destas disposições determina que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», donde, a mesma irreleva nesta sede, pois que não é de ponderar tal alternativa.

Já o art. 71º do Cód. Penal estabelece que tal determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.

Assim, determinada a natureza da sanção a aplicar, o respectivo limite máximo da punição do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares. Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente

Assim, na escolha e determinação da medida da pena não poderá ultrapassar-se a medida da culpa, mas não poderá também ficar–se aquém do exigido pelos ditames da prevenção geral (centrados na tutela de bens jurídicos), abaixo dos quais não pode optar–se por ou fixar-se determinada sanção, sob pena de perda de confiança da comunidade no restabelecimento da vigência da norma violada.

In casu, a discordância do recorrente dirige–se ao exercício de concretização da pena de prisão aplicada.


Ora, desde logo cumpre salientar que, como é consabido e resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do tribunal superior só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.

Neste sentido, por todos, veja–se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009 (proc. 09P0484)[[10]], com profusa referenciação jurisprudencial – sufragando–se ter plena aplicação aos tribunais de segunda instância a jurisprudência, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, que ali vem exarada.

Tendo tal perspectiva presente, o primeiro aspecto que, no caso concreto dos autos, cumpre realçar, é o de que, contrariamente ao alegado, se julga que na Sentença ora recorrida foi objecto de ponderada apreciação o elenco dos elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena aplicada – em termos que acima ficaram já transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

E à luz da ponderação dos factores assim atendíveis, e ali enunciados, tendo em atenção as molduras penais para os ilícitos penais em causa, não pode deixar de se considerar que, se por algo peca a fixação das penas aplicadas, não é com toda a certeza por excesso.

Na verdade, dificilmente se pode sequer conceber como seria viável a aplicação de penas concretas em medidas inferiores às que vêm fixadas, quando se constata que estas já se situam em medida tão próxima dos limites mínimos das molduras punitivas aplicáveis – cumprindo nesta parte realçar que, ao contrário do que refere o recorrente, a moldura aplicável ao crime de violência doméstica cometido contra a ofendida BB é a de prisão a fixar entre 3 e 10 anos, em conformidade com o já sobejamente exposto, e não entre 2 e 5 anos.

Ou seja, de modo algum as penas concretamente fixadas se podem ter por desproporcionadas à culpa do arguido por excessividade.

Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso efectua dos fundamentos em que se estriba a determinação concreta das penas de prisão aplicadas, devendo o mesmo improceder nesta parte.

7.2. Da medida concreta da pena única de prisão fixada ao arguido.

Decidida a adequação das concretas penas parcelares a aplicar ao arguido pelos crimes pelos quais vem condenado, cumpre agora apreciar da pretensão de que, por via do presente recurso, seja alterada a pena unitária de 4 anos e 10 meses de prisão fixada em cúmulo, por a considerar excessiva e desproporcionada, decidindo–se antes pela aplicação de uma pena única próxima do mínimo legal.

Apreciando.

O concurso de crimes (e penas) relevante para efeitos de cúmulo jurídico vem regulado no art. 77º do Cód. Penal, que no seu nº1 dispõe «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

O sistema do concurso de penas por cúmulo jurídico numa pena conjunta foi adoptado para evitar a eventual ultrapassagem do limite da culpa do agente criminoso, e que poderia decorrer de um sistema de acumulação material onde ocorresse a mera soma das penas em que o arguido tivesse sido condenado. Por isso que o sistema da pena conjunta implica uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, nomeadamente, através da combinação das penas parcelares que não perdem a natureza de fundamentos da pena do concurso.

No caso, e recapitulando, temos que o arguido/recorrente será nos presentes autos objecto de condenação, pela prática de dois crimes de violência doméstica, nas penas parcelares de 3 anos e 6 meses, e de 2 anos e 6 meses.

No que tange ao exercício material conducente à determinação da punição única pelos crimes em concurso, o mesmo opera em primeiro lugar pela determinação das penas parcelares em que o arguido foi condenado, o que se mostra concretizado nos termos acabados recordar.

Em segundo lugar, e de acordo com o determinado no nº2 do art. 77º do Cód. Penal, deverá, por um lado, ter–se como limite mínimo da pena única a aplicar, aquele correspondente à pena parcelar mais elevada de entre aquelas em concurso ; e deverá. por outro lado, proceder–se à soma de todas as aludidas penas parcelares, obtendo-se assim o limite máximo da moldura abstracta aplicável – sendo todavia que, nos termos da regra do mesmo art. 77º/2 do Cód. Penal, a pena única aplicável, tendo «como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes», não pode «ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de multa».

Finalmente, assim determinados os limites máximo e mínimo da moldura punitiva aplicável, cumprirá então fixar a medida concreta da pena única dentro dessa moldura penal.

Nesta fixação da medida concreta da pena conjunta, deverá atender-se, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo art. 77°/1 do Cód. Penal – critérios que entre si se conjugam.

Assim, e em primeiro lugar, a determinação da medida da pena desde logo através dos critérios gerais de escolha e graduação da pena concreta, havendo assim a considerar em especial os parâmetros do art. 71º do Cód. Penal, já acima assinalados.

Depois, a determinação da medida da pena nos casos de concurso obedecerá aos critérios especiais de determinação do art. 77º/1 do Cód. Penal, onde se dispõe que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A apreciação do conjunto dos factos fornecerá uma visão integrada de condutas praticadas pelo agente (imagem global do ilícito), permitindo verificar se entre os factos criminosos existe uma ligação ou conexão relevante. A ligação ou conexão relevante entre factos visa apurar se o agente pretendeu com determinado conjunto de factos executar um plano, ou se há uma gravidade na conduta, não detectável em cada crime individualmente, mas claramente perceptível na sua globalidade.

A avaliação da personalidade do agente visa revelar se, da apreciação do conjunto dos factos praticados pelo agente, se extrai um figurino geral de personalidade do agente do crime, em termos de determinar a tendência ou a propensão para a prática de um determinado tipo de crime ou para a ofensa de determinados bens jurídicos. No âmbito da avaliação da personalidade, será ainda relevante, procurar compreender em que medida poderá a pena influenciar o arguido, em termos de dissuasão de uma delinquência futura.

Assim, com a fixação da pena conjunta se procura sancionar o agente nos limites da respectiva culpa, sendo esse o sentido e significado de encontrar uma punição assente na reavaliação dos factos (não dos factos individualmente considerados, mas especialmente do respectivo conjunto ; isto é, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente) em conjunto com a personalidade do arguido (impondo–se assim, e nomeadamente, verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime, ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa).

Temos, pois, que, de acordo com as regras inicialmente enunciadas de determinação da moldura penal aplicável no caso, e a ter em conta na fixação da pena única, esta pena unitária terá por limite mínimo o de 3 anos e 6 meses (pena parcelar mais elevada daquelas em concurso), e como limite máximo o de 6 anos de prisão (soma das duas penas em concurso).

No caso do arguido, e numa apreciação dos factores que militam em desfavor do mesmo no contexto da análise global que aqui se impõe, começar–se–á por referir que nas suas actuações, o arguido agiu sempre com dolo directo – ou seja, na modalidade mais grave de tal título de imputação subjectiva..

Depois, os crimes por si praticados e integrantes do cúmulo, reflectem muito acentuada gravidade objectiva e são merecedores de relevante juízo de censura penal, estando colocados em causa com os mesmos valores jurídico–penais de acentuado relevo, quer de ordem pessoal (como o são a integridade física, a honra e o bem–estar e tranquilidade psíquicas de ambas as ofendidas, e bem assim, de outra parte, a própria autodeterminação sexual da ofendida BB), quer comunitária (como a integridade e o respeito mútuo no seio das relações de natureza conjugal e parental).

O modo de execução dos factos revela, pois, e em qualquer dos casos, uma acentuada determinação e persistência.

Tudo quanto até aqui se expôs, já faz salientar, como se disse, as exigências de prevenção, quer de ordem geral, quer de ordem especial, impondo–se que a pena a aplicar contribua para a necessária e efectiva interiorização do desvalor de condutas como a dos autos, o que revela ainda não ter alcançado.

O contraponto a todos estes factores, corresponde a quanto – quer numa perspectiva de ponderação dos requisitos inerentes à finalidade da punição, quer à avaliação conjunta dos factos e da personalidade do arguido – poderá militar em favor do recorrente.

Neste aspecto realce particular para a inserção profissional do arguido e para um percurso de vida sem registo de outras infracções criminais.

No que respeita ainda à necessária caracterização global da conduta do arguido de acordo com os parâmetros atrás explanados, cumpre enfim referir que, analisando a globalidade dos factos em concurso no presente processo, se verifica que todos eles se encontram conexionados entre si, apresentando uma relação de continuidade temporal e objectiva.

O arguido prolongou as suas actuações por vários anos, infernizando continuadamente a vida da ofendida BB, sua ex–cônjuge, e depois não se coibindo de o fazer também com relação à filha menor de idade de ambos, no que reiterou também repetidamente mesmo após a separação conjugal.

O arguido expressando assim uma personalidade susceptível de acrescida cautela no que respeita â ponderação das exigências de prevenção no caso.

Aqui chegados, cumpre concluir à luz dos assinalados critérios e parâmetros conjugados dos arts 40º, 71º e 77º do Cód. Penal.

Resumindo quando já acima se deixou enunciado, escreveu–se no Acórdão do S.T.J. de 21/11/2018 (proc. 574/16.4PBAGH.S1)[[11]] que “Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”, imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “a decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber (…) se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”.

O exercício de fixação da pena única dentro da moldura legal penal supra assinalada, sem desconsiderar quanto se disse no que tange à ponderação da janela delimitada pelos ditames da culpa e das exigências de prevenção, deverá, pois, traduzir–se na compressão das penas parcelares em concurso – com excepção, naturalmente, daquela mais elevada, que transmite, na sua intocabilidade, o ponto de partida daquela moldura.

Sopesando os dados em presença, sem prescindir do rigor da lei, mas tendo em atenção a globalidade dos factos, avaliando a interconexão entre os crimes do concurso e a personalidade do arguido entende–se que a pena única de 4 anos e 10 meses de prisão fixada pelo tribunal a quo (situada na linha mediana da moldura penal aqui aplicável em cúmulo) se revela adequada e ajustada, pelo que se confirma a mesma.

Improcede, pois, igualmente este segmento da petição recursória.

8. De saber se os valores das indemnizações em que o arguido foi condenado são excessivos.

A derradeira questão suscitada pelo recorrente, prende–se com a sua condenação no pagamento dos valores indemnizatórios fixados pelo tribunal a quo na procedência do pedido de indemnização civil formulado nos autos pelas ofendidas/demandantes BB e CC (menor de idade, e processualmente representada pela primeira).

Assim, considera o recorrente/demandado que tais montantes indemnizatórios se mostram inflacionados, impondo–se reduzir os mesmos.

Em sustendo da sua pretensão, apela à consideração de que o montante da reparação deve ser proporcional à dimensão do dano, devendo apelar-se a critérios de bom senso, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação e equilíbrio das realidades da vida.

E no que em particular respeita à indemnização pelos danos não patrimoniais, a sua reparação terá de obedecer a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso (remissão feita pelo art. 496°/3 para o art. 494°, ambos do Cód. Civil), isto é, tendo-se em consideração a culpa do agente, a sua situação económica e a do lesado, bem como quaisquer outras circunstâncias que no caso se justifiquem.

Assim, conclui, pese embora as consequências das condutas perpetradas pelo recorrente adquiram gravidade e mereçam a tutela do direito, nomeadamente a título de danos não patrimoniais, os montantes eleitos pelo tribunal a quo afiguram-se inflacionados face à legalidade aplicável e ao comum sentido de equidade, devendo ser fixados em patamares substancialmente mitigados, «deixando-se a respectiva fixação ao prudente critério do Tribunal ad quem».

Apreciando se dirá que também neste último segmento não pode ser acolhida a pretensão recursória.

Conforme resulta já relatado, resulta dos autos que, em decisão sobre pedido de indemnização civil oportunamente formulado pelas ofendidas/demandantes BB e CC, o tribunal a quo veio a condenar o arguido/demandado a pagar àquelas a quantia de €9.772,57€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos até 23/11/2023, e ainda a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos danos futuros sofridos após 23/11/2023 com consultas pela assistente/demandante BB com o Dr. DD ou outro medico psicólogo até dois anos após o trânsito em julgado desta sentença e com consultas de pedopsiquiatria da assistente/demandante CC pelo período de 10 anos até Novembro de 2033.

De acordo com o art. 129º do Cód. Penal a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, o que significa que, para a atribuição de uma indemnização terá o juiz de se socorrer das regras estabelecidas na Lei civil, designadamente as consignadas nos arts. 483º e seguintes do Cód. Civil, sendo que a primeira logo refere que aquele que quem, designadamente com dolo, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, aditando ainda o art 563º do Cód. Civil que obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Ora, no presente caso, a primeira nota que cumpre deixar clara é a de que em sede de recurso não vem questionada a verificação dos pressupostos de fixação da indemnização em causa, e só muito marginalmente se invectiva a dimensão dos mesmos.

Assim, e começando precisamente por este último aspecto, ao aludir a que «os montantes indemnizatórios afiguram-se inflacionados tendo por base o supra enunciado», reporta ademais o recorrente à circunstância, propugnada a montante deste momento recursório, de não se poderem ter por verificados os pressupostos fácticos das ofensas de natureza sexual contra a ofendida BB e dadas como assentes nos autos, considerando–se em sede de cálculo indemnizatório, como a Sentença recorrida deflui, os danos que para a mesma ofendida/demandante decorreram também de tais actos.

Ora, como sobejamente vem de se analisar, não merece censura a decisão em sede de matéria de facto que nesta parte vem adoptada pelo tribunal a quo, tendo sido inteiramente ratificada a consideração de tal actuação danosa e, consequentemente, dos prejuízos pessoais daí decorrentes para a demandante.

Donde, e liminarmente, por tal via não se suscita sequer qualquer reponderação sobre qualquer dos montantes indemnizatórios fixados em sede de Sentença.

E, em bom rigor, a verdade é que outro tanto vale no que tange à impugnação dirigida à mera adequação dos valores indemnizatórios fixados.

Assim, e no que em especial se reporta aos danos de natureza patrimonial – incluindo nesta parte os aludidos danos futuros cujo ressarcimento, por valor a calcular em sede de liquidação de sentença, é também objecto de decisão condenatória –, inexistindo qualquer alteração nos pressupostos de facto em que assenta a sua fixação, inexistem igualmente motivos para determinar a alteração, por redução, dos valores indemnizatórios que correspondem (ou virão a corresponder, dentro dos limites do decidido) aos danos em causa.

Já no que tange aos danos de natureza não patrimonial, é também indiscutível mostrarem–se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do recorrente – em termos que o tribunal de primeira instância percorre e dá por assentes num exercício isento de censura –, não oferecendo dúvidas o dever de os indemnizar.

A única questão controvertida nesta parte respeita, pois, à adequação do valor indemnizatório concretamente fixado pelo tribunal a quo para o ressarcimento dos danos não patrimoniais das ofendidas.

Ora, a lei prevê a reparabilidade dos mesmos, limitando-a àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do Direito, aferindo-se essa gravidade de um ponto de vista objectivo, nos termos previstos no art. 496º/1 do Cód. Civil. Serão, pois, reparáveis os danos de tal modo graves que justifiquem a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

Pois bem, reentrando no caso dos autos, ficou provado que, em resultado directo, imediato e necessário da actuação ilícita do arguido, as demandantes sofreram múltiplos e acentuados danos pessoais de natureza física e psicológica, todos abundantemente elencados em sede de matéria de facto provada, e que o tribunal a quo vem, neste segmento, a resumir.

Trata–se, na verdade, de danos de natureza não patrimonial que plenamente justificam adequada compensação, isto é, de um ponto de vista objectivo são de tal modo graves que impõem a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – o que, reitera–se, não vem aqui discutido –, havendo a decisão recorrida, nos termos já expostos, fixado o valor correspondente à respectiva compensação nos termos acima recordados.

Danos não patrimoniais são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado. E porque não atingem o património do lesado, é verdade – como também alega o recorrente – que a obrigação de os ressarcir tem mais natureza compensatória do que indemnizatória, sem esquecer, contudo, que não pode deixar de estar presente a vertente sancionatória, devendo a determinação do quantum indemnizatório deverá operar de acordo com juízos de equidade, resultando do 496º/3 do Cód. Civil que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, e tendo ademais em consideração, nos termos do nº4 da mesma disposição, as circunstâncias previstas no art. 494º do Cód. Civil – ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e o correspondente sofrimento. Deverá ainda atender–se a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, não devendo ademais esquecer-se, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência – sendo que, como bem se assinala no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/03/2022 (proc. 3396/18.4JAPRT.P1)[[12]], «A fixação dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, deverá observar, para além do mais, o disposto no artigo 8º nº 3 do Código Civil», onde, precisamente, se prevê que «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

Nesta última perspectiva, deverá ter-se em conta que esta indemnização, ou compensação, devendo constituir um lenitivo para os danos suportados, não deverá, portanto, ser miserabilista. A compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do art. 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar. Como, por todos, se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/10/2022 (proc. 753/20.0PAESP.P1)[[13]], «Os danos não patrimoniais são suscetíveis de uma reparação, de forma indireta, mediante determinada quantia em dinheiro que, embora não repare o lesado dos males que a tal título haja experimentado, tem, todavia, a virtualidade de o aliviar e compensar, das dores, sofrimentos e desgostos que haja sofrido, mediante as satisfações, alegrias e prazeres que pode proporcionar-lhe, impondo-se que tal compensação, atenta a natureza dos bens lesados e a sua importância relativa, não seja meramente “simbólica” ou miserabilista».

Deverá ter–se ainda especialmente em conta, como acima se assinalou, que esta indemnização reveste uma natureza mista pois por um lado visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pelo lesado, e por outro também não lhe é estranha a ideia de reprovar, no plano civilistico, a conduta do agente – neste sentido ensina o Professor Antunes Varela, em “Das Obrigações em Geral – Volume I”, 5ª edição, pág. 602, aditando, a págs. 597/598 da ob. citada, que “a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Entre a solução de nenhuma indemnização atribuir ao lesado, a pretexto de que o dinheiro não consegue apagar o dano, e a de se lhe conceder uma compensação, reparação ou satisfação adequada, ainda que com certa margem de discricionariedade na sua fixação, é incontestavelmente mais justa e criteriosa a segunda orientação”.

Tais considerandos merecem acentuada ponderação em função das circunstâncias concretas do caso, pois que, como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/10/2021 (proc. 411/19.0GAVNF.P1)[[14]], «A responsabilidade civil extracontratual pelo cometimento de um crime que integra o padrão de criminalidade violenta e foi praticado com dolo directo terá de apresentar, pelo menos relativamente à compensação dos danos não patrimoniais, uma clara função punitiva tradutora de preocupações preventivas».

Assim, a indemnização por danos não patrimoniais, embora não possa anular o mal causado, visa proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo causado. Como salienta ainda o Professor Antunes Varela (ob. citada, pág. 600) “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

Tudo está, pois, na prossecução do objectivo de, após a adequada ponderação, se poder concluir por um valor pecuniário que se tenha por adequadamente justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.

Revertendo em definitivo ao caso concreto, é fora de dúvida que os danos de natureza não patrimonial aqui relevantes para efeitos de indemnização compensatória ofenderam, de modo muito significativo, a personalidade física e psíquica de qualquer das ofendidas/demandantes nestes autos, não podendo desconsiderar–se estarmos, em parte, perante prejuízos – mormente aqueles relacionados com as sequelas psicológicas, em termos de afectação da liberdade de auto–determinação sexual (no caso da ofendida BB, claro está), de debilidade nas suas auto–estimas e autoconfiança, e sentimentos de insegurança – insusceptíveis de serem completamente debelados, antes perdurando no tempo e acompanhando o percurso de vida do ofendido muito para além do período já entretanto decorrido sobre os factos.

Não pode escamotear–se, ademais, que na origem dos danos em causa está uma actuação dolosa (e na sua forma directa, isto é, a mais intensa em contexto de uma actuação deliberada, voluntária e consciente) de agressão física e psicológica particularmente grave por parte do arguido, e cuja caracterização típica integra jurídico–penalmente o conceito de criminalidade especialmente violenta (cfr. art. 1º/j) do Cód. de Processo Penal).

Todos estes factores se reflectem na ilicitude e na culpa da conduta do arguido demandado, e necessariamente se devem reflectir no montante indemnizatório a atribuir nesta parte.

Para além disso, ter-se-á em consideração a situação económica do arguido/demandado, nos termos assentes nos autos, mas também aquelas das demandantes cíveis. Assim, se é certo que o arguido tem as condicionantes financeiras que ficam assinaladas, também o é que não apresenta despesas extraordinárias e que a situação económica do demandante não resulta muito mais favorável.

Aqui chegados, e reportando directamente à argumentação recursória, percorrida a mesma, e além de não se mostrar invectivado qualquer pressuposto do dever de indemnizar aqui em causa, certo é que igualmente se constata não concretizar o recorrente minimamente em que termos ou em que medida o tribunal a quo deixou de respeitar os critérios de equidade que aqui se impõem, limitando–se a aludir genericamente a conceitos que regem em sede de cálculo indemnizatório de danos de natureza não patrimonial.

Ora, a verdade é que, ao contrário do aludido pelo recorrente, se julga que a apreciação e valoração do tribunal a quo nesta sede se mostram ajustadas e adequadas

Na verdade, ponderando todas as circunstâncias aqui relevantes e enunciadas na sentença recorrida e agora objecto de revisão nos termos referenciados – como também se escreve no supra referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/03/2022 (proc. 3396/18.4JAPRT.P1), «Em sede de recurso relativo aos montantes arbitrados como indemnização aos lesados por evento danoso gerador de responsabilidade extracontratual cabe ao Tribunal da Relação aferir os critérios definidos pelo Tribunal recorrido para a fixação do montante indemnizatório» –, julga–se que a fixação do valor das indemnizações por danos não patrimoniais nos montantes de €4.500,00 para a demandante BB e de €3.000,00 para a demandante CC, que vêm decididas pela primeira instância se mostram equitativas e adequadas de acordo com os critérios que aqui se impõem, sopesando de forma equilibrada todos aqueles factores do caso concreto que ficam assinalados.

Confirma–se, assim, também neste segmento, a decisão recorrida, correspondentemente improcedendo o recurso interposto.

Uma última nota, porém, para referir que, na presente decisão, será rectificada a fórmula utilizada pela primeira instância em sede de dispositivo na parte em que, no ponto 6. da “VII – Decisão, consigna a condenação do arguido no pagamento da indemnização por danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos até 23/11/2023, no sentido de ali deixar de se mencionar globalmente todo o valor atribuído em conjunto a ambas as demandantes, passando a especificar–se o valor indemnizatório que cabe a cada uma delas em conformidade exacta com quanto vem apreciado e decidido anteriormente na sentença.


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III. DECISÃO

Nestes termos, e em face de tudo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em:

1º, determinar a correcção dos lapsos de escrita verificados na parte «III –Enquadramento jurídico–penal», a páginas 50 a 56, da Sentença recorrida, nos termos assinalados supra no ponto 1. da presente decisão, no sentido de as referências típicas ao crime de violação imputado ao arguido o serem por reporte ao art. 164º/2/a) do Cód. Penal ;

2º, julgar verificado na Sentença recorrida o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal, mas suprir o mesmo, nos termos do art. 431º/1/a) do Cód. de Processo Penal, aditando à matéria de facto provada os pontos 198. e 199., tudo nos termos e em conformidade com o decidido no ponto 4. da presente decisão ;

3º, rectificar a redacção do ponto 6. da parte da “VII – Decisão”/dispositivo da Sentença recorrida, esclarecendo–se de forma especificada que, em consequência do julgamento como parcialmente procedente do pedido de indemnização civil deduzido pelas demandantes, vai o arguido AA condenando a pagar, a título de indemnização por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais sofridos até 23/11/2024, a quantia de €6.275,98 (seis mil, duzentos e setenta e cinco euros, e noventa e oito cêntimos) à demandante BB, e a quantia de €3.496,53 (três mil, quatrocentos e noventa e seis euros, e cinquenta e três cêntimos) à demandante CC ;

4º, não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 4 (quatro) U.C.´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).


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Porto, 14 de Maio de 2025

Pedro Afonso Lucas

Luís Coimbra

Pedro M. Menezes

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)

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[[2]] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt  
[[3]] Relatado por Eduarda Lobo, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
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